Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0182/23.3BALSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral de mérito por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com outra decisão do tribunal arbitral (previsto pelo n.º 2 do art. 25.º do RJAT), pressupõe que se verifique entre ambas as decisões arbitrais oposição quanto à mesma questão fundamental de direito e que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT).

II - Verificando-se que as decisões recorrida e fundamento não se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito, inexiste motivo para uniformização de jurisprudência.

Nº Convencional:JSTA000P32056
Nº do Documento:SAP202403210182/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 Em representação da AT, veio a Fazenda Pública interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ( Na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro.), da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 9 de Outubro de 2023 no processo n.º 778/2022-T ( Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=7383.). Invocou oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão proferida pelo CAAD em 15 de Maio de 2023, no processo n.º 779/2022-T, já transitada em julgado (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=7140.) e apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. O Recurso para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão recorrida e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição, firmando e consolidando o sentido do julgamento acertado desta matéria.

B. Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos susceptível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas e v) que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo

C. No caso vertente encontram-se reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição entre a Decisão arbitral n.º 778/2022-T, de 09.10.2023 e a Decisão fundamento n.º 779/2022-T, de 15.05.2023

D. Entre a Decisão Recorrida e a Decisão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

E. Em ambas as decisões está em causa:

i. A arguição da ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) e de liquidações de Imposto do Selo (IS);

ii. Na decisão recorrida está em causa o acto de liquidação do IMT n.º ...77, de 17-09-2022, no valor de € 14.760,20, em resultado da revisão administrativa da liquidação de IMT n.º ...68, de 22-10-2021 (DUC ...38), referente à Declaração/Modelo 1, com o Reg. n.º 2021/...68, de 21-02-2022, na parte relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ...51, da freguesia ..., concelho ..., no valor de € 18.042,10;

iii. Na decisão recorrida estão em causa os actos de liquidação adicional de IS (Verba 1.1. da TGIS) n.ºs ...85, ...90, ...94 e ...15, emitidas em 17-09-2022, em resultado da revisão administrativa da liquidação de IS (Verba 1.1. da TGIS) n.º ...08, de 22-10-2021 (DUC ...01), referente à Declaração/Modelo 1, com o Reg. n.º 2021/...68, de 21-02-2022, com referencia, respectivamente, às aquisições dos prédios urbanos, inscritos na respectiva matriz sob os n.ºs ...51, ...54, ...58 e ...61, todos da freguesia da freguesia ..., concelho ..., no valor de € 1.254,70;

iv. Em ambas as decisões vem requerida a anulação dos actos de liquidação do IMT e do IS sobre Imóveis referidos, não sendo imputados vícios específicos às liquidações, mas ao procedimento de avaliação subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário (VPT) referencial em ambos os casos;

v. Apesar de os impostos em causa serem, no caso da decisão recorrida o IMT e na Decisão Fundamento o IS, tanto no IMT, como no IS os cálculos do Imposto a liquidar têm como referência o VPT calculado nos termos do art. 12.º n.º 1 do CIMT (cf. artigo 9.º do CIS).

vi. Existindo identidade quanto ao cálculo da liquidação e quanto ao procedimento de avaliação, não há alterações substanciais que justifiquem uma divergência suficiente para ser afastada a identidade das situações em apreço.

vii. As ilegalidades das liquidações impugnadas foram sustentadas na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de terrenos para construção;

viii. Em ambos os casos o contribuinte fundamenta a impugnação da liquidação, com a alegada invalidade ou ineficácia dos actos de avaliação e de fixação do valor patrimonial tributário dos prédios.

F. Entre a Decisão Recorrida e a Decisão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, ou seja, em ambas as situações os vícios do VPT foram arguidos na impugnação da legalidade do acto de liquidação.

G. Ou seja, ambas as decisões versam sobre situações fáticas que preenchem a mesma hipótese normativa, isto é, concretizam a mesma fattispecie legal, conforme entendimento veiculado pelo acórdão do STA proferido a 2010.12.07 no âmbito do processo n.º 0511/06,

H. Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito.

I. A Decisão fundamento considera que os eventuais vícios do valor patrimonial tributário apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efectuada,

J. E, aderindo à mais recente jurisprudência uniformizadora do Supremo Tribunal Administrativo proferida em 23-02-2023, no Proc. 0102/22.2BALSB, que reforça o carácter autónomo do procedimento de avaliação de imóveis e o modo específico de reacção contra ilegalidades do acto de fixação do VPT, a Decisão fundamento concluiu que não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado da avaliação.

K. A Decisão recorrida, por sua vez, decide anular a liquidação de IMT, assumindo que assiste ao contribuinte a faculdade de impugnar o acto de liquidação de IMT emitido com base no VPT anteriormente fixado, aí arguindo os vícios próprios destes últimos actos que inquinaram o acto final de liquidação que neles se baseou.

L. Ou seja, analisando a mesma questão, a de saber se no acto de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário, a decisão recorrida responde de forma afirmativa, em contradição com a Decisão fundamento que sobre a mesma questão responde de forma negativa e adopta a jurisprudência uniformizada sobre esta matéria.

M. Como bem refere o Acórdão Uniformizador de jurisprudência supra identificado: “(…) deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável”.

N. Assim, a jurisprudência foi especificamente uniformizada no sentido de estar excluída a apreciação da legalidade do acto que fixa o VPT em sede de discussão da legalidade do acto de liquidação.

O. A Decisão arbitral recorrida firmou o entendimento de que a legalidade do acto de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário, pode ser apreciada em processo de impugnação de liquidação que o tenha assumido como matéria colectável.

P. Ora este entendimento colide directamente com o Acórdão uniformização de jurisprudência que proferiu um entendimento absoluto e definitivo sobre a preclusão da invocação de vícios específicos do VPT.

Q. Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, não pode o acto de liquidação impugnado nos presentes autos ser anulado com fundamento em vícios ou ilegalidades do procedimento de avaliação que esteve na base do VPT.

R. Em suma, entre a Decisão recorrida e a Decisão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento e fundamentação propugnada na Decisão fundamento que adoptou a jurisprudência uniformizada.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente como é de Direito e Justiça».

1.2 A sociedade recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que não estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência. Isto e em síntese, após diversos considerandos em torno do recurso para uniformização de jurisprudência e seus pressupostos, bem como sobre os termos da motivação do recurso, com a seguinte fundamentação:

«4. Posição defendida
4.1. A recorrente defende existir patente identidade fundamental quanto à situação de facto entre a decisão fundamento e a decisão recorrida, a identidade da questão decidenda e a incompatibilidade entre as soluções jurídicas de um e do outro.
E argumenta que, apesar dos impostos em causa serem diferentes – no caso da decisão recorrida o IMT e na decisão fundamento o IS – os cálculos do imposto a liquidar têm como referência a fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de terrenos para construção.
Propugna que a decisão fundamento está em consonância com a mais recente jurisprudência uniformizadora do Supremo Tribunal Administrativo proferida em 23.0.3.2023, no processo 0102/22.2BALSB, que reforça o carácter autónomo do procedimento de avaliação de imóveis e o modo específico de reacção contra ilegalidades do acto de fixação do VPT.
4.2. Todavia, ao contrário do defendido pela recorrente, não nos parece que o mérito do recurso deva ser conhecido, uma vez que falece o requisito de a oposição entre as decisões arbitrais emergir de decisões expressas e não apenas implícitas.
Na verdade, a decisão arbitral recorrida refere:
«A única questão a resolver é a de saber se existe ou não uma notificação válida da primeira e única avaliação do prédio urbano referido inscrito sob o artigo matricial ...51 e sito na freguesia ....
Com efeito, se essa notificação for válida então o acto de avaliação considerase perfeito, nos termos do artº. 77º., nº. 6 da Lei Geral Tributária (LGT).
Em consequência, esse acto não é recorrível per se, sendo necessário requerer uma segunda avaliação, pressuposto necessário do recurso contencioso, o que não ocorreu, pelo que o acto de avaliação se teria consolidado na ordem jurídica e consequentemente estaria válida a liquidação de IMT que com base nessa avaliação foi efectuada, até porque não são apontados vícios autónomos a esse acto de liquidação”.
Tendo concluído que o contribuinte ficou impedido de requerer a 2.ª avaliação, porque não foi validamente notificado da avaliação inicial, pelo que “a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23/2/2023 não tem aqui aplicação, pois, por um lado, não houve qualquer segunda avaliação que o requerente pudesse impugnar e, por outro, não teve a possibilidade de esgotar os meios administrativos, por lhe não ter sido validamente notificada a primeira avaliação”.
Ou seja, ao contrário do defendido pela recorrente, a questão expressamente apreciada na decisão arbitral recorrida foi a de saber quais as consequências da falta de comunicação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, nomeadamente nos actos de liquidação impugnados.
A decisão fundamento, proferida no processo n.º 779/2022-T, não apreciou expressamente a questão da falta de notificação do acto de fixação do valor patrimonial, pois entendeu, com base na doutrina do acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, em 23.02.2023, no processo n.º 0102/22.2BALSB, que o pedido de pronúncia arbitral se traduz num meio impróprio para arguir a ilegalidade do VPT dos imóveis a que respeitam as liquidações impugnadas.
4.3. A recorrente defende que a decisão recorrida contraria a jurisprudência uniformizada no sentido de estar excluída a apreciação da legalidade do acto que fixa o VPT em sede de discussão da legalidade do acto de liquidação.
Todavia, a questão em análise na decisão recorrida não é a mesma que foi apreciada no referido acórdão do Pleno do STA, uma vez que o mesmo contempla uma situação em que são assacadas ilegalidades no apuramento do valor patrimonial tributário (designadamente por terem sido utilizados coeficientes não aplicáveis), tendo o contribuinte deixado precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nos termos dos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI. Na decisão recorrida o contribuinte não teve a possibilidade de requerer a segunda avaliação, por lhe não ter sido validamente notificada a avaliação patrimonial do imóvel, pelo que não se pode concluir que deixou precludir a possibilidade de sindicar o VPT.
Aliás, a questão debatida na decisão arbitral recorrida centrou-se na circunstância de ter existido alteração da sociedade gestora do fundo imobiliário que detinha o imóvel, residindo a controvérsia na validade da notificação da avaliação imobiliária à nova sociedade gestora do referido fundo.
E importa referir que a decisão recorrida, proferida no processo n.º 778/2022-T, segue a jurisprudência firmada do STA, no sentido que a decisão de fixação do VPT que sirva de base à liquidação do imposto não produz efeitos caso não tenha sido validamente notificada.
Neste sentido, o acórdão do STA de 06.05.2020, prolatado no processo n.º 01088/10.1BEAVR, decidiu:
A decisão de avaliação ou de fixação de valor patrimonial tributário de imóvel que sirva de base à liquidação de imposto a certo contribuinte não produz efeitos em relação a este sem que lhe seja validamente notificada.
A falta de notificação da decisão de avaliação em que se baseou a liquidação adicional de IMT pode ser invocada na impugnação desta liquidação”.
Nestes termos, sempre faleceria um dos requisitos para que o recurso fosse conhecido, uma vez que a decisão recorrida se mostra conforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA».

1.4 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, primeiro, há que examinar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, da infracção imputada à decisão arbitral recorrida [cf. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. a) O Requerente é um Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, com número de identificação fiscal ..., aqui representado pela sua sociedade gestora B...– SGOIC, S.A., com o número de identificação fiscal ... e com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ... ... Braga, que se dedica à compra e venda e exploração de bens imóveis com fins lucrativos (provado por acordo das partes)

b) No exercício da sua actividade, o Requerente procedeu à aquisição de um conjunto de imóveis, mais exactamente 13 prédios urbanos e 1 prédio rústico ao Banco C..., S.A., entre os quais se encontrava o prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ..., solicitando a emissão da guia de liquidação de IMT n.º ..., de 22 de Outubro de 2021, no montante total de € 545.027,46 (provado por acordo das partes e documento 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

c) O montante referido na alínea anterior foi liquidado pelo requerente (provado por acordo das partes e documento 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

d) Na determinação do montante de IMT devido pelo Requerente com referência aos prédios urbanos, foram considerados o valor declarado do preço de compra e venda dos imóveis € 5.099.000,00 e o valor patrimonial tributário que estava determinado, à data da respectiva liquidação, para os prédios – no montante total de € 8.385.037,87; consequentemente, sendo o valor patrimonial tributário superior ao preço declarado, aquele valor patrimonial tributário foi considerado como o valor tributável (provado por acordo das partes e documento 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

e) No que interessa para os presentes autos, o acto tributário de liquidação de IMT do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de..., foi adquirido pelo Requerente pelo o preço de € 169.000,00, tendo tal imóvel, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 277.570,71, pelo que foi liquidado IMT sobre o valor patrimonial tributário do imóvel por ser superior, tendo a colecta de imposto sido de € 18.042,10. (provado por acordo das partes e verba nº. 1 do documento 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

f) O Requerente solicitou, pelo menos, a avaliação do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., sito na freguesia de ..., no dia 25 de Outubro de 2021, através da submissão de Modelo 1 de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.º ..., conforme comprovativo de submissão da Modelo 1 de IMI que junta (provado por acordo das partes e documento 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

g) Não foi notificado ao ora requerente ou à sua actual sociedade gestora qualquer resultado dessa avaliação, por qualquer dos meios legalmente previstos de notificação, incluindo por via de correio postal electrónico na área reservada do Portal das Finanças referente a notificações ao contribuinte, meio correntemente utilizado para efeitos de notificações de avaliações de bens imóveis para efeitos fiscais do resultado de avaliação solicitada. (provado por acordo das partes)

h) As notificações das avaliações resultantes da submissão das Modelos 1 de IMI apresentadas pelo ora requerente por intermédio da sua actual gestora foram efectuadas, à D...– SGOIC, S.A., a anterior Sociedade Gestora do Fundo ora Requerente (provado por acordo das partes e folhas 61 do processo administrativo).

i) O ora requerente dispõe de correio postal electrónico na área reservada do Portal das Finanças (provado por acordo das partes e documentos constantes dos artigos 23º. e 24º. do pedido de pronúncia arbitral).

j) Desde 18 de Dezembro de 2020 e, pelo menos, até Maio de 2021, a D...– SGOIC, S.A. foi a Sociedade Gestora do Requerente, conforme Regulamento de Gestão do Fundo de 18 de Dezembro de 2020, (provado pelo documento 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, não impugnado e também disponível no website da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”) no link https://web3.cmvm.pt/sdi/fundos/docs/A825721FRG....pdf)

k) Em Maio de 2021, a gestão do Fundo aqui Requerente foi transferida para a B...– SGOIC, S.A., actual Sociedade Gestora, tendo, em 1 de Maio de 2021, sido emitido o primeiro Regulamento de Gestão do Requerente em que a B... SGOIC, S.A. é identificada como Sociedade Gestora do Requerente (provado pelo documento 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, não impugnado e disponível no website da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”) no link https://web3.cmvm.pt/sdi/fundos/docs/A857956FRG1....pdf).

l) Quando a B...– SGOIC, S.A. foi informada pela Sociedade Gestora D...– SGOIC, S.A., em data não concretamente apurada de que esta recebera na sua caixa postal electrónica notificações referentes às avaliações dos valores patrimoniais tributários dos imóveis em apreço que foram efectuadas na sequência dos Modelos 1 de IMI apresentados pela ora requerente, já decorrera alegadamente o prazo legal para apresentação do pedido de segunda avaliação (provado por acordo das partes).

m) Nessa avaliação do prédio urbano correspondente ao artigo matricial ..., sito na freguesia de ..., que deu origem ao acto de nova liquidação de IMT ora impugnado, a D...– SGOIC, S.A. foi notificada do Ofício n.º ..., emitido pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia..., em 21-11-2021, através do qual a AT determinou um valor patrimonial tributário de € 227.080,00 (valor este inferior ao valor patrimonial tributário (€ 277.570,71) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do IMT liquidado com referência à aquisição do imóvel pelo Requerente. (provado pelo documento 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral e folhas 61 do processo administrativo).

n) Em 12 de Maio de 2021, a B...– SGOIC, S.A., submeteu no ebalcão do Portal das Finanças, um “pedido de informações/esclarecimentos” do seguinte teor:
Na sequência de aprovação de alteração de Sociedade Gestora autorizada pela CMVM, a sociedade B...- SGOIC, SA - NIF ..., passou a ser a sociedade gestora representativa deste fundo imobiliário. Nesse sentido solicitamos informações de como proceder a esta alteração no cadastro da AT, retirando a anterior sociedade gestora D...- SGOIC, S.A.NIF... . Junto enviamos e-mail da notificação da CMVM relativa à autorização da alteração da Sociedade Gestora. Obrigado E... – CC...” (provado pelo documento 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

o) Nesse mesmo dia, a AT responde do seguinte modo e pelo mesmo meio:
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) agradece o seu contacto.
Qualquer alteração cadastral é comunicada, oficialmente, pela Conservatória do Registo Comercial, onde deve ser feita as alterações em crise.
Com os melhores cumprimentos
AT- Autoridade Tributária e Aduaneira” (provado pelo documento 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

p) O Requerente é um fundo de investimento imobiliário que não tem personalidade jurídica e, por isso, não se encontra sujeito a registo comercial, pelo que nada foi comunicado por qualquer Conservatória de Registo Comercial (provado por acordo das partes).

q) Como a AT não alterasse o cadastro do Requerente no Portal das Finanças, a 25 de Fevereiro de 2022 submeteu um novo pedido no ebalcão do Portal das Finanças, um “pedido de informações/esclarecimentos” do seguinte teor:
Na sequência do n/ pedido de informação ID:1-..., com data de 12/05/2021, e tendo presente a v/ resposta onde informam que a alteração da Entidade Gestora deve ser comunicada oficialmente pela Conservatória do Registo Comercial, solicitamos reapreciação do pedido de informação apresentado, uma vez que o A... - FEIIF é um fundo de investimento imobiliário, sem personalidade jurídica, não sujeito a registo comercial. Junto enviamos notificação da CMVM relativa à autorização da alteração da Sociedade Gestora do fundo de investimento imobiliário A...- FEIIF” (provado pelo documento 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

r) Tendo recebido nesse mesmo dia a resposta seguinte pelo mesmo meio:
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) agradece o seu contacto.
Deve enviar uma declaração de alteração, devidamente preenchida, e assinada, com as alterações solicitadas. Mais se informa, que a mesma será tratada, junto dos serviços centrais.
Com os melhores cumprimentos
AT- Autoridade Tributária e Aduaneira” (provado pelo documento 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

s) Na sequência dessa informação, o ora requerente informou em 9/3/2022, pelo mesmo meio o seguinte:
Na sequência das v/ informações, que muito agradecemos, junto enviamos, conforme solicitado, declaração de alterações, preenchida no quadro 17 com respeito à alteração da Sociedade Gestora. Aguardamos o respectivo tratamento pelos serviços centrais” (provado pelo documento 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

t) A declaração referida é uma declaração de alterações de actividade, através da qual é comunicada a alteração de representante, passando a constar do cadastro, como sociedade gestora do Requerente, a B...– SGOIC, SA., NICP..., a que a AT atribuiu como data de início 09-03-2022. (provado por acordo das partes).

u) o Requerente apresentou, em 24-03-2022, junto do SF de Vila Nova de Gaia-..., um pedido de notificação de avaliações de prédios nos termos do n.º 1 do artigo 30.º do CIMT e do artigo 130.º do CIMI, alegando que não foi validamente notificado do resultado de avaliação dos imóveis em causa, nomeadamente do prédio urbano inscrito sob o artigo ..., sito na freguesia de ..., o que não lhe permitiu assegurar o exercício atempado do direito de acesso à justiça e o respeito pelas garantias conferidas no âmbito do procedimento tributário, nomeadamente o exercício do direito de apresentação de pedido de segunda avaliação. (provado pelo documento 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, não impugnado e por acordo das partes)

v) Em 30-03-2022, o Requerente apresentou junto do mesmo Serviço de Finanças, uma Adenda ao anterior requerimento com vista a informar o Serviço de que as notificações em causa foram remetidas à anterior sociedade gestora e não ao Requerente nem à sua actual Sociedade Gestora (esta última que é representante do Requerente desde Maio de 2021) - (provado pelo documento 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, não impugnado e por acordo das partes)

x) Na sequência do requerimento/pedido de notificação ora mencionado, foi elaborado pelo SF de Vila Nova de Gaia-... um projecto de indeferimento, com a seguinte fundamentação:
«1 – Se ter verificado, por consulta ao sistema informático que gere as notificações dos contribuintes, denominado “SECIN”, que a requerente foi notificada em 21-11-2021, através de entrega de documento na caixa postal electrónica do ViaCTT, tendo como destinatário a D... – SGOIC, SA., NICP ....
2 – Ter sido apresentada uma declaração de alterações de actividade, em 09 de Março de 2022, através da qual é comunicada a alteração de representante passado a constar a sociedade gestora B...– SGOIC, SA., NICP ..., com data de início de 09 de Março de 2022.
3– Se ter assim concluído que o resultado das avaliações postas em causa, foi notificado ao contribuinte, na pessoa do seu representante a D... – SGOIC, SA., uma vez que era esta entidade representante à data da concretização das notificações: 21-11-2021» - (provado pelo documento 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, não impugnado e acordo das partes).

y) Através do Ofício de 29 de Setembro de 2022, emitido pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., o Requerente foi notificado do referido projecto de indeferimento e para, no prazo de 15 dias, querendo, exercer o seu direito de audição prévia. (ainda provado pelo documento 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, não impugnado e acordo das partes).

z) Em 17-10-2022, o Requerente exerceu o seu direito de audição prévia com vista a contestar a argumentação da AT, utilizada para fundamentação da proposta de indeferimento em causa (provado pelo documento 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, não impugnado e acordo das partes).

aa) Na sequência, por despacho de 19-10-2022 proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – ..., foi convertido em despacho de indeferimento o projecto de decisão proferido em 29-09-2022 (provado pelo documento 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, não impugnado e acordo das partes).

bb) Da decisão definitiva de indeferimento do pedido de notificação das avaliações, o Requerente foi notificado, através de Ofício do SF de Vila Nova de Gaia – ..., datado de 20 de Outubro de 2022. (provado pelo documento 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, não impugnado e acordo das partes)

cc) Não se conformando, o Requerente apresentou, em 17-11-2022, Recurso Hierárquico com vista a que lhe seja reconhecido o direito a ser devidamente notificado das avaliações dos valores patrimoniais tributários dos imóveis em apreço (provado pelo documento 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, não impugnado e acordo das partes).

dd) Entretanto, a AT procedeu à emissão de acto tributário de liquidação de IMT n.º ..., de 17-09-2022, no valor de € 14.760,20, com base no valor patrimonial tributário resultante da avaliação referida em m), não se sabendo em que data foi notificado ao requerente (provado pelo documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

ee) O presente pedido arbitral deu entrada no CAAD em 16/12/2022. (provado pelo que consta dos autos)».

2.1.2 A decisão arbitral fundamento deu como provada a seguinte factualidade:

«a) O Requerente, adquiriu diversos imóveis, relativamente aos quais pagou o respectivo Imposto de Selo que foi liquidado;

b) A gestão do Fundo foi transferida da esfera da C...– SGOIC, S.A. para a B...– SGOIC, S.A., actual Sociedade Gestora, deixando aquela anterior Sociedade Gestora de exercer quaisquer actividades de gestão ou outras relativamente a tal Fundo;

c) O Requerente por considerar que os valores patrimoniais tributários dos prédios aqui em causa eram excessivos face aos valores normais de mercado dos mesmos, solicitou o pedido de avaliação imóveis nos termos do artigo 30.º do Código do IMT;

d) Relativamente aos prédios urbanos objecto dos actos tributários de Imposto do Selo sub judice, a C... – SGOIC, S.A. foi notificada dos seguintes Ofícios, emitidos pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-..., referentes às avaliações dos valores patrimoniais tributários destes bens imóveis, conforme demonstrado pelas notificações que a C... – SGOIC, S.A. providenciou à B...– SGOIC, S.A., juntas como Documento 14:
i. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., através do qual a AT determinou um VPT de € 227.080,00 (valor este inferior ao VPT (€ 277.570,71) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do Imposto do Selo sub judice);
ii. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., através do qual a AT determinou um VPT de € 52.610,00 (valor este inferior ao VPT (€ 64.308,30) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do Imposto do Selo sub judice)
iii. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., através do qual a AT determinou um VPT de € 365.380,00 (valor este inferior ao pedido (€ 446.622,48) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do Imposto do Selo sub judice);
iv. Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., através do qual a AT determinou um VPT de € 60.290,00 (valor este inferior ao VPT (€ 73.694,85) à data da aquisição e que foi considerado como valor tributável para efeitos do Imposto do Selo sub judice).

e) Quando a C... – SGOIC, S.A. providenciou as notificações de avaliação em apreço à B...– SGOIC, S.A., muito tempo depois de ter recepcionado as mesmas, o prazo legal para apresentação dos pedidos de segunda avaliação já se encontrava totalmente esgotado;

f) O Requerente apresentou no dia 24 de Março de 2022, junto do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-..., requerimento a solicitar as notificações das avaliações dos bens imóveis em causa para efeitos do artigo 30.º do Código do IMT;

g) Na sequência do requerimento/pedido de notificação supra mencionado, foi notificado o Requerente da proposta de despacho de indeferimento sobre o pedido de avaliações sub judice, através do Ofício de 29 de Setembro de 2022 emitido pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-..., junto como Documento 19.

h) Face à proposta de despacho de indeferimento acima mencionada, o Requerente exerceu o seu direito de audição prévia com vista a contestar a argumentação da AT para efeitos de fundamentação da proposta de indeferimento em causa, direito de audição prévia junto como Documento 20.

i) Na sequência do supra exposto, o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-... notificou o Requerente da decisão definitiva de indeferimento do pedido de notificação das avaliações sub judice, através de Ofício datado de 20 de Outubro de 2022 (decisão junta como Documento 21), continuando este Serviço de Finanças a sustentar a sua posição de indeferimento com os fundamentos já referidos na anterior proposta de decisão de indeferimento.

j) O Requerente não concordou quer com os pressupostos, quer com a conclusão do despacho de indeferimento definitivo em apreço, consequentemente. apresentou, no passado dia 17 de Novembro de 2022, o Recurso Hierárquico com vista a contestar a decisão de indeferimento emitida pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-... e, consequentemente, seja reconhecido o direito do Requerente ser devidamente notificado das avaliações dos valores patrimoniais tributários dos imóveis em apreço, nomeadamente das avaliações dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais ..., ..., ... e ..., sitos na freguesia de ..., conforme Recurso Hierárquico junto como Documento 22;

k) O presente pedido arbitral deu entrada em 14-12-2022».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 DOS REQUISITOS DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso:

i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT);

ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT);

iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT].

iv) que a decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT].

2.2.2 DA OPOSIÇÃO

Não havendo dúvidas quanto à verificação do primeiro requisito enunciado, passemos de imediato à apreciação do requisito que enunciámos sob o n.º ii), dizendo, desde já, que é de considerar que a questão fundamental de direito é a mesma quando as situações fácticas em ambas as decisões arbitrais sejam substancialmente idênticas, entendendo-se como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais e cujo quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; entende-se também que as duas decisões arbitrais estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas, não bastando que se oponham os seus fundamentos.
Embora a Recorrente não tenha identificado autonomamente a questão de direito alegadamente decidida em sentido contrário pelas decisões arbitrais em confronto, a alegação por ela aduzida permite-nos concluir que a mesma se refere à possibilidade de impugnação dos actos de liquidação de IMT com base em vícios respeitantes, não a essas liquidações, mas ao procedimento de avaliação subjacente à determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos imóveis e que serviu de base a essas liquidações.
No entanto, como procuraremos demonstrar, essa questão não foi decidida pela decisão arbitral recorrida, mas apenas pela decisão arbitral fundamento.
Na verdade, a decisão arbitral recorrida referiu como «única questão a resolver» (sublinhado nosso) «a de saber se existe ou não uma notificação válida da primeira e única avaliação do prédio urbano referido inscrito sob o artigo matricial ...51 e sito na freguesia ...» e a essa questão respondeu que o sujeito passivo (a sociedade ora Recorrida) «não foi validamente notificado da avaliação por ele requerida relativamente ao prédio urbano correspondente ao artigo matricial ..., sito na freguesia de ...», o que o impediu de oportunamente requerer a 2.ª avaliação. Consequentemente, logo salientou que «[p]or isso, a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23/2/2023 [proferido no processo com o n.º 102/22.2BALSB ( Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/306ae99cff84424080258963004820a1.)] não tem aqui aplicação, pois, por um lado, não houve qualquer segunda avaliação que o requerente pudesse impugnar e, por outro, não teve a possibilidade de esgotar os meios administrativos, por lhe não ter sido validamente notificada a primeira avaliação».
Ou seja, a decisão recorrida, não obstante reconhecer a posição assumida por este Supremo Tribunal – que uniformizou jurisprudência no sentido de que, «deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável» – entendeu que a mesma não lograva aplicação ao caso porque a aí Requerente, ora Recorrida, não tinha sido validamente notificada do resultado da 1.ª avaliação, o que a impossibilitou de exercer o seu direito de requerer uma 2.ª avaliação e, ulteriormente e se fosse caso disso, impugnar contenciosamente o resultado dessa segunda avaliação. Foi por isso e considerando que essa «preterição de formalidade legal essencial afecta a validade dos actos de liquidação que lhe sucederam», que anulou a liquidação.
Assim, como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, a questão expressamente apreciada na decisão arbitral recorrida foi a de saber quais as consequências da falta de comunicação do acto de fixação do valor patrimonial tributário sobre os actos de liquidação cuja declaração de ilegalidade foi pedida.
Por seu turno, na decisão arbitral fundamento – não se questionando a falta de notificação do acto de fixação do VPT dos prédios a que se referem as liquidações impugnadas – decidiu-se, com base na doutrina do já referido acórdão de uniformizador de jurisprudência, que o pedido de pronúncia arbitral se traduz num meio impróprio para arguir a ilegalidade do VPT dos imóveis a que respeitam as liquidações impugnadas.
Ou seja, apesar de em ambas as decisões se discutir a legalidade das liquidações efectuadas com base em VPT que os sujeitos passivos não puseram oportunamente em causa, as questões apreciadas e decididas em cada uma delas, e que determinaram a diferente sorte dos pedidos, não são as mesmas.
Concluímos, pois, que a questão que a Recorrente pretende trazer à apreciação deste Supremo Tribunal em sede de uniformização de jurisprudência não foi expressamente decidida senão na decisão arbitral invocada como fundamento, o que obsta à existência do requisito da contradição entre as decisões quanto à mesma questão fundamental de direito, pelo que não há motivo para que o Supremo Tribunal Administrativo seja chamado a intervir em sede de uniformização.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral de mérito por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com outra decisão do tribunal arbitral (previsto pelo n.º 2 do art. 25.º do RJAT), pressupõe que se verifique entre ambas as decisões arbitrais oposição quanto à mesma questão fundamental de direito e que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT).

II - Verificando-se que as decisões recorrida e fundamento não se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito, inexiste motivo para uniformização de jurisprudência.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente (cfr. arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º. n.º 1 e 2 e 530.º, n.ºs 1 e 7 do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).

Comunique-se ao CAAD.


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Lisboa, 21 de Março de 2024 – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves – João Sérgio Feio Antunes