Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0203/13.8BESNT
Data do Acordão:12/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26920
Nº do Documento:SA2202012160203/13
Data de Entrada:11/23/2020
Recorrente:BRISA – AUTO ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


BRISA – AUTO ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., Recorrida nos autos acima identificados, tendo sido notificada do Acórdão proferido por este Tribunal em 25.06.2020 e com ele não se conformando, vem interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, o que faz nos termos do artigo 150.º do CPTA.

Alegou, tendo concluído:
A. O Acórdão Recorrido, não obstante ser discreto nas suas convicções – por ter adotado como metodologia decisória a reprodução do raciocínio jurídico vertido nos acórdãos proferidos pelo Venerando STA nos processos 20/07.4BESNT e 520/11.1BESNT – encerra dois problemas graves que merecem (mais, impõem) uma “segunda vista” por este Alto Tribunal.
B. O facto de existir jurisprudência recente deste Venerando STA sobre a matéria em apreço não deverá obstar à admissão da revista, pois a Recorrente apresenta um argumento que não foi ponderado por essa jurisprudência, encerrando esse argumento o condão – ou diríamos mesmo, a imposição – de demonstrar a necessidade de alterar essa mesma jurisprudência, sob pena de desaplicação desta norma em múltiplas situações, com grave prejuízo para o erário público e para o princípio da igualdade entre agentes económicos.
C. E isto porque a jurisprudência que se vem firmando sobre a norma em apreço terá tido em conta apenas a “perspetiva particularista”, na aceção de MICHELE TARUFFO, centrando-se exclusivamente naquele que entendeu ser o resultado justo no caso sob análise, mas acabando por olvidar um fator essencial, cuja consideração teria sido o suficiente para inquinar de modo irremediável a argumentação que perfilhou.
D. Está em causa nos autos a aplicação da regra da incomunicabilidade de prejuízos fiscais contemplada no atual artigo 52.º, n.º 5, do CIRC.
E. A presente revista deve ser admitida, desde logo porque, a questão que a Recorrente pretende ver novamente apreciada por este Alto Tribunal implica o necessário preenchimento de conceitos constantes do artigo 52.º, n.º 5, do CIRC que, como vem demonstrando a profusão de (i) contradições da própria AT, (ii) divergências jurisprudenciais e (iii) a oposição entre a jurisprudência recente deste Venerando STA e a unanimidade da doutrina, é de uma complexidade absolutamente incomum em matérias tributárias.
F. Em especial, a interpretação do conceito de “redução de IRC” previsto nesta norma, que é diferente do conceito de “redução da taxa de IRC” que constava do n.º 1 do artigo 43.º do Código da Contribuição Industrial (“CCI”), revela-se especialmente problemática.
G. Por outro lado, a norma em apreço e, sobretudo, a delimitação do conceito de “redução de IRC” nela prevista é suscetível de aplicação a todas as situações em que um sujeito passivo tem “explorações ou actividades” que beneficiem de isenção parcial ou de redução de IRC.
H. A recente jurisprudência do Venerando STA, e o acórdão recorrido, têm o condão, paradoxalmente, de acelerar a capacidade de expansão da controvérsia, pois tornam praticamente inoperante esta norma, que na verdade constitui uma “válvula de segurança” ou uma “penalidade” contra aplicações abusivas de benefícios fiscais (cfr. salientou o acórdão deste Venerando STA de 19.01.2005, no processo 01214/04).
I. A relevância social da questão dos autos é inegável, pois a correta interpretação do conceito de “redução de IRC” que consta da norma em apreço refletir-se-á em todas as situações em que uma determinada entidade desenvolva, paralelamente, atividades comerciais ditas “normais” e uma atividade que mereceu a atribuição de um regime especial de benefício, que convoque a interpretação dessa mesma expressão.
J. É assim indiscutível que a resposta à questão apresentada servirá também um propósito maior – muito maior – que o interesse que a ora Recorrente procura retirar da procedência do presente recurso.
K. A recente jurisprudência deste STA, assim como o acórdão recorrido, consideram que, para aplicar o disposto no n.º 5 do artigo 52.º do CIRC, é necessário que ocorram “alterações estruturais do imposto”, o que não sucederia no presente caso, pois “[t]rata-se, tão-só, de um benefício fiscal que, para o que aqui respeita, se traduz numa dedução à coleta”.
L. Acontece que esta “fasquia alta” colocada para a aplicação da norma é deveras problemática e poderá, inclusivamente, derrotar o propósito da mesma, com gravíssimo prejuízo para o erário público e para o princípio da igualdade no tratamento fiscal, conforme foi ominosamente antecipada pelos PROFESSORES CASALTA NABAIS e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, e sobretudo, pelo SAUDOSO PROFESSOR SALDANHA SANCHES e pelo MESTRE JOÃO TABORDA DA GAMA, e pela anterior jurisprudência deste mesmo STA.
M. Pense-se numa entidade que desempenha uma atividade que mereceu a atribuição de um qualquer benefício – como seja a possibilidade de majoração de gastos ou de amortizações aceleradas, como de resto era aplicável à Recorrente nos termos dos DL 294/97 e DL 271/99 e foi olvidado pelo Tribunal a quo – e outra atividade comercial dita “normal” sem qualquer especificidade fiscal.
N. O que a recente jurisprudência deste Venerando STA e o acórdão recorrido permitem é que, numa situação inversa à da Recorrente – em que a atividade beneficiada (correspondente no caso à concessionada) gere prejuízos e a atividade não beneficiada (correspondente no caso à não concessionada) seja lucrativa – o sujeito passivo possa utilizar os prejuízos gerados na atividade beneficiada (e, por isso e neste exemplo, alavancados porque apurados com base num regime de benefício fiscal) para deduzir ao lucro tributável apurado na atividade não beneficiada, desta forma revertendo a razão de ser da atribuição daquele benefício.
O. O alcance do benefício fiscal – medida por lei excecional e instituída para tutela de interesses públicos especiais extrafiscais superiores aos da própria tributação (nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do EBF) – vai, nesse caso, desviar-se daquilo que motivou a sua atribuição e beneficiar uma atividade que não mereceu a referida atribuição.
P. A medida de caráter excecional, com propósitos superiores e extrafiscais vai, afinal, beneficiar uma atividade completamente alheia aos propósitos que legitimaram a atribuição do benefício, violando inclusivamente o princípio da igualdade face às restantes empresas que operam no setor de atividade que não deveria ser beneficiado.
Q. Ora, de acordo com a recente jurisprudência deste Venerando STA e o acórdão recorrido, os prejuízos gerados na atividade que goza de um benefício fiscal poderão ser deduzidos aos lucros da atividade “normal”, pois não ocorreu qualquer “alteração estrutural do imposto”.
R. A interpretação da questão sob análise poderá colidir, de forma grave, com aqueles que foram os motivos que justificaram a aprovação de um regime específico de tributação (como o regime que foi aplicado à atividade concessionada da Recorrente) – designadamente a prossecução de objetivos de cariz económico específico, projetados sobre determinadas atividades, em prol do interesse público.
S. Será também por este motivo que a própria AT já defendeu as duas posições em relação à Recorrente: começou por raciocinar em abstrato, ponderando a bidirecionalidade da norma aqui em causa e exigindo a aplicação da norma, para depois, ao conhecer o montante do IRC em causa, decidir apenas em prole da liquidação de receita, defendendo exatamente o contrário.
T. Da vasta doutrina existente, nenhum Autor, em hipótese alguma, estabeleceu como exigência de aplicabilidade do atual artigo 52.º, n.º 5, do CIRC uma “alteração estrutural do imposto”.
U. E nunca foi estabelecida esta necessidade porque a norma requer precisamente o seu contrário, ou seja, uma “fasquia baixa”, fruto da sua bidirecionalidade, salvaguardando que os benefícios fiscais conferidos a uma atividade não contaminem as outras, por deduções cruzadas de prejuízos fiscais.
V. A necessidade da revista resulta também do facto de a recente jurisprudência deste STA e o acórdão recorrido considerarem, paradoxalmente, que é indiscutível a necessidade de aplicar à Recorrente o disposto no artigo 17.º, n.º 3, alínea b) do CIRC, mas negar à mesma a aplicação do artigo 52.º, n.º 5, sendo no entanto certo que ambas as normas têm o mesmo campo de aplicação, sendo que a primeira tem até uma formulação bastante mais restritiva.
W. Com o devido respeito, que é muito, poderá aventar-se a hipótese de este Venerando STA e o TCA Sul terem, erroneamente, considerado que o artigo 52.º, n.º 5, do CIRC conferia uma espécie de “benesse fiscal” adicional, sendo por isso necessário delimitar ou até restringir a sua aplicação a casos de suma importância, em que ocorram “alterações estruturais do imposto”, quando na verdade essa norma constitui, na maior parte dos casos, uma “penalidade” (como referiu este mesmo STA em jurisprudência anterior) e uma “norma de salvaguarda”.
X. Atendendo a tudo quanto ficou exposto, considera-se também que o Acórdão Recorrido padece de um erro interpretativo ostensivo, sendo essencial uma nova intervenção deste Alto Tribunal para, por fim, dissipar as dúvidas acerca da aplicação do regime de separação de coletas que deriva do disposto no artigo 52.º, n.º 5, do CIRC, com vista à melhor aplicação do Direito, não só no caso concreto da Recorrente, mas em todos os demais casos de sujeitos passivos que desenvolvam paralelamente atividades beneficiadas e atividades não beneficiadas fiscalmente.
Nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve a presente revista ser julgada procedente, revogando-se o Acórdão recorrido.
Mais se requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, por se encontrarem verificadas as condições aí estabelecidas.

Não foram produzidas contra-alegações.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT (apesar de vir indicado no recurso que o mesmo era interposto ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, uma vez que o acórdão foi proferido posteriormente à data da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17/09, é aplicável a correspondente norma do CPPT).

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
E também não deve servir o recurso de revista para revisitar a matéria de facto julgada provada ou não provada pelas instâncias, cfr. n.º 4.

Lidas atentamente as alegações de recurso surpreende-se que a recorrente não coloca uma questão nova diferente daquela que foi anteriormente decidida por este Supremo Tribunal nos acórdãos 20/07.4BESNT e 520/11.1BESNT, na verdade mostra-se inconformada e com o ali decidido e pretende a reapreciação da questão argumentando de modo diferente.
Tendo o acórdão recorrido decidido de acordo com a anterior –e recente- jurisprudência deste Supremo Tribunal, sendo certo que também nesses processos a recorrente era parte, onde se escalpelizou a questão controvertida, não se vê que haja necessidade de admissão deste recurso.
Na verdade, o recurso de revista não se destina a que as partes coloquem à (re) apreciação do Supremo Tribunal a mesma questão de direito inúmeras vezes, até que se mostrem esgotados todos os argumentos possíveis, encontrando-se a questão resolvida por este Supremo Tribunal com apoio nas normas legais e princípios aplicáveis ao caso concreto não há que admitir este recurso por não se mostrar necessário à melhor aplicação do direito.
Assim, faltando os pressupostos a que alude aquele n.º 1 do artigo 285º anteriormente referido, o recurso não pode ser admitido.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pela recorrente, com t.j. no máximo.
D.n.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2020. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.