Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:015/24.3BALSB
Data do Acordão:04/04/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
MEIO PROCESSUAL
LITISPENDÊNCIA
Sumário:I-A adequação do meio processual da intimação judicial para proteção de direitos, liberdades e garantias, não se afere apenas em função de estar em causa um direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental análogo, pois é necessário que esse direito se encontre ameaçado ou carente de tutela urgente de mérito.
II-Nos termos previstos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA, o uso deste meio processual pressupõe a necessidade de uma tutela de mérito urgente, que não possa ser satisfeita através do recurso aos meios normais, urgentes e não urgentes, isto é, processo cautelar e ação administrativa.
III-O que se configura, designadamente, no caso de a Requerente ter já instaurado, previamente à presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, uma ação administrativa.
IV-Tal acarreta, igualmente, a procedência da exceção de litispendência, por a Autora ter instaurado uma ação administrativa, em que as partes são as mesmas na referida ação e na presente intimação, sendo a causa de pedir a mesma, por provir dos mesmos factos jurídicos e os pedidos são idênticos, por se pretender obter o mesmo efeito jurídico em ambos os meios processuais.
Nº Convencional:JSTA000P32061
Nº do Documento:SA120240404015/24
Recorrente:AA
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. AA, devidamente identificada nos autos, veio requerer a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, ao abrigo do n.º 1, do artigo 109.º do CPTA, contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CSMP), peticionando que seja condenado, no prazo de dois dias: i) a declarar a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar do Processo Disciplinar n.º ...3, por decurso do prazo de 60 dias, nos termos do artigo 209.º n.º 2 do EMP, o qual se terá verificado no dia 06/07/2021 ou, caso assim se não entenda, no dia 05/10/2021, ou no dia 09/11/2021, ou no dia 06/01/2022, ou no dia 17/10/2022, ou no dia 08/11/2022; ii) a declarar a extinção da eventual responsabilidade disciplinar da Autora por caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar, nos termos dos artigos 209.º, n.º 2 e 208.º, al. a) do EMP e o consequente arquivamento dos autos; iii) se fixe na decisão da presente intimação, o pagamento, pelo CSMP, de sanção pecuniária compulsória em caso de incumprimento do determinado judicialmente, nos termos previstos no artigo 111.º, n.º 4 do CPTA; iv) em alternativa, a emissão, nos termos do artigo 109.º, n.º 3 do CPTA, de sentença que produza os efeitos do ato vinculado devido e, em consequência, a imediata declaração judicial do peticionado em i) e ii).

2. Argumenta, em síntese, que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é o único meio processual hábil a obter a declaração de caducidade do direito de o CSMP instaurar o Processo Disciplinar n.º ...3 e, dessa forma, a obviar à violação de diversos direitos cuja titularidade invoca: o direito fundamental ao trabalho, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, na sua vertente negativa ou de garantia de proibição de obstáculos exteriores ao exercício pela Autora das suas funções de magistrada do Ministério Público; o direito fundamental à segurança e estabilidade no trabalho; o direito fundamental ao efetivo exercício das suas funções de magistrada e o direito à retribuição por esse exercício; o direito fundamental às garantias de defesa em processo disciplinar; o direito fundamental a um processo disciplinar que seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo e o direito ao bom nome e reputação pessoal e profissional.

3. A Entidade Requerida CSMP respondeu, pugnando pela sua absolvição da instância por verificação das exceções dilatórias de inidoneidade do meio processual, defendendo que a Autora sempre teria a defesa dos seus direitos assegurada por via da tutela cautelar e do recurso à ação administrativa, e de litispendência, em virtude da pendência, neste STA, da ação administrativa n.º 116/23.5BALSB ou, caso assim se não entenda, pela sua absolvição do pedido, fundada na improcedência da intimação.

4. A Autora, notificada para o efeito em cumprimento do despacho da Relatora de 29/02/2024, pronunciou-se sobre a matéria de exceção suscitada na resposta da Entidade Requerida, reiterando a argumentação expendida na respetiva petição inicial e requerendo que, em observância do caráter urgente dos autos, i) seja proferida decisão, pela Conselheira Relatora, nos termos da alínea i), do n.º 1, do artigo 27.º do CPTA ou ii) não se afigurando que a questão a decidir seja simples, que sejam os autos inscritos, na primeira data possível, em tabela para julgamento em conferência.

5. O processo vai à conferência para julgamento, sem vistos dos Juízes Conselheiros Adjuntos, por ser um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA INTIMAÇÃO - QUESTÕES A APRECIAR

6. Nos presentes autos, nos termos peticionados ou suscitados pelas partes nos respetivos articulados, incumbe a este STA decidir:

i) Da exceção de inidoneidade do meio processual;

ii) Da exceção de litispendência;

iii) Da intimação do CSMP a declarar a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar do Processo Disciplinar n.º ...3, por decurso do prazo de 60 dias, nos termos do artigo 209.º, n.º 2 do EMP;

iv) Da intimação do CSMP a declarar a extinção da eventual responsabilidade disciplinar da Autora por caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar, nos termos dos artigos 209.º, n.º 2 e 208.º al. a) do EMP e o consequente arquivamento dos autos;

v) Da condenação do CSTAF ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória em caso de incumprimento do determinado judicialmente, nos termos previstos no artigo 111.º, n.º 4 do CPTA;

vi) Em alternativa, a emissão, nos termos do artigo 109.º, n.º 3 do CPTA, de sentença que produza os efeitos do ato vinculado devido e, em consequência, a imediata declaração judicial do peticionado em i) e ii).

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

7. Com base nas posições das partes assumidas nos seus articulados e nos documentos juntos aos autos, com relevo para a decisão a proferir, julga-se provada a seguinte matéria de facto:

1 – A Autora é Procuradora da República, a exercer funções na Comarca ... – Acordo;

2 – A Autora é arguida no processo disciplinar ...3 instaurado pelo Conselho Superior do Ministério Público – Acordo;

3 – A Autora é também Autora na Ação Administrativa que corre termos neste STA, sob Processo n.º 116/23.5BALSB, no âmbito da qual pede a condenação do CSMP, no prazo de 2 dias a: “Declarar a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar do Processo Disciplinar n.º ...3 que o CSMP move contra AA, por decurso do prazo de 60 dias. nos termos do artigo 209.º n.º 2 do EMP, como tendo caducado no dia 6 de Julho de 2021 ou se assim não se entender, no dia 5 de Outubro de 2021 ou, se assim não se entender, no dia 9 de Novembro de 2021, ou se assim não se entender no dia 6 de Janeiro de 2022, ou, se assim não se entender, no dia 17 de Outubro de 2022 ou, se assim não se entender, no dia 8 de Novembro de 2022” e a condenação do CSMP a “Declarar a extinção da eventual responsabilidade disciplinar da Autora por caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar nos termos dos artigos 209.° n.° 2 e 208.” al. a) do EMP e o consequente arquivamento dos autos” – Acordo;

4 – Na presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, instaurada neste STA, sob Processo n.º 15/24.3BALSB, em que são partes AA e o CSMP, é peticionado que “Seja o CSMP Plenário condenado a, no prazo de 2 dias:

1. Declarar a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar do Processo Disciplinar n.º ...3, por decurso do prazo de 60 dias, nos termos do artigo 209.° n° 2 do EMP, como tendo caducado no dia: 6 de Julho de 2021 ou se assim não se entender, no dia 5 de Outubro de 2021 ou, se assim não se entender, no dia 9 de Novembro de 2021, ou, se assim não se entender, no dia 6 de Janeiro de 2022, ou, se assim não se entender, no dia 17 de Outubro de 2022 ou, se assim não se entender, no dia 8 de Novembro de 2022.

2. Declarar a extinção da eventual responsabilidade disciplinar da Autora por caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar nos termos dos artigos 209.° n.º 2 e 208.° al. a) do EMP e o consequente arquivamento dos autos;

3. Se fixe, desde logo, na Decisão de intimação, o pagamento pelo CSMP de sanção pecuniária compulsória em caso de incumprimento pelo determinado judicialmente, nos termos previstos no artigo 111.º nº 4 do CPTA.

4. Ou, como se está perante um acto devido pela administração estritamente vinculado, requer-se, em alternativa, que nos termos do artigo 109.° n.° 3 do CPTA o Tribunal emita sentença constitutiva destinada a produzir os efeitos do acto devido e em consequência seja, de imediato, declarado judicialmente o que se peticiona supra em 1. E 2.” – Acordo;

5 – Em 14/03/2024 foi proferido Acórdão no âmbito do Processo n.º 116/23.5BALSB, em que este STA julgou a ação improcedente – cfr. SITAF.


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Não se consideram provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão a proferir.

DE DIREITO

i) Da exceção de idoneidade do meio processual

8. A Entidade Demandada vem suscitar a exceção de inidoneidade do presente meio processual, invocando que a Autora vem deduzir pedidos inidóneos para o presente meio processual de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, por a aplicação de uma sanção disciplinar nunca poder ser considerada uma ofensa à segurança no emprego ou ao direito ao trabalho, previstos nos artigos 53.º e 58.º da Constituição e por a Autora dispor de outros meios processuais, que são a ação administrativa e o processo cautelar, não se verificando o pressuposto da impossibilidade ou a insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar no âmbito da ação administrativa.

9. Mais sustenta que tendo sido ultrapassada a fase de despacho liminar, não se apresenta possível observar o n.º 1, do artigo 110.º-A do CPTA e ser utilizada a prerrogativa de convidar a Autora a substituir a petição para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, pugnando pela procedência da exceção de inidoneidade do meio processual e pela sua absolvição da instância.

10. Compulsados os autos, em face do que constitui a alegação e os fundamentos da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias e a posição das partes sobre a referida matéria de exceção, assim como, o que decorre da factualidade provada em juízo, extrai-se que a ora Autora veio instaurar a presente intimação, nos termos dos artigos 109.º e segs. do CPTA, pedindo que a entidade demandada, o CSMP, seja condenado a declarar a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar do Processo Disciplinar n.º ...3, contra si instaurado e, em consequência, a declarar a extinção da responsabilidade disciplinar, nos termos da al. a) do artigo 208º do mesmo EMP, invocando a Autora a necessidade da tutela para a defesa dos seus direitos ao trabalho e à segurança ao trabalho, que configura como direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga e que não considera que seja adequado declarar a caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar em sede cautelar ou, mesmo que se considerasse adequado, ainda assim entender que este meio não permite obter uma pronúncia em tempo útil.

11. Decorre também da alegação da Autora que vem requerer a presente intimação na sequência da instauração da ação administrativa que corre termos sob Processo n.º 116/23.5BALSB, a qual ainda se encontra pendente.

12. Nos termos em que a questão se mostra suscitada, relativa à inidoneidade do presente meio de intimação judicial para proteção de direitos, liberdades e garantias, em rigor, mais do que não estar em causa um direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental análogo, a Entidade Demandada põe em crise que esteja em causa um direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental análogo que se encontre ameaçado ou carente de tutela urgente de mérito.

13. O que o CSMP põe em crise é, por isso, o juízo de necessidade e de indispensabilidade do uso do presente meio processual, o qual caracteriza a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, nos termos previstos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA, designadamente, a necessidade de uma tutela de mérito urgente que não possa ser satisfeita através do recurso aos meios normais, urgentes e não urgentes, isto é, processo cautelar e ação administrativa especial.

14. Segundo o disposto no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias apenas pode ser utilizada quando se revele indispensável à célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa, para assegurar, em tempo útil, um direito, liberdade e garantia, por não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º do CPTA.

15. No caso, são invocados direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias, cuja tutela é conferida pelos artigos 17.º e 18.º da Constituição.

16. Segundo o Acórdão do TCAS, de 10/05/2012, Processo n.º 08736/12, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal e não um processo cautelar, a que só é legítimo recorrer, de acordo com o princípio da tipicidade dos meios processuais, previsto no n.º 2, do artigo 2.º do CPC, segundo os pressupostos materiais previstos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA, quando esteja em causa a lesão ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental análogo, cuja proteção seja urgente e que não é possível obter através da instauração de outro meio processual.

17. Se no caso concreto a tutela da situação jurídica ficar suficientemente assegurada pela propositura de uma ação principal normal e de um processo cautelar, a ação subsidiária urgente, prevista no artigo 109.º CPTA, será inadequada.

18. Em face da alegação da Autora e da factualidade provada tem de se entender por assistir razão à Entidade Demandada na dedução da exceção de inidoneidade da presente intimação, pela seguinte ordem de razões:

19. Primo, não se encontram demonstrados os pressupostos de a Autora estar necessitada de obter uma célere emissão de uma decisão de mérito para assegurar a tutela dos direitos que vem invocar em juízo, não só porque já instaurou uma anterior ação administrativa para a mesma finalidade, como os direitos invocados que considera estarem a ser ameaçados de lesão não carecerem de uma tutela urgente, que não se compadeça com o meio processual já usado pela Autora, a ação administrativa que corre termos sob Processo n.º 116/23.5BALSB.

20. Secundo, mesmo que assim não se entendesse e fosse de configurar a situação em presença como carente de uma tutela urgente, sempre seria adequada a adoção de uma providência cautelar, como meio instrumental à ação administrativa já instaurada, mediante a apensação a essa ação, e não a instauração de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, como a presente.

21. Como se decidiu no Acórdão do TCAS, de 31/01/2018, Processo n.º 108/17.3BEPDL, “Não estão verificados os pressupostos para a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, por ser possível, perante as circunstâncias do caso concreto e a realidade atual, ser instaurada ação administrativa de abstenção de conduta, acompanhada de processo cautelar de intimação à abstenção de conduta.”.

22. Nestes termos, não logra a Autora demonstrar a verificação dos pressupostos de utilização do presente meio processual, que se afigura secundário e de utilização restrita e limitada, quando em comparação com os demais meios processuais.

23. Como salientam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “o Código assume que, ao contrário do que se poderia pensar, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a propositura de uma ação não urgente, associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação”, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª ed., Coimbra, 2017, pp. 886-887.

24. Neste sentido, será de julgar procedente a exceção de inidoneidade da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

ii) Da exceção de litispendência

25. Sem prejuízo, foi também invocada pela Entidade Demandada a exceção de litispendência, por, segundo o que a própria Autora admite, já instaurou a ação administrativa sob Processo n.º 116/23.5BALSB, relativa ao mesmo processo disciplinar, verificando-se que as partes são as mesmas na referida ação e na presente intimação.

26. Além de, segundo a Entidade Demandada a causa de pedir é a mesma, provindo dos mesmos factos jurídicos e os pedidos são idênticos, por se pretender obter o mesmo efeito jurídico.

27. Com base na factualidade provada nos presentes autos é possível constatar o acerto e a razão que assiste à Entidade Demandada, pois pela Autora foi apresentado um outro meio processual, sob a forma de ação administrativa, em que os sujeitos processuais são os mesmos, Autora e o CSMP, além de ocuparem a mesma posição processual na lide, sendo este a mesma Entidade Demandada em ambos os processos, e em que, embora sob meios processuais distintos, a Autora formula os mesmos pedidos e pretende obter o mesmo efeito jurídico.

28. Compulsando ambos os meios processuais, existe uma perfeita identidade quanto às pretensões deduzidas, pois, em ambos os casos, a Autora visa a condenação do CSM a “1. Declarar a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar do Processo Disciplinar n.º ...3, por decurso do prazo de 60 dias, nos termos do artigo 209.° n° 2 do EMP, como tendo caducado no dia: 6 de Julho de 2021 ou se assim não se entender, no dia 5 de Outubro de 2021 ou, se assim não se entender, no dia 9 de Novembro de 2021, ou, se assim não se entender, no dia 6 de Janeiro de 2022, ou, se assim não se entender, no dia 17 de Outubro de 2022 ou, se assim não se entender, no dia 8 de Novembro de 2022.

2. Declarar a extinção da eventual responsabilidade disciplinar da Autora por caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar nos termos dos artigos 209.° n.º 2 e 208.° al. a) do EMP e o consequente arquivamento dos autos;”, constituindo estes os pedidos principais nos dois processos.

29. A litispendência é uma exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, nos termos dos artigos 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea l) e 102.º, n.º 1, ambos do CPTA.

30. Segundo os artigos 580.º a 582.º do CPC, ex vi n.º 1, do artigo 35.º do CPTA, a litispendência verifica-se nos casos em que uma causa se repete estando a anterior ainda em curso.

31. De um ponto de vista formal, repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

32. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (n.º 2, do artigo 581.º do CPC).

33. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (n.º 3, do artigo 581.º do CPC).

34. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (n.º 4, do artigo 581.º do CPC).

35. Do ponto de vista material a exceção de litispendência tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (n.º 2, do artigo 580.º do CPC), ou seja, “a exceção de litispendência começa exatamente por pretender evitar um duplo dispêndio (desnecessário) de tempo, de dinheiro e de esforços”, pelo que, afim “de evitar que um dos tribunais, ou o mesmo tribunal, venha a contradizer ou a reproduzir (em qualquer dos casos inutilmente e com risco de grave dano para o prestígio da justiça) a decisão do outro (ou a sua anterior decisão), manda-se que o réu seja absolvido da instância, no segundo processo.”, Antunes Varela et alii, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 301.

36. Numa perspetiva processual, a litispendência deve ser deduzida ou conhecida oficiosamente na ação proposta em segundo lugar, entendendo-se como tal, aquela em que a Entidade Demandada tiver sido citada em segundo lugar (n.ºs 1 e 2, do artigo 582.º do CPC).

37. Existindo tal identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir entre a presente intimação, sob o Processo n.º 15/24.3BALSB e a ação administrativa sob o Processo n.º 116/23.5BALSB, forçoso se tem de entender pela verificação da litispendência.

38. Acresce que se verifica ainda que, em 14/03/2024, este STA decidiu a ação administrativa, sob Processo n.º 116/23.5BALSB, o que retira também toda a utilidade aos pedidos formulados na presente intimação referentes à condenação do CSMP ao pagamento de uma “sanção pecuniária compulsória em caso de incumprimento pelo determinado judicialmente, nos termos previstos no artigo 111.º nº 4 do CPTA.”, assim como, quanto ao pedido deduzido em 4., “Ou, como se está perante um acto devido pela administração estritamente vinculado, requer-se, em alternativa, que nos termos do artigo 109.° n.° 3 do CPTA o Tribunal emita sentença constitutiva destinada a produzir os efeitos do acto devido e em consequência seja, de imediato, declarado judicialmente o que se peticiona supra em 1. E 2.”.

39. Evidenciando, nos termos da factualidade provada, que a Autora veio requerer a presente intimação judicial contra o CSMP visando obter os efeitos que já havia requerido na ação administrativa sob Processo n.º 116/23.5BALSB, permitindo configurar a procedência da exceção de litispendência.

40. O que conduz à absolvição da Entidade Demandada da instância, obstando ao prosseguimento dos autos e ao conhecimento do mérito do pedido.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de harmonia com os poderes conferidos pelo disposto no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em julgar procedentes as exceções de inidoneidade da presente intimação e de litispendência, e absolver a Entidade Demandada da instância.

Sem custas – Artigo 4.º, n.º 2, b) do RCP.

Lisboa, 4 de abril de 2024. - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho (relatora) - Cláudio Ramos Monteiro - Liliana Maria do Estanque Viegas Calçada.