Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0344/23.3BELRS
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:GARANTIAS
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
Sumário:A “garantia idónea”, como meio, legal, de suspender uma execução fiscal, tem, em qualquer das modalidades de prestação (nominadas ou não), como limite, exigido, inegociável, o cumprimento do valor, no máximo, permitido calcular a coberto do disposto no artigo 199.º n.º 6 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), com acréscimo, no caso da hipoteca voluntária, de o mesmo corresponder, ser igual, ao montante máximo assegurado, segundo o pertinente registo predial.
Nº Convencional:JSTA00071824
Nº do Documento:SA2202402280344/23
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO O RECURSO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Área Temática 2:EXEC FISCAL
Legislação Nacional:ART. 199.º, N.º 6, CPPT
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

1

A representação da Fazenda Pública (rFP) interpôs recurso de revista (excecional) de acórdão, do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), datado de 4 de outubro de 2023, que concedeu provimento a recurso jurisdicional ( E, em consequência, revogou a sentença recorrida, julgou a reclamação procedente e anulou o despacho reclamado.), dirigido contra sentença proferida, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, julgando improcedente reclamação de decisão do órgão da execução fiscal ( “do despacho do Diretor de Finanças Adjunto ..., datado de 27/12/2022, que aceitou a garantia prestada sob a forma de hipoteca voluntária constituída sobre bem imóvel, porém, de valor insuficiente para garantir o processo de execução fiscal n.º ...38 e apensos (n.ºs ...95 e ...12), determinando que a Reclamante procedesse ao seu reforço”.).
A recorrente (rte) alegou e concluiu: «

I. Interpõe-se o presente recurso do douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul por se encontrarem verificados os respectivos pressupostos de admissibilidade previstos no artigo 285.º do CPPT.

II. Como se infere do art.º 285º do CPPT o recurso de revista pode ser admitido quando verificados um dos dois requisitos alternativos, bastando o preenchimento de qualquer deles para determinar a admissão do presente recurso:

a) A questão a resolver assuma importância fundamental, por via da sua relevância jurídica ou social; ou

b) A intervenção do Supremo Tribunal Administrativo se revele claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

III. In casu, a questão que se pretende submeter à revista desse Tribunal Superior, consiste em determinar se, a constituição de uma hipoteca voluntária no processo de execução fiscal (para ser considerada suficiente e idónea nos termos dos artigos 169º e 199º do CPPT) deverá (como defende a Fazenda Pública) ou não (como foi o entendimento do douto Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão ora recorrido) ser prestada pelo montante apurado nos termos do artigo 199º n.º 6 do CPPT (onde se estabelece nomeadamente que “A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 % da soma daqueles valores”)

IV. Quanto à relevância social, entendida no sentido de que a situação apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, afigura-se-nos que a mesma se encontra verificada no caso em apreço.

V. Porquanto, a questão em causa, não tem um interesse meramente teórico, tendo sim uma grande capacidade de expansão, na medida em que se irá repetir sempre que esteja em causa a prestação de uma hipoteca voluntária na execução fiscal, situação com que os executados e AT são confrontados frequentemente, sendo até uma garantia que se encontra legalmente prevista (nomeadamente no art. 199º n.º 2 do CPPT).

VI. Consubstanciando a decisão a proferir uma orientação para a decisão uniforme desses casos futuros.

VII. No que concerne à necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito verifica-se que, a decisão é efectivamente errada, devendo ser afastada a possibilidade de sustentar jurisprudencialmente outras subsequentes decisões erradas, sendo a primeira neste sentido (nem mesmo sendo o decidido em 1ª instância nesse sentido).

VIII. Sendo que, também é verificável, na questão dos autos, a existência de um claro interesse objectivo que transpõe os limites do caso concreto aqui em apreciação, constituindo um caso “tipo” “onde se deve reconhecer a utilidade de intervenção do STA, com vista a uma pronúncia que possa servir como orientação para os tribunais de que aquele Tribunal é órgão de cúpula.

IX. Pelo que se verifica a clara necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de evitar a propagação de uma interpretação errónea, nas situações em que subsequentemente esteja em causa aquela questão.

X. Tendo a questão sido decidida de modo juridicamente insustentável pelo TCA Sul, só uma intervenção desse Supremo Tribunal – necessária para uma melhor aplicação do direito – poderá evitar que uma juridicamente insustentável posição jurisprudencial possa ter inicio.

XI. Pelo que, na situação dos autos, demonstram-se preenchidos os pressupostos dos quais depende a admissibilidade do recurso de revista, quer pela capacidade de expansão, quer por se revelar necessária e imprescindível uma actuação preventiva do órgão de cúpula (orientador dos restantes tribunais) de forma a evitar a aplicação desta interpretação errada.

XII. Entendeu o douto Acórdão ora recorrido que, a hipoteca voluntária, a ser constituída num processo de execução fiscal, deverá ser considerada idónea e suficiente nos termos do art. 199º do CPPT, sem ter sido prestada pelo valor calculado nos termos da lei, in casu, nos termos do art. 199º n.º 6 do CPPT, sendo ilegal a exigência da Administração Tributária de um reforço da garantia prestada até completar o valor calculado nos termos daquele preceito.

XIII. Ora, sendo a Hipoteca Voluntária, uma garantia, nos termos do art. 199º n.º 2 do CPPT, e estando previsto na lei qual o montante pelo qual deve ser prestada, para ser considerada idónea e suficiente, no art. 199º n.º 6 do CPPT, não poderá ser considerada suficiente se for prestada por um valor inferior ao calculado nos termos deste n.º 6 do art. 199º do CPPT.

XIV Aliás, a vingar o entendimento do Acórdão recorrido, este n.º 6 do artigo 199º do CPPT nunca teria aplicação, pois as razões subjacentes à decisão, aduzidas por referência à hipoteca voluntária, são transponíveis para qualquer outra garantia.

XV. Não podendo, designadamente, ser feito apelo ao regime constante do art. 199º-A do CPPT (que respeita à determinação do valor do imóvel) para justificar um apuramento de um montante inferior pelo qual deve ser constituída a hipoteca voluntária.

XVI. A decisão do TCA Sul, no Acórdão ora recorrido, quando considera perante uma hipoteca voluntária constituída por um valor inferior ao estabelecido no art. 199º n.º 6 do CPPT, não poderá a Administração Tributária exigir o seu reforço, encontra-se em violação de lei.

Nestes Termos e nos demais de direito, requer-se a V. Ex.as:

Que seja admitido e declarado procedente o presente recurso de revista,

Assim se fazendo a tão costumada Justiça»


*

Não houve lugar a contra-alegações.

*

Pelos Exmos. Conselheiros integrantes da formação preliminar, em acórdão proferido a 20 de dezembro de 2023, foi decidido admitir a revista.

*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso; expendendo, em suma: «

(…).
Aderindo aqui à posição da Recorrente, permitimo-nos transcrever a seguinte conclusão junta às alegações de recurso:
«Ora, sendo a Hipoteca Voluntária, uma garantia, nos termos do art. 199º n.º 2 do CPPT, e estando previsto na lei qual o montante pelo qual deve ser prestada, para ser considerada idónea e suficiente, no art. 199º n.º 6 do CPPT, não poderá ser considerada suficiente se for prestada por um valor inferior ao calculado nos termos deste n.º 6 do art. 199º do CPPT.» »


*******

2

No acórdão sob revista, consta: «

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

1. Em data não apurada, foram instaurados contra a Reclamante os processos de execução fiscal n.ºs ...38 e apensos n.ºs ...95, ...12 e ...46, por dívidas de IRS dos anos de 2016, 2017 e 2018 e de IMI do ano de 2019. - cf. informação prestada pelo Serviço de Finanças e junta com a p.i.;

2. O PEF n.º ...46 encontra-se extinto por pagamento voluntário em 27/07/2021. - cf. Ibidem;

3. Em 26/10/2021, foi constituída, por escritura pública, uma hipoteca voluntária para garantir a dívida exequenda nos PEF referidos no ponto 1, nos seguintes termos:

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- cf. doc. junto sob a referência ...25 do SITAF.

4. O valor patrimonial tributário (VPT) do prédio objeto da hipoteca a que se refere o ponto anterior é de € 275.899,80, de acordo com avaliação realizada no ano de 2021. - cf. certidão do registo predial do imóvel junta com o doc. com a referência ...29 do SITAF.

5. Em 27/10/2021, a hipoteca voluntária a que se refere o ponto 3 foi registada junto da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, aí constando a informação de que o montante máximo assegurado pela referida hipoteca é de € 236.069,70. - cf. certidão permanente junta como doc. com a referência ...26 do SITAF.

6. A Reclamante deduziu oposição judicial, que foi convolada em impugnação judicial em 26/01/2022, e que se encontra ainda pendente de decisão. - cf. informação prestada pelo Serviço de Finanças e junta com a p.i.;

7. Por ofício datado de 17/09/2020, foi remetida à Reclamante a seguinte comunicação:

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(…)

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- cf. doc. Junto com a p.i.

8. Como garantia dos PEF referidos no ponto 1, a Reclamante ofereceu a constituição de hipoteca voluntária sobre quatro prédios urbanos:

i. artigo matricial ...49 – fração ... – freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de € 42.466,13;

ii. artigo matricial ...45 – fração ... – freguesia ... com o valor patrimonial tributário de € 69.476,75;

iii. artigo matricial ...45 – fração ... – freguesia ... com o valor patrimonial tributário de € 69.476,75;

v. artigo matricial ...45 – fração ... – freguesia ... com o valor patrimonial tributário de € 69.476,75.

- cf. Ibidem;

9. Em 18/11/2020, o Diretor de Finanças Adjunto ... proferiu despacho de aceitação da garantia a que se refere o ponto anterior. - cf. Ibidem;

10. Posteriormente, a Reclamante apresentou pedido de substituição do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º ...45 – fração ..., sito na freguesia ..., concelho e distrito ..., com o valor patrimonial tributário de € 69.476,75, pelo prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º ...45 – fração ... sito na mesma freguesia, com o valor patrimonial tributário de € 72.207,10, mantendo-se a oferta de constituição de hipoteca voluntária sobre os outros três prédios urbanos inscritos nas matrizes prediais sob os artigos ...49 – fração ..., 1445 – frações ... e ....

- cf. Ibidem;

11. O pedido de substituição a que se refere o ponto anterior foi deferido por despacho do Diretor de Finanças Adjunto ..., datado de 04/02/2021.

– cf. Ibidem;

12. Em 24/06/2021, a Reclamante solicitou nova substituição, da fração ... do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...45, da freguesia ..., concelho e distrito ..., com o valor patrimonial tributário de € 72.207,10, pelo prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º ...45 – fração ... sito na mesma freguesia, com o valor patrimonial tributário de € 275.899,80.

- cf. Ibidem;

13. Em 27/07/2021, o pedido a que se refere o ponto anterior foi deferido por despacho do Diretor de Finanças Adjunto ....

- cf. Ibidem;

14. Em 28/10/2021, a Reclamante solicitou a aceitação, em substituição, da garantia consubstanciada na hipoteca voluntária constituída, em 26/10/2021, a favor da Autoridade Tributária, sobre a fração autónoma identificada pela letra ..., do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...45, da freguesia ... (hipoteca a que se refere o ponto 3). - cf. Ibidem;

15. Com o requerimento a que se refere o ponto anterior, a Reclamante apresentou a escritura de constituição de hipoteca, datada de 26/10/2021 (a que se refere o ponto 3), e a certidão permanente da Conservatória do Registo Predial com o código de acesso ...45, referindo que requereu o registo da hipoteca voluntária junto da Conservatória do Registo Predial, e que aguarda pela disponibilização do mesmo. - cf. Ibidem;

16. Aquando da análise do pedido de aceitação de garantia a que se referem os dois pontos antecedentes, a Direção de Finanças ... verificou que na certidão permanente remetida não constava o registo da hipoteca voluntária celebrada a favor da AT, e que o código de acesso remetido (PA-...45) se encontrava expirado.

- cf. Ibidem;

17. Nessa sequência, a Direção de Finanças ... elaborou a informação n.º ...22, datada de 14/09/2022, que tem, designadamente, o seguinte conteúdo:

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cf. Ibidem;

18. Tendo por base a informação referida no ponto anterior, em 20/09/2022, o Diretor de Finanças Adjunto ... proferiu despacho de indeferimento do pedido de substituição de garantia.

- cf. Ibidem;

19. Em 10/10/2022, não se encontrava registado nenhum ónus ou encargo sobre o prédio objeto da hipoteca voluntária a que se refere o ponto 3.

- cf. certidão permanente junta como doc. com a referência ...26 do SITAF.

20. Em 12/10/2022, o valor da garantia a constituir âmbito dos PEF a que se refere o ponto 1 era de € 255.850,11.

- cf. informação prestada pelo órgão de execução fiscal e constante do email junto com o doc. com a referência ...28 do SITAF.

21. Em 14/11/2022, a Reclamante deduziu reclamação do despacho a que se refere o ponto 18, nos termos do artigo 276.º do CPPT.

- cf. informação prestada pelo Serviço de Finanças e junta com a p.i.;

22. Na sequência dessa reclamação, em 27/12/2022, o Diretor de Finanças Adjunto ... proferiu o seguinte despacho (ato reclamado):

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- cf. doc. Junto com a p.i.;

23. O despacho a que se refere o ponto anterior teve por base a informação n.º ...2, que tem, designadamente, o seguinte conteúdo:

“[…]

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cf. doc. Junto com a p.i.

24. Do despacho reclamado foi enviada notificação à Reclamante, através de carta com o seguinte conteúdo:

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- cf. doc. Junto com a p.i.» »


***

O acórdão que admitiu esta revista identificou e fixou, como única questão para, agora, ser solucionada, a “de saber se, para efeitos de aferir da suficiência da garantia prestada por constituição de hipoteca voluntária sobre um bem imóvel o valor da garantia a considerar é o inscrito no registo predial como valor máximo assegurado, como entendeu o Tribunal Tributário de Lisboa, ou é o do valor patrimonial tributário do prédio sobre o qual recaiu a hipoteca, como entendeu o Tribunal Central Administrativo Sul.”. Complementarmente, além do mais, no mesmo, expendeu-se: «

(…).

O que cumpre verificar no presente caso é se pode ou não aceitar-se como suficiente a hipoteca cujo montante máximo garantido inscrito no registo seja de montante inferior ao que resulta da aplicação do critério do n.º 6 do art. 199.º do CPPT. Para responder a essa questão haverá, designadamente, que ter em conta a possibilidade de ulterior constituição de direitos reais de garantia sobre o mesmo prédio e os termos da sua ineficácia e inoponibilidade à hipoteca com registo anterior, tendo em conta, para além do mais, o disposto nos arts. 686.º, n.º 1, 687.º e 693.º, n.º 1, do Código Civil (CC) e nos arts. 4.º, n.º 2, e 96.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial (CRP).

Não poderá também perder-se de vista que é o registo predial que limita o valor máximo garantido pela hipoteca: até ao valor máximo de capital e acessórios constantes do registo predial o crédito está garantido pela hipoteca; acima desse valor deixa de estar. »

Em momento precedente da respetiva exposição, com aporte, foi, ainda, assumido que: «

Com relevo para apreciação da questão sujeita a este Supremo Tribunal – (…) – e tendo em conta a factualidade provada pelas instâncias, cumpre ter presente o seguinte:

- o valor a garantir, em 17 de Setembro de 2020, era de € 238.299,46;

- em 26 de Outubro de 2021, a Executada (ora Recorrida) constituiu, por escritura pública, uma hipoteca voluntária para garantir a dívida exequenda nos processos de execução fiscal em causa;

- essa hipoteca incidiu sobre o prédio identificado nessa escritura, com o valor patrimonial tributário de € 275.899,80;

- a hipoteca foi registada no Registo Predial pelo montante máximo assegurado de € 236.069,70;

- só em 12 de Outubro de 2022 a Executada forneceu ao órgão da execução fiscal os elementos pertinentes para que este pudesse aferir se a referida hipoteca era garantia idónea e suficiente;

- o valor a garantir, em 12 de Outubro de 2022, era de € 255.850,11;

- não há notícia de que, para além da referida hipoteca, haja qualquer outra garantia prestada ou penhora efectuada.

Ou seja, da factualidade provada pelas instâncias conclui-se que o montante máximo inscrito no registo como sendo o assegurado pela hipoteca do bem imóvel (€ 236.069,70) é inferior ao do montante a garantir, calculado nos termos do disposto no n.º 6 do art. 199.º do CPPT (€ 255.850,11), (…). »

No pressuposto, primeiro, de que o património, do devedor, constitui a garantia geral dos créditos/prestações tributárias, na falta, dentro do prazo, casuisticamente, concedido, do seu pagamento (voluntário), a respetiva cobrança (coerciva), por imposição legal, opera-se através do processo de execução fiscal ( Cf. artigos (arts.) 50.º n.º 1, 36.º n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT) e 148.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).), a qual (cobrança) se suspende, além de outros, previstos, casos, em virtude de impugnação e oposição à execução (como, aqui) tendo por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, desde que, seja prestada “garantia idónea nos termos das leis tributárias”; ou seja, esta modalidade ( Por contraposição, v.g., com a prevista no art. 172.º do CPPT.) de suspensão da execução fiscal fica, nos termos do art. 52.º n.º 1 e 2 da LGT, na, direta e estrita, dependência/exigência da prestação de garantia capaz, adequada/suficiente.

Decorre (na condição de “lei tributária”), objetivamente, do art. 169.º n.º 1 do CPPT, que, para efeitos do tipo de suspensão (de execução fiscal) em apreço, a prestação de garantia se tem de operar com atenção, respeito, pelo disposto no art. 199.º do mesmo compêndio legal. E, da consideração do conteúdo deste normativo, retiramos (para a corrente discussão) as seguintes premissas:

- a garantia idónea (exigida pelo art. 52.º n.º 2 da LGT) pode revestir, em primeira linha, as modalidades, típicas, de garantia bancária, caução ou seguro-caução;

- alternativamente, também, é (pode ser) aceite “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”;

- por fim e sob a exigência de concordância da administração tributária, a garantia pode consistir em penhor ou hipoteca voluntária;

- como regra/condição comum, transversal, a todas estas modalidades de oferecimento/prestação da garantia idónea, o legislador impõe, sem qualquer tipo de exceção/transigência, que seja assegurado/garantido o “valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 % da soma daqueles valores, exceto no caso dos planos prestacionais onde a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo do plano de pagamento concedido e custas na totalidade”, sem prejuízo da regra, específica, de que “O valor da garantia é o que consta da citação, nos casos em que seja apresentada nos 30 dias posteriores à citação”.

Assim, podendo o interessado prestador da garantia optar por uma ou mais, das identificadas modalidades, desde logo, típicas, nominadas, vindas de elencar, tem de, individual ou conjuntamente (quando escolher mais do que uma garantia), assegurar a soma das parcelas de valor ( Não podemos esquecer, nesta linha, que o processo de execução fiscal se extingue pelo pagamento da quantia exequenda “e do acrescido” – cf. art. 176.º n.º 1 alínea (al.) a) do CPPT; bem como, entre outras regras, que “A penhora é feita nos bens previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, …” (art. 217.º do CPPT) ou, “Extinta a execução e após o pagamento de todos os encargos que se mostrem devidos, é ordenado o levantamento da penhora e o cancelamento do seu registo, quando houver lugar a ele.” (art. 271.º do CPPT).), com a amplitude temporal e percentual, previstas, de forma incontornável ( Veja-se o disposto nos n.ºs 3, 7 e 8 do art. 52.º da LGT, como demonstrações das cautelas do legislador, com o objetivo de assegurar a defesa dos interesses do credor tributário.), para todas, no n.º 6 do versado art. 199.º do CPPT.

Firmada esta conclusão, in casu, importa, somente, curar da constituição de hipoteca voluntária (única e exclusiva), como forma, possível, permitida, de prestar uma garantia, capaz e suficiente, para servir de base (reunidas as demais condições exigidas por lei) ao decretamento da suspensão de execução fiscal, sendo certo que, este efeito suspensivo, repetimos, só pode decorrer da verificação do pressuposto de se mostrar, potencialmente, assegurado (na hipótese de ser operada a garantia) o recebimento, no limite monetário máximo, do valor, global, previsto no art. 199.º n.º 6 do CPPT.

A hipoteca, uma das várias formas de garantias especiais das obrigações, por definição ( Cf. art. 686.º n.º 1 do Código Civil (CC).), “confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”. Quanto a espécies, as hipotecas poder ser legais, judiciais ou voluntárias, sendo estas últimas, aquelas que nascem de contrato ou declaração unilateral, importando, além do mais, ter em conta que a constituição de uma hipoteca (deste género) não impede o dono dos bens envolvidos de os hipotecar de novo e será nula se incidir sobre todos os bens do devedor (ou terceiro) sem os especificar ( Arts. 703.º, 712.º, 713.º e 716.º n.º 1 do CC.).

Escalpelizados os elementos da noção, acima transcrita, além do mais, emerge, de forma inequívoca, a ideia de que a hipoteca objetiva conceder, ao respetivo credor-beneficiário, uma preferência, no sentido de precedência (relativamente a outros credores), de pagamento, do seu crédito, pelo valor (potencial ou efetivo, aqui, no caso de venda) da coisa hipotecada, a estabelecer em função “de prioridade de registo” (ou do gozo de privilégio especial, nesta situação, sem interesse).

O realce colocado no registo (maxime, na respetiva temporalidade) há, ainda, para se entender o seu alcance, pleno, de ser conjugado com outras regras, privativas, especiais, do funcionamento da hipoteca; a saber:

- a hipoteca deve (tem de) ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes (e) assegura os acessórios do crédito que constem do registo – cf. arts. 687.º, 693.º n.º 1 do CC ( Ainda na linha da importância/determinabilidade do registo, tenha-se presente a estatuição dos arts. 706.º, 708.º, 710.º e 732.º do CC.) e 4.º n.º 2 do Código do Registo Predial (CRP);

- o extrato da inscrição ( O registo (predial) compõe-se da descrição predial, da inscrição dos factos e respetivos averbamentos, bem como de anotações de certas circunstâncias, nos casos previstos na lei, sendo que, as inscrições visam definir a situação jurídica dos prédios, mediante (extrato dos factos a eles referentes – arts. 76.º n.º 1 e 91.º n.º 1 do CRP.) (do registo) de hipoteca deve conter a menção do seu fundamento, o crédito e seus acessórios, bem como, o montante máximo assegurado – art. 96.º n.º 1 al. a) do CRP;

- no campo, específico, do direito tributário, em linha com o regime civilista, a hipoteca voluntária constitui-se (além do mais) com o pedido de registo à conservatória competente – cf. art. 199.º n.º 2 e 195.º n.º 2 (devidamente adaptado) do CPPT (Não se olvide, com proximidade a estas regras, que, no âmbito da execução fiscal, há lugar à citação, entre outros, dos credores com garantia real, em relação aos bens, aí, penhorados, os quais podem, no processo em causa, reclamar os seus créditos sobre eles, com as inerentes consequências em termos de ulterior verificação/graduação e pagamento – art. 239.º segs. do CPPT.).

Em função destas características, intrínsecas, podemos, sem hesitações, assumir que o credor hipotecário recebe, por força do necessário registo (predial) da hipoteca, a garantia, por um lado, de ser pago, do seu crédito, pelo valor da coisa hipotecada (que, atente-se, deve ser o objeto primeiro de eventual penhora, em necessária execução ( Cf. art. 219.º n.º 4 do CPPT e 752.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).) e, por outro, de receber o montante do seu crédito e acessórios respetivos, até ao montante máximo constante da correspondente inscrição no registo, com preferência sobre outros eventuais credores, titulares beneficiários de hipoteca(s), mas registada(s) em data(s) posterior(es).

Concomitante e consequentemente, para os efeitos da discussão pendente neste apelo, relembre-se, em torno da idoneidade/suficiência, de uma hipoteca voluntária, enquanto garantia capaz de sustentar, fundamentar, decisão de suspender um processo de execução fiscal, só podemos entender que, num primeiro momento, ela tem de ser prestada pelo valor, global, decorrente do funcionamento, casuístico, das regras fixadas no art. 199.º n.º 6 do CPPT e, adicionalmente, a posteriori, este (valor total) ter equivalência no montante máximo assegurado (de crédito e acessórios), com tradução numérica, na correspondente inscrição do registo da hipoteca em causa.

Resta aditar que, na nossa ótica, a previsão (superveniente) do art. 199.º-A do CPPT ( Aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março.), não conflitua, nem, em medida alguma, constrange o entendimento vindo de exarar. Tal normativo, visou, exclusivamente, positivar critérios, o mais objetivos possível ( Almejando, com segurança, afastar, ao máximo, a subjetividade, anteriormente, operante nesta matéria.), para a avaliação, pelos responsáveis aferidores (incluindo judiciais), da idoneidade/suficiência das garantias prestadas e suportadas em bens ou património, indicando regras para estabelecer/fixar o valor destes, mas sem assumir que a garantia tem de corresponder/equivaler ao montante em que este venha a ser estabilizado. Doutra perspetiva, com a lente da disputa que nos ocupa, o versado normativo tem de ser interveniente na operação de determinar/identificar o valor de um bem dado em garantia, mas não prejudica a atividade, sequente, de apurar se tal valor equivale ao que o n.º 6 do art. 199.º do CPPT exige para uma garantia ser reputada de idónea (e suficiente) no suporte da suspensão do processo de execução fiscal.

Aliás, se dúvidas houvessem sobre esta nossa assunção, bastava recorrer ao estatuído, pelo legislador, no art. 177.º n.º 1 da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março ( « Artigo 177.º

Disposição transitória no âmbito do Código de Procedimento e de Processo Tributário
1 - O artigo 199.º -A, aditado ao CPPT pela presente lei, tem aplicação imediata às garantias que tenham sido aceites até à data da entrada em vigor da presente lei, mas esta avaliação só determina o reforço ou a substituição dessas garantias quando o valor apurado seja inferior a 80 % do valor resultante da aplicação do n.º 6 do mesmo artigo.
(…). ») (Orçamento do Estado para 2016, com entrada em vigor no dia seguinte), para, com a correção, óbvia e lógica, de reporte ao n.º 6 do art. 199.º do CPPT, se achar a vontade (daquele) de não pretender introduzir qualquer limitação, ao âmbito (desiderato normativo) do art. 199.º n.º 6, pela adição do novel art. 199.º-A do CPPT.

Neste ponto, podemos, pois, responder que, para efeitos de aferir da suficiência/idoneidade de garantia prestada por constituição de hipoteca voluntária sobre um bem/imóvel, o valor a considerar é, por princípio, o inscrito no registo predial como montante máximo assegurado (crédito e assessórios) e, consequentemente, julgar errado o julgamento, produzido no aresto recorrido, de, com derradeiro efeito, reputar idónea a garantia, prestada nos autos, pela constituição de hipoteca voluntária, em que o montante máximo, constante do registo como sendo o assegurado pela hipoteca do prédio (€ 236.069,70), é inferior ao do valor total a garantir, calculado nos termos do disposto no n.º 6 do art. 199.º do CPPT (€ 255.850,11).

Ademais, com segurança (e polivalência), é certo e seguro, agora, dizer que a “garantia idónea”, como meio, legal, de suspender uma execução fiscal, tem, em qualquer das modalidades de prestação (nominadas ou não), como limite, exigido, inegociável, o cumprimento do valor, no máximo, permitido calcular a coberto do disposto no art. 199.º n.º 6 do CPPT, com acréscimo, no caso da hipoteca voluntária, de o mesmo corresponder, ser igual, ao montante máximo assegurado, segundo o pertinente registo predial.


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3

Pelo argumentado, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concordamos:

- prover o recurso (de revista excecional), com a revogação do acórdão visado;

- manter a sentença proferida, inicialmente, no TT de Lisboa.


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Custas pela recorrida, no STA e no TCAS, com dispensa, no primeiro, de taxa de justiça, por ausência de contra-alegação.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 28 de fevereiro de 2024. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Gustavo André Simões Lopes Courinha.