Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0235/23.8BEPRT
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32105
Nº do Documento:SA2202404100235/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


AA, titular do NIF ...55, residente na Avenida ..., ... ..., Portugal, tendo sido notificada do acórdão de 20.12.2023 proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte no processo à margem identificado, por ter legitimidade, estar em tempo e ter liquidado a competente taxa de justiça, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do CPPT, interpor recurso de revista excecional, para o Supremo Tribunal Administrativo, com efeito meramente devolutivo e subida nos próprios autos, com fundamento na apreciação de questão que, pela sua relevância jurídica e social, se reveste de importância fundamental, bem como na clara necessidade da admissão da revista para uma melhor aplicação do direito.

Alegou, tendo concluído:
I. Está em causa o recurso revista excecional do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 20.12.2023, no qual se decidiu que os tribunais tributários não podem, em sede de processo de reclamação judicial (artigos 276.º a 278.º do CPPT), conhecer da prescrição da obrigação tributária expressamente invocada pelo executado porque este processo tem natureza de «contencioso de mera anulação», pelo que, em consonância, a pronúncia do tribunal deverá cingir-se à manutenção ou anulação do ato reclamado.
II. Estão reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso fixados no artigo 285.º do CPPT: (i) está em causa uma decisão proferida em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo Norte que tem por fundamento a violação de lei processual; (ii) a questão jurídica apresenta relevância jurídica e social fundamental e a admissão da revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
III. A relevância jurídica fundamental da questão sub judice justifica-se pela relevância prática medida pela sua utilidade face à capacidade de expansão da controvérsia. Neste caso, a capacidade expansiva da controvérsia revela-se pela circunstância de: a. A prática demonstra que o despacho de declaração em falhas é emitido pelos Chefes de Serviços de Finanças de forma arbitrária, não obedecendo a um verdadeiro procedimento uniformizado; b. A declaração em falhas é efetuada de acordo com critérios de conveniência de organização dos serviços; c. Os interessados não são notificados da prática do ato de declaração em falhas; d. Pela análise da jurisprudência existente, mesmo após a emissão de avisos “em falhas” pelo sistema informático, os serviços não emitem o despacho manual que consideram ser o único relevante para o início da contagem do prazo prescricional interrompido pela citação; e. A Autoridade Tributária e Aduaneira recusa-se a reportar a data anterior os efeitos do despacho de declaração em falhas que emite, mesmo quando reconhece que a situação de falta de bens penhoráveis é anterior à data em que (ilegalmente) emitiu tal despacho no caso concreto; f. É pública e notória a existência de milhares de processos de execução fiscal que estão indevidamente ativos.
IV. Assim, a capacidade de expansão da decisão que vier a ser proferida pelo STA no presente processo pode verificar-se pela estabilização da jurisprudência que assegure a instrução adequada dos processos em primeira instância e a heterorregulação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, manifestamente, atua neste plano de forma massiva à margem da Lei.
V. A complexidade da questão controvertida aqui suscitada resulta da necessidade de uma apreciação do sistema de garantias dos contribuintes globalmente considerado, bem como da necessidade de o regime processual da reclamação judicial ser interpretado em conformidade com o princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa). Neste contexto, pressupõe operações exegéticas complexas das normas reguladoras do «contencioso tributário», distinguindo-se o contencioso “declarativo” de atos tributários do contencioso de execução, em especial, a reclamação judicial (que se situa no núcleo essencial do poder judicial, em que o órgão de execução integrado na Administração Pública atua enquanto auxiliar do juiz).
VI. A questão jurídica decidenda extravasa manifestamente os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, atendendo à massificação dos processos idênticos já referida e que tem especialmente impacto pela circunstância de poder lesar contribuintes com menores meios de acesso ao direito em resultado da situação de falta de bens penhoráveis, e que são sujeitos a sucessivas tentativas de medidas coercivas pelos órgãos de execução fiscal por períodos muito superiores a 8 anos, gerando-se situações de imprescritibilidade prática das obrigações fiscais ao arrepio da lei e da jurisprudência deste STA, com indesejável agravamento da economia paralela. A questão tem ainda relevância no plano da transparência da gestão da Administração Pública, uma vez que é evidente que as práticas descritas mantêm ativos créditos tributários insuscetíveis de cobrança, distorcendo-se a imagem da solvabilidade de tais créditos.
VII. A necessidade de admissão da revista para uma melhor aplicação do direito é evidenciada pela circunstância de o tribunal a quo decidir, ao arrepio do que a jurisprudência dos tribunais superiores consensualmente admite, que o tribunal não pode, no âmbito do processo de reclamação judicial, conhecer da prescrição enquanto exceção perentória extintiva da instância. É, pois, evidente que o acórdão recorrido padece de um grave e manifesto erro de julgamento. Realce-se que tal erro foi cometido por um tribunal superior (i.e., Tribunal Central Administrativo Norte). A prolação de um acórdão que padece de um tal erro grosseiro – em especial, numa matéria relevantíssima como é a da prescrição da obrigação tributária – comporta um risco manifesto de repetição de tal decisão numa pluralidade indeterminada de processos que venham a ser apreciados pelos tribunais tributários.
VIII. Embora a prescrição tenha sido expressamente invocada no presente processo, em qualquer caso, o artigo 175.º do CPPT determina que a prescrição da obrigação tributária constitui questão de conhecimento oficioso em sede de processo de execução fiscal.
IX. Contudo, o tribunal a quo considerou-se impedido de conhecer a prescrição da dívida tributária e consequente extinção do processo de execução por entender não ter poderes para declarar a situação de falta de bens penhoráveis do executado, em substituição do órgão de execução fiscal.
X. Ora, se o tribunal pode (e deve) conhecer da prescrição, tem de poder conhecer oficiosamente dos factos que a fundamentam, devendo poder valer-se do auxílio dos órgãos administrativos que praticam atos no âmbito do processo de execução. Se esse auxílio é frustrado por uma atuação ilegal do órgão auxiliar, cabe ao órgão de controlo (o tribunal) suprir as suas falhas. De outra forma, uma omissão ilegal do órgão de execução fiscal teria por efeito constranger definitivamente os poderes de cognição do Tribunal. Como é evidente, no âmbito do exercício de poderes jurisdicionais, os poderes do tribunal não podem estar na dependência da Administração. Impunha-se, pois, que o tribunal a quo tivesse conhecido da questão da prescrição da obrigação tributária, determinando a extinção da instância por verificação de uma exceção perentória extintiva (artigo 176.º, n.º 1, alínea c), do CPPT).
XI. Mesmo num contencioso de mera anulação, o tribunal tem poderes para conhecer da prescrição da dívida tributária, julgando verificada uma exceção perentória extintiva do processo de execução fiscal. É, por isso, uma decisão suscetível de ser proferida em qualquer forma de processo, nomeadamente, no âmbito do contencioso de mera anulação.
XII. Não existe qualquer semelhança estrutural entre o contencioso de impugnação de atos administrativos e a reclamação judicial. Na verdade, na reclamação judicial está em causa a prática de atos próprios do poder judicial. O órgão de execução fiscal exerce, no âmbito do processo de execução fiscal, uma função coadjuvante ou auxiliar do tribunal tributário. Não existe, pois, qualquer “reserva da Administração” face ao poder judicial. Pelo contrário, nos atos praticados no processo de execução fiscal existe sim, por imperativo constitucional, uma reserva absoluta do poder judicial.
XIII. Em nenhuma norma dos artigos 97.º, 151.º e 276.º a 278.º, do CPPT se afirma, direta ou indiretamente, que os poderes dos tribunais tributários no âmbito do processo de reclamação de atos praticados pelo órgão de execução fiscal se circunscrevem a uma pronúncia meramente anulatória. Em nenhuma daquelas normas se limitam os poderes de cognição dos tribunais tributários no referido meio processual, pelo que não é lícito ao intérprete criar limitações aos poderes de cognição dos tribunais tributários quando manifestamente elas não existem.
XIV. Com efeito, perante um ato ilegal praticado pelo órgão de execução fiscal, o tribunal tributário deve conhecer da ilegalidade de tal ato e decidir em definitivo a questão submetida à sua apreciação (tutela substitutiva). A mera anulação do ato reclamado e consequente devolução ao órgão de execução fiscal do poder de praticar novo ato, redunda num total esvaziamento do papel do tribunal tributário no âmbito do processo de execução fiscal.
XV. À luz do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva, o particular que é sujeito a um processo de execução fiscal de uma dívida que se encontra prescrita tem de ter um meio processual de reação que lhe assegure o seu direito (artigos 20.º e 268.º da CRP). Se, no caso concreto, a Administração viola as suas obrigações, não emitindo o despacho de declaração em falhas na data devida, e, com isto, impede que o tribunal conheça da prescrição, o particular fica, evidentemente, numa situação de indefesa. XVI. Na reclamação judicial, as pretensões dos particulares tanto podem ser anulatórias (levantamento de penhora) como podem ser inovatórias (declaração em falhas e prescrição da dívida). Pois bem, se se admitisse que a reclamação judicial só pode aplicar-se a pretensões anulatórias, deveria, então, existir um meio judicial alternativo que tutelasse a pretensão positiva do particular de ver reconhecida a sua situação de falta de bens penhoráveis, para efeitos de definição do termo inicial do prazo de prescrição. Contudo, no âmbito do processo de execução fiscal, o único meio de reação perante a inércia ou recusa na prática de ato devido pelo órgão de execução fiscal é a reclamação judicial (aliás, como expressamente resulta das notificações da Autoridade Tributária e Aduaneira nesta matéria e, bem assim, da jurisprudência dos tribunais superiores).
XVII. No âmbito da reclamação judicial, o tribunal tem de ter poderes para declarar a situação jurídica do contribuinte e do crédito tributário, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa).
XVIII. Finalmente, o tribunal a quo acentua que está em causa um contencioso de mera anulação porque a reclamação judicial corresponde a uma «forma processual que visa a apreciação da legalidade de atos materialmente administrativos». Os exemplos que extrai da jurisprudência são exemplos em que perante uma pretensão anulatória do particular, o tribunal só pode apreciar o ato praticado pelo órgão de execução fiscal à luz da sua motivação factual e jurídica. A questão tem imbricações que extravasam manifestamente o objeto do presente recurso.
XIX. No presente caso, o particular pretende obter uma sentença que declare definitivamente a sua situação jurídica e não que se limite a remover da ordem jurídica o ato de indeferimento emitido pelo órgão de execução fiscal, que implicaria a manutenção do contribuinte na situação ilegal patológica que, precisamente, pretende ver extinta. Pelo que, não há qualquer identidade entre este feixe de situações e as situações em que a pretensão do particular é meramente anulatória.
XX. A qualificação do ato praticado pelo órgão de execução fiscal como materialmente administrativo justifica-se, porque é um ato praticado no exercício da função judicial (parajudicial) por um órgão integrado na Administração Pública. Evidentemente, os riscos e contingências de relação de Poder Administrativa estão aqui presentes (dir-se-á, até, especialmente presentes atentos os poderes coercivos), o que justifica, por razões de coerência do sistema e de tutela jurídica dos administrados que as normas reguladoras do Poder Administrativo aqui se apliquem mutatis mutandis. No entanto, como não pode deixar de ser, o ato praticado pelo órgão de execução não se converte num ato próprio do poder administrativo e, por isso, mantém a sua natureza judicial. Consequentemente, não há qualquer “reserva” da Administração que importe acautelar. Pelo que, os poderes de cognição do tribunal estão subordinados à pretensão do executado de obtenção de uma decisão declaratória substitutiva.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:
- Ser proferido Acórdão no sentido de se considerar que, em sede de execução fiscal, o conhecimento da prescrição da obrigação tributária constitui matéria de conhecimento oficioso dos tribunais tributários (artigo 175.º do CPPT), podendo o tribunal tributário, no processo de reclamação judicial regulado nos artigos 276.º a 278.º do CPPT, verificar a partir de que data o executado se encontrava numa situação de falta de bens penhoráveis, para efeitos de determinação judicial da data em que a obrigação tributária prescreveu; e
- Ser o acórdão recorrido revogado e substituído por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo que conheça da prescrição da obrigação tributária em 10.9.2021 atenta a comprovada falta de bens penhoráveis da Recorrente em 10.9.2013, ou, se entender que não dispõe nos autos de elementos suficientes, determine a baixa dos autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 - Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

Lido atentamente o recurso que nos vem dirigido surpreende-se com facilidade que o mesmo vem interposto de um acórdão que decidiu o requerimento de arguição de nulidades de outro acórdão anterior que decidiu a questão de mérito.
Em síntese decidiu-se neste acórdão recorrido:
Assim, o Tribunal apenas dispõe, em sede impugnatória de actos praticados na execução fiscal - reclamação das decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal-, de poderes de anulação ou declaração de nulidade dos mesmos, apenas lhe cabendo considerar o acto reclamado legal ou ilegal, à luz da fundamentação contextual integrante do mesmo, e, em consequência, mantê-lo, ou anulá-lo (ou declarar a sua nulidade ou inexistência), como, efectivamente, foi decidido no caso vertente. Em face de todo o exposto, não obstante a Recorrente arguir a nulidade, por omissão de pronúncia, do Acórdão proferido nos autos, o que se constata é que o Acórdão apreciou e decidiu ambas as questões concretas suscitadas pela Recorrente, designadamente, para o que ora importa, a que se prende com o alegado erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, concluindo que o mesmo se verificava, o que determinou a sua revogação e a consequente anulação do despacho reclamado, de modo que não se afigura sustentada tal arguição. Evidenciam, outrossim, as alegações da Recorrente, um inconformismo com o mérito do decidido quanto à procedência do pedido limitado ao pedido de anulação do despacho reclamado - inconformismo, esse, bem patente nas conclusões, V. a VIII., em que a Recorrente, em síntese, pugna pela reapreciação da matéria de facto -, mas que lhe está vedado nesta sede – cfr. artigo 666º do CPC, ex vi artigo 281º do CPPT. Com efeito, a verificar-se, no ponto em dissídio, qualquer irregularidade no Acórdão, quando muito, poder-se-ia estar perante um eventual erro de julgamento, mas não da arguida nulidade, por omissão de pronúncia.

Como facilmente se depreende deste discurso fundamentador, dificilmente poderia o presente recurso eleger uma questão uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, uma vez que se trata de uma apreciação de nulidades direccionadas a anterior acórdão, ou seja, a apreciação das nulidades terá sempre que ser feita face ao concretamente decidido no acórdão anterior, bem como à sua fundamentação, e, nessa medida, dificilmente se conseguiria retirar uma doutrina que viesse a ser útil para casos posteriores.
Por outro lado, no caso concreto relevou-se para o indeferimento da nulidade arguida a impugnação da matéria de facto relevada no anterior acórdão o que estava vedado no acórdão que conhece das nulidades, trata-se, como também ali se diz, de um erro de julgamento.

Lido o anterior acórdão, este limitou-se a anular o acto proferido pelo órgão de execução fiscal para que fosse praticado novo acto acrescido da discussão da matéria de facto que se considere relevante para o deferimento ou indeferimento da pretensão dirigida ao órgão de execução fiscal e, nessa medida, mais uma vez, trata-se ainda de resolver qual a matéria de facto relevante para a decisão.

Ou seja, os pedidos formulados a este Supremo Tribunal no âmbito deste recurso contende com apreciação da matéria de facto o que lhe está legalmente vedado.
Nesta medida o recurso não está em condições de ser admitido.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em não admitir o presente recurso de revista.
Custas do incidente pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 10 de Abril de 2024. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.