Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0892/15.9BEPNF
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32115
Nº do Documento:SA2202404100892/15
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


AA, id. nos autos em epígrafe, notificada da decisão proferida pelo TCA Norte que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a impugnação judicial deduzida da liquidação de IRS do ano de 2010 e respetivos juros compensatórios, não se conformando com a mesma, vem, nos termos do disposto no artigo 285.º do C.P.P.T., interpor recurso de revista:

Alegou, tendo concluído:
1 - A presente Revista deve ser admitida por estarem verificados os respetivos pressupostos (artigo 285.º, do CPPT), porquanto a questão controvertida se reveste de importância fundamental atenta a sua relevância jurídica e social, sendo, ainda, a admissão do recurso essencial para uma melhor aplicação do direito;
2 – Está em causa a apreciação, feita pelo Tribunal Central Administrativo Norte, sobre o alcance e a dimensão da aplicação dos princípios do inquisitório, da busca da verdade material, da prossecução do interesse público e do princípio da participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito, previstos nos artigos 55.º, 58.º e 60.º da Lei Geral Tributária e nos artigos 6.º e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, no âmbito do procedimento de inspeção tributária;
3 – Ou seja, está em causa saber se, em face dos citados princípios que presidem ao procedimento tributário, a Administração Fiscal se encontra obrigada a realizar todas as diligências úteis ao apuramento da verdade material, incluindo as requeridas pelo contribuinte no uso do direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção, e, bem assim, se a sua inobservância pode conduzir à ilegalidade do ato final do procedimento, por défice de instrução;
4 – A par, importa apurar se, situando-se o dever de inquisitório a montante do ónus da prova estabelecido no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, se pode considerar que a Administração Tributária cumpriu este ónus quando não tenham sido realizadas as diligências probatórias que aquele dever reclama como necessárias, designadamente, as requeridas pelo contribuinte no uso do direito de audição prévia;
5 – Em primeira instância, a impugnação judicial foi julgada procedente por ter sido considerado, em suma, que “(…) no decurso do procedimento de inspecção não foram realizadas todas as diligências instrutórias necessárias ao completo e cabal esclarecimento da situação tributária da impugnante, o que constitui um vício procedimental (défice instrutório) que conduz à anulação de todos os termos subsequentes do procedimento incluindo, portanto, não só o RIT, mas também a própria liquidação.”, e sem deixar de referir que a “(…) tarefa de demonstração da omissão de rendimentos incumbe à administração, por ser esse o facto constitutivo do “direito” à tributação (…)”;
6 – Por seu turno, o Acórdão recorrido decidiu em sentido contrário, menosprezando as deficiências da investigação levada a cabo na ação inspetiva, a verdadeira dimensão do princípio do inquisitório e da verdade material e, principalmente, a relevância dos esclarecimentos e das diligências complementares de prova requeridas no âmbito do exercício do direito de audição prévia à conclusão do relatório da inspeção tributária, e não teve em consideração as regras do ónus da prova aplicáveis à situação em apreço;
7 – Sobre esta matéria, tem vindo a ser entendimento da jurisprudência que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento tributário e com vista à liquidação de impostos, tem por incumbência a descoberta da verdade material, por força do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT, o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atuação, devendo, por isso, realizar as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, competindo-lhe apurar os factos, independentemente de os mesmos lhe serem ou não desfavoráveis e pautar-se por critérios objetivos;
8 – E a respeito da participação dos contribuintes na formação das decisões da Administração Fiscal, através do direito de audiência prévia, tem vindo a ser considerado pela jurisprudência que este direito compreende não só a possibilidade de confronto dos pontos de vista do contribuinte com os da Administração Tributária como permite que este junte documentos e requeira a produção de novas provas que invalidem, ou pelo menos, ponham em causa a vontade expressa no projeto de decisão,
9 – Ficando a Administração Fiscal imbuída no dever de investigar e analisar os elementos trazidos ao procedimento, bem como, de realizar as diligências probatórias requeridas sempre que as mesmas se afigurem úteis ao apuramento da verdade material;
10 – A jurisprudência salienta, ainda, que o artigo 58.º da LGT terá de ser interpretado em conjugação com o artigo 74.º da LGT, o qual estabelece as regras relativas à repartição do ónus probandi, recaindo o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes sobre quem os invoque;
11 – Estamos, assim, perante uma questão que vai muito para além da definição concreta da lide em causa, porque se prende com a melhor interpretação e aplicação daqueles princípios e instituto, tendo presente o relevo jurídico e social que decorre da concretização da dimensão prática destes princípios,
12 – Dado que a questão sub judice pode ser vista como um “caso-tipo”, suscetível de replicação e de manifesto interesse para a comunidade no seu todo, uma vez que a sua importância fundamental não é meramente teórica, antes prática e objetiva, em face da capacidade de expansão da controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da situação singular;
13 – Por outro lado, as teses defendidas pela primeira e pela segunda instâncias reclamam, salvo o devido respeito, a prolação de uma decisão por parte desse Colendo Tribunal, que seja a mais conforme ao direito aplicável, para evitar uma contradição de valoração insanável no âmbito da aplicação dos princípios acima referidos e da sua conexão com as regras do ónus da prova;
14 – Por esta razão, deverá ser admitido o presente recurso de revista dada a necessidade de o aresto daqui resultante orientar os Tribunais sobre esta matéria, definindo o sentido que deve presidir à respetiva jurisprudência, em questão que se considera de relevância;
15 – A doutrina e a jurisprudência vêm salientando que a Administração Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização e controlo da conformidade da atuação dos contribuintes com a lei, atua no uso de poderes estritamente vinculados e sujeita ao princípio do inquisitório, corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atuação, e que reclama que a Administração Fiscal procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fática em que vai assentar a decisão, mesmo as que conduzam à demonstração de factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração Tributária;
16 – A este respeito, o artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira fixa aquele que deve ser o objetivo do procedimento de inspeção, ao determinar que o procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a Administração Tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo;
17 – A consagração deste objetivo corresponde à transposição, para o âmbito do procedimento de inspeção tributária, do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT, segundo o qual “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”;
18 – Pretendendo a Administração Tributária, no caso em apreço, fiscalizar a conformidade do rendimento declarado pela Recorrente com o que decorre da lei, cabia-lhe diligenciar no sentido de recolher a informação necessária à investigação sobre a regularidade dos elementos e do rendimento declarados, através de todos os meios ao seu alcance,
19 – Tendo presente que o procedimento de inspeção só se considera concluído com a notificação do relatório final, devendo ser desencadeadas todas as diligências úteis ao apuramento da verdade material até à sua conclusão, designadamente aquelas cuja necessidade e/ou utilidade sobreveio através dos esclarecimentos prestados no uso do direito de audição, bem como, dos elementos juntos;
20 – Com efeito, a par do princípio do inquisitório, também a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito tem assento constitucional e está consagrada na Lei Geral Tributária em diversas fases do procedimento, assim como no Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira antes da elaboração do relatório final;
21 – A audiência dos interessados destina-se a possibilitar a participação, ativa, na formação da decisão final do procedimento, permitindo que estes contribuam de forma efetiva para o esclarecimento de todas as questões nele envolvidas, sejam elas de facto ou de direito, e compreende não apenas o direito de se pronunciar sobre todas as questões suscitadas no procedimento, como também o direito de requerer diligências probatórias complementares e de juntar documentos, tal como decorre da previsão do artigo 121.º, n.º 2 do CPA, aplicável ao procedimento de inspeção tributária por força do artigo 4.º do RCPITA;
22 – Pelo que, até à conclusão do procedimento de inspeção, que ocorre com a notificação do relatório final, podem e devem ser praticados todos os atos e diligências úteis à descoberta da verdade material, designadamente as requeridas pelo contribuinte no uso do direito de audição sobre o projeto de relatório, devendo a decisão final refletir a justa ponderação dos factos ou elementos novos suscitados pelo contribuinte naquela fase;
23 – Deste modo, a interpretação acolhida pelo Acórdão recorrido esvazia o alcance e a dimensão dos princípios do inquisitório e da verdade material que presidem ao procedimento de inspeção, que impõem à Administração Fiscal que adote as iniciativas adequadas a alcançar esse objetivo e de que resulta ser-lhe vedado ignorar ou menosprezar as diligências probatórias requeridas pelo contribuinte que sejam úteis e adequadas à descoberta da verdade;
24 – A tese defendida pelo Acórdão recorrido equivale, ainda, ao esvaziamento do alcance e da dimensão do direito de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, tal como se, nesta fase já “fosse demasiado tarde” para prestar esclarecimentos, juntar elementos e solicitar a realização de novas diligências,
25 – Transformando o direito de audição, como refere o Acórdão do STA de 24.10.2012, proferido no Proc. n.º 0548/12, «num ritual inócuo, no qual recai sobre os argumentos e documentos apresentados pelo contribuinte sobranceira indiferença»;
26 – Pelo que, o entendimento expresso no Acórdão recorrido não merece acolhimento, por não corresponder a uma decisão conforme aos mencionados princípios, contrariando a jurisprudência dominante sobre esta matéria, porquanto, a inobservância destes princípios consubstancia um vício procedimental suscetível de conduzir à anulação de todos os termos subsequentes do mesmo, incluindo a própria liquidação,
27 – Independentemente de, em paralelo, impedir o cumprimento do ónus da prova que recai sobre a Administração Fiscal de demonstrar os pressupostos legais da sua atuação, e que se situa a jusante do princípio do inquisitório e da busca da verdade material;
28 – Pelo exposto, a decisão recorrida ao não proceder ao correto enquadramento da questão sub judice, fez errada interpretação e aplicação do direito, devendo, por isso, ser revogada;
29 – Ao decidir nos termos em que o fez, a decisão recorrida violou, além do mais, as seguintes normas:
• Da Lei Geral Tributária, os artigos 55.º, 58.º, 59.º, 60.º, 63.º, nº 2, 74.º, nº1 e 75.º;
• Da Constituição da República Portuguesa, os artigos 266.º e 267.º, n.º 5;
• Do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, os artigos 6.º, 60.º e 62.º, nº 1 e 2;
• Do Código do Procedimento Administrativo, o artigo 121.º, nº 2;
• Do Código do IRS, os artigos 65.º, nºs 1, 2 e 3 e 73.º, n.º 1;
• Do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, o artigo 110.º.
Nestes termos, deve o presente recurso ser admitido e, concedendo-se provimento ao mesmo, ser revogada a decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 - Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

Pretende a recorrente com este seu recurso, no essencial, que este Supremo Tribunal se debruce sobre a questão de saber qual o alcance e a dimensão da aplicação dos princípios do inquisitório, da busca da verdade material, da prossecução do interesse público e do princípio da participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito, previstos nos artigos 55.º, 58.º e 60.º da Lei Geral Tributária e nos artigos 6.º e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, no âmbito do procedimento de inspeção tributária.
Ou seja, saber se no caso concreto o tribunal recorrido errou na aplicação das regras legais e princípios jurídicos à concreta situação dos autos.

No acórdão recorrido, após se fazer uma resenha das várias vicissitudes ocorridas durante o procedimento de inspecção escreveu-se:
Sucede que a recorrida em sede inspetiva não cumpriu com o dever de colaboração com a administração tributária, uma vez que instada para prestar esclarecimentos no que concerne às contas afetas à sua atividade começa por referir que apenas tem uma, posição que só alterou aquando da resposta apresentada em sede de audição prévia. Ainda assim, tais contas não se mostram refletidas na sua contabilidade e a recorrida não prestou os devidos esclarecimentos quanto as mesmas escudando-se no sigilo a que estava obrigada. Também no que tange à denominada conta escritório, a tal que assume como afeta à sua atividade, apenas em sede de audição presta alguns esclarecimentos, juntando para tanto alguns documentos, requerendo que os demais sejam verificados in loco, todavia, olvida que a análise da sua contabilidade decorreu no gabinete de contabilidade onde se encontravam as pastas com os documentos, tendo, ainda, sido facultados os balancetes analíticos mensais (finais) de regularização e apuramento, assim como os extratos das contas. Ora, não se compreende a que documentos é que a recorrida refere em sede de audição que devem ser verificados in loco, porquanto in loco já decorreu a inspeção que analisou todos os documentos e pastas da contabilidade.
Aqui chegados, não podemos assentir com a tese defendida na sentença sob recurso de que se constata um défice instrutório em sede de procedimento inspetivo, uma vez que, durante todos o procedimento a recorrida foi instada a prestar esclarecimentos e juntar documentos comprovativos sem que o tenha feito e, quando em sede inspetiva requer a produção de diligências por parte dos serviços de inspeção, com verificação de documentos in loco não identificada que documentos são esses e em que local afinal de encontram, dado que, no gabinete de contabilidade não é certamente, pois que aí decorreu a ação inspetiva que analisou a contabilidade da recorrida sem que os mesmos fossem fornecidos ou os serviços inspetivos a eles tivessem acesso. Pelo contrário, é nosso entendimento que se a recorrida dispunha de documentos que permitiam aos serviços de inspeção concluir de forma distinta daquela que concluiu, deveria tê-los fornecido na íntegra e não apenas seletivas amostras de documentos referentes a determinados dias e meses do ano de 2010, e não a todos os dias e meses desse mesmo ano. A AT no esforço de investigação desenvolvido em sede inspetiva tudo fez para apurar a real situação contabilística da recorrida, quer notificando-a para prestar os esclarecimentos quanto à existência de outras contas bancárias afetas à sua atividade, quer para juntar documentos que reputou necessários à descoberta da verdade material, sem que a recorrida tenha dado adequada resposta, cumprindo a AT, dessa forma, a previsão do art. 58º e 59º, ambos da LGT. Por fim, em sede de audição prévia ao RIT a recorrida veio esclarecer parte das situações detetadas pela AT, todavia, ainda assim, de forma parcial e seletiva, como facilmente se deteta pela leitura da resposta que se encontra reproduzida no probatório. Ora, em face de tal atuação é nossa convicção que não ocorre o aventado défice instrutório por parte dos SIT e se alguém não colaborou na instrução do procedimento foi a recorrida e não a recorrente como se concluiu na sentença recorrida. Pese embora a sentença enuncie exaustivamente o quadro legal aplicável aos atos inspetivos e ao dever de colaboração entre as partes para descoberta da verdade material, fazendo ainda alusão a reputada doutrina que sobre tais deveres se pronuncia, o certo é que errou na valoração que fez dos factos levados ao probatório e na consequente aplicação do direito.
Que dizer? Apenas que os SIT analisaram in loco toda a contabilidade da impugnante e tais documentos e informações dela não contavam, pelo que a existirem, o que não se comprovou, não foram fornecidos pela impugnante/recorrida como passou a ser seu dever, pois que em sede de audição prévia invoca a sua existência. Efetivamente, a sentença parece olvidar que os SIT procederam à análise da contabilidade da impugnante a qual decorreu no gabinete de contabilidade onde se encontravam as pastas com os documentos inerentes à mesma e que ali não detetaram a existência dos documentos a que alude a impugnante/recorrida em sede de audição prévia. Acresce referir, que a respeito do dever de realizar diligências requeridas em sede de audição prévia, a jurisprudência do STA tem decidido, ainda que em situações distintas, mas que entendemos transponíveis para o caso sobre que nos debruçamos, que “a realização de diligências complementares, mesmo as que tenham sido solicitadas, cabe na regra da livre apreciação das provas por parte da Administração sujeita ao regime próprio aplicável em tal matéria. Ou seja, uma tal faculdade do instrutor, no exercício da qual goza de ampla margem de apreciação, apenas sindicável, em princípio, em caso de erro grosseiro ou de utilização de critério claramente inadequado, A propósito veja-se o acórdão do STA de 01/02/2000 (Rec. nº 45290). No sentido de que, neste ensejo, não assiste aos interessados no procedimento, um direito à realização das diligências, podem ver-se, Esteves de Oliveira e Outros, in, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., a págs. 467. não deve nomeadamente “traduzir-se numa subversão da sequência procedimental e guardar-se para esta fase (muito mais informal) o apuramento de questões ou factos necessários para a decisão do processo, que deveriam ser suscitados no relatório elaborado para efeitos de audiência prévia” (in Esteves de Oliveira e Outros, ibidem)” (cf. Acd. do STA de 02/03/2006, processo 0984/05, disponível in: www.dgsi.pt. ).
… os SIT analisaram in loco toda a contabilidade da impugnante/recorrida e não detetaram os mencionados documentos, ainda assim não deixaram de considerar, relevando-os, como era seu dever, aqueles que foram apresentados em sede de audição prévia. Não podemos é assentir com a sentença quando conclui que os SIT recusaram-se a proceder à analise presencial sem qualquer fundamento, pois que tal análise presencial já havia sido efetuada sem que se encontrassem os documentos, concluímos, assim, que o ónus instrutório da AT foi concretizado, a AT efetuou todas as diligências necessárias e úteis ao apuramento e descoberta da verdade material. De notar que o art. 9º, nº 1 do RCPITA impõe que “A inspeção tributária e os sujeitos passivos ou demais obrigados tributários estão sujeitos a um dever de cooperação”, tal dever foi cumprido pela AT que insistiu junto da impugnante pelos esclarecimentos e documentação que reputava necessária, sem que esta desse satisfação aos pedidos que lhe foram dirigidos, relembre-se que até à resposta à audição prévia a impugnante nunca reconheceu sequer a existência de outras contas afetas à sua atividade. Destarte, como pela leitura do probatório se constata, a impugnante/recorrida não colaborou com os SIT na descoberta da verdade, primeiramente, negando a existência de outras contas, depois, em sede inspetiva, após confrontada com o projeto de relatório e com a realidade dos factos, admitindo a existência das mesmas e juntando apenas os documentos que bem entendeu remetendo para análise in loco dos restantes, sem que se perceba quais são e sobretudo onde estão, uma vez que a contabilidade da recorrida foi analisada in loco. Assim, mal se compreende que na sentença recorrida se diga que a impugnante sempre tentou colaborar e cooperar com a administração no sentido de esclarecer a sua real situação tributária, pois essa não foi a atitude que se constatou ao longo do procedimento inspetivo. Em suma, a sentença recorrida valorou erradamente os factos e consequentemente, errou na aplicação do direito, neste pressuposto, e dado que mais nenhum vício vem assacado à decisão, porquanto a mesma nada mais apreciou, impõe-se dar provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida considerando a impugnação improcedente.

Lido atentamente este discurso fundamentador, que se contrapõe ao discurso fundamentador da sentença recorrida, não restam dúvidas que o mesmo se funda exclusivamente nas ilações de facto que o TCA retirou dos factos que se julgaram provados, bem como nos próprios factos provados.
Ou seja, não está verdadeiramente em causa saber se o tribunal recorrido errou na aplicação do direito, o que importa é saber se o tribunal recorrido fez um julgamento da matéria de facto adequado face à matéria de facto que se encontrava disponível. E como já vimos, trata-se de questão sobre a qual este Supremo Tribunal não se pode debruçar por lhe estar legalmente vedado.
Assim, o recurso não está em condições de ser admitido.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em não admitir o presente recurso de revista.
Custas do incidente pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 10 de Abril de 2024. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.