Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02864/16.7BEPRT
Data do Acordão:03/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRS
IMÓVEL
MAIS VALIAS
RENDIMENTOS EMPRESARIAIS
ACTO ISOLADO DE COMÉRCIO
Sumário:I - Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
II - O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagra uma espécie de "numerus clausus" em matéria de incidência fiscal (norma de incidência negativa). Assim e desde logo, afasta-se da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Pelo que, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de enquadramento nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. É o caso da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, situação prevista na primeira parte da norma constante do artº.10, nº.1, al.a), do mesmo diploma, sendo tributáveis como rendimentos de categoria "G".
III - Alude a doutrina a uma prevalência da categoria B, relativamente à categoria G, em termos de atracção de rendimentos à respectiva categoria, tudo em virtude da consagrada delimitação negativa. Por outras palavras, qualquer das alienações onerosas prevista nas alíneas da norma do artº.10, nº.1, do C.I.R.S., só originará uma mais-valia se for efectuada fora dos quadros de uma actividade económica deliberada, porque só então o respectivo ganho não será considerado um rendimento profissional ou empresarial a enquadrar na categoria B.
IV - Nos termos do artº.3, nº.1, al.a), do C.I.R.S., os rendimentos empresarias e profissionais devem derivar da prática habitual e reiterada de actividades comerciais, industriais, agrícolas, silvícolas ou pecuárias, É claro, todavia, que a incidência de imposto também abarca ganhos de actos únicos ou isolados, reconduzíveis às identificadas actividades, dado que reveladores de iguais manifestações de capacidade contributiva (cfr.artº.3, nº.2, al.h), do C.I.R.S.).
V - Neste enquadramento se deve inserir a situação de venda de um imóvel, venda esta que acontece em circunstâncias que devem levar a concluir não estar em causa ganhos fortuitos, mas a prática de actos objectivamente comerciais, ainda que isolados.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P30703
Nº do Documento:SA22023030802864/16
Data de Entrada:01/17/2022
Recorrente:AA E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
AA E BB, com os demais sinais dos autos, deduziram recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Penafiel, exarada a fls.123 a 138 do processo físico, a qual julgou improcedente a presente impugnação pelos recorrentes intentada e tendo por objecto mediato acto de liquidação de I.R.S., referente ao ano de 2013 e no montante total, já incluindo juros compensatórios, de € 6.047,08.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.143 a 175 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-O impugnante nada adquiriu através da escritura de constituição da propriedade horizontal, compras e vendas e divisão, de 2000.
B-O único bem adquirido pelo impugnante, foi-o de forma inteiramente gratuita, quando, com outras pessoas, herdou de CC, um antigo edifício de r/c e andar.
C-Posto isso, o impugnante e os demais co-herdeiros, transformaram o referido imóvel, através da sua demolição e construção, no mesmo local, de um novo edifício de cave, r/c e sete andares.
D-Concluída a obra, venderam a terceiros, 4 das 8 fracções que resultaram da constituição da propriedade horizontal sobre o edifício construído de novo,
E-posto o que dividiram entre si as restantes 4 fracções, adjudicando-as a uns tantos, enquanto que os demais foram compensados com tornas.
F-Por essa razão, sejam as tornas recebidas por uns, sejam as fracções adjudicadas aos demais, não traduzem mais do que o resultado económico dos investimentos feitos, com o bem herdado, com o capital investido e com o trabalho desenvolvido.
G-Do que resultante que tal resultado económico não pode ser considerado, à luz do disposto no artigo 10º números 1 alínea a) do CIRS, uma mais-valia.
H-Mas sim o lucro resultante do exercício esporádico e único da actividade de construção civil e compra e venda de imóveis, tal como definido no artigo 3º números 1, alínea a), e 2 alínea h), do CIRS.
I-Posto tudo isso, ao julgar improcedente a impugnação, a sentença violou o disposto naqueles artigos do CIRS.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.185 a 196 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.85 a 86-verso do processo físico):
A-Em 1994 ocorreu a morte de CC e de DD, a quem o impugnante AA sucedeu juntamente com outras pessoas – cfr. fls. 42 e seguintes do PA;
B-Da herança aberta por óbito de CC fazia parte uma quota parte indivisa do direito de propriedade do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...16 – cfr. 46 do PA;
C-Os herdeiros decidiram proceder à demolição da casa existente no local para no terreno deixado livre, procederem à edificação de um imóvel de cave, rés-do-chão e sete andares – facto não controvertido;
D-Em 27.10.1999 a construção foi participada através da Declaração para Inscrição ou Alteração de Inscrição de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo 129) – cfr. fls. 62 e seguintes do PA;
E-Por escritura de “Constituição de Propriedade Horizontal, Compras e Vendas e Divisão”, datada de 3.02.2000, na qual comparecerem como outorgantes, entre outros, o impugnante AA, ficou consignado, designadamente, que:
“(…)
Os primeiros a terceira outorgantes nas qualidades em que outorgam declaram:
Que são possuidores de um prédio urbano constituído por cave, rés-do-chão, primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo andares, situado na Avenida ..., desta cidade, ainda não inscrito na matriz, tendo no entanto sido já feita a competente participação para a sua inscrição em vinte e sete de outubro do ano findo, conforme respectivo duplicado, que foi exibido. ---------
Esse edifício ocupa a totalidade do terreno resultante da demolição de um prédio urbano com a área de duzentos e onze metros quadrados.
(…)
Declaram, ainda, os mesmos primeiro a terceira outorgantes, nas qualidades em que intervêm: -------------
Que, vão por termo à compropriedade entre eles existente nas fracções ..., ..., e “...”, do prédio ora instituído em propriedade horizontal, fazendo a seguinte divisão:
(…)
QUINTO – À interessada EE, terceira outorgante, adjudica-se o usufruto da fracção ..., no valor de um milhão e vinte e quatro mil escudos, com obrigação de repor o excesso de quinhentos e doze mil escudos aos interessados FF e mulher. -------------SEXTO – A cada um dos interessados AA, segundo outorgante, GG e HH, constituinte dos primeiros e segundos outorgantes, adjudica-se a raiz ou simples propriedade de uma terça parte indivisa da fracção ..., no valor de um milhão trezentos e sessenta e cinco mil trezentos e trinta e três escudos e trinta e três centavos e três milavos, com obrigação de cada um deles repor o excesso de seiscentos e oitenta e dois mil seiscentos e sessenta e seis escudos e sessenta e seis centavos e sete milavos (…)”
– cfr. fls. 53 e seguintes do PA;
F-Em 18.03.2003 faleceu EE usufrutuária da ..., com domicílio na Av. ..., ..., cujo termo de declaração foi apresentado pelo impugnante - cfr. Processo de Liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações a fls. 47 e 48 do PA;
G-Em 2.09.2013 foi lavrada escritura pública no cartório notarial ... em que o impugnante, intervindo por si e na qualidade de procurador dos seus irmãos vendeu aos segundos outorgantes, “a fracção autónoma designada pela Letra ..., composta por habitação no sexto andar e aparcamento na cave, descrita na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Varzim sob o número ... – ..., da freguesia ..., registada a seu favor e dos seus representados pela Apresentação três mil cento e oitenta e seis de 02.12.2010, localizado no prédio urbano sito na Avenida ..., freguesia e concelho ..., submetido ao regime de propriedade horizontal pela Apresentação vinte e um de 18/02/2000, fracção essa inscrita na respetiva matriz sob o ...40 – ..., com o valor patrimonial tributário de € 146.390,00”, pelo preço de € 150.000,00, sendo três os vendedores, na quota-parte de 1/3 para cada: - GG - HH - AA - cfr. fls. 59 e seguintes do PA;
H-Em 31.05.2014 os impugnantes submeteram a declaração de rendimentos, modelo 3 do IRS, relativa ao exercício do ano de 2013, via internet – cfr. informação a fls. 49 do PA;
I-A declaração submetida não declarou a alienação do imóvel, nem no anexo B, nem no anexo G - cfr. informação a fls. 38 do PA;
J-A impugnante, BB, declarou rendimentos no âmbito da categoria A - cfr. fls. 13 e seguintes do PA;
K-A declaração submetida gerou divergência em relação ao anexo G e à venda de imóveis, resultando no cancelamento da liquidação do imposto – cfr. informação fls. 49 do PA;
L-Por ofício nº 49212, datado de 20.08.2015, sob o assunto “IRS/2013 – RENDIMENTOS NÃO DECLARADOS/NOTIFICAÇÃO DE PROJECTO DE DECISÃO”, os impugnantes foram notificados, entre o mais, para apresentarem declaração de substituição, em sede de IRS nos termos das alterações propostas e, querendo, exercer o direito de audição – cfr. fls. 26 e seguintes do PA;
M-Em 17.09.2015, através de e-mail dirigido à Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa os impugnantes exerceram o direito referido em L) - cfr. fls. 28 e seguintes do PA e informação a fls. 47 do PA;
N-Foi elaborada a Informação nº 359/20015, datada de 27.10.2015, sob o assunto “IRS/2013 – Gestão de Divergência – Código de Análise D39” da qual se extrai, designadamente, o seguinte:
“(…)
(Imagens)
(…)”
- cfr. fls. 36 e seguintes do PA;
O-Em 16.11.2015 através do ofício nº 67003 de 09.11.2015 da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e a Despesa os impugnantes foram notificados dos fundamentos da correcção ao anexo G – cfr. informação a fls. 50 do PA;
P-Na sequência da mencionada correção oficiosa, em 14.11.2015 foi emitido em nome dos impugnantes o ato de liquidação de IRS com o nº 2015 5005541689, referente ao ano de 2013, com um rendimento global de € 127.375,72, da qual resultou o valor adicional a pagar de € 6.047,08 (ora impugnado), com data limite de pagamento de 30.12.2015 – cfr. documento junto com a petição inicial a fls. 41 e fls. 25 do PRG;
Q-O valor patrimonial inicial do prédio urbano inscrito sob o artigo ...25 (com origem no artigo ...), da União das Freguesias ..., ... e ..., na Avenida ... (Fracção ...), era de € 41.610,00 – cfr. fls. 68 do PA;
R-Foi emitida liquidação de IMI referente ao prédio urbano mencionado em Q) em nome do impugnante cujo valor tributável é de € 13.870,00 – cfr. fls. 69 do PA;
S-O valor patrimonial do prédio urbano inscrito sob o artigo ...25 (com origem no artigo ...), da União das Freguesias ..., ... e ..., na Avenida ... (Fracção ...), determinado no ano de 2012 é de € 146.390,00 – cfr. fls. 23 e 66 e seguintes do PA;
T-Desde 15.09.1988 que a atividade do impugnante se enquadra na Cat. B.- Rendimentos Profissionais, CAE com o Código 6010 “Advogados” – cfr. fls. 72 e seguintes do PA;
U-O imposto referenciado em P) foi pago no processo de execução fiscal nº 1880201601009443, em 26.03.2016 – por acordo (artigo 77.º da petição inicial e 2.º da contestação);
V-Em 4.4.2016 foi apresentada reclamação graciosa no Serviço de Finanças de Santo Tirso que deu origem ao proc. nº 1880201604001257 – cfr. fls. 1 e seguintes do PRG;
W-O Serviço de Finanças não se pronunciou sobre a reclamação referida em V), formando-se presunção de indeferimento tácito – cfr. fls. 1 e seguintes do PRG;
X-Em 2.11.2016 foi apresentada a presente impugnação - cfr. fls. 1 do PA.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "… Inexistem factos com interesse para a decisão da causa, que importe julgar como não provados…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A matéria de facto julgada provada nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito. Para a fixação dos factos provados o tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos, bem como, juntos ao processo administrativo, conforme é especificado nas várias alíneas da matéria de facto provada, os quais não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade (artigos 74.º da LGT e 342.º do Código Civil).
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou irrelevante para a decisão da causa…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve o acto de liquidação de I.R.S. objecto do processo (cfr.al.P) do probatório supra).
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
Os recorrentes dissentem do julgado alegando, em síntese, que o apelante marido e os demais co-herdeiros, transformaram o imóvel adquirido gratuitamente, através da sua demolição e construção, no mesmo local, de um novo edifício de cave, r/c e sete andares. Que a fracção que foi adjudicada, mais não traduz do que o resultado económico dos investimentos feitos, com o bem herdado, com o capital investido e com o trabalho desenvolvido. Que tal resultado económico não pode ser considerado, à luz do disposto no artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., uma mais-valia. Antes devendo configurar-se como o lucro resultante do exercício, esporádico e único, da actividade de construção civil e compra e venda de imóveis, tal como definido no artº.3, nº.1, al.a), e nº.2, al.h), do mesmo diploma. Que a sentença recorrida, ao decidir em sentido contrário, incorre em erro de julgamento de direito (cfr.conclusões A) a I) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de "rendimento-acréscimo", segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do dec.lei 442-A/88, de 30/11, o qual aprovou o C.I.R.S.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/05/2020, rec. 7/18.1BEPDL; ac.S.T.A-2ª.Secção, 26/10/2022, rec.482/11.5BELRS; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.221 e seg.).
A mais-valia, enquanto categoria de rendimento designada por incrementos patrimoniais em sede de I.R.S., deve definir-se pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização. Tal regra está em linha com o princípio da tributação do rendimento real em que assenta a tributação do rendimento nesta cédula de imposto (cfr.artºs.9, nº.1, al.a), 10, nºs.1, al.a), e 4, al.a), 44 e 46, todos do C.I.R.S., na redacção em vigor em 2013; ac.S.T.A-2ª.Secção, 21/11/2019, rec.1646/13.2BELRA; ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/05/2020, rec.7/18.1BEPDL; ac.S.T.A-2ª.Secção, 26/10/2022, rec.482/11.5BELRS; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.443 e seg.; Paula Rosado Pereira, Estudos Sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, nº.2, Almedina, Reimpressão, 2018, pág.103 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. Edição, Almedina, 2010, pág.134 e seg.).
Avancemos.
"In casu", a questão posta à apreciação deste Tribunal é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, na parte em que considerou subsumível no artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S. (na redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12), as alegadas mais-valias apuradas com a venda do imóvel (fracção autónoma designada pela ...") levada a efeito pelo recorrente marido em 2/09/2013 (cfr.al.G) do probatório supra).
O artº.10, do C.I.R.S., na redacção em vigor em 2013 (Lei 64-B/2011, de 30/12 - OE 2012), sob a epígrafe "Mais-valias", previa e estatuía o seguinte, nos segmentos que interessam ao presente processo:
1-Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis […];
[…]
3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1 […].
4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição […] nos casos previstos nas alíneas a) […] do n.º 1;
[…]
Por sua vez, o artº.46, do C.I.R.S., na redacção em vigor em 2013 (Lei 55-A/2010, de 31/12 - OE 2011), sob a epígrafe "Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis", previa e estatuía o seguinte, nos segmentos que interessam ao presente processo:
[…]
3-O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.
[…]

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagra uma espécie de "numerus clausus" em matéria de incidência fiscal (norma de incidência negativa). Assim e desde logo, afasta-se da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Pelo que, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de delimitação nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. Por outras palavras, estamos perante ganhos que resultam de uma valorização de bens devido a circunstâncias externas, e por isso, independente de uma actividade produtiva do seu titular. É o caso da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, situação prevista na primeira parte da norma constante do artº.10, nº.1, al.a), do mesmo diploma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/05/2020, rec.7/18.1BEPDL; ac.S.T.A-2ª.Secção, 26/10/2022, rec. 482/11.5BELRS; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.394; Paula Rosado Pereira, ob.cit., pág.88 e seg.; Rui Duarte Morais, ob.cit., pág.136 e seg.).
"In casu", defende o apelante marido, em primeiro lugar, que a qualificação a dar aos rendimentos auferidos se deve enquadrar na Categoria B - Rendimentos empresariais e profissionais, que não como rendimentos da Categoria G - Incrementos patrimoniais (mais-valias), conforme decidiu a A. Fiscal e o Tribunal "a quo". Alega, ainda, o recorrente a circunstância de que, conjuntamente com os demais comproprietários, decidiu investir na demolição do prédio antigo e na construção de novo edifício, pelo que tal resultado económico não pode ser considerado, à luz do disposto no artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., uma mais-valia, antes devendo configurar-se como o lucro resultante do exercício, esporádico e único, da actividade de construção civil e compra e venda de imóveis, tal como definido no artº.3, nº.1, al.a), e nº.2, al.h), do mesmo diploma.
Da matéria de facto provada se retira que por herança aberta de CC, o impugnante/recorrente marido, juntamente com outros co-herdeiros, ficou com quota parte indivisa do direito de propriedade de imóvel, que decidiram demolir para edificarem um novo de cave, rés-do-chão e sete andares (cfr.als.A), B), C) e D) do probatório supra).
Igualmente se retira da factualidade provada que no novo edifício, constituído em propriedade horizontal e com diversas fracções, o recorrente e co-proprietários procederam à venda de diversas fracções do mesmo imóvel edificado (cfr.teor da escritura identificada na al.E) do probatório supra), apenas reservando para si três das fracções, sendo que uma delas (Fracção ...") viria a ser vendida em 2013 (cfr.al.G) do probatório supra).
Ora, conforme estatui o corpo do artº.10, nº.1, do C.I.R.S., os ganhos previstos nas diversas alíneas do preceito constituem mais-valias desde que não devam qualificar-se como rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais. Estamos perante expressa delimitação negativa da norma, a qual afasta da categoria G os rendimentos que, embora resultantes de factos ou situações especificamente previstos nas várias alíneas sejam de considerar, por natureza, rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais. Alude a doutrina a uma prevalência das categorias B, E e F, relativamente à categoria G, em termos de atracção de rendimentos à respectiva categoria, tudo em virtude da consagrada delimitação negativa. Por outras palavras, qualquer das alienações onerosas prevista nas alíneas da norma só originará uma mais-valia se for efectuada fora dos quadros de uma actividade económica deliberada, porque só então o respectivo ganho não será considerado um rendimento profissional ou empresarial a enquadrar na categoria B (cfr.José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.394; Paula Rosado Pereira, ob.cit., pág.94 e seg.).
A incidência da categoria B de rendimentos, em sede de I.R.S., está definida nos artºs.3 e 4, do respectivo Código.
Nos termos do artº.3, nº.1, al.a), os rendimentos empresarias e profissionais devem derivar da prática habitual e reiterada de actividades comerciais, industriais, agrícolas, silvícolas ou pecuárias, É claro, todavia, que a incidência de imposto também abarca ganhos de actos únicos ou isolados, reconduzíveis às identificadas actividades, dado que reveladores de iguais manifestações de capacidade contributiva. Neste enquadramento se deve inserir a situação de venda de um imóvel, venda esta que acontece em circunstâncias que devem levar a concluir não estar em causa ganhos fortuitos, mas a prática de actos objectivamente comerciais, ainda que isolados (cfr.artº.3, nº.2, al.h), do C.I.R.S.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/06/2003, rec.624/03; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/09/2015, rec.810/14; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/03/2019, rec.424/09.8BEALM ; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.158 e seg.; Rui Duarte Morais, ob.cit., pág.138, anotação 271).
Revertendo ao caso dos autos, a venda das fracções autónomas, nestas circunstâncias e condições (após demolição do imóvel anterior e edificação de um novo de cave, rés-do-chão e sete andares) configura, manifestamente, actividade comercial, pressupondo a realização intencional de todo um conjunto de actos transformadores tendentes a potenciar o valor do imóvel entretanto construído, com evidente finalidade lucrativa, por isso se enquadrando no conceito de rendimento comercial, ainda que o exercício dessa actividade possa ser meramente ocasional, tudo apesar do recorrente exercer profissão diversa (cfr.al.T) do probatório supra). Por outras palavras, a venda das fracções autónomas em causa, incluindo a dita ..., constitui uma actividade comercial, de acordo com o disposto nos artºs.2 e 463, do Código Comercial (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/06/2003, rec.624/03; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/09/2015, rec.810/14; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/03/2019, rec.424/09.8BEALM).
O que significa que o rendimento resultante da venda, ainda que esta constitua acto isolado, sempre estaria sujeito a tributação em I.R.S., na esfera de cada um dos comproprietários, nos termos do disposto no artº.3, nºs.1, al.a), e 2, al.h), do C.I.R.S.
Pelo exposto, é patente que a liquidação impugnada assenta num erro de interpretação dos examinados artºs.9, nº.1, al.a), 10, nºs.1, al.a), e 4, al.a), 44 e 46, todos do C.I.R.S., na redacção em vigor em 2013 (vício de violação de lei), assim padecendo a sentença recorrida, a qual validou tal acto tributário, de erro de julgamento de direito.
Prejudicado fica o exame do segundo esteio do recurso referente à alegada aquisição gratuita, que não onerosa, do imóvel adquirido, tudo para efeitos de enquadramento nos artºs.45 ou 46, do C.I.R.S.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A SENTENÇA RECORRIDA, JULGAR PROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO E ANULAR O ACTO TRIBUTÁRIO OBJECTO DO PROCESSO (cfr.al.P) do probatório supra).
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Condena-se a entidade recorrida em custas, porque vencida (cfr.artº.527, do C.P. Civil), nesta instância de recurso, mais a dispensando do pagamento da taxa de justiça, dado não ter produzido contra-alegações.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 8 de Março de 2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.