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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01920/15.3BEPRT 0293/16
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:IMPOSTO ESPECIAL DE JOGOS
FACTO TRIBUTÁRIO
BASE DE INCIDÊNCIA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
LEI DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA
Sumário:I - Conforme resulta do disposto no art. 84.º da Lei do Jogo – Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, alterado sucessivamente por diversos diplomas legais, sendo as últimas alterações as introduzidas pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (Lei do Jogo) –, o Imposto Especial de Jogo (IEJ) assume-se como um imposto “substitutivo” do imposto sobre o rendimento, uma vez que os rendimentos resultantes da actividade do jogo são sujeitos ao IEJ e não sujeitos a IRC (cfr. art. 7.º do Código do IRC), sendo os rendimentos concretamente resultantes dessa actividade que ficam sujeitos àquele imposto e, não as entidades concessionárias relativamente às demais actividades que desenvolvam.
II - Os jogos de fortuna e azar são uma actividade geradora de riqueza sem comparação com as restantes actividades tradicionais que dependem do esforço físico e da inteligência dos homens, que criam empregos, ajudam ao desenvolvimento social e humano e permitem a realização pessoal, conatural à existência do homem social.
III - Todo o regime fiscal que rege esta actividade não pode ser reconduzido ao regime “normal” da tributação dos rendimentos, IRS ou IRC, precisamente porque, enquanto estes visam simplesmente, como definido no art. 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, o Imposto sobre o Jogo tem, também, e, sobretudo, fins diferentes, extrafiscais, de que a arrecadação de receitas está secundarizada relativamente ao desiderato de controlo e contenção de uma actividade socialmente desviante – o jogo de fortuna e azar.
IV - A formulação constitucional – art. 104.º da CRP – de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, não impõe que a tributação destas deva incidir exclusivamente sobre o seu rendimento.
V - Sendo a capacidade contributiva pressuposto dos tributos – art. 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária – também, essencialmente, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, aquela capacidade há-de ser, segundo as circunstâncias, articulada, nomeadamente com os princípios do bem-estar comum, da necessidade e do ganho que lhe poderão aportar condicionamentos.
VI - Não se encontrando sujeita ao princípio da capacidade contributiva previsto para o IRC, a tributação em sede de IEJ encontra-se sujeita ao princípio da proporcionalidade, permitindo que a entidade concessionária tenha “economicamente” interesse em prosseguir com a sua actividade.
VII - O facto tributário é o exercício da exploração do jogo, em casinos, pelas concessionárias durante o período de duração da concessão – art. 84.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro – e a base de incidência do imposto varia consoante o tipo de jogo – constante do elenco do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89.
VIII - O capital em giro inicial é o capital que a impugnante diariamente disponibiliza para a sua actividade. Se disponibilizar muito capital pode perder muito capital se os jogadores conseguirem elevados prémios. Se disponibilizar pouco capital, só poderá perder pouco capital, porque os jogadores só poderão obter prémios menores.
IX - Não há qualquer discricionariedade por parte da Inspecção-Geral de Jogos que se limita a receber, anotar e ter em conta, para efeitos de cálculo do imposto, o número de bancas e de máquinas ou de grupos de máquinas a funcionar, bem como o respectivo capital inicial, nos jogos em que ele deva existir, não sendo liquidado imposto em relação às bancas ou máquinas abertas tempestivamente cujo capital em giro inicial não chegue a ser utilizado por falta de jogadores até ao termo da partida.
X - Não há uma presunção grosseira e inilidível de retorno à impugnante do capital que é mobilizado por ela na abertura das salas de jogo, pois não se avalia esse retorno, nem ele serve por qualquer modo para liquidar o imposto devido.
XI - Não existem as presunções grosseiras e inilidíveis de rendimento da impugnante que esta invoca como fundamento da violação do princípio constitucional da proporcionalidade, por, em concreto, o imposto de jogo, tendo em conta a sua natureza extrafiscal, ser uma medida adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, sem qualquer violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
XII - O Serviço de Regulação e Inspecção de Jogos não tem a possibilidade de determinar arbitrária, ou sequer discricionariamente, e sem critérios legais previamente definidos, o capital em giro inicial nas máquinas que é determinado com referência aos jogos praticados em bancas simples.
XIII - Mostra-se cumprido o princípio da legalidade fiscal na vertente de reserva de lei por estarmos face a uma lei, editada pelo Governo em cumprimento de uma autorização legislativa da Assembleia da República – Lei n.º 14/89, de 30 de Junho – ao Governo para legislar em matéria de jogos de fortuna ou azar em casinos e de exploração e prática ilícita de jogos de fortuna ou azar – que nela fez incorporar os compromissos contratuais existentes em matéria de incidência e de taxas, e demais elementos essenciais do imposto.
XIV - Tendo em conta os dados disponíveis sobre o desenvolvimento turístico das áreas onde se localizam os diversos casinos, mostra-se legitimada a diferenciação de tributação que se baseia num critério material de tributação da actividade do jogo, assente num juízo de proporcionalidade em que a diferenciação das taxas está alinhada com os objectivos extrafiscais da tributação e de promoção da actividade turística.
Nº Convencional:JSTA000P26598
Nº do Documento:SA22020102801920/15
Data de Entrada:08/10/2020
Recorrente:A.............., S.A.
Recorrido 1:TURISMO DE PORTUGAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório
1.1. A…………., SA., identificada nos autos, recorre da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 10 de fevereiro de 2020, que julgou improcedente a impugnação judicial dirigida contra liquidação, efetuada pelo Turismo de Portugal, I.P., de Imposto Especial de Jogo, referente março, abril e maio de 2015, no montante global de €3.111.594,40.

1.2. A Recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1ª) A presente impugnação tem por objecto liquidações do Imposto de Jogo;
2ª) A circunstância de a actividade de jogo exercida pela ora recorrente ser feita ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com o Estado, não retira a natureza de imposto ao... Imposto de Jogo;
3ª) O imposto de jogo não possui base contratual – como assinala a doutrina, o regime tributário da actividade do jogo é um regime exclusivamente legal;
4ª) Aliás, a recorrente, na petição inicial da impugnação, não contesta a validade do contrato de concessão, nem a validade de qualquer cláusula de tal contrato;
5ª) A recorrente contesta a legalidade de liquidações do imposto de jogo por este, tal como definido e estruturado no Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), violar os princípios constitucionais da legalidade, capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da igualdade;
6ª) A recorrente contesta, também, a legalidade de liquidações do Imposto de Jogo por não estarem devidamente fundamentadas e por violarem o disposto na Lei do Jogo;
7ª) Tendo em conta a clássica definição de tributo –“prestação patrimonial estabelecida por lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas, com o fim imediato de obter meios destinados ao seu financiamento”, é indiscutível que o imposto de jogo, cujas liquidações se impugnaram, é um tributo e, além disso, dentro da classificação dos tributos, é um imposto;
8ª) A existência de um contrato de concessão não altera a natureza do tributo em questão, não havendo aqui, como assinalada na doutrina, qualquer “lei contrato”, ou qualquer “tributo contratual”;
9ª) As liquidações de Imposto de Jogo aqui impugnadas, são ilegais por terem como fundamento legal o Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, sendo que tal diploma, na parte fiscal, é organicamente inconstitucional por dizer respeito a matéria da competência da Assembleia da República e a lei de autorização legislativa não indicar os critérios mínimos orientadores da autorização;
10ª) As liquidações impugnadas são, também, ilegais, porque o referido Decreto-Lei nº 422/89, é inconstitucional quanto a uma outra vertente do princípio da legalidade;
11ª) Na verdade, o referido diploma atribuiu à autoridade administrativa a competência para fixar, para a tributação sobre as máquinas de jogo, um capital em giro, que constitui a incidência real do imposto;
12ª) Ora, o princípio da legalidade, na sua vertente de reserva de lei, é violado através dessa deslegalização, ao atribuir-se à autoridade administrativa a competência para fixar um elemento essencial do imposto;
13ª) As impugnadas liquidações são, também ilegais, por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
14ª) É que o imposto do jogo incide sobre o chamado “capital em giro” dos jogos, sem qualquer relação, nem com a receita bruta obtida pela recorrente nem, muito menos, com o lucro;
15ª) O imposto de jogo incide sobre verdadeiras e autênticas presunções inilidíveis de matéria colectável, violando o artº 104º, nº 2 da Constituição;
16ª) As características próprias do Imposto de Jogo, não permite afastar a sua sujeição aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
17ª) A circunstância de o Imposto de Jogo incidir sobre o “capital em giro”, não justifica que a fixação dessa matéria tributável seja feita com ignorância ou desprezo total por um mínimo de correspondência com a capacidade contributiva e o rendimento real da recorrente;
18ª) A Lei do Jogo é, também, inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade, ao fixar taxas de imposto diferentes para as diversas concessões da actividade de jogo e, portanto, para os diversos contribuintes que se dedicam a essa actividade, sendo certo que, essa diferenciação entre os diversos contribuintes não resulta dos contratos de concessão, mas sim da Lei do Jogo;
19ª) As liquidações impugnadas são ilegais por insuficiente fundamentação quanto à fixação, pelo Turismo de Portugal, do “capital em giro inicial”, já que as deliberações das Comissões de Jogos não indicam os concretos critérios que estiveram na base da concreta fixação, para cada concreta máquina, do capital em giro inicial;
20ª) As liquidações impugnadas são também ilegais por esse capital em giro inicial ter sido fixado mensalmente, quando a Lei do Jogo estabelece uma fixação anual;
21ª) As liquidações impugnadas são, ainda, ilegais, porque o Turismo de Portugal, em violação frontal da subalínea b) da alínea c) do artº 87º da Lei do Jogo, ter fixado o “capital em giro inicial” sem tomar em consideração as características das diversas máquinas de jogo e das circunstâncias concretas verificadas na sua utilização;
22ª) Assim, a douta sentença recorrida fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação das normas e princípios aplicáveis.
(…)
Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e anulando-se as liquidações impugnadas, como é de
Justiça
Mais requer, por estarem presentes os requisitos contidos no artº 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça que venha a ser considerada devida.».

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. A Magistrada do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, com a seguinte fundamentação:
“(…) Todas estas questões foram apresentadas na impugnação, as quais foram apreciadas no parecer de forma muito competente pelo Sr. Procurador Junto do Tribunal da 1ª instância e a sentença está decidida de acordo com a jurisprudência maioritária, mostrando-se bem fundamentada e argumentativa, pelo nada mais temos a acrescentar ao que já foi dito, que possa trazer alguma mais-valia.
Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.”

2. Fundamentação de facto
Na sentença recorrida estão provados os seguintes factos:
“1. A Impugnante, A…………….., S. A., é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar, na zona de jogo permanente da ………. – cf. contrato de concessão celebrado a 29 de Dezembro de 1988, publicado no D.R., III Série, nº 37 de 14 de Fevereiro de 1989;
2. O contrato referido em 1. foi objecto de revisão e prorrogação a 14 de Dezembro de 2001 – cf. contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da ……….. à A…………., S.A. ” no D.R. III Série, nº 27, de 01 de Fevereiro de 2002, constante de fls. 290 verso e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
3. Consta da cláusula 3ª do contrato referido em 2. que: “A concessionária aceita todas as obrigações impostas pela legislação em vigor, designadamente, as estabelecidas nos Decretos-Leis nºs 422/89, de 2 de Dezembro e 184/88 de 25 de Maio, e legislação complementar, bem como pelos Decretos-Leis nºs 274/88 de 3 de Agosto e 275/2001 de 17 de Outubro, e pelo Decreto Regulamentar n º 29/88 de 3 de Agosto” – cf. extracto do DR constante dos autos, fls. 290 verso e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
4. Consta da cláusula 4º do contrato referido em 2. que: “a concessionária obriga-se a (…) 1) Prestar uma contrapartida inicial (…). 2) Para além da contrapartida referida no número anterior, prestar, em cada ano, contrapartida no valor de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no casino, todavia, em caso algum a contrapartida prestada nos termos deste número poderá ser inferior aos valores indicados no anexo (…).
A contrapartida referida neste número realiza -se pelas seguintes formas:
a) através do pagamento do imposto especial sobre o jogo, nos termos da legislação em vigor” – Cf. extracto do DR constante dos autos, fls. 290 verso e seguintes do processo físico, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
5. Pelos ofícios SAI/2015/4920 de 03 de Abril de 2015, ENT/2015/10885 de 04.05.2015 e SAI/2015/7778 de 04.06.2015 foi a Impugnante notificada das liquidações do Imposto Especial sobre o Jogo referente aos meses de Março, Abril e Maio de 2015, respectivamente, considerando-se aqui reproduzido o seu teor – cf. ofícios constantes de fls. 27, 28 e 29 dos autos, numeração referente ao processo físico, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legas;
6. A 11 de Março de 2011, Turismo de Portugal, I.P. deliberou que se procedesse a uma avaliação do capital em giro inicial, com uma periodicidade mensal e ao longo do ano, para efeitos tributários das máquinas de jogo, com possível ajustamento – cf. deliberação n.º 23.2011.CJ constante de fls. 339 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico, documento para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
7. A 17 de Março de 2011, Turismo de Portugal, I.P. deliberou que, para todas as máquinas ou grupos de máquinas até então sujeitos a um período de exploração em regime experimental, o capital passasse a ser fixado logo após a sua instalação, sendo aferido e ajustado ao longo do tempo nos termos determinados para os restantes equipamentos em parque – cf. deliberação n.º 30.2011.CJ constante de fls. 338 dos autos, numeração referente ao processo físico, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
8. Pelo ofício INT/2014/5174 de 04 de Junho de 2014 foi a Impugnante notificada da fixação, para todas as máquinas automáticas do Casino ………….., do capital em giro inicial no valor de €435, com início em 03.06 (inclusive) – cf. notificação n.º 281.2014 constante de fls. 33 dos autos, numeração referente ao processo físico;
9. Pelo ofício INT/2014/6913 foi a Impugnante notificada da fixação, para todas as máquinas automáticas do Casino …………, do capital em giro inicial no valor de €845 para todas as máquinas automáticas, a partir de 03 de Agosto – cf. notificação de fls. 34 dos autos, numeração referente ao processo físico;
10. Pelo ofício INT/2012/6034 de 02 de Julho de 2014 foi a Impugnante notificada da fixação, para todas as máquinas automáticas do Casino ……….., do capital em giro inicial no valor de €715.00, a partir de 3 de Julho – cf. notificação n.º 327.2014 constante de fls 35 dos autos, numeração referente ao processo físico;”.

3. Fundamentação de Direito
3.1. As questões que se suscitam no presente recurso foram objeto de julgamento ampliado, com a intervenção de todos os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, realizado ao abrigo do disposto no artigo 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no processo n.º 2224/13.1BEPRT (1457/15), pelo acórdão de 5 de dezembro de 2018. E são as seguintes (tal como foram enunciadas no referido acórdão):
«1- Ilegalidade do acto de liquidação impugnado por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do rendimento real e da proporcionalidade;
2- Ilegalidade do acto de liquidação por o Decreto-Lei n.º 422/89 violar o princípio constitucional da legalidade, na sua vertente de reserva de lei material;
3- Ilegalidade do acto de liquidação porque a Lei do Jogo é inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade;
4- Ilegalidade do acto de liquidação por falta de fundamentação;
5- Ilegalidade do acto de liquidação por o capital em giro inicial ter sido fixado mensalmente, quando a Lei do Jogo estabelece uma fixação anual;
6- Ilegalidade do acto de liquidação por o “capital em giro inicial” ter sido fixado sem serem tidas em consideração as características das diversas máquinas de jogo e as circunstâncias concretas verificadas na sua utilização».
Assim, porque concordamos com o que ficou decidido naquele aresto, e porque, em face do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, se nos impõe o respeito pela orientação jurisprudencial nele fixada, cumpre julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida, com a fundamentação nele expendida, para a qual remetemos, ao abrigo da faculdade que nos é concedida pelo n.º 5 do artigo 663.ºdo Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

3.2. Uma vez que a presente decisão é efetuada por remissão, o que preenche o requisito de “menor complexidade” para os efeitos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas, decide-se dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

3.3. Em conclusão (tal como foi resumido no citado acórdão de 5 de dezembro de 2018):
«I - Conforme resulta do disposto no art. 84.º da Lei do Jogo – Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, alterado sucessivamente por diversos diplomas legais, sendo as últimas alterações as introduzidas pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (Lei do Jogo) –, o Imposto Especial de Jogo (IEJ) assume-se como um imposto “substitutivo” do imposto sobre o rendimento, uma vez que os rendimentos resultantes da actividade do jogo são sujeitos ao IEJ e não sujeitos a IRC (cfr. art. 7.º do Código do IRC), sendo os rendimentos concretamente resultantes dessa actividade que ficam sujeitos àquele imposto e, não as entidades concessionárias relativamente às demais actividades que desenvolvam.
II - Os jogos de fortuna e azar são uma actividade geradora de riqueza sem comparação com as restantes actividades tradicionais que dependem do esforço físico e da inteligência dos homens, que criam empregos, ajudam ao desenvolvimento social e humano e permitem a realização pessoal, conatural à existência do homem social.
III - Todo o regime fiscal que rege esta actividade não pode ser reconduzido ao regime “normal” da tributação dos rendimentos, IRS ou IRC, precisamente porque, enquanto estes visam simplesmente, como definido no art. 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, o Imposto sobre o Jogo tem, também, e, sobretudo, fins diferentes, extrafiscais, de que a arrecadação de receitas está secundarizada relativamente ao desiderato de controlo e contenção de uma actividade socialmente desviante – o jogo de fortuna e azar.
IV - A formulação constitucional – art. 104.º da CRP – de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, não impõe que a tributação destas deva incidir exclusivamente sobre o seu rendimento.
V - Sendo a capacidade contributiva pressuposto dos tributos – art. 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária – também, essencialmente, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, aquela capacidade há-de ser, segundo as circunstâncias, articulada, nomeadamente com os princípios do bem-estar comum, da necessidade e do ganho que lhe poderão aportar condicionamentos.
VI - Não se encontrando sujeita ao princípio da capacidade contributiva previsto para o IRC, a tributação em sede de IEJ encontra-se sujeita ao princípio da proporcionalidade, permitindo que a entidade concessionária tenha “economicamente” interesse em prosseguir com a sua actividade.
VII - O facto tributário é o exercício da exploração do jogo, em casinos, pelas concessionárias durante o período de duração da concessão – art. 84.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro – e a base de incidência do imposto varia consoante o tipo de jogo – constante do elenco do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89.
VIII - O capital em giro inicial é o capital que a impugnante diariamente disponibiliza para a sua actividade. Se disponibilizar muito capital pode perder muito capital se os jogadores conseguirem elevados prémios. Se disponibilizar pouco capital, só poderá perder pouco capital, porque os jogadores só poderão obter prémios menores.
IX - Não há qualquer discricionariedade por parte da Inspecção-Geral de Jogos que se limita a receber, anotar e ter em conta, para efeitos de cálculo do imposto, o número de bancas e de máquinas ou de grupos de máquinas a funcionar, bem como o respectivo capital inicial, nos jogos em que ele deva existir, não sendo liquidado imposto em relação às bancas ou máquinas abertas tempestivamente cujo capital em giro inicial não chegue a ser utilizado por falta de jogadores até ao termo da partida.
X - Não há uma presunção grosseira e inilidível de retorno à impugnante do capital que é mobilizado por ela na abertura das salas de jogo, pois não se avalia esse retorno, nem ele serve por qualquer modo para liquidar o imposto devido.
XI - Não existem as presunções grosseiras e inilidíveis de rendimento da impugnante que esta invoca como fundamento da violação do princípio constitucional da proporcionalidade, por, em concreto, o imposto de jogo, tendo em conta a sua natureza extrafiscal, ser uma medida adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, sem qualquer violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
XII - O Serviço de Regulação e Inspecção de Jogos não tem a possibilidade de determinar arbitrária, ou sequer discricionariamente, e sem critérios legais previamente definidos, o capital em giro inicial nas máquinas que é determinado com referência aos jogos praticados em bancas simples.
XIII - Mostra-se cumprido o princípio da legalidade fiscal na vertente de reserva de lei por estarmos face a uma lei, editada pelo Governo em cumprimento de uma autorização legislativa da Assembleia da República – Lei n.º 14/89, de 30 de Junho – ao Governo para legislar em matéria de jogos de fortuna ou azar em casinos e de exploração e prática ilícita de jogos de fortuna ou azar – que nela fez incorporar os compromissos contratuais existentes em matéria de incidência e de taxas, e demais elementos essenciais do imposto.
XIV - Tendo em conta os dados disponíveis sobre o desenvolvimento turístico das áreas onde se localizam os diversos casinos, mostra-se legitimada a diferenciação de tributação que se baseia num critério material de tributação da actividade do jogo, assente num juízo de proporcionalidade em que a diferenciação das taxas está alinhada com os objectivos extrafiscais da tributação e de promoção da actividade turística.».

3- Decisão
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Não se procede à junção de cópia do acórdão remetido, porque se encontra disponível no sítio www.dgsi.pt

Lisboa, 28 de Outubro de 2020. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.