Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0771/03.2BTLRS 01205/17 |
Data do Acordão: | 02/12/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | TRANSPARÊNCIA FISCAL CONTRIBUIÇÕES DEDUÇÃO |
Sumário: | Tal como hoje resulta de forma expressa do disposto no n.º 6 do artigo 20.º do CIRS, a imputação a título de rendimento líquido na categoria B das quantias auferidas pelos advogados das sociedades de advogados onde exercem a sua actividade profissional, não prejudica a possibilidade de dedução por estes das contribuições obrigatórias para regimes de protecção social comprovadamente suportadas, nos casos em que os mesmos exerçam a sua actividade profissional através de sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC, desde que tais quantias não tenham sido objecto de dedução a outro título, designadamente, a título de gastos ou perdas, no seio da sociedade de advogados, i.e., em IRC. |
Nº Convencional: | JSTA000P25573 |
Nº do Documento: | SA2202002120771/03 |
Data de Entrada: | 11/08/2017 |
Recorrente: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – O Representante da Fazenda Pública interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 27 de Outubro de 2016, que julgou procedente a impugnação judicial, intentada por A…………., contra o indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa, relativa à liquidação do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 200251132661885, referente ao ano de 2001, no valor global de 79.160,02€, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo: I. Considerou a douta sentença a quo que é de equiparar os sócios das sociedades de advogados a membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas, admitindo que os serviços prestados pelos advogados no âmbito das sociedades de profissionais possam ser considerados juridicamente como prestações de trabalho dependente, permitindo, em consequência, a dedução das contribuições obrigatórias para o sub-sistema dos CPAS, embora sem os limites máximos relativos às deduções específicas e, outrossim, também seriam dedutíveis as quotas pagas para a Ordem dos Advogados, atento o seu carácter obrigatório para o exercício da profissão. II. Com a devida vénia e na esteira do teor do parecer do Digno Magistrado do Ministério prestado nos presentes autos, dissente-se de semelhante entendimento, no sentido em que decorre do art.º 6.º do CIRC, bem como do n.º 2 do artigo 20.º e do n.º 1 do art.º 28.º do CIRS, que a matéria colectável apurada na contabilidade das sociedades de profissionais ou transparentes, é imputada aos sócios e integra-se no rendimento tributável destes para efeitos do IRS, como rendimento líquido da categoria B. III. Logo, como resulta do disposto no n.º 2 do art.º 20.º do CIRC, o rendimento imputado aos sócios, ao integrar-se na categoria B (rendimentos empresariais e profissionais) como rendimento líquido, é impeditivo de que outras deduções se possam operar. IV. Quer isto dizer que os valores imputados vão integrar o rendimento líquido dos sócios da sociedade transparente, não podendo por tal facto, tais rendimentos ser objecto das deduções específicas previstas no CIRS para as categorias de rendimentos respectivas. V. Assim, tendo o legislador determinado a imputação aos sócios das sociedades transparentes da respectiva matéria colectável, enquanto rendimentos líquidos, não pode vir agora o intérprete criar uma segunda ordem de deduções a efectuar em sede de IRS e que opera em relação a rendimentos que, como se disse, já são pelo próprio legislador considerados como líquidos. VI. Pelo que, ao decidir como decidiu, a douta sentença a quo violou o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 20.º do CIRS e o n.º 1 do art.º 6.º do CIRC, motivo pelo qual não se pode manter na ordem jurídica. b) O ora impugnante é sócio da sociedade profissional de advogados denominada "………..", na qual exerce a sua actividade a título exclusivo - facto admitido por acordo das partes. c) Em 30/04/2002, apresentou a declaração modelo 3 de IRS, referente a 2001, tendo entregue o Anexo D, no qual indicou o valor do lucro da sociedade profissional que lhe foi imputado, nos termos do artigo 6.º do CIRC e entregou o Anexo B, em que incluiu as seguintes despesas no quadro 9: - Código 64: quotizações para Ordens e outras organizações representativas de categorias profissionais: € 259,37; - Código 62: Contribuições obrigatórias para a Segurança Social: € 10.226,35; - tudo conforme a declaração Modelo 3, junta a fls. 18 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos. d) A Administração Tributária não admitiu as despesas declaradas pelo impugnante em sede do Anexo B, isto é, as relativas a contribuições obrigatórias para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores e as relativas às quotas para a Ordem de Advogados e emitiu a liquidação, parcialmente sindicada, na parte em que desconsiderou as referidas despesas - facto admitido por acordo e citada liquidação. e) Inconformado, em 06/11/2002, o ora impugnante deduziu a competente reclamação graciosa - articulado de fls. 16 e segs. dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido. f) A reclamação graciosa foi indeferida, de acordo com a decisão de fls. 52 e segs. do apenso de reclamação graciosa, constando da respectiva fundamentação, com interesse para os autos, o seguinte: "Tal como é mencionado pelo sujeito passivo, o mesmo não obteve rendimentos enquadráveis no anexo B da declaração de rendimentos modelo 3, uma vez que a sua actividade se desenvolve exclusivamente no âmbito da sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, nos termos do artigo 6.º do CIRC, cujos rendimentos constam do anexo D que apresentou. Pretende que lhe sejam considerados os custos em que incorreu com a ordem dos advogados e com a caixa de previdência de advogados e solicitadores, isto na sua esfera individual de rendimentos. Ora, o reclamante não tendo optado por outro regime - contabilidade organizada - até porque como o próprio reconhece não pode exercer a actividade por si só, é tributado de acordo com o estabelecido no artigo 31.º do CIRS - regime simplificado. Este normativo prevê que o rendimento colectável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,65 aos proveitos obtidos, que neste caso é zero. Nos termos da legislação em vigor, quando a determinação da base tributável seja calculada nos termos do regime simplificado, contemplado na legislação atrás citada, não serão aceites quaisquer despesas, uma vez que, as mesmas se encontram contidas no coeficiente atrás referido. Caso os custos ínsitos no anexo B hajam sido realizadas no âmbito da actividade exercida na Sociedade de Profissionais, é a esta que teriam que ser imputadas (...)". g) No ano fiscal de 2001, o ora impugnante efectuou pagamentos, no montante global de € 10.226,35, a título de contribuições obrigatórias para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores e pagamentos, no montante total de € 259,37 a título de quotas para a Ordem de Advogados - Declaração emitida pela Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores de fls. 23 dos autos e Recibo emitido pela Ordem dos Advogados de fls. 24 dos autos, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais. h) A liquidação em apreço foi paga em 04/11/2002, dentro do prazo de pagamento voluntário, pelo impugnante - informação de fls. 62 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
3 – Do direito 3.1. Está em causa nos presentes autos uma liquidação de IRS respeitante ao ano fiscal de 2001, apresentada por um advogado que exercia a sua actividade no âmbito de uma sociedade de advogados, na parte em que não foram aceites pela AT como despesas fiscais as contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados e para a Ordem dos Advogados. A questão colocou-se por estar em causa rendimento proveniente de uma sociedade de advogados, i.e. subordinada ao regime de transparência fiscal (artigo 6.º do CIRC, na redacção em vigor em 2001), Artigo 6 º (Transparência fiscal)
Artigo 12º (Sociedades e outras entidades abrangidas pelo regime de transparência fiscal)
e, como tal, sujeito a um regime especial de imputação, segundo a redacção do artigo 19.º do CIRS (na redacção em vigor em 2001), onde se consagrava o seguinte:
(destaque nosso)
A regra na tributação do rendimento de um advogado que exercesse a sua actividade profissional através de um sociedade de advogados era (e é), portanto, a do apuramento do rendimento anual tributável da actividade segundo as regras do IRC, mas a respectiva tributação em IRS, mediante a imputação, a título de rendimento líquido, na categoria B do IRS de cada advogado membro da referida sociedade, da quota parte do respectivo rendimento na sociedade de transparência fiscal.
3.2. Nem as regras sobre o regime de transparência fiscal, nem as regras sobre o mecanismo de imputação especial do rendimento líquido em sede se IRS, davam resposta expressa ao problema de saber como se deveriam deduzir os custos com as contribuições para a CPAS ou as quotas para a Ordem dos Advogados: i) se a título de custos e perdas da sociedade (artigos 23.º e 40.º do CIRC), uma vez que estávamos perante despesas indispensáveis ao exercício da actividade de advocacia, que constituía o fim da sociedade de advogados; ii) se a título de deduções ao rendimento (ou montante da imputação especial) para apuramento da base tributável do IRS do advogado, atendendo a que este poderia, eventualmente, não esgotar a sua actividade no âmbito da sociedade. Em boa verdade, qualquer das opções seria válida. O que se revelaria inadmissível à luz das regras e dos princípios jurídicos seria, tanto a dupla dedução – ou seja, a dedução em sede de IRC no apuramento do rendimento líquido da actividade da sociedade e a dedução em IRS, ao montante da imputação a título de rendimento líquido da categoria B do advogado, no âmbito de uma operação complementar e prévia da operação de liquidação em sentido restrito –, como a não dedução, pois a não admitir-se a dedução em IRC e em IRS estar-se-ia a tributar a título de rendimento uma parcela do mesmo gasta obrigatoriamente a título de despesa indispensável para a obtenção daquele rendimento. Acrescendo ainda a desigualdade – tratamento desigual arbitrário – que resultaria da circunstância de um advogado que exercesse a actividade profissional a título individual poder fazer a dedução daquelas despesas no âmbito do regime de contabilidade organizada, enquanto o advogado que exercesse a actividade no âmbito de uma sociedade de advogados ficaria impedido de deduzir aquelas despesas. Em suma, teria sempre de admitir-se a dedução daquelas despesas (com as contribuições para a CPAS e as quotizações para a OA), fosse a título de gastos e perdas para efeitos do artigo 23.º do CIRC, quando o exercício da actividade profissional se esgotasse no âmbito sociedade de advogados, fosse a título de deduções no âmbito da categoria B, sempre que o advogado auferisse rendimentos profissionais de outras fontes para além da sociedade de advogados.
3.3. Esta solução, embora não estivesse – já o dissemos – expressamente prevista nas normas de IRC e IRS, resultava sempre dos princípios em que se fundava aquela tributação, fosse no princípio-regra da tributação do rendimento líquido, fosse no princípio da igualdade fiscal.
3.4. De resto, trata-se de uma solução que acabaria, posteriormente, por vir a ser consagrada de forma expressa no n.º 6 do artigo 20.º do CIRS (artigo que sucedeu ao referido artigo 19.º), onde actualmente se pode ler o seguinte: 6 - O disposto no n.º 2 [imputação do rendimento líquido na categoria B] não prejudica a possibilidade de dedução das contribuições obrigatórias para regimes de protecção social comprovadamente suportadas pelo sujeito passivo, nos casos em que este exerce a sua actividade profissional através de sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC, desde que as mesmas não tenham sido objecto de dedução a outro título. E, em complemento, veja-se, também, o que se afirmou na informação vinculativa emitida no proc. 433/2006, através do Despacho de 24 de Abril de 2007: "Dos montantes despendidos por sociedade civil profissional de advogados no pagamento de quotas devidas à Ordem dos Advogados (OA), bem como no pagamento à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), tanto dos seus advogados-sócios, como dos advogados-associados, apenas são fiscalmente dedutíveis, como custos ou perdas, no seio da sociedade de advogados, nos termos dos artigos 23.º e 40.º do Código do IRC, as quotas mensais devidas à OA dos seus advogados-sócios e desde que não seja admitido, segundo a forma prevista no n.º 4 do artigo 5.º Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, o exercício da advocacia fora do âmbito da sociedade.
Conclusões Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
* Lisboa, 12 de Fevereiro de 2020. – Suzana Tavares da Silva (relatora) – Aragão Seia – Francisco Rothes. |