Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01069/16
Data do Acordão:02/01/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPOSTO DE SELO
PRÉDIO URBANO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
Sumário:Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do art. 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Nº Convencional:JSTA000P21408
Nº do Documento:SA22017020101069
Data de Entrada:09/26/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 18 de Abril de 2016, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, SA, em representação de B………… e de C…………, por si geridos, pedindo a declaração de nulidade ou anulação das liquidações de Imposto de Selo sobre prédios urbanos de valor igual ou superior a € 1000.000,00, de que os fundos por si geridos, foram objecto em Março de 2013.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial procedente, concedendo provimento ao pedido da anulação das liquidações de imposto de Selo respeitante ao ano da 2012, no valor global de €531.325,26, por considerar verificada a ilegalidade dos actos tributários que tais cobranças consubstanciam.
II. A questão determinante na tomada de decisão, e de que aqui se recorre, prende-se com a interpretação a dar ao teor contido na verba 28.1 da TGIS e do n.° 1 do art. 6º do CIMI, estando portanto em causa, na presente impugnação judicial, a legalidade do acto de liquidação de Imposto de Selo efectuado, relativamente ao ano de 2012 quanto aos terrenos para construção de que a impugnante é proprietária.
III. Diz-nos a Verba n.° 28 da TGIS (na redacção dada pela Lei n.° 55-A/2012 de 29 de Outubro de 2012) «28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000,00 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1%;
(…)»
IV. A verba 28 da TGIS, funcionando como corpo do artigo, faz menção aos prédios urbanos com valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, igual ou superior a € 1.000.000,00. E, prevendo a aplicação da taxa de 1%, concretiza o tipo de prédio urbano em causa como sendo um “prédio com afectação habitacional”.
V. Assim, da leitura do disposto na verba 28.1 da TGIS verificamos que o legislador não se refere a prédios urbanos habitacionais, nos termos previstos no art° 6°, n° 1, a), do CIMI, mas a “prédios com afectação habitacional”. Ou seja, inclui todos os prédios urbanos com afectação habitacional e não apenas as habitações já construídas.
VI. Face ao exposto e contrariamente ao expendido na douta sentença, a expressão «afectação habitacional» que consta da verba 28.1 da TGIS deve ser interpretada de forma ampla, ou seja, deve abranger não só os prédios habitacionais já edificados, como também os terrenos para construção com afectação habitacional.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, porém, V. Exas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público, notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso. No essencial o Ministério Público, apoiando-se na jurisprudência que este Supremo Tribunal tem vindo a sufragar, entendeu que, para efeitos de Imposto de Selo, no âmbito da verba 28., aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29/10, a expressão prédios urbanos com afectação habitacional, não engloba os lotes de terreno para construção, uma vez que aquela expressão pressupõe a existência de uma edificação apta para ser utilizada para habitação, requisitos que os lotes de terreno não possuem.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A. Com referência ao ano de 2012, foram efectuadas, em 21 e 22 de Março de 2013, em aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, as liquidações de Imposto de Selo, a que se referem os documentos juntos como doc. 1, a fls. 21 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no montante total de € 531.325,26;
B. As liquidações a que se refere a letra anterior reportam-se aos prédios identificados a fl. 93, melhor descritos nos respectivos documentos de caderneta predial urbana juntos como doc. 2, a fls. 42 e segs.. cujo teor se dá por integralmente reproduzido, todos terrenos para construção com valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00;
C. Em 30 Janeiro de 2014, a Impugnante procedeu ao pagamento dos montantes referidos nos documentos comprovativos juntos como doc. 1, a fls. 109 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
D. A presente impugnação judicial deu entrada em juízo em 20 de Junho de 2013 (cf carimbo aposto na p.i. a fl. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A questão trazida pela Fazenda Pública já foi suficientemente escalpelizada por este Supremo Tribunal, não havendo razão para que a recorrente não aceite a solução uniforme que tem sido seguida e da qual é exemplo o que se deixou dito no acórdão datado 09.07.2014, recurso n.º 0676/14 e que é do seguinte teor:
Desde já se adiantará que o recurso não merece provimento e que a sentença deve ser confirmada pelos motivos já devidamente explicitados nos acórdãos proferidos por esta Secção no dia 9 de Abril 2014, nos processos nºs 1870/13 e 48/14, e no dia 23 de Abril de 2014, nos processos nº 270/14 e 272/14 (sendo que neste último a presente relatora teve já intervenção como adjunta e subscreveu o acórdão sem quaisquer reservas de convicção), bem como em todos os demais acórdãos que se lhes seguiram e que firmaram jurisprudência no sentido de que os “terrenos para construção” não podem ser considerados para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redacção da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro) como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela concordarmos plenamente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido acórdão proferido no processo nº 1870/13:
«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei nº 55-A/2012 (Proposta de Lei nº 96/XII – 2ª, Diário da Assembleia da República, série A, nº 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série nº 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 45º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba nº 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro».”.
Considerando que na sentença recorrida se decidiu neste preciso sentido perfilhado por este Supremo Tribunal, não merece a censura que lhe vinha dirigida, pelo que, improcederá o recurso.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
D.N.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 2017. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.