Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03/21.1BALSB
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
MÉRITO DO RECURSO
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA
Sumário:Mesmo que se verifique entre as decisões arbitrais em confronto oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, o recurso não deve ser admitido, ou tendo-o sido, não deve conhecer-se do respectivo mérito, se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – cf. artigo 152.º n.º 3 do CPTA, do artigo 25.º n.º 3 do RJAT.
Nº Convencional:JSTA000P31935
Nº do Documento:SAP2024022103/21
Recorrente:A... SGPS, LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A... SGPS, LDA., com os sinais dos autos, vem, nos termos dos n.º 2 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso para uniformização de jurisprudência para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido na decisão arbitral proferida em 05.09.2020, no processo arbitral n.º 911/2019-T, transitada em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

a) Da oposição no âmbito da mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento

A) É de sublinhar a identidade entre a questão tratada na decisão arbitral recorrida (processo n.º 37/2020-T), de uma parte, e a decisão arbitral fundamento (processo n.º 911/2019- T), de outra parte: em ambos os casos o que está em causa é a mesma situação e a mesma questão fundamental, qual seja a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo (CIS), a uma SGPS na posição de mutuária/devedora de juros ou comissões em operação com uma instituição de crédito (ambas, SGPS e instituição de crédito, domiciliadas na União Europeia).

B) Mais concretamente, o que se discutiu num e noutro caso foi esta questão fundamental de direito: uma SGPS mutuária/devedora de juros ou comissões onerada com imposto do selo nas situações previstas na norma de isenção contida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, preenche ou não o requisito subjectivo desta norma de isenção, isto é, qualifica-se ou não como instituição financeira, designadamente à luz dos tipos previstos na legislação comunitária (para os quais remete a citada norma de isenção de imposto do selo)?

C) A decisão arbitral recorrida decidiu que uma SGPS não se qualificava para o efeito, e a decisão arbitral fundamento, transitada em julgado, concluiu, pelo contrário, que uma SGPS se qualificava para o efeito.

D) Inexiste alteração da regulamentação jurídica aplicável entre um caso e outro.

E) Deve, pois, ser admitido o presente recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA, por remissão do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, do RJAT (na redacção dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro), e fundado na oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida proferida em 19.11.2020 no processo n.º 37/2020-T, e a decisão arbitral fundamento de 05.09.2020 proferida no processo n.º 911/2019-T, por se verificarem os requisitos exigidos para o efeito.

b) Disposições legais violadas pela decisão arbitral recorrida

F) A decisão arbitral recorrida viola o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, desatendendo na prática a remissão que aí se elegeu (com respeito à entidade “mutuária/devedora de juros ou comissões”) para os tipos de instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

c) O artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, remete (com respeito à entidade “mutuária/devedora de juros ou comissões”) para os tipos de instituições financeiras previstos na legislação comunitária, e a ora recorrente, uma SGPS, preenche um desses tipos

G) Qualifica-se como instituição financeira, ao abrigo da legislação comunitária em vigor à data dos factos que trata ex professo das instituições de crédito e financeiras, a Directiva n.º 2013/36/UE e o Regulamento UE n.º 575/2013, o seguinte tipo de entidade, entre outros:

Artigo 3.º, n.º 1, parágrafo 22, da Directiva 2013/36/EU: “[p]ara efeitos da presente diretiva, entende-se por (…) “[i]nstituição financeira” […] uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013”.

Artigo 4.º, n.º 1, parágrafos 3 e 26 do Regulamento UE n.º 575/2013:

3) "Instituição": uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento;

(...)

26) "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações (…)” (ênfase nosso).

H) Ora, isso é pacífico, a recorrente é, como se viu nos factos (alínea a) dos factos dados como provados na decisão arbitral recorrida), uma sociedade gestora de participações sociais, isto é, uma SGPS, uma sociedade cujas aquisições e património são constituídas nos termos legais por participações noutras sociedades, que tem por actividade exclusiva principal (por imposição de regime legal) a detenção de participações sociais com carácter duradouro (por oposição à actividade de venda, intermediação ou negociação de participações).

I) Pelo que, isso é inequívoco, a recorrente subsume-se no tipo de instituição financeira

previsto na legislação comunitária que se reconduz às sociedades aí designadas por empresas cuja actividade principal é a aquisição de participações sociais.

J) Também designadas estas empresas, na mesma norma comunitária sobre instituições

financeiras, para que não haja dúvida, por “sociedades gestoras de participações” (cfr. o mesmo artigo 4.º, n.º 1, no mesmo parágrafo 26), do Regulamento UE n.º 575/2013).

K) Tipo este que já ao tempo da anterior Directiva, 2006/48/CE, no seu artigo 4.º ponto 5), aparecia no cardápio de instituições financeiras: “uma empresa que não seja uma instituição de crédito cuja actividade principal consista em tomar participações ou em exercer (…)” (sublinhado e ênfase nossos).

L) Cardápio este do direito comunitário, e não o do nosso Regime Geral as Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), nem tão-pouco qualquer outro critério alternativo, que foi o eleito pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, quando quis delimitar o universo de entidades mutuárias/oneradas com juros/comissões subjectivamente cobertas pela isenção aí estabelecida.

M) Preenche, pois, a recorrente, o requisito subjectivo da isenção previsto para o mutuário/devedor de juros ou comissões no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS.

d) Como se furta a decisão arbitral recorrida a esta conclusão, e o vício em que labora

N) A decisão arbitral recorrida referencia-o, mas quando chega a vias de facto ignora na sua análise o artigo 4.º, n.º 1, parágrafo 26), do Regulamento UE n.º 575/2013, onde está a expressa qualificação da sociedade gestora de participações como instituição financeira.

O) E labora na prática em todo o seu raciocínio discursivo como se este parágrafo 26) não existisse, entretendo-se antes a avaliar se uma SGPS se encaixará no artigo 4.º, n.º 1, parágrafo 27), do Regulamento UE n.º 575/2013, incorrendo aqui numa segunda, grave e inaceitável omissão.

P) Com efeito, imediatamente a seguir a transcrever o citado parágrafo 27), faz a decisão arbitral a seguinte, totalmente incorrecta e enganosa, afirmação (não se pode indicar página, que nenhuma paginação foi aposta à decisão recorrida; sublinhados nossos):

“Do legislador da União retira-se que uma instituição financeira é uma empresa que não seja uma “instituição” (ou seja, uma instituição de crédito ou empresa de investimento – artigo 4.º, n.º 1, 3), e cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais em empresas que desenvolvam atividades no setor bancário e financeiro (as atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva

2013/36/EU)”.

Q) Isto é, para lá do tom nebuloso e confuso, uma falsidade, salvo o devido respeito, não há outra maneira de o dizer.

R) Uma instituição financeira não é isto que a decisão arbitral acaba de dizer. Uma instituição financeira é o que o precedente parágrafo 26) do artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento UE n.º 575/2013, prescrevia à data relevante (anos de 2017 e 2018), que supra se transcreveu e que a decisão arbitral não só omite, como pelos vistos se lhe substitui.

S) Furtou-se a decisão arbitral recorrida ao efectivo confronto com a norma da legislação comunitária relevante no caso concreto, o citado parágrafo 26) do artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento UE n.º 575/2013, para a qual remete juntamente com todas as outras, a norma de incidência para delimitação do cardápio de mutuários e devedores de juros e comissões elegíveis para a isenção,

T) e em seu lugar olhou na prática apenas para um único parágrafo da legislação comunitária relevante, o parágrafo 27) do artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento UE n.º 575/2013,

U) com a agravante de omitir que aí, no parágrafo 27), onde se elenca a categoria “instituição financeira”, se está justamente a elencar as entidades identificadas no antecedente parágrafo 26), onde se indica o que é e o que não é instituição financeira, e onde justamente se inclui entre elas as sociedades gestoras de participações.

V) Nesta cadeia de omissões, neste vício de análise, não incorreu a decisão arbitral fundamento, proferida no processo n.º 911/2019-T (sublinhados nossos), nem tão pouco as decisões arbitrais subsequentes que a acompanharam, proferidas nos processos n.ºs 819/2019- T e 110/2020-T.

W) É de sublinhar igualmente, como o fez a decisão arbitral fundamento, que [e]sta remissão [da norma de isenção] para a legislação comunitária, agora dito Direito da União Europeia, haverá de entender-se como uma remissão dinâmica, pretendendo referir-se ao conceito de "instituição financeira" que se encontre previsto no direito europeu à data em que se pretenda exercer o direito de isenção. [pág. 8].

X) Recorda-se isto porque a decisão arbitral recorrida a certa altura chama à liça, ainda que apenas timidamente em nota de pé-de página, alteração ocorrida em 2019 ao Regulamento EU n.º 575/2013.

Y) Os factos tributários aqui em causa são de 2017 e 2018, como se recordou supra (cfr. alínea f) dos factos dados como provados na decisão arbitral recorrida), pelo que são irrelevantes para eles e norma de isenção remissiva aqui em causa, alterações posteriores no normativo objecto da remissão.

Z) Refira-se ainda que no desenvolvimento da sua análise a decisão arbitral fá-la a certa altura deslizar para um plano de confluência e indistinção entre a legislação comunitária e o Regime Geral as Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF doravante), em que este passa a comandar e a gerar as conclusões, substituindo-se àquele (mais uma vez, infelizmente, não é possível indicar as páginas relevantes da decisão recorrida, que nenhuma paginação tem).

AA) Substituindo então, furtivamente, o objecto da remissão efectuada pela norma de

isenção do CIS (“sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de

instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”), pela legislação nacional, pelo RGICSF.

BB) Substituição esta que constitui mais uma desobediência à norma de isenção, à lei.

CC) O que não pode ser, como bem observa a decisão arbitral fundamento (nas suas págs.10 e 11), em reacção a perspectiva igual que a AT havia adoptado:

“Certo é que na transposição da Diretiva 2013/36/EU para o direito interno, o legislador nacional adotou um conceito mais restritivo de "instituição financeira", caracterizando como tal "as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas a supervisão do Banco de Portugal".

No entanto, para efeitos da aplicação da isenção do imposto de selo, o artigo 7.°. n.° 1, alínea e), não remete para o direito interno, mas para o direito da União Europeia, o que significa que a definição constante do artigo 2.°-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aditado pelo diploma que procedeu à transposição da Diretiva, releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de imposto de selo.”.

DD) O processo mental da decisão arbitral recorrida consiste no fundo em, partindo do arquétipo do banco ou a instituição de crédito que captam recursos alheios para emprestar a terceiros, o arquétipo que deu origem ao longo do tempo à criação de rácios prudenciais e à sujeição a supervisão prudencial, imaginar com ligeireza que é de estendê-lo a todas as instituições e sociedades financeiras, e por cima disso criar (segundo passo imaginativo) um requisito substantivo para a qualificação como instituição financeira: tem de estar sujeita a rácios prudenciais e a supervisão dos mesmos.

EE) Este processo mental da decisão arbitral recorrida aparece a certa altura traído no seu discurso, em trecho no qual resolve lançar anátema sobre a decisão arbitral fundamento (“interpretam grosseiramente o ordenamento jurídico”):

“No entanto os argumentos neles contidos, salvo o devido respeito, interpretam grosseiramente o ordenamento jurídico no sentido de que a norma do artigo 7.º, n. º1, alínea e) do CIS remete para um conceito europeu de instituição financeira, que não encontra guarida nos normativos europeus aplicáveis. Na realidade, como ficou demonstrado, a remissão do conceito que é feita naquelas decisões arbitrais à Diretiva 2013/36/UE e ao Regulamento UE 575/2013, desconsidera por completo que os instrumentos financeiros têm como objeto o sector bancário e as entidades sujeitas à supervisão bancária, pelo que tais instrumentos não podem abranger (nem abrangem) simples SGPS.” (cfr. a decisão arbitral, que infelizmente não contém paginação).

FF) E é no fundo este equivocado e omissivo discurso (que ignora que o sector financeiro é composto de muito mais que a banca e de muito mais que a actividade de concessão de crédito), e seus resultados, que é substituído à lei que cabia à decisão recorrida aplicar. E em paralelo há o recurso ao RGICSF, para o qual a certa altura escorrega, confusamente, a decisão recorrida.

GG) E com este processo mental interno, a decisão arbitral contradiz afinal aquele que tinha sido o seu ponto de partida inicial, contradiz aquele que tinha sido o seu mais que justo reconhecimento inicial (sublinhados nossos):

Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”,

limitando-se o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente (…)”

Esta opção do legislador nacional [de criar cardápio onde casuisticamente inclui as entidades, muito diversas entre si e com actividades muito diversas entre si, que entende qualificar como instituições de crédito, sociedades financeiras ou instituições financeiras] vai, aliás, no mesmo sentido do Direito das União.” (cfr. a decisão arbitral, que infelizmente não contém paginação).

HH) Pois é. Por que razão então, chegada a hora da verdade, a decisão arbitral se esqueceu do cardápio comunitário, também ele casuístico, sem qualquer critério unificador, e o substituiu afinal por um conceito unificador de lavra própria?

II) A requerente não vê grosseria, no pensar ou no escrever, da decisão arbitral fundamento (ou nas decisões arbitrais subsequentes que a acompanharam, proferidas nos processos n.ºs 819/2019-T e 110/2020-T). E, sobretudo, não vê nela abafamento de elementos relevantes para a análise jurídica da matéria decidendum.

JJ) E pergunta-se se o que achará a decisão arbitral recorrida do anteprojecto do Código da Actividade Bancária (CAB), que visa substituir o RGICSF, e onde se propõe um alinhamento integral com a legislação comunitária, no que às sociedades gestoras de participações respeita (sublinhados nossos):


“Artigo 3.º

Outras definições


1- Para efeitos do presente Código entende-se por:

ll) «Instituições financeiras», com exceção das instituições de crédito, das empresas de

investimento, das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e das sociedades gestoras de participações de seguros mistas:

i) Entidades cuja atividade principal consiste na aquisição ou gestão de participações sociais”.

KK) Aí está, agora o próprio diploma que substituirá o actual RGISCF, a “interpretar

grosseiramente o ordenamento jurídico”, diria a equivocada, salvo o devido respeito, decisão arbitral recorrida.

e) Acresce que a norma de isenção tem uma segunda e também inequívoca indicação,

de que a delimitação dos mutuários (e devedores de juros e comissões) elegíveis não

é para ser feita pelo RGICSF

LL) Se, à semelhança do modo como laborou também a decisão arbitral recorrida, para o requisito subjectivo no destino em vez de se olhar ao cardápio previsto na legislação

comunitária, houvesse que olhar para o cardápio previsto no RGICSF, a norma de isenção escusava de se ter dado ao trabalho de utilizar a longa e diferente formulação que utilizou para delimitar o requisito subjectivo no destino, bastando-lhe simplesmente dizer o seguinte (sublinhados nossos):

“1 - São também isentos do imposto:

(…)

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de

crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras [requisito subjectivo na origem] a entidades do mesmo tipo e a sociedades

de capital de risco [requisito subjectivo no destino], umas e outras domiciliadas (…) [requisito subjectivo comum na origem e no destino]”.

MM) Mas não, não quis dizer isso, não quis que quanto ao destino as entidades fossem as mesmas que as da origem das sociedades de capital de risco.

NN) Quis antes contrapor, quando chegou a vez de expressar o requisito subjectivo específico no destino, que as entidades haviam de ser “sociedades de capital de risco, bem como sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, (…)”.

OO) Ignorar esta contraposição na norma de isenção, como fez a decisão arbitral recorrida, é não só ignorar a formulação expressa e clara da norma de isenção, mas ignorar também o contraste e diferença que esta norma instituiu entre o requisito subjectivo específico na origem, e o requisito subjectivo específico no destino.

PP) E foi mais este dado normativo diferenciador inequívoco, constante da norma de isenção, que a decisão arbitral recorrida, salvo o devido respeito, atropelou.

f) Acresce que não se compreende a teima da AT (que a decisão recorrida acolheu)

em recusar aplicar esta isenção às mutuárias SGPS, sabendo-se que sanciona expressamente a sua aplicabilidade a entidades mutuárias sem correspondência nos tipos previstos no RGICSF, e mais distantes destes do que uma SGPS

QQ) O que se pretende com a isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS? Como primeiro objectivo, eventualmente entre outros, parece evidente que está o de não onerar com imposto entidades e sociedades com funções de intermediação no ciclo produtivo financeiro.

RR) Ora, as SGPS são isso mesmo. Não exercem nem podem exercer uma actividade económica directa, antes intervêm indirectamente, intermediando o ciclo produtivo e financeiro na economia, detendo, gerindo e financiando outros actores (as suas participadas) que, estes sim, têm actividade operacional, directa, por oposição a uma

actividade de intermediação no circuito económico-financeiro.

SS) E o que é mais estranho é que a AT se oponha à aplicação da isenção em causa aos

créditos contraídos (e respectivos juros, garantias e comissões) pelas SGPS,

TT) quando com respeito a uma entidade investidora em imobiliário e projectos imobiliários como um fundo de investimento imobiliário (a mais das vezes de subscrição particular), a AT já considera estar-se perante uma instituição financeira à luz do direito comunitário, para cúmulo apelando para o efeito não à legislação comunitária que lida ex professo com as instituições de crédito e financeiras, mas à legislação sobre

branqueamento de capitais, que apenas incidentalmente lida com o conceito de instituições financeiras, e para os específicos propósitos da luta contra o branqueamento de capitais (cfr. a resposta a Pedido de Informação Vinculativa (“PIV”) que se juntou como Doc. n.º 20 ao PPA, no Processo n.º 2017000303 - IVE n.º 11733, com despacho concordante de 07.07.2017, da Directora-geral da AT).

UU) E o que é mais estranho também é que a AT com respeito aos Fundos de Capital de Risco (“FCR”) e Sociedades de Capital de Risco (“SCR”), isto é, patrimónios autónomos e sociedades, que se dedicam também à detenção e gestão de participações sociais, considera que os mesmos se qualificam para efeitos da isenção (preenchem, incluindo os FCR, o requisito subjectivo da isenção dirigido ao mutuário) - cf. em especial o Parecer n.º 25/2013, de 28 de Junho de 2013, do CEF, ponto 37 -, e quando

chega às SGPS diz que estas já não se qualificariam.

VV) Não são as SCR, FCR e SGPS, tudo entidades que em última instância se dedicam à tomada e gestão de participações sociais? Sim, são.

WW) Por que razão então para umas se leva até em linha de conta o que apenas resulta do direito comunitário relativo à prevenção do branqueamento de capitais (FCR), e com respeito às outras (SGPS) se silencia até o que resulta do direito comunitário que se dedica ex professo às instituições de crédito e financeiras?

XX) O não porque não aplicado pela AT às SGPS, em violação do que igualmente, e por maioria de razão (textos legais que se dedicam ex professo às instituições de crédito e às instituições financeiras), resulta dos textos legais comunitários, é uma arbitrariedade e ilegalidade agravada por este motivo.

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO,

- DEVE SER ADMITIDO O PRESENTE RECURSO POR SE VERIFICAREM OS PRESSUPOSTOS LEGAIS PARA O EFEITO,

- DEVE SER ANULADA A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA,

- E DEVE SER EMITIDO ACÓRDÃO POR ESTE TRIBUNAL DECIDINDO A QUESTÃO CONTROVERTIDA NOS TERMOS PETICIONADOS, COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DAS AUTOLIQUIDAÇÕES DE IMPOSTO DO SELO REPERCUTIDO NA ORA RECORRENTE, IDENTIFICADAS NA PETIÇÃO ARBITRAL, RELATIVAS A OPERAÇÕES DE CRÉDITO COM O Banco 1... A Banco 2..., O Banco 3..., A Banco 4... E O Banco 5... REFERENTES AOS PERÍODOS DE JUNHO E DEZEMBRO DE 2017 E JUNHO DE 2018, IMPOSTO DO SELO ESTE NO MONTANTE TOTAL DE € 1.026.049,57 (CFR. AS ALÍNEAS E) E F) DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS NA DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA), COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE O REEMBOLSO À ORA RECORRENTE DESTA QUANTIA, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS À TAXA LEGAL CONTADOS DESDE A DATA DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA, 23 DE OUTUBRO DE 2019 (CFR. DOC. N.º 2 JUNTO À PETIÇÃO ARBITRAL), ATÉ AO SEU INTEGRAL

REEMBOLSO.

2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA emitiu douto parecer no sentido de que se verificam os pressupostos pata o conhecimento do mérito do recurso e, quanto a este, de que deve negar-se-lhe provimento, mantendo na integra a decisão arbitral recorrida.


4 – Por Despacho da Relatora de 2 de outubro de 2023, foi determinada a suspensão da instância de recurso nos termos dos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, até que fosse decidido pelo TJUE o reenvio prejudicial que lhe foi enviado no âmbito do processo n.º 118/20.3BALSB. ao tempo ainda pendente.

5- Proferido pelo TJUE o Acórdão no processo supra referido, que foi junto aos presentes autos e notificado às partes, a Relatora proferiu, em 25 de janeiro último, Despacho do seguinte teor:
«Atento a que o TJUE já decidiu o reenvio prejudicial e o STA, na sessão do Pleno de ontem, já decidiu a questão controvertida (Acórdão de 24 de janeiro de 2024, proc. n.º 118/20), determina-se que a instância de recurso deixe de estar suspensa.
Atento o sentido do Acórdão deste STA supra mencionado e o facto de se tratar de Acórdão do Pleno, entendo que o recurso não deve ser admitido porquanto a decisão arbitral recorrida se afigura plenamente conforme à jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA sobre a questão (cf. o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, ex vi artigo 25.º n.º 2 do RJAT).
Para evitar decisão-surpresa, notifique o recorrente do presente despacho.»

6 – Em resposta, veio a recorrente requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.

7- Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.


- Fundamentação -

8– Matéria de facto

Dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, os probatórios fixados na decisão arbitral recorrida (alíneas a) a f), em pp não numeradas) e na decisão arbitral fundamento (pp. 4 a 6 da respectiva decisão).

7 – Decidindo

7.1 Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), na redacção da Lei 119/2019, de 18/09, ao abrigo da qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto arbitral invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão arbitral fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Mesmo admitindo que entre os arestos em confronto se verifica contradição de julgados quanto à questão de saber se uma SGPS não financeira, na posição de mutuária/devedora de juros ou comissões em operações com uma instituição de crédito, uma e outra domiciliadas na União Europeia, é aplicável a isenção de imposto do selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo (CIS)– o que se concede que se verifique, no caso dos autos -, o presente recurso para uniformização de jurisprudência nunca poderia avançar para o conhecimento do respectivo mérito, pois como se consignou no Despacho da Relatora de 25 de janeiro último, supra transcrito, a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida é plenamente conforme à jurisprudência consolidada deste STA sobre a questão, constante do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do passado dia 24 de janeiro, processo n.º 118/20.3BALSB).

Aí se consignou que:

I – Os artigos 3.°, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 e 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja actividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam actividades no sector financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na acepção desta Directiva e deste Regulamento.

II - Uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que tem como único objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades que não exercem actividade no sector financeiro, não beneficia da isenção de pagamento de imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1 al. e) do Código de Imposto de Selo, por não se subsumir, subjectivamente, no conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.

Esta interpretação jurisprudencial, embora proferida em Pleno do STA em momento posterior à decisão arbitral recorrida, obsta a que se conheça do mérito do recurso porquanto a decisão arbitral recorrida é plenamente conforme com esse entendimento, daí que, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT), não haverá que conhecer do mérito do recurso).

Em conclusão:

Mesmo que se verifique entre as decisões arbitrais em confronto oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, o recurso não deve ser admitido, ou tendo-o sido, não deve conhecer-se do respectivo mérito, se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – cf. artigo 152.º n.º 3 do CPTA, do artigo 25.º n.º 3 do RJAT.

Termos em que não se conhecerá do mérito do recurso.


- Decisão -

8 - Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela recorrente nesta instância de recurso (artº.527, do C.P.Civil), com dispensa do remanescente da taxa de justiça, pelo montante superior a € 275.000, ponderados o desempenho processual das partes e a menor complexidade deste recurso, tendo ainda presente que o respectivo conhecimento ficou a montante, no sentido de que não passou da análise dos requisitos de admissibilidade do recurso.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2024. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves.