Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0855/21.5BELSB
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:CONCURSO PÚBLICO
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
LISTA DE PREÇOS UNITÁRIOS
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
Sumário:A falta de apresentação autónoma dos custos unitários previstos pelo Caderno de Encargos e pelo Anexo III do Programa do Concurso determina a exclusão da proposta do concorrente, com fundamento na falta de atributos essenciais da mesma, nos termos dos artigos 57.º, n.º 1, alínea c), 70.º, n.º 2, alínea a) e 146.º, n.º 2, alínea o) do Código dos Contratos Públicos (CCP).
Nº Convencional:JSTA00071839
Nº do Documento:SA1202404110855/21
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃOS DO TCA SUL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:CONCURSO PÚBLICO
Legislação Nacional:ARTIGOS 57.º, n.º 1, alínea c), 70.º, n.º 2, alínea a) e 146.º, n.º 2, alínea o) do Código dos Contratos Públicos (CCP).
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
I. Relatório

1. A..., LDA. - identificada nos autos - recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.° do CPTA, dos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 31 de julho de 2023 e 26 de outubro de 2023, que concedera provimento ao recurso interposto pela SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ... [SCM...] e pela contrainteressada B..., SA., da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Lisboa, de 25 de novembro de 2021, que julgou procedente a ação por si proposta, anulando a deliberação da Mesa da [SCM...] n°886/2021, de 13 de maio, condenando-a a admitir a proposta da autora, a graduá-la em primeiro lugar e adjudicar-lhe o objeto do concurso público internacional para a prestação de serviços de limpeza em hospitais, unidades de cuidados integrados, unidades de saúde e equipamentos com cuidados médicos da ação social da [SCM...].

2. Nas suas alegações, a Recorrente formulou, quanto ao mérito, as seguintes conclusões:

«(...)

- DO ERRO DE JULGAMENTO POR CONHECIMENTO SOBRE MATÉRIA DE FACTO

L) O acórdão recorrido extrai conclusões de Direito sobre matéria que não se encontra dada como provada (e que não foi alvo de impugnação, em sede de recurso), visto que a matéria de facto, consolidada pela sentença de primeira instância, nunca deu por provado que a ora Recorrente: i) não preencheu corretamente o referido Anexo III anexo à proposta por si apresentada; ii) tivesse omitido qualquer informação reveladora dos atributos da sua proposta, ao não preencher qualquer campo relativo ao Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III); iii) que constava do Programa do Concurso ou do Caderno de Encargos qualquer obrigação de preenchimento do referido Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III).

M) Ora, a determinação sobre quais são os elementos específicos que constavam quer da proposta apresentada pela ora Recorrente, quer das próprias peças concursais não é matéria de Direito, mas matéria de facto, pelo que - não tendo havido recurso quanto à matéria de facto -, não podia o acórdão recorrido dela ter conhecido.

N) Encontrando-se provado que a ora Recorrente apresentou a proposta que consta do processo administrativo (cfr. Doc. n.° 3, já junto) e que não se provou que a mesma omitisse qualquer elemento exigido pelo Programa do Concurso ou pelo Caderno de Encargos, o acórdão recorrido estava impedido de concluir, como o fez - num juízo inadmissível sobre matéria de facto -, que não constam da proposta apresentada pela ora Recorrente elementos essenciais que configuram os atributos da proposta.

O) Tal conhecimento sobre matéria sobre a qual não podia ter conhecido implica a necessidade de revogação do acórdão recorrido, devendo o Supremo Tribunal Administrativo determinar a manutenção da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância.

- DO ERRO DE DIREITO QUANTO À ALEGADA FALTA DE UM ATRIBUTO

P) O acórdão incorre num flagrante erro de Direito, quando conclui que a proposta apresentada pela ora Recorrente poderia ter sido excluída, em cumprimento dos artigos 57.°, n.° 1, alínea b), 70.°, n.° 2, alínea b), e 146.°, n.° 2, alínea o), todos do Código dos Contratos Públicos, por (alegadamente) não ter apresentado todos os atributos da sua proposta e, em especial, por não ter apresentado os custos unitários das 3 (três) supervisores exigidas pelo Caderno de Encargos e pelo campo 31 do Anexo III ao Programa do Concurso.

Q) Conforme se comprova pela proposta apresentada pela ora Recorrente (cfr- Doc. n.º 4, já junto) - cujo conteúdo foi dado como provado pelo § C da matéria dada como provada -, o campo 31 (trinta e um) do referido Anexo III inclui expressamente 3 (três) supervisoras, que correspondem a um “Número mínimo de Supervisores para todas as posições”, pelo que constitui erro de subsunção dos factos dados como provados pela sentença proferida em primeira instância afirmar que a proposta não contém, como atributo, a indicação do número mínimo de supervisores,

R) Aliás, conforme já bem explicou a sentença do tribunal de primeira instância, as 3 (três) supervisoras indicadas no campo 31 (trinta e um) do Anexo III da proposta exercem tarefas em todas as 30 (trinta) posições/instalações que foram colocadas em concurso.

S) Ao invés do que concluiu o acórdão recorrido, nenhuma das peças concursais exigia o preenchimento do campo 31 (trinta e um) da tabela “Excel” que constitui o Anexo III ao Programa do Procedimento, mediante indicação, de modo autónomo, de um preço unitário relativo aos custos com as tarefas a exercer pelas 3 (três) supervisoras de serviços de limpeza.

T) O Programa do Concurso (cfr. § 8.2.3.) apenas exigiu que se apresentasse aqueles preços totais e global, bem como IVA aplicável, relativos às 30 (trinta) posições expressamente indicadas pela entidade adjudicante, desde que fosse prevista a existência de 3 (três) supervisoras para cada uma dessas posições, não tendo a entidade adjudicante exigido a sua autonomização, nem sequer tendo incluído qualquer campo autónomo, identificado com “0,00”, no campo 31 (trinta e um), para que os concorrentes pudessem preenchê-lo.

U) Caso a entidade adjudicante tivesse entendido que a autonomização do preço relativamente aos 3 (três) supervisores era, de facto, um atributo fundamental das propostas a apresentar, então, deveria ter conferido destaque e realce àquela parcela dos §§ 8.2.3,1., 8.2.3.2. e 8.2.3.3. do Programa do Concurso.

V) O que não sucedeu, já que os espaços identificados para preenchimento resumiam-se a cada uma dessas 30 (trinta) posições relativas aos equipamentos nos quais os serviços de limpeza irão ser prestados, com linhas e colunas relativas aos horários a prestar e aos preços mensais, anuais e trienais e com a indicação de vários campos, em cor branca, que continham valores a zeros (isto é, “0,00”), por e para preencher.

W) Note-se que aqueles §§ 8.2.3,1., 8.2.3.2. e 8.2.3.3. do Programa do Concurso nunca exigem que seja apresentado o preço por cada uma das posições, por cada um dos horários, por cada um dos quadros mínimos de trabalhadores e pelo grupo de 3 supervisores que asseguram a supervisão de todos os equipamentos da Entidade Adjudicante, tendo-se limitado a exigir a indicação do preço mensal, anual e trienal daqueles agregados, sem explicitação da necessidade da sua autonomização.

X) Obviamente, tendo sido a própria entidade adjudicante a fornecer a Tabela Excel que constitui o Anexo III, isso significa que a mesma apenas solicitou aos concorrentes que preenchessem os espaços devidamente assinalados com valores a zeros (isto é, “0,00”).

Y) Visto que o Anexo III não continha qualquer indicação expressa para indicar preços individualizados para os serviços a prestar por 3 (três) supervisores, a ora Recorrente incluiu os respetivos custos com esses supervisores em cada uma das 30 (trinta) posições relativas aos vários equipamentos nos quais serão prestados os serviços de limpeza, conforme concluiu a decisão recorrida, conforme concluiu (e bem) a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância: «Na sua proposta, a Autora teve em consideração, no seu Anexo III, o número mínimo de supervisores para todas as posições (de 1 a 30) e, conforme referiu, o valor respeitante aos mesmos integra os respetivos preços apresentados em cada posição (de 1 a 30).» (cfr. p. 24 da sentença, com sublinhado e realce nossos).

Z) É mais do que evidente que o acórdão recorrido labora em erro de julgamento, pois nenhuma peça procedimental exige a indicação de preços unitários específicos para as tarefas de supervisão: i) o Programa do Concurso apenas exige a apresentação do preço mensal, do preço anual e do preço trienal; ii) o Formulário de Preços apenas fixa a obrigação de identificar os custos unitários para cada uma das 30 (trinta) posições, sendo evidente que as 3 (três) supervisoras integram o quadro mínimo de trabalhadoras de cada uma dessas posições.

AA) Ao contrário do que afirma o acórdão recorrido, não haveria qualquer problema de comparabilidade de preços unitários, já que a entidade adjudicante apenas teria que comparar os preços globais mensal, anual e trienal, já que não houve qualquer parcelamento de contratos, em função de cada uma das 30 (trinta) posições: o contrato é concebido em bloco, pelo que o relevante é o preço global.

BB) Mesmo que se entendesse necessário comparar preços por cada uma das 30 (trinta) posições - o que não se concede, mas por mera cautela de patrocínio se pondera-, sempre se diria que essa comparação seria perfeitamente possível, pois bastaria comparar, i) preço apresentado pela ora Recorrente (e por mais três concorrentes) para cada uma das 30 (trinta) posições, incluindo os custos com 3 (três) supervisoras nelas integrados; ii) preço apresentado pelas demais concorrentes (incluindo, a contra-interessada B..., S.A.) para cada uma das 30 (trinta) posições acrescentado de uma proporção de 1/30 do valor autonomizado, no campo 31 (trinta e um) para as tarefas de 3 (três) supervisoras.

CC) O acórdão recorrido também erra por não ser verdade que o Programa do Concurso tenha fixado qualquer subfactor de apreciação do preço relativo aos custos unitários das 3 (três) supervisoras, como, justamente, notou a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância.
“Também o critério de adjudicação estabelecido do Programa do Concurso (cfr. ponto 13.1) não fixou nenhum subfactor de apreciação do preço para o número mínimo de supervisores para todas as posições, pois, tal como resulta dos relatórios preliminar e final (alíneas D) e F) do probatório), foram considerados para avaliação apenas o preço contratual anual e o preço contratual global.” (cfr. p. 24 da decisão recorrida)

DD) Daqui decorre que a indicação de um preço autónomo para o número mínimo de supervisores para todas as posições também não constitui atributo essencial das propostas, na medida em que nem sequer constituía um dos subfactores de apreciação do preço.

- DO ERRO DE DIREITO QUANTO À ALEGADA FALTA DE PREENCHIMENTO DE TERMO OU CONDIÇÃO

EE) O acórdão recorrido também comete outro erro de julgamento, ainda mais grave, quando afirma que a proposta da ora Recorrente não preencheria um termo ou condição (?), o que implicaria a sua exclusão, nos termos do artigo 57.°, n.º 2, alínea b), do CCP, porque a exigência de um quadro mínimo de 3 (três) supervisoras não pode ser qualificado como um termo ou condição de execução do contrato, nem tão pouco pode ser qualificada como integrando os “aspetos da execução do contrato não sujeitos a concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule”.

FF) A escolha do número de supervisoras trata-se de aspeto não subtraído à concorrência, já que o Programa do Concurso, o Caderno de Encargos e o Anexo III apenas exigem um número mínimo de 3 (três) supervisoras, mas não impede que os interessados apresentem propostas concorrenciais, que incluam um número superior àquele.

GG) Acresce que é absolutamente falso que a ora Recorrente não tenha apresentado o número mínimo de 3 (três) supervisoras, pelo simples facto de não ter autonomizado o respetivo custo unitário, como afirma o acórdão recorrido (cfr. p. 29), já que consta da proposta apresentada pela ora Recorrente (cfr. p. 5 do Doc. n.° 3, já junto) e foi julgado como provado (sem que tenha havido impugnação desse facto), encontra-se assinalado no campo 31 (trinta e um) a existência de 3 (três) supervisoras.

HH) A circunstância de os custos dessas 3 (três) supervisoras se encontrar integrado em cada uma dos 30 (trinta) posições não implica, de modo nenhum, que a proposta não inclua aquelas supervisoras no quadro mínimo de trabalhadores, que aliás integra, em cada posição, uma coluna relativa a supervisores.

II) O acórdão também incorre em manifesto erro de julgamento quando afirma que a inclusão dos custos com as 3 (três) supervisoras no quadro mínimo de cada uma das 30 (trinta) posições implicaria uma redução do número de trabalhadoras, porque a proposta da Recorrente, mediante adesão ao formulário pré-preenchido pela entidade adjudicante, expressamente determina que as 3 (três) supervisoras mencionadas no campo 31 (trinta e um) acrescem ao quadro mínimo de pessoal de cada uma das 30 (trinta) posições (cfr. Doc. n.° 3, já junto).

JJ) A circunstância de os custos com as 3 (três) supervisoras serem proporcionalmente imputadas a cada uma das 30 (trinta) posições não afeta, em nada, o quadro mínimo de pessoal, como, aliás, decorre do campo 31 (trinta e um), que expressamente determina que aquelas acrescem ao quadro mínimo de pessoal de cada uma das 30 (trinta) posições.

KK) O acórdão incorre ainda em manifesto erro de julgamento quando afirma que a inclusão dos custos com as 3 (três) supervisoras no quadro mínimo de cada uma das 30 (trinta) posições implicaria a criação de custos acrescidos, com o subsequente aumento do preço global do contrato, ao longo da execução, pois, se os preços global mensal, anual e trienal propostos não incluíssem esses custos, essa omissão do cálculo apenas oneraria e prejudicaria a ora Recorrente, visto que teria que praticar o preço proposto e, assim, suportar os custos acrescidos de tarefas e encargos não orçamentados e incluídos na proposta.

LL) Nem se percebe, aliás, como é que o acórdão recorrido pode sequer afirmar que o valor global indicado pela Recorrente seria uma “mera estimativa do preço (...) e não um preço efetivo”, já que decorre das peças concursais e da lei da contratação pública que o preço corresponde àquele que vier a constar do contrato público a celebrar, em conformidade com o preço global proposto.

MM) Para além disso, ao contrário do que o acórdão recorrido afirma em flagrante erro de aplicação de Direito - jamais seria possível que a Recorrente viesse a impor a correção desse (imaginado) erro de estimativa dos custos, fazendo acrescer custos acrescidos ao contrato público celebrado, já que tal é juridicamente impossível, não só porque as entidades adjudicantes gozam de um poder de modificação unilateral dos contratos públicos, mas também porque o regime de reequilíbrio financeiro não se compadece, nem serve para compensar uma errada previsão de custos pelas entidades adjudicatárias.

NN) A extrapolação feita pelo acórdão recorrido de que a ora Recorrente não iria garantir o número mínimo de trabalhadoras, a existência de 3 (três) supervisoras ou solicitar o pagamento de custos acrescidos é absolutamente descabida, mas, principalmente, contraria a matéria dada como provada (e como não provada), pois aquela cumpriu sempre, de modo escrupuloso, durante 3 (três) anos, até ../../2021, um contrato exatamente idêntico ao que ora se discute, sem qualquer aplicação de sanções contratuais, conforme consta da matéria dada como provada [cfr. § D) da matéria de facto].

OO) O acórdão recorrido labora ainda em erro quando conclui, ainda que subsidiariamente, que o exercício do direito de audiência prévia pela Recorrente configurou uma correção ou suprimento não autorizado pelo artigo 72.°, n.°s 2 e 3, do CCP, por não ser admissível uma alteração da proposta quanto aos seus atributos.

PP) Pelo contrário, a ora Recorrente limitou-se a reiterar aquilo que já resultava evidente para qualquer destinatário mediano da sua declaração, traduzida na proposta apresentada: que o custo das tarefas a desempenhar pelas 3 (três) supervisoras estava integrado em cada uma das 30 (trinta) posições.

QQ) Não podia haver qualquer alteração da proposta, visto que a ora Recorrente não apresentou qualquer documento que substituísse ou complementasse a proposta cujo conteúdo foi dado como provado pelo tribunal de primeira instância, tendo a proposta permanecido sempre a mesma, não tendo sido modificado nenhum atributo já constante da única proposta que apresentou, dentro do prazo fixado pelo Programa do Concurso (cfr. Doc. n.° 3, já junto), conforme consta da matéria já dada como provada [cfr. § C) dos factos dados como provados].

(...)».

3. A Recorrida [SCM...] contra-alegou, formulando, quanto ao mérito, as seguintes conclusões:
«(...)

ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO -ENQUADRAMENTO DA QUESTÃO E MATÉRIA DE FACTO FIXADA

SS. A Autora começa por argumentar, ad nauseum, que os recursos interpostos para o TCA Sul não incidiram sobre a matéria de facto dado como provada, nem aquela instância decidiu conhecer dos mesmos (cfr. ponto 38. do Recurso de Revista).

TT. Mas a Autora decidiu, ainda, estender o referido argumento ao ponto de considerar que o TCA Sul extravasou as suas competências, reformulando o juízo proferido pelo tribunal de primeira instância com base «numa alteração dos factos dados como provados» (cfr. pontos 54. e 67. do Recurso de Revista).

UU. Chegados aqui esbarra-se na primeira parte da incongruência argumentativa da Autora pertencente à substância ou à matéria a sindicar pelo presente e Superior Tribunal, supondo-se (por mero dever de patrocínio e sem conceder) que venha a ser dado acolhimento à admissibilidade do Recurso de Revista, embora não se concorde com tal possibilidade pelos motivos anteriormente explanados.

VV. A Autora não pode vir a juízo começar por referir que o tribunal recorrido (leia-se o TCA Sul) não conheceu a matéria de facto porque as recorrentes não impugnaram a mesma (cfr. novamente o ponto 39. do Recurso de Revista) para, concomitantemente, protestar que aquela instância se excedeu na sua pronúncia ou extravasou o âmbito das suas competências legais por dar «por provado algo que não consta da matéria dada como provada (e que não foi impugnada pelas então recorrentes)» - cfr. pontos 67. e 68. do Recurso de Revista).

WW. Na verdade, a Autora quer apenas fazer valer a subsunção dos factos ao direito do modo que lhe seja favorável.

XX. Dessa feita, a Autora pretende tão-somente defender que a fixação da matéria de facto em primeira instância por ter culminado numa decisão em sentido que a favorece e por não ter sido impugnada junto do TCA Sul, não pode dar azo a que a mesma factualidade sustente uma interpretação jurídica diferente e, muito menos, que culmine num desfecho oposto.

YY. Esta linha argumentativa da Autora é, no mínimo, original pois implicaria que uma aplicação oposta das normas jurídicas em sede de recurso face à decisão de primeira instância ficasse forçosamente dependente da impugnação da matéria de facto.

ZZ. E aqui encontra-se a segunda parte da incongruência argumentativa da Autora uma vez que pretere que a factualidade dada como provada é suscetível de fundar diferentes soluções jurídicas para a causa.

AAA. Dito de outro modo, o tribunal de primeira instância procede ao julgamento de facto, selecionando a partir da alegação feita pelos sujeitos processuais aquela realidade factual essencial às pretensões formuladas pelos mesmos e fá-lo à luz das várias e possíveis soluções legais a decretar.

BBB. In casu, o tribunal de primeira instância selecionou determinada matéria de facto e proferiu uma decisão em sentido favorável à pretensão da Autora e, por sua vez, o tribunal de segunda instância apreciou a mesma factualidade e proferiu uma decisão oposta à pretensão da Autora.

CCC. Desta forma, a fundamentação do aresto do TCA Sul que a Autora até se dá ao trabalho de transcrever no Recurso de Revista - mais exatamente no ponto 66. e que aqui se deve considerar integralmente reproduzida para os efeitos tidos por convenientes (inclusive para evitar uma repetição textual que torne a leitura dos Senhores Venerandos Conselheiros fastidiosa), é inequívoca em explicar detalhadamente o modo como foi considerado que a factualidade apreciada em primeira instância se encontra errónea e merecia uma interpretação jurídica que culminasse numa decisão totalmente oposta.

DDD. Em face do exposto, o enquadramento da questão e da matéria de facto fixada apresentado pela Autora deve ser considerado integralmente infundado, com as inerentes consequências legais.

ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO - ERRO DE DIREITO QUANTO À FALTA DE ATRIBUTO E DE PREENCHIMENTO DE TERMO OU CONDIÇÃO NÃO SUJEITA À CONCORRÊNCIA

EEE. A Autora alega que o acórdão proferido pelo TCA SUL incorreu «num flagrante erro de Direito» por ter determinado a exclusão da sua proposta do concurso sub judice em virtude daquela não conter todos os atributos essenciais ao certo, «não ter apresentado os custos unitários das 3 (três) supervisores exigidos pelo Caderno de Encargos e pelo campo 31 do Anexo III ao Programa do Concurso» - e ainda não preencher um termo ou condição exigido por lei -nomeadamente, o disposto no artigo 57°, n° 2, alínea c), do CCP.

FFF. Para o efeito, a Autora convoca a interpretação-aplicação jurídica vertida na decisão de primeira instância, pretendendo dessa forma consumar que a fixação da matéria de facto só poderia conduzir à decisão de não exclusão da sua proposta cfr, pontos 77. e 78. do Recurso de Revista.

GGG. Na senda do antes referido, a Autora pretende tão-somente fazer valer a sua pretensão, ignorando que a matéria de facto dado por assente em 1ª instância e não impugnada a posteriori é susceptível de culminar em diferentes soluções jurídicas para a causa, sendo certo que o douto acórdão do TCA Sul foi deveras minucioso na fundamentação para culminar numa decisão em sentido oposto àquela promovida pelo tribunal de primeira instância.

HHH. Neste sentido, torna-se imperioso visitar os pontos marcantes de tal fundamentação, que aqui se acompanha - com a devida vénia - para o devido contraditório e demais efeitos tidos por convenientes.

III. Levando em conta o estipulado nas cláusulas 1.1, 1.2, 8.1, 8.4,15,8,15.9, 15.10, 15.11 1 17.1 do Caderno de Encargos (CE) e respetivo Anexo A (que aqui se devem considerar integralmente reproduzidos para os efeitos legais tidos por convenientes) o douto acórdão do TCA Sul vincou que:

“Ora, da regulação do CE que vem de expor-se deriva, com clareza, que o ANEXO A do CE destina-se a enumerar e identificar os estabelecimentos da Recorrente Santa Casa onde serão prestados os serviços de limpeza objeto do contrato, os horários em que se desenvolverá a prestação de tais serviços pelos trabalhadores, o tipo de limpeza e afixar um quadro mínimo de trabalhadores por estabelecimento, por categoria de trabalhador e por horário de trabalho. No que tange à categoria deSupervisor", o Anexo A define um quadro constituído por um mínimo de 3, mas que, ao invés de estarem afetos a um concreto estabelecimento ou local como os trabalhadores das demais categorias, têm a seu cargo a globalidade dos estabelecimentos onde serão prestados os serviços de limpeza objeto do contrato. Ressalte-se que, atento o disposto nas cláusulas 15.8, 15.8.1, 15.8.4, 15.9 e 15.10 do CE, não sentimos qualquer dúvida ou hesitação na afirmação de que o sobredito Anexo A fixa um quadro mínimo de trabalhadores por estabelecimento, horário e categoria. E, do mesmo modo, também não sentimos qualquer hesitação em afirmar que o mesmo Anexo Afixa um quadro mínimo de 3 Supervisores, que não estão afetos a nenhum dos estabelecimentos, antes tendo a seu cargo todos os estabelecimentos. Esta conclusão é suportada- para além das cláusulas anteriormente citadas- pelo consignado na cláusula 15.11 do CE, que afirma explicitamente que «O adjudicatário deverá designar supervisores em número suficiente que assegurem o cabal e integral cumprimento da prestação de serviços, cuja tarefa é a orientação das tarefas dos colaboradores afetos ao contrato, em conformidade com o número mínimo definido no ANEXO A do presente caderno de encargos.»(negro nosso).

Seja como for, bem se compreende que o Anexo A do CE autonomize um quadro próprio de Supervisores em virtude da especificidade das tarefas que estão atribuídas a esta categoria de profissionais, como bem demonstram, designadamente, as cláusulas 17.1, al.s m), n) e s) do CE".

(sublinhado nosso)

JJJ . Tomando em consideração o estipulado nos artigos 1º, 8o, 10°, 13° do Programa de Concurso (PC) e respetivo Anexo III (que aqui se devem considerar integralmente reproduzidos para os efeitos legais tidos por convenientes), em conjugação com a sobredita regulação do CE - em particular, o facto do Anexo A do CE consubstanciar uma peça-chave para a cabal compreensão do estipulado no Anexo III do PC, assim como do artigo 8o do PC), o douto acórdão do TCA Sul vincou que:

“Assim, do exame do Anexo III do PC dimana, até de modo bastante simples, que se trata de um documento a preencher pelos concorrentes com a indicação de preços unitários a partir de um conjunto de dados pré-fornecidos pela entidade adjudicante, especificamente, a identificação dos equipamentos/estabelecimentos onde deverão ser prestados os serviços de limpeza concursados, os horários de trabalho em cada um desses locais, as categorias de trabalhadores necessárias em cada um desses locais, e o quadro mínimo de trabalhadores fixado por categoria e horário de trabalho. No que tange à categoria de “Supervisor", o Anexo III do PC- à semelhança do que ocorre no Anexo A do CE- define um quadro constituído por um mínimo de 3, mas que, ao invés de estarem afetos a um concreto estabelecimento ou local como os trabalhadores das demais categorias, têm a seu cargo a globalidade dos estabelecimentos onde serão prestados os serviços de limpeza objeto do contrato. Não sentimos, pois, qualquer hesitação em afirmar que, na senda do Anexo A do CE, o Anexo III do PC pressupõe um quadro mínimo de 3 Supervisores, que não estão afetos a nenhum dos estabelecimentos, nem integram em exclusividade nenhum dos estabelecimentos, antes tendo a seu cargo todos os estabelecimentos. Quer isto significar, portanto, que, na decorrência do próprio Anexo A do CE, o Anexo III do PC também autonomiza um quadro próprio de Supervisores, além do quadro de profissionais afetos a cada um dos estabelecimentos em particular. O que vem de se expor conduz imediatamente a duas conclusões lógicas. A primeira, de que a proposta da Recorrida omite a indicação de um preço unitário para o quadro autónomo de Supervisores. A segunda, de que a proposta da Recorrente não contempla o quadro mínimo de Supervisores previsto no Anexo A do CE e pressuposto no Anexo III do PC".

(sublinhado nosso)

KKK. Ademais, o douto acórdão do TCA Sul até teve o cuidado de detalhar as duas sobreditas conclusões que determinaram a exclusão da proposta da Autora, nos termos que ora se transcreve:

"A primeira das conclusões alcançada é a de que a proposta da Recorrida omite a indicação do preço unitário para o quadro autónomo mínimo de 3 Supervisores. Tal indicação é obrigatória, nos termos do prescrito no art.° 8.2 e 8.2.3 (8.2.3.1, 8.2.3.1 e 8.2.3.3) do PC, resultando destes preceitos, inequivocamente, a imposição do preenchimento do Anexo III com a indicação dos preços mensais, para 12 meses e para 36 meses, para cada quadro mínimo de trabalhadores para cada horário e para cada posição, a que acresce a imposição de indicação do preço para um quadro mínimo de 3 Supervisores para todas as posições. Ora, constituindo a critério de adjudicação do vertente procedimento concursal o «da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com a modalidade de avaliação, do preço ou custo, enquanto único aspeto de execução do contrato a celebrar», é cristalino que o preço do contrato oferecido pelos concorrentes traduz o atributo das propostas, enquanto único aspeto submetido à concorrência. Sendo assim, é lógico assentar que a exigência da indicação de preços unitários no Anexo III do PC está umbilicalmente ligada ao atributo da proposta, i.e., ao preço, na medida em que a omissão de indicação de algum preço unitário repercute-se, irremediavelmente, no valor global da proposta apresentada, até por efeito do estipulado no n.° 3 do art.° 60.° do CCP.

Quer tudo isto significar, que a omissão cometida pela Recorrida no Anexo III do PC, de indicação dos preços para o quadro mínimo de 3 Supervisores configura, em bom rigor, uma patologia ao nível dos atributos da proposta, que merece valorização no âmbito do disposto nos art.°s 57.º n. ° 1, al. b), 70.°, n 2, al. a) e 146.°, n.°2, al. o), todos do CCP, por equivaler, de certo modo, à omissão de um atributo (neste sentido, PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, op. cit., p. 246, bem como ANA SOFIA ALVES, ‘‘A exclusão das propostas: algumas implicações da revisão do Código dos Contratos Públicos ”, in Comentários à Revisão do Código dos Contratos Públicos, Coord. Carla Amado Gomes, Ricardo Pedro, Tiago Serrão e Marco Caldeira, 3.ª edição, Lisboa 2019, AAFDL Editora, pp. 788 e 789).

Adicionalmente, impondo o PC a apresentação do Anexo III, que constitui, em boa verdade, uma lista de preços unitários, «bem se vê que a omissão de um ou mais preços unitários inviabiliza a comparação entre os atributos das propostas, porquanto não é possível saber qual é o preço real proposto pelo concorrente (atendendo à insuficiência do preço global, que se mostra meramente indicativo) e proceder à sua comparação com os preços propostos pelos demais concorrentes e que tenham sido comprovados através do somatório dos preços unitários» (PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, Direito da contratação Pública, Volume II, Lisboa 2020, AAFDL Editora, pp. 246 e 247).

(...)

Mas ainda que, porventura, a proposta da Recorrida não fosse excluída pela referenciada patologia nos seus atributos, a verdade é que sempre haveria que excluir tal proposta, desta feita, por falta de um termo ou condição. E assim alcançamos a segunda das conclusões enunciadas antecedentemente.

Com efeito, e como se demonstrou supra, a proposta da Recorrida não contempla o quadro mínimo de Supervisores previsto no Anexo A do CE e pressuposto no Anexo III do PC. Realmente, como se explicou anteriormente, a posição 31 do Anexo III do PC está reservada para a indicação de preços para o “número mínimo de Supervisores para todas as posições", número esse que o Anexo III fixa em 3, consonantemente com o Anexo A do CE. Trata-se -como se disse anteriormente- da determinação de um quadro de pessoal mínimo para a categoria de Supervisor, que por não estar afeto a nenhum concreto equipamento ou estabelecimento, é referenciado como sendo alusivo a “todas as posições". Deste modo, impera concluir que o quadro de Supervisores constitui um quadro autónomo, por não ser definido por referência a nenhuma "posição” concreta, ou seja, a nenhum “equipamento"/estabelecimento em concreto. Pelo que, impunha-se que os concorrentes indicassem expressamente os preços atinentes a este quadro de pessoal mínimo para a categoria de Supervisores, até porque tal indicação é demonstrativa, desde logo, de que a proposta integra e contempla tal quadro mínimo de pessoal na categoria de Supervisores. É que- reitere-se-, o quadro mínimo foi fixado em 3 Supervisores no Anexo A do CE, sendo que o Anexo III do PC supõe exatamente o mesmo número para efeitos de indicação de preços nas propostas. Por conseguinte, a não indicação de preços para o quadro mínimo de Supervisores não pode deixar de ser entendida como uma omissão na proposta, no sentido de que a mesma não considera, nem contém, o número mínimo de Supervisores exigida e descrito nos Anexo A do CE e Anexo III do PC (a este propósito, PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, op. cit., pp. 244 a 246 e 254 a 257; ANA SOFIA ALVES, op. cit.).

Quer isto dizer que, a ausência daquele quadro mínimo de Supervisores na proposta da Recorrida corresponde à falta de um termo ou condição na proposta, situação esta que deve conduzir à exclusão da proposta, em harmonia com o disposto nos art.ºs 57.°, n.° 1, al. c), 70.º, n.° 2, al. a) e 146.°, n.° 2, al. o), todos do CCP".

(sublinhado nosso)

LLL. Em face do exposto, o erro de direito quanto à falta de atributo e de preenchimento de termo ou condição não sujeita à concorrência alegado pela Autora deve ser considerado integralmente infundado, com as inerentes consequências legais.

(…)».

4. A Recorrida B... também contra-alegou, formulando por sua vez as seguintes conclusões de mérito:

«(...)

D. (...), a instância decidiu as questões em discussão de forma consonante, quanto à interpretação dos pertinentes normativos do CCP e das normas do concurso (Programa de Concurso e Caderno de Encargos) e, tudo indicando que o acórdão recorrido decidiu com acerto, o que exclui a necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito. Ao que acresce que as questões não se afiguram com particular relevância jurídica e social ou especial complexidade que justifique postergar a regra da excepcionalidade da revista. Mais, as propostas estão vinculadas aos termos ou condições fixados nas peças concursais e a sua violação implica a exclusão das propostas de acordo com o artigo 70° nº 2 alínea b) do CCP em conjugação com o disposto no artigo 146° nº 2 alínea o) também do CCP.

E. (...)

F. (...) as propostas estão vinculadas aos termos ou condições fixados nas peças concursais e a sua violação implica a exclusão das propostas de acordo com o artigo 70° n° 2 alínea b) do CCP em conjugação com o disposto no artigo 146° n° 2 alínea o) também do CCP.

G. O Programa de Concurso exigia que fosse apresentado o custo com os Supervisores, no mínimo de 3 (três) Supervisores - cfr. artigo 8.2.3 do Programa do Concurso:
Custo mensal: “Preço mensal por posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de 3 (três) Supervisores para todas as posições;” (sublinhado e negrito nosso);
Custo total para 12 meses: “Preço total para o período de 12 (doze) meses, por posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de 3 (três) Supervisores para todas as posições;” (sublinhado e negrito nosso);
Custo total para 36 meses: “Preço total para o período de 36 (trinta e seis) meses, posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de 3 (três) Supervisores para todas as posições,” (sublinhado e negrito nosso)
Estando estes Supervisores afectos a todos os locais/posições.

H. O ANEXO III também tem uma posição para os Supervisores - posição 31 - que deveria ter sido preenchida.
I. O ANEXO III não se sobrepõe ao exigido explicitamente no artigo 8.2.3 do Programa do Concurso.
J. A A... não indicou nenhum valor/custo relativo aos Supervisores.
K. Nem tem na sua proposta qualquer menção a esse custo estar englobado nos custos das posições 1 a 30 do ANEXO III
L. Aliás, tal só sucedeu com a reclamação que apresentou ao Relatório Preliminar e após a sua proposta ter sido excluída.
M. Ora, a A... tentou “salvar” a sua proposta e colmatar uma omissão da mesma através da reclamação que apresentou, vindo dizer que o custo dos Supervisores estava englobado nos outros custos.

N. A A... não indicou qualquer custo com os Supervisores nem tampouco explicitou que o mesmo estava diluído pelas restantes posições - só o fazendo depois de conhecida a sua exclusão do procedimento por esse motivo.

O. Os esclarecimentos não podem alterar nem completar as propostas, regendo o princípio da imutabilidade das propostas: é vedada a alteração das propostas através dos esclarecimentos.

P. Tem sido este o entendimento da Jurisprudência.

Q. A proposta da A... não apresentou o exigido no artigo 8.2.3 do Programa do Concurso, nomeadamente o custo de 3 Supervisores, pelo que bem andou o Exmo. Júri e a Entidade Adjudicante e o Acórdão recorrido em decidir pela exclusão da proposta.

R. A A... não indicou o custo dos Supervisores (preço mensal, preço para 12 meses e preço para 36 meses) a que se referia o artigo 8.2.3 do Programa de Concurso, e, mesmo perfilhando o entendimento da sentença da 1.ª instância de que não se trata de um aspecto submetido à concorrência mas sim de um termo ou condição, não há como não concluir que esta omitiu termos e condições a que a entidade adjudicante queria que esta se vinculasse (artigo 57° n° 1 alínea c) do CCP), o que, nos termos do art. 70° n° 2 alínea a) do CCP e do art. 146° n° 2 alínea o) também do CCP, consubstancia um fundamento material de exclusão da proposta.

S. O que deve determinar a exclusão da sua proposta, nos termos do artigo 70° n° 2 alínea a) em conjugação com o art. 146° n° 2 alínea o), ambos do CCP,

T. A ser admitida a proposta da A..., complementada após a entrega, estar-se-ão a comparar realidades diferentes pois há propostas que indicam o custo dos Supervisores, tal como exigido no Programa do Concurso.

U. A avaliação e comparabilidade das propostas é elemento essencial da contratação pública, sendo uma das mais importantes manifestações do Princípio da concorrência.

V. O não cumprimento por parte da A..., nomeadamente a não inclusão de todos os custos (não apresenta os custos com os Supervisores) tem implicação directa na avaliação da sua proposta: os custos com Supervisores não estão todos definidos, o que torna difícil avaliar a proposta e compará-la com a dos restantes concorrentes, desconhecendo-se, inclusivamente, se vai cumprir com os encargos mínimos legais obrigatórios quanto a estes Trabalhadores.

W. Impõe-se assim a não admissão do recurso de revista interposto pela A..., e não provimento do mesmo, acompanhando-se na íntegra a posição defendida pela Recorrida SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ..., dando-se por reproduzidos os argumentos aduzidos nas suas peças processuais».

5. Por Acórdão de 26 de outubro de 2023. O TCAS indeferiu a arguição de nulidade do seu Acórdão de 31 de julho de 2023, e julgou o pedido de reforma quanto a custas parcialmente procedente.

6. Perante o referido acórdão, a Recorrente interpôs novamente o recurso de revista, formulando, ou aditando, quanto ao mérito, as seguintes conclusões:

«(…)

. DO ERRO DE JULGAMENTO POR CONHECIMENTO SOBRE MATÉRIA DE FACTO

K) O acórdão recorrido extrai conclusões de Direito sobre matéria que não se encontra dada como provada (e que não foi alvo de impugnação, em sede de recurso), visto que a matéria de facto, consolidada pela sentença de primeira instância, nunca deu por provado que a ora Recorrente: i) não preencheu corretamente o referido Anexo III anexo à proposta por si apresentada; ii) tivesse omitido qualquer informação reveladora dos atributos da sua proposta, ao não preencher qualquer campo relativo ao Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III); iii) que constava do Programa do Concurso ou do Caderno de Encargos qualquer obrigação de preenchimento do referido Ponto 31 da referida Tabela Excel (Anexo III).

L) Ora, a determinação sobre quais são os elementos específicos que constavam quer da proposta apresentada pela ora Recorrente, quer das próprias peças concursais não é matéria de Direito, mas matéria de facto, pelo que - não tendo havido recurso quanto à matéria de facto -, não podia o acórdão recorrido dela conhecido.

M) Encontrando-se provado que a ora Recorrente apresentou a proposta que consta do processo administrativo (cfr. Doc. n.° 2, já junto) e que não se provou que a mesma omitisse qualquer elemento exigido pelo Programa do Concurso ou pelo Caderno de Encargos, o acórdão recorrido estava impedido de concluir, como o fez - num juízo inadmissível sobre matéria de facto -, que não constam da proposta apresentada pela ora Recorrente elementos essenciais que configuram os atributos da proposta.

N) Tal conhecimento sobre matéria sobre a qual não podia ter conhecido implica a necessidade de revogação do acórdão recorrido, proferido em 26 de outubro de 2023, pelo Tribunal Central Administrativo - Sul, exclusivamente quanto à parte em que indeferiu a arguição de nulidade, por excesso de pronúncia, do acórdão proferido, em 31 de julho de 2023, pelo mesmo Tribunal.»

7. A Recorrida [SCM...] contra-alegou novamente, formulando, quanto ao mérito, as seguintes conclusões:

«(...)

ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO

GG. A Autora começa por argumentar, ad nauseum, que os recursos interpostos para o TCA Sul não incidiram sobre a matéria de facto dado como provada, nem aquela instância decidiu conhecer dos mesmos (cfr. ponto 28. do Recurso de Revista de 14/11/2023).

HH. Mas a Autora decidiu, ainda, estender o referido argumento ao ponto de considerar que o TCA Sul extravasou as suas competências, reformulando o juízo proferido pelo tribunal de primeira instância com base «numa alteração dos factos dados como provados» (cfr. pontos 56. e 58. do Recurso de Revista de 14/11/2023).

II. Chegados aqui esbarra-se na primeira parte da incongruência argumentativa da Autora pertencente à substância ou à matéria a sindicar pelo presente e Superior Tribunal, supondo-se (por mero dever de patrocínio e sem conceder) que venha a ser dado acolhimento à admissibilidade do Recurso de Revista, embora não se concorde com tal possibilidade pelos motivos anteriormente explanados.

JJ.A Autora não pode vir a juízo começar por referir que o tribunal recorrido (leia-se o TCA Sul) não conheceu a matéria de facto porque as recorrentes não impugnaram a mesma (cfr. novamente o ponto 34. do Recurso de Revista de 14/11/2023) para, concomitantemente, protestar que aquela instância se excedeu na sua pronúncia ou extravasou o âmbito das suas competências legais por dar «por provado algo que não consta da matéria dada como provada (e que não foi impugnada pelas então recorrentes)» - cfr. pontos 58, e 59. do Recurso de Revista de 14/11/2023).

KK. Na verdade, a Autora quer apenas fazer valer a subsunção dos factos ao direito do modo que lhe seja favorável.

LL. Dessa feita, a Autora pretende tão-somente defender que a fixação da matéria de facto em primeira instância por ter culminado numa decisão em sentido que a favorece e por não ter sido impugnada junto do TCA Sul, não pode dar azo a que a mesma factualidade sustente uma interpretação jurídica diferente e, muito menos, que culmine num desfecho oposto.

MM. Esta linha argumentativa da Autora é, no mínimo, original pois implicaria que uma aplicação oposta das normas jurídicas em sede de recurso face à decisão de primeira instância ficasse forçosamente dependente da impugnação da matéria de facto.

NN. E aqui encontra-se a segunda parte da incongruência argumentativa da Autora uma vez que pretere que a factualidade dada como provada é suscetível de fundar diferentes soluções jurídicas para a causa.

OO. Dito de outro modo, o tribunal de primeira instância procede ao julgamento de facto, selecionando a partir da alegação feita pelos sujeitos processuais aquela realidade factual essencial às pretensões formuladas pelos mesmos e fá-lo à luz das várias e possíveis soluções legais a decretar.

PP. In casu, o tribunal de primeira instância selecionou determinada matéria de facto e proferiu uma decisão em sentido favorável à pretensão da Autora e, por sua vez, o tribunal de segunda instância apreciou a mesma factualidade e proferiu uma decisão oposta à pretensão da Autora.

QQ. Desta forma, a fundamentação do aresto do TCA Sul que a Autora até se dá ao trabalho de transcrever no Recurso de Revista — mais exatamente no ponto 66. - e que aqui se deve considerar integralmente reproduzida para os efeitos tidos por convenientes (inclusive para evitar uma repetição textual que torne a leitura dos Senhores Venerandos Conselheiros fastidiosa), é inequívoca em explicar detalhadamente o modo como foi considerado que a factualidade apreciada em primeira instância se encontra errónea e merecia uma interpretação jurídica que culminasse numa decisão totalmente oposta.

RR. Em face do exposto, o enquadramento da questão e da matéria de facto fixada apresentado pela Autora deve ser considerado integralmente infundado, com as inerentes consequências legais».

8. A revista foi admitida por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, proferido em formação de apreciação preliminar, em 25 de janeiro de 2024, por se entender que «a “questão”, no presente caso, apresenta-se de resolução sígnificativamente complexa como desde logo o evidencia a decisão jurídica diametralmente oposta dos tribunais de instância. Trata-se de complexidade acima do comum sobre a solução de uma questão jurídica que surge com relativa frequência no universo da «contratação pública», e que encontra no acórdão recorrido uma solução jurídica suscetível das críticas que lhe são dirigidas nas alegações de revista, impondo-se, por conseguinte, o seu esclarecimento por parte deste Supremo Tribunal».

9. Notificada para o efeito, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de que «(...) ressalvado melhor entendimento, (...) o Acórdão recorrido deverá ser mantido, mantendo-se a decidida revogação da sentença da 1.ª instância e a consequente improcedência total da ação de contencioso pré-contratual.» - artigo 146°, n.° 1 do CPTA.

10. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo – artigo 36°, n°1, al. c) do CPTA.

II. Matéria de facto

11. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«A) Em 22/02/2021, foi publicado no Diário da República II série, n° ..., o anúncio de procedimento n° ...21, do concurso público internacional para a «Prestação de Serviços de limpeza em Hospitais, Unidades de Cuidados Integrados, Unidades de saúde e Equipamentos com cuidados médicos da ação social da SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ...», procedimento que também foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia, anúncios que dou aqui por integralmente reproduzidos (documentos que constam do processo administrativo).

B) Dou aqui por integralmente reproduzidos o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos, destacando aqui do Programa do Concurso o seguinte:

«... 8. ELEMENTOS QUE CONSTITUEM AS PROPOSTAS

8.2. As propostas devem ser constituídas pelos seguintes documentos e elementos: (...)

8.2.3. Formulários de Preços de acordo com o ANEXO III do presente programa do concurso, devidamente preenchido, discriminando:

8.2.3.1. Preço mensal por posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de 3 (três) Supervisores para todas as posições;

8.2.3.2 Preço total para o período de 12 (doze) meses, por posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de 3 (três) Supervisores para todas as posições;

8.2.3.3. Preço total para o período de 36 (trinta e seis) meses, posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de 3 (três) Supervisores para todas as posições;

8.2.3.5. Preço global da proposta, incluindo a bolsa com o valor fixo para serviços de limpeza não planeados, melhor descrita na cláusula 37. do caderno de encargos;

8.2.3.6. Taxa de IVA a aplicável. (...)

13. CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO E CRITÉRIO DE DESEMPATE

13.1. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo74.° do CCP, a adjudicação é feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com a modalidade de avaliação, do preço ou custo, enquanto único aspeto de execução do contrato a celebrar. (...)» (documentos que constam do processo administrativo).

C) A Autora e as Contrainteressadas apresentaram proposta, respetivamente, no âmbito do procedimento identificado em A), propostas que dou aqui por integralmente reproduzidas (cfr. consta do processo administrativo).

D) Em 09/04/2021, o júri do procedimento reuniu e elaborou o relatório preliminar, documento que dou aqui por integralmente reproduzido e do qual destaco aqui o seguinte:

“(…)

c) C..., SA.; D..., Lda.; A..., Lda. e E..., Sociedade Unipessoal, Lda.

As propostas destes concorrentes não contemplam preço para a Posição 31 - N.º mínimo de 3 Supervisores para todas as Posições, do Anexo III do Programa do Concurso - Formulário de Preços, pelo que estando em falta um atributo da proposta devem ser excluídas nos termos das disposições conjugadas da alínea o) do n.° 2 do artigo 146.° e alínea a) do n.° 2 do artigo 70.°, ambos do CCP.

(...)

VIII. CONCLUSÃO:

Assim, nos termos e com os fundamentos que antecedem, o Júri do procedimento deliberou, por unanimidade, propor a:

1. Exclusão das propostas dos seguintes concorrentes: (...)

e. A..., Lda., nos termos das disposições conjugadas da alínea o) do n,° 2 do artigo 146.º e alínea a) do n,° 2 do artigo 70. °, ambos do CCP; (...)» (cfr. consta do processo administrativo e documento n° 2 junto pela Autora).

E) A Autora pronunciou-se em sede de audiência prévia, pronúncia que dou aqui por integralmente reproduzida (cfr. consta do processo administrativo e documento junto pela Autora).

F) Em 26/04/2021, o júri do procedimento reuniu e elaborou o relatório final, que dou aqui por integralmente reproduzido e do qual destaco aqui o seguinte:

«(...)

VIII. AUDIÊNCIA PRÉVIA:

Em cumprimento do disposto no artigo 147.° do CCP, o júri disponibilizou na plataforma electrónica acinGov o Relatório Preliminar a todos os concorrentes para que estes, querendo, se pronunciassem por escrito e no prazo de cinco dias úteis, ao abrigo do direito de audiência prévia.

No prazo concedido para o efeito, os concorrentes B..., SA. e A..., Lda. Apresentaram pronúncia, nos exatos termos constantes nos documentos que ora se anexam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais, mas cuja reprodução integral se evita por razões de economia processual. (Doc. 1 e 2 — Pronúncias B..., SA. e A..., Lda., respetivamente, datadas de 16.04.2021).

(…)

b) Da Pronúncia da A..., Lda.

Com a sua pronúncia veio este concorrente arguir, em suma, a “falta absoluta de fundamentação da decisão de exclusão” do Júri, construindo, para tanto, um raciocínio assente numa alegada convicção, segundo narra, criada pela Entidade Adjudicante, relativamente à não necessidade de preenchimento dos espaços referentes ao custo mensal, anual e trienal com o mínimo de três supervisores para todas as posições constantes no Anexo III ao Programa do Concurso.

Nesta senda, refere que a linha 31 do Anexo III do Programa do Concurso, com a indicação “Todas as posições - Número mínimo de Supervisores para todas as Posições”, se encontra a cinzento e não contém qualquer espaço assinalado para preenchimento com preço, pois não contém quaisquer valores a zeros (isto é, “0,00”).

Estranhamente, alega ainda ter entendido que ao afirmar-se que a linha 31 se aplica a todas as posições, a Entidade Adjudicante exclui dessa classificação uma “posição ” autónoma e, portanto, constitui-a como uma mera indicação de que haverá sempre 3 (três) supervisores para todas as posições relativas aos equipamentos nos quais prestar serviços de limpeza. Desta forma, para além de procurar fazer um paralelismo baralhado dos Anexos III do Programa do Concurso (Formulário de Preços) - o que nesta sede interessa analisar - e do Anexo A do Caderno de Encargos (Quadro de Pessoal), com as respetivas “posições", adianta agora, convenientemente, que a sua proposta inclui, nos preços mensais, anuais e trienais, os custos com o pessoal de supervisão.

Como defende que o disposto no artigo 70°, n.° 2, alínea a) implica a aplicação simultânea do artigo 57.°, n.° 1, alínea b), ambos do CCP, conclui que uma proposta só pode ser rejeitada quando não contenha os documentos que integram os atributos dessa mesma proposta, isto é, as características essenciais do modo de execução da mesma; o que a seu ver, integra.

Ora, o raciocínio explanado pelo concorrente ao longo do seu articulado esbarra, ad initium, com uma exigência expressa e explicativa do Programa deste Concurso pelo que, como um efeito dominó, tudo o mais improcede e cai por si só. Vejamos melhor:

O Programa do procedimento é, nos termos do disposto no artigo 41.° do CCP, o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração.

In casu, o artigo 8.2. do Programa do Concurso, inequívoca e expressamente - aliás, tal como citado no ponto 6. Da pronúncia do concorrente - estabelece o seguinte:

“8.2. As propostas devem ser constituídas pelos seguintes documentos e elementos:

(...)

8.2.3. Formulários de Preços de acordo com o Anexo III do presente programa do concurso, devidamente preenchido, discriminando:

8.2.3.1. Preço mensal por posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de três supervisores para todas as posições;

8.2.3.2. Preço total para o período de 12 (doze) meses, por posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de três supervisores para todas as posições;

8.2.3.3. Preço total para o período de 36 (trinta e seis) meses, por posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de três supervisores para todas as posições;

8.2.3.5 Preço global da proposta, incluindo a bolsa com o valor fixo para serviços de limpeza não planeados, melhor descrita na cláusula 37. do caderno de encargos;

8.2.3.6.Taxa de IVA aplicável.

(sublinhado nosso) Indubitavelmente, tal significa que os concorrentes deveriam preencher, discriminando, cada preço (mensal, anual e trienal) i) por posição; ii) horário; iii) quadro mínimo de trabalhadores e iv) no mínimo de três supervisores para todas as posições.

Rigorosamente, ao contrário do alegado pelo concorrente, a Entidade Adjudicante teve, desta forma, o cuidado de bem identificar quais os elementos que pretende ver especificados em cada preço proposto e não, simplesmente, remeter os concorrentes para o preenchimento de um determinado anexo.

Ora, os concorrentes não o fazendo, isto é, não destrinçando um atributo da proposta previamente exigido, incorrem na causa de exclusão decorrente das disposições conjugadas da alínea o) do n.° 2 do artigo 146.° e alínea a) do n.° 2 do artigo 70.°, ambas do CCP; pelo que, perante o exposto, não se alcança outra leitura possível, que não esta.

Mais, ainda que seja verdade que a mencionada linha 31 do Anexo III do Programa do Concurso - sob a designação “Todas as posições - Número mínimo de Supervisores para todas as Posições” - não contém expressamente valores a zeros (isto é “0,00") - o que, efetivamente, se constata - já não é verdade que não disponha de uma linha branca para que o concorrente discriminasse o preço que propõe. Contudo, este detalhe, de um anexo, jamais se poderia sobrepor à exigência tão clara e expressa, acima citada, do Programa do procedimento.

A propósito, denote-se, como bem refere Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira que “são atributos das propostas as prestações ou tarefas concretamente definidas (pela sua espécie, qualidade e quantidades e por quaisquer outros elementos ou características) que, em relação aos aspectos de execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos e aí valorizados como factores de avaliação das propostas, os concorrentes se propõem fazer à entidade adjudicante e/ou obter dela em troca da celebração do contrato. Os atributos configuram por isso, na expressão mais elementar ou simples do conceito, a proposta propriamente dita apresentada pelo concorrente, aquilo que a singulariza das demais e que traduz o modo concreto como determinado concorrente respondeu ao apelo da entidade adjudicante; só há portanto atributo aí onde haja um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos. (...) Como quer que seja, para a lei, só há atributo quando esteja em causa um qualquer aspecto (minimamente relevante) da execução do contrato sobre o qual a concorrência é chamada a oferecer a sua prestação, a sua proposta propriamente dita. (...) Como elemento essencial do conteúdo das propostas, os atributos são naturalmente o primeiro dos seus elementos abrangidos pelo princípio da intangibilidade, ou seja, da sua imodificabilidade após a respectiva apresentação e até ao termo da fase de adjudicação, não sendo susceptíveis de alteração pelos concorrentes ou pelo júri.” (sublinhado nosso).

Anuir numa eventual admissão da proposta do concorrente, como requerido por si - o que não se concede - implicaria violar Princípios basilares do foro constitucional, como o da Tutela da Confiança e da Segurança Jurídica, decorrentes do artigo 266. ° da Constituição da República Portuguesa, bem como, Princípios basilares do foro administrativo, como sejam os da legalidade, da concorrência, da igualdade, da transparência, decorrentes do Código do Procedimento Administrativo (capítulo II) e do Código dos Contratos Públicos (artigo 1.°-A, n.° 1), que são, precisamente, aqueles que em primeiro se querem ver protegidos com a proibição da modificabilidade de atributos.

Para terminar, sempre seria de referir que este concorrente teve, como todos os demais concorrentes, em sede própria, oportunidade para requerer esclarecimentos e/ou apresentar “lista de erros e omissões" sobre as peças do presente procedimento. Não o tendo feito e utilizando as palavras de Mário Esteves de Oliveira, “funciona aqui uma presunção inilidível, iures et de iure, de que os concorrentes têm pleno conhecimento das regras e exigências do procedimento quanto à formulação e apresentação das propostas e de que conhecem também o seu sentido ou alcance, não lhes aproveitando, seja em que circunstâncias for, a ignorância ou a falta de clareza da lei e dos documentos do procedimento." Cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in "Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública", pg. 579, Almedina.

Face a tudo o exposto, o Júri deliberou, por unanimidade, considerar improcedente a argumentação apresentada por este concorrente e manter a decisão de exclusão da sua proposta pelos fundamentos, devidamente, invocados.

IX. CONCLUSÃO:

Assim, nos termos do disposto no artigo 148 ° do CCP, com os fundamentos que antecedem e tendo por base a admissão e ordenação das propostas dos concorrentes apurada no quadro elencado em VII, o Júri do procedimento deliberou, por unanimidade, manter as conclusões constantes do seu Relatório Preliminar e propor a (o):

1. Adjudicação da proposta do concorrente F... SA., pelo valor contratual global de €8.200.835,18 (oito milhões, duzentos mil e oitocentos e trinta e cinco euros e dezoito cêntimos), a que corresponde um valor anual de €2.733.611,73 (dois milhões, setecentos e trinta e três mil, seiscentos e onze euros e setenta e três cêntimos), acrescidos do IVA à taxa legal em vigor;

2. Exclusão das propostas dos seguintes concorrentes: (...)

e. A..., Lda., nos termos das disposições conjugadas da alínea o)do n.°2 do artigo 146.° e alínea a) do n.° 2 do artigo 70.°, ambos do CCP; (...)

3. Envio do presente Relatório Final e demais documentos que compõem o processo de concurso, ao Órgão competente para a decisão de contratar, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 3 e nº 4 do artigo 148.° do CCP. (...)» (cfr. consta do processo administrativo e documento junto pela Autora).

G) Em 17/05/2021 a Autora e os demais concorrentes foram notificados de que «< através da Deliberação da Exma. Mesa da [SCM...] n.° 886/2021 de 13 de Maio, foi autorizada a adjudicação do procedimento n.° ...61 à empresa F... SA. pelo preço contratual de € 8.200.835,18 (oito milhões, duzentos mil e oitocentos e trinta e cinco euros e dezoito cêntimos), acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) à taxa legal em vigor, valor que corresponde ao preço máximo a pagar, para um período de duração contratual de 36 (trinta e seis) meses.

Para o período contratual inicial de 12 (doze) meses o valor contratual é de € 2,733.611,73 (dois milhões, setecentos e trinta e três mil, seiscentos e onze euros e setenta e três cêntimos), acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) à taxa legal em vigor. ...» (cfr. documento n° 1 junto pela Autora), bem como do relatório final (por acordo).

H) A Autora é co-contratante de um contrato público idêntico ao agora colocado em concurso público, identificado na alínea A) supra, sendo que o seu prazo de execução se mantém até ../../2021 (por acordo).

I) O Programa do Concurso remeteu para um Anexo III, que correspondia a uma tabela em formato Excel e que foi disponibilizada a todos os concorrentes pela própria Entidade Adjudicante, documento que se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. consta do processo administrativo e documento n° 5 junto pela Autora com a petição inicial aperfeiçoada)».

III. Matéria de direito

12. Antes de entrar na apreciação do mérito do presente recurso, é importante clarificar, quanto ao seu âmbito, que o mesmo envolve a apreciação de uma única revista, que como tal foi admitida pela formação de apreciação preliminar.
Na verdade, apesar de terem sido interpostos autonomamente dois recursos de revista, respetivamente, dos acórdãos de 31 de julho e 26 de outubro de 2023, todas as questões que foram levadas às conclusões das respetivas alegações, e que delimitam o objeto da presente revista, dizem respeito à decisão de mérito que foi proferida pelo primeiro daqueles dois acórdãos.
O segundo acórdão, de 26 de outubro de 2023, limitou-se a sustentar o primeiro, quanto às nulidades que lhe foram imputadas pela Recorrente, e a decidir o pedido de reforma quanto a custas que nele se continha.
Não tendo a Recorrente, no segundo recurso interposto, impugnado as decisões que o tribunal a quo proferiu no Acórdão de 26 de outubro de 2023 quanto às duas questões atrás identificadas, limitando-se a atacar novamente o decidido no primeiro quanto ao fundo da causa, considera-se que se conformou com o decidido pelo tribunal a quo e que o conhecimento daquelas duas questões ficou, entretanto, prejudicado.

13. A questão de fundo que se discute na presente revista é, assim, a de saber se se verificam os fundamentos que foram invocados pelo júri do concurso para excluir a proposta da Autora, ora Recorrente, com fundamento na falta de atributos essenciais da mesma, nos termos dos artigos 57.°, n.° 1, alínea c), 70.°, n.° 2, alínea a) e 146.°, n.° 2, alínea o) do Código dos Contratos Públicos (CCP).
Em causa, concretamente, está o facto de a Recorrente não ter apresentado autonomamente o quadro e os custos unitários dos supervisores previstos pelo Caderno de Encargos e pelo Anexo III do Programa do Concurso Público Internacional para a prestação de serviços de limpeza em hospitais, unidades de cuidados integrados, unidades de saúde e equipamentos com cuidados médicos da ação social da [SCM...].

14. As instâncias divergiram na resposta a dar a essa questão.
O TAC de Lisboa considerou que «(...) não é possível extrair dos pontos 8.2.3.1, 8.2.3.2 e 8.2.3.3 [do Caderno de Encargos] a obrigação de discriminar os preços aí exigidos também para o “mínimo de 3 (três) Supervisores para todas as posições;”, pelo simples facto de a sua referência ser efetuada relativamente ao quadro mínimo de trabalhadores, quadro esse que integra cada uma das posições de 1 a 30 e que inclui um campo para o “Supervisor”, que a ED. não preencheu, ao contrário do que fez para os demais trabalhadores, cujo quadro mínimo fixou para cada horário (.,.)», pelo que concluiu que «o júri não podia ter excluído a proposta da Autora com fundamento no artigo 70° n° 2 alínea a) do CCP, que devia ter sido admitida e passado à fase de avaliação».
O TCAS, em contrapartida, considerou, relativamente à obrigação de indicação dos preços unitários dos supervisores, que «tal indicação é obrigatória, nos termos do prescrito no art.° 8.2 e 8.2.3 (8.2.3.1, 8.2.3.1 e 8.2.3.3) do PC, resultando destes preceitos, inequivocamente, a imposição do preenchimento do Anexo III com a indicação dos preços mensais, para 12 meses e para 36 meses, para cada quadro mínimo de trabalhadores para cada horário e para cada posição, a que acresce a imposição de indicação do preço para um quadro mínimo de 3 Supervisores para todas as posições».
Deste modo, O TCAS concluiu que «a omissão cometida pela Recorrida no Anexo III do PC, de indicação dos preços para o quadro mínimo de 3 Supervisores configura, em bom rigor, uma patologia ao nível dos atributos da proposta, que merece valorização no âmbito do disposto nos art.°s 57.°, n.° 1, al. b), 70.°, n.° 2, al. a) e 146.°, n.° 2, al. o), todos do CCP, por equivaler, de certo modo, à omissão de um atributo», pelo que, em consequência, revogou a sentença do TAC de Lisboa e julgou a ação improcedente.
Vejamos então.

15. A Recorrente começa por imputar ao acórdão recorrido um erro de julgamento por conhecimento sobre matéria de facto que não foi dada como provada pela primeira instância, nem impugnada em sede de recurso.
Alega, concretamente, que «a determinação sobre quais são os elementos específicos que constavam quer da proposta apresentada pela ora Recorrente, quer das próprias peças concursais não é matéria de Direito, mas matéria de facto, pelo que - não tendo havido recurso quanto à matéria de facto -, não podia o acórdão recorrido dela ter conhecido».

Mas não tem razão.

A proposta apresentada pela Recorrente faz parte do Processo Administrativo, que se encontra junto aos autos, não sendo o conteúdo da mesma objeto de controvérsia entre as partes.
Que, com a sua proposta, a Recorrente não apresentou autonomamente os custos unitários dos 3 (três) supervisores previstos pelo Caderno de Encargos e pelo Anexo III do Programa do Concurso, é um facto assente nos autos, que a própria reconhece em todas as suas intervenções processuais.
O que é controvertido, sim, é o valor jurídico a atribuir a essa omissão, ou não discriminação, entendendo a recorrente, contra o que se decidiu no acórdão recorrido, que a autonomização dos custos unitários dos supervisores não é imposta pelo Caderno de Encargos e pelo Programa do Concurso.
Essa é a questão de direito a decidir no presente recurso.
16. Dispõe o n.° 3.2 do Caderno de Encargos, na parte que interessa à decisão da causa, que
«8.2. As propostas devem ser constituídas pelos seguintes documentos e elementos:

(...)

8.2.3.1. Preço mensal por posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de 3 (três) Supervisores para todas as posições;

8.2.3.2 Preço total para o período de 12 (doze) meses, por posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de 3 (três) Supervisores para todas as posições;

8.2.3.3. Preço total para o período de 36 (trinta e seis) meses, posição/horário/quadro mínimo de trabalhadores e no mínimo de 3 (três) Supervisores para todas as posições;

8.2.3.5. Preço global da proposta, incluindo a bolsa com o valor fixo para serviços de limpeza não planeados, melhor descrita na cláusula 37. do caderno de encargos;
8.2.3.6. Taxa de IVA a aplicável

(...)».

O Anexo III do PC, referenciado no transcrito n.° 8.2.3 do PC, consubstancia um «Formulário de Preços», relativo aos serviços de limpeza prestados nos estabelecimentos enumerados no Anexo A do CE, e possui no seu cabeçalho os seguintes campos: «Posição», «Equipamento» - que corresponde à identificação dos estabelecimentos em que serão prestados os serviços de limpeza concursados-, «Morada/horários» - relativos a cada um dos 30 equipamentos elencados-, «Tipo de limpeza»- estipulada para cada um dos equipamentos-, «número de meses de serviço», «Quadro Mínimo de trabalhadores» e «Proposta».
Quanto ao «Quadro Mínimo de trabalhadores», este concretiza as categorias de trabalhadores em cada um dos «equipamentos» - «Supervisor», «Encarregado», «Trabalhador de Limpeza», «Lavador de Vidros», «Trabalhador de Serviços Gerais» e «Piquete», bem como especifica o número de trabalhadores em cada categoria relatívamente a cada um dos «equipamentos», com exceção do «Supervisor». Efetivamente, neste Anexo III do PC, à semelhança do Anexo A do CE-, também não está definido qualquer número de trabalhadores para a categoria de «Supervisor» em nenhum dos «equipamentos» enumerados. No entanto, no que se refere a esta categoria, o mesmo Anexo III tem, após o elenco dos «equipamentos» onde deverão ser prestados os serviços de limpeza objeto do contrato, um campo destinado a «todas as posições», estipulando que o «número mínimo de Supervisores para todas as posições» é de 3.
17. O teor literal das citadas disposições não deixa margem para dúvidas de que o PC e o CE exigem que as propostas dos concorrentes prevejam a existência de um quadro de supervisores, num mínimo de três, e a discriminação dos respetivos custos unitários mensais, bem como do preço total para 12 e 36 meses, respetivamente.
Por um lado, porque ao prever um quadro mínimo de três supervisores, aquelas disposições pressupõem que os concorrentes explicitem qual a dimensão do quadro de supervisores que concretamente propõem, sob pena de não ser possível avaliar e comparar as respetivas propostas.
Por outro lado, porque em todas as alíneas do n.° 8.2.3 do CE se exige, cumulativamente, que sejam discriminados os custos unitários - mensal, anual e trianual - do pessoal afeto a cada uma das posições ou equipamentos, e o custo dos supervisores afetos ao conjunto das trinta posições. Ora, sendo o critério de adjudicação do concurso o «da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com a modalidade de avaliação, do preço ou custo, enquanto único aspeto de execução do contrato a celebrar», a autonomização daquele custo constitui, necessariamente, um atributo da proposta. Pelo que, andou bem o tribunal a quo quando concluiu que «que a omissão cometida pela Recorrida no Anexo III do PC, de indicação dos preços para o quadro mínimo de 3 Supervisores configura, em bom rigor, uma patologia ao nível dos atributos da proposta, que merece valorização no âmbito do disposto nos art.ºs 57.°, n.° 1, al. b), 70.°, n,° 2, al. a) e 146.°, n.° 2, al. o), todos do CCP, por equivaler, de certo modo, à omissão de um atributo».
Acresce, como se decidiu com acerto no acórdão recorrido, que a ausência de um quadro de supervisores na proposta da Recorrida, com a especificação do seu número, num mínimo de três, sempre equivaleria à falta de um termo ou condição da proposta, o que, do mesmo modo, conduziria à sua exclusão.

18. É irrelevante a alegação da Recorrente de que distribuiu o custo dos supervisores pelas trinta posições antecedentes, dado que, não só não é possível comprovar a sua alegação, porque essa operação de repartição do custo dos supervisores não foi explicitada na sua proposta, não constando, nomeadamente, da respetiva nota justificativa, como, sobretudo, porque a mesma não permite a comparação daquela proposta com as propostas apresentadas pelos restantes concorrentes.
Aliás, ao não prever um quadro autónomo de supervisores, e ao não discriminar o respetivo custo mensal, anual e trianual, a proposta da Recorrente não só não é comparável com as propostas apresentadas pelos restantes concorrentes quanto ao custo dos mesmos supervisores, como, inclusive, quanto ao custo dos trabalhadores das demais categorias previstas.
E não permite a verificação de que o preço global indicado corresponde, efetivamente, à soma dos preços unitários de todos os serviços que constituem o objeto da prestação.
Se, para a formação do preço do contrato, fosse suficiente a indicação do preço global, como alega a Recorrente, o PC e o CE não exigiriam a sua discriminação unitária, como faz.

19. Assim, e sem necessidade de mais considerações, é possível concluir que o acórdão recorrido fez correta interpretação e aplicação dos artigos 57.°, n.° 1, alínea c), 70.°, n.° 2, alínea a) e 146.°, n.° 2, alínea o) do Código dos Contratos Públicos (CCP), não merecendo censura.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento ao recurso e, em consequência, em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente. Notifique-se

Lisboa, 11 de abril de 2024. – Cláudio Ramos Monteiro (relator) – Liliana Maria do Estanque Viegas Calçada – Susana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva.