Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0216/23.1BEPRT
Data do Acordão:03/14/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RENDA APOIADA
DESPEJO
Sumário:Não é de admitir a revista de acórdão do TCA, proferido por unanimidade, que confirmou decisão do TAF que julgou verificada a falta de interesse em agir e que converge com a posição que entretanto se veio a firmar no STA.
Nº Convencional:JSTA000P32018
Nº do Documento:SA1202403140216/23
Recorrente:IHRU - INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA, I.P.
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:



1.O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP, intentou, no TAF, contra AA, acção administrativa, pedindo, a título principal, que, com fundamento na falta de pagamento das rendas, fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento que com esta celebrara em regime de renda apoiada, fosse ordenada a entrega do imóvel objecto do contrato livre e devoluto de pessoas e bens e se condenasse o Réu no pagamento das rendas vencidas, no montante de € 21.818,72, e vincendas, acrescidas dos respetivos juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento e à entrega efectiva do bem imóvel.
Por decisão do TAF, foi julgada procedente a excepção dilatória da falta de interesse em agir, absolvendo-se o R. da instância, por o A. dispor de meios de autotutela, declarativa e executiva, para a realização do despejo com fundamento na falta de pagamento das rendas.
O Autor apelou para o TCA-Norte, o qual, por acórdão de 17/11/2023, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
O acórdão recorrido, fundando-se em numerosa jurisprudência dos TCA’s e no recente Ac. deste STA de 19/10/2023 – Proc. n.º 02143/21.8BEPRT, que cita, concluiu o seguinte:
“(...).
2 – No que é atinente ao despejo dos inquilinos, dispõe o art.º 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao senhorio levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão de despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no art.º 2.º, n.º 1.
3 – Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que significa que é conferida competência legal a um órgão administrativo para determinar, não apenas o despejo, mas a sua execução, e neste conspecto, o poder de decidir o despejo e de o executar, sob autotutela declarativa e executiva.
4 – O regime legal estabelecido pelo legislador não se reveste de uma mera faculdade a que o Autor ora recorrente pode ou não recorrer, pois que atento o princípio da juridicidade, está vinculado por um especial dever de prosseguir na estrita observância da legalidade procedimental disposta pelo legislador, em ordem ao cabal exercício das suas competências, para o que não podem relevar razões de oportunidade ou meramente discricionárias”.
O A. justifica a admissão da revista com a especial relevância jurídica e social da questão a apreciar, por a sua resolução poder servir de paradigma para a decisão de casos futuros e com a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, dado que do entendimento perfilhado pelo tribunal pode resultar a absoluta impossibilidade de os senhorios, no âmbito do regime do arrendamento apoiado, despejarem os arrendatários incumpridores, alegando também não dispor de meios de autotutela para proceder ao despejo e que o legislador, com as alterações que introduziu na Lei n.º 81/2014, optou por enveredar pelo despejo judicial, motivo por que o acórdão recorrido fez uma errada aplicação do pressuposto processual do interesse em agir, violando ainda os princípios da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artºs. 13.º, 20.º e 268.º, n.º 4, todos da CRP.
A situação que está em causa nos autos já foi objecto de apreciação por esta formação que, nos Acs. de 3/11/2022 – Proc. n.º 0654/18.1BEBRG, de 25/5/2023 – Proc. n.º 1222/22.9BEPRT e de 1/6/2023 – Proc. n.º 886/22.8BEBRG, concluiu pela não admissão das revistas, por a decisão dos respectivos acórdãos recorridos se mostrar aparentemente acertada.
Acresce que a solução adoptada pelo acórdão recorrido converge com aquela que se veio a firmar entretanto na 1.ª Secção deste STA (cf., além do já citado Ac. de 19/10/2023, os de 16/11/2023 – Proc. n.º 02953/17.0BEPRT, de 7/12/2023 – Proc. n.º 02836/18.7BEPRT e de 20/12/2023 – Proc. n.º 02181/21.0BEPRT).
Finalmente, quanto às alegadas inconstitucionalidades, estas não constituem objecto próprio do recurso de revista por sempre poderem ser colocadas separadamente no Tribunal Constitucional (cf., entre muitos outros, os Acs. desta formação de 7/12/2023 – Proc. n.º 1065/22.0BESNT e de 1/2/2024 – Proc. n.º 2278/23.2BELSB).
Assim, porque tudo aponta para a inviabilidade do recurso, não há uma clara necessidade de reapreciação do aresto recorrido, devendo, por isso, prevalecer a regra da excepcionalidade da admissão da revista.

4. Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 14 de Março de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – Maria do Céu Neves.