Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01029/23.6BELSB
Data do Acordão:03/14/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DIREITO DE ASILO
Sumário:Não se justifica admitir revista se as questões atinentes à aplicação da Lei do Asilo, aparentam ter sido bem decididas pelo TCA, em confirmação da decisão da 1ª instância, sem que se vislumbre que o acórdão recorrido tenha incorrido em erro de julgamento quanto à aplicação da referida lei que pudesse justificar a admissão deste recurso.
Nº Convencional:JSTA000P32021
Nº do Documento:SA12024031401029/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:MAI - MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
Na presente acção administrativa AA, com os sinais dos autos, demandou o Ministério da Administração Interna visando a impugnação do despacho do Directora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 09.02.2023, que considerou que o pedido de protecção internacional que formulou é inadmissível e determinou a transferência do Autor para a Suécia [enquanto Estado Membro responsável pela sua retoma a cargo].

Por sentença do TAC de Lisboa, de 18.03.2023, foi julgada improcedente a acção administrativa intentada e absolvida a Entidade Demandada dos pedidos.

Desta sentença interpôs o Autor recurso para o TCA Sul que por acórdão de 13.09.2023 negou provimento ao recurso.

Deste acórdão interpõe revista o Autor, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo.

O Recorrido não contra-alegou.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Está em causa nos autos a decisão administrativa de transferência do ora Recorrente para a Suécia, proferida em 09.02.2023, pela Directora Nacional Adjunta do SEF que considerou o pedido de protecção internacional apresentado pelo Autor inadmissível, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 19º-A e do nº 2 do art. 37º, ambos da Lei nº 27/2008, de 30/6, alterada pela Lei nº 26/2014, de 5/5.

O TAC de Lisboa julgou improcedente a acção, por, em síntese, ter entendido que, “No caso dos presentes autos, foi garantido ao requerente a oportunidade de se pronunciar e de intervir no procedimento administrativo; este pôde esgrimir as suas razões, de facto e de direito, para que lhe fosse concedida protecção internacional em Portugal, nomeadamente quanto à sua transferência para a Suécia para aplicação do disposto no Regulamento Dublin, o que fez num primeiro momento [sendo também válidas as considerações e correcções então expostas para o segundo projecto de decisão].
De todo o modo, e tendo presente que o requerente foi assistido pelo CRP aquando do exercício do seu direito de participação, ainda que se entendesse que ao caso em apreço era aplicável o disposto no artigo 17º, nº 3 da Lei do Asilo, sempre seria de concluir pela não produção do respectivo efeito anulatório, por aplicação do artigo 163º, nº 5, alíneas a), b) e c) do CPA (seja porque, como melhor veremos, a apreciação do caso concreto apenas permite identificar como possível a solução que foi alcançada pelo acto impugnado; seja porque, indubitavelmente, mesmo que o CPR/ACNUR tivesse sido notificado para se pronunciar sobre o relatório, o acto acabaria por ser praticado com o mesmo conteúdo). (…)
Sobre as questões relacionadas com a transferência para a Suécia [à qual o Autor se opõe, argumentando com a sua situação familiar e que a Suécia não pode ser considerada como país terceiro seguro, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 2º, nº 1, alínea r) da lei do Asilo, correndo o risco de sofrer ofensa grave com a sua transferência], referiu a sentença, nomeadamente, que: “A este respeito, cabe ter presente que o Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, assegura que ninguém deve ser enviado para um local onde possa ser sujeito a tratamento desumano ou degradante.
Concretamente, para obstar à transferência de requerentes de protecção internacional, é necessário verificar a existência de motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – cfr. o artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo do Regulamento”, o que não se verifica (citando a sentença a este propósito jurisprudência do Tribunal de Justiça).
Concluiu sobre esta questão que, “Com efeito, a instrução dos procedimentos administrativos importa o apuramento dos factos que se mostrem pertinentes para a concreta decisão a tomar: se a aplicação do disposto no artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo, implica que se reconheça que o requerente quedaria em situação de privação material extrema caso a transferência fosse executada e, simultaneamente, se inexistem quaisquer indícios de tal situação, então não estava a Entidade Requerida obrigada a proceder a ulteriores diligências instrutórias para aquele efeito.
O requerente que tem autorização de residência na Suécia, e até já aí residiu e trabalhou, não pode escolher Portugal para efeitos de apreciação do seu pedido de protecção internacional, uma vez que um dos propósitos do Regulamento de Dublin é, justamente, o de impedir o asylum shopping.
Em face do exposto, não será de invalidar o acto impugnado pelas questões relacionadas com a transferência do requerente para a Suécia, nomeadamente por violação do artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo do regulamento Dublin ou por deficit instrutório (vícios aos quais se reconduzem juridicamente os fundamentos esgrimidos pelo requerente a este respeito).
Considerou igualmente que, de acordo com o disposto no art. 19º-A, nº 2 da Lei do Asilo, sendo o pedido de protecção internacional considerado inadmissível, ao abrigo do disposto no art. 19º-A, nº 1, alínea a), como aqui sucedeu, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de protecção internacional constantes do art. 3º e 7º da Lei do Asilo. E que, sendo a Suécia o Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional do requerente, o acto impugnado não se fundou em qualquer requisito relacionado com a análise das condições ínsitas naqueles preceitos, não tendo que o fazer (cfr. art. 17º, nº 1 do Regulamento), nem cabendo aos tribunais administrativos sindicar essa decisão por força do princípio da separação e interdependência dos poderes do Estado.
Mais entendeu que não se mostravam violados os princípios jurídicos indicados nos arts. 90º e 91º da PI, nem o requerente consubstanciara minimamente a violação de tais princípios e normas ali indicadas

O TCA Sul para o qual o Autor apelou, apreciou as questões suscitadas no recurso, de erro de julgamento de direito da sentença, tendo considerado [transcrevendo a sentença, cuja fundamentação acolhe] que os argumentos invocados no recurso não eram susceptíveis de contrariar o decidido, afigurando-se incontornável, “além de resultar de modo claro do discurso fundamentador da decisão recorrida -, que os factos em presença apontam no sentido de a instrução do processo dever ser feita na Suécia e não em Portugal. (…) Com efeito, tendo sido verificado que o requerente era portador duma autorização de residência – ainda válida – na Suécia (cfr. ponto xi. do probatório), em 2-2-2023, a entidade requerida apresentou um pedido de tomada a cargo às autoridades suecas, o qual foi aceite em 6-2-2023 (cfr. pontos xiv. e xv. do probatório)”.
Fazendo apelo ao disposto no art. 18º, nº 1, alínea b) do Regulamento (UE) nº 604/2013 e arts. 36º e 37º da Lei do Asilo considerou: “Deste modo, é claro e resulta da lei em causa que, tendo as autoridades da Suécia aceitado o pedido de retoma a cargo do recorrente, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 18º do Regulamento nº 604/2013 do Conselho de 26 de Junho, é a este Estado que compete a instrução do processo.”. E que só assim não seria se existissem motivos válidos para crer que haveria falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do requerente no Estado-Membro, inicialmente designado responsável, que implicassem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do art. 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (cfr. §2º do nº 2 do art. 3º do Regulamento nº 604/2013). O que o Recorrente não alegou nem demonstrou, limitando-se a afirmar que na Suécia fora “ameaçado de morte” por um familiar, fundamento que, só por si é inidóneo para justificar que seja o Estado Português a apreciar o pedido de protecção internacional formulado pelo requerente.
Assim, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Na presente revista o Recorrente vem invocar erro de julgamento do acórdão recorrido quanto à elaboração do relatório e ao direito de audiência prévia, previstos nos nºs 1 e 2 do art. 17º da Lei do Asilo, violação de lei por a interpretação que foi feita colidir com os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático constantes dos artigos 1º, 2º, 8º, 13º, 20º e 267º, nº 5, todos da CRP, do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do art. 18º da DUDH, dos arts. 2º, 3º, 5º, 6 e 14º da Convenção de Genebra e o Protocolo Adicional de 31.01.1967, e da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC), “ao omitir a apreciação do invocado vício de indeferimento de prova, mantendo a sentença sub judice” (cfr. conclusão (ii)); como por não se ter pronunciado quanto à questão da nulidade da sentença, ao não deferir a produção de prova (conclusão (iii)); e, quanto à pretensão formulada pelo Recorrente e/ou falta de produção de prova carreada pelo A. (conclusão (iv)); e omissão quanto à circunstância de o requerente ter autorização de residência na Suécia e de ter um filho recém-nascido em Portugal (conclusão xxii)).
A argumentação da Recorrente não é, porém, convincente.
Como se vê o recorrente imputa ao acórdão recorrido nulidade de decisão por omissões de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC).
Desde logo, o acórdão recorrido não pode ter incorrido em tal nulidade por não se ter pronunciado quanto a idêntico vício imputado à sentença do TAC porque, pura e simplesmente, não foi imputada a essa sentença qualquer nulidade (por omissão de pronúncia ou outra), em sede de apelação. Igualmente não se verifica tal nulidade pela omissão quanto à circunstância de o requerente ter autorização de residência na Suécia e de ter um filho recém-nascido em Portugal.
Com efeito, essa matéria respeita aos factos dados como provados e o Recorrente não impugnou a factualidade dada como provada na sentença do TAC, pelo que o acórdão recorrido não tinha que se pronunciar sobre essa matéria, sendo certo, que consta expressamente do acórdão que foi tido em conta a circunstância de o recorrente ter autorização de residência na Suécia, conforme decorre da transcrição supra do acórdão [apesar dessa circunstância em nada beneficiar o Recorrente na pretensão que pretende fazer valer nesta acção].
Por fim, invoca ainda o Recorrente a nulidade do acórdão por ter omitido o que chama de “vício de indeferimento de prova”, por parte da sentença.
Ora, o conhecimento da legalidade do decidido sobre o indeferimento da prova requerida, pressupunha que o Recorrente tivesse impugnado o despacho autónomo que recaiu sobre o requerimento de produção de prova [proferido previamente à sentença], o que não sucedeu, antes tendo o Recorrente na sua apelação pugnada pela “anulabilidade” da sentença, sem que se invoque, para tal, qualquer fundamento legal, sendo certo que a eventual ilegalidade do despacho que indeferiu a produção de prova apenas poderia consubstanciar uma nulidade processual, nos termos do art. 195º, nº 1 do CPC, que o Recorrente não arguiu.
Assim, afigura-se-nos, no juízo sumário que a esta Formação de Apreciação Preliminar cabe formular que o acórdão recorrido não terá incorrido em nulidade(s) por omissão de pronúncia, não se justificando admitir a revista com tal fundamento.
Alega ainda o Recorrente que o acórdão recorrido padeceria de erro na aplicação do art. 17º, nº 1 e 2 da Lei do Asilo e por violar a miríade de princípios constitucionais e de convenções internacionais acima indicadas.
Ora, na presente revista o recorrente pretende discutir a questão da elaboração do relatório e do direito de audiência prévia, previsto no art. 17º da Lei do Asilo – a qual foi conhecida pelo acórdão recorrido e pela 1ª instância de forma absolutamente consonante (nos termos supra transcritos quanto à sentença do TAC, que o acórdão recorrido acolheu integralmente), no sentido de que foram cumpridas as formalidades prescritas naquele preceito, conforme resulta do probatório. O que tudo indica que foi, efectivamente, cumprido o disposto no art. 17º da Lei do Asilo, em consonância com a jurisprudência firmada por este STA.
Assim, como se vê as instâncias decidiram a questão da retoma a cargo, de forma e com fundamentação coincidente e, tudo indicando que bem.
Ora, as questões tratadas na apelação – a atinente à retoma a cargo (e todas as restantes invocadas sobre a aplicação da Lei do Asilo e princípios jurídicos invocados pelo Recorrente, supostamente violados) - aparentam ter sido bem decididas pelo TCA (expressando concordância com a decisão de 1ª instância que transcreveu), sem que se vislumbre que o acórdão recorrido tenha incorrido em erro de julgamento, muito menos ostensivo, que pudesse justificar a admissão da revista.
Assim, face à aparente exactidão do acórdão recorrido, não se vendo necessidade de uma melhor aplicação do direito, não se justifica admitir a revista, a qual se afigura, desde já, inviável.
Apesar de se nos afigurar que nas conclusões da presente revista não vem invocada a inconstitucionalidade de qualquer norma (mas eventual vício de violação de lei na aplicação de diversos princípios constitucionais), sempre diremos que se o Recorrente pretendeu invocar uma eventual inconstitucionalidade, tal como é jurisprudência firme desta Formação de Apreciação Preliminar, essa matéria não justifica a admissão do recurso de revista por poder ser colocada directamente ao Tribunal Constitucional.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Sem custas dada a isenção legal.

Lisboa, 14 de Março de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – Maria do Céu Neves – Fonseca da Paz.