Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01988/20.0BELSB
Data do Acordão:03/09/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROTECÇÃO INTERNACIONAL
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:É de admitir a revista de acórdão confirmativo de sentença que, relativamente a um pedido de protecção internacional tido por inadmissível porque a Itália seria o Estado responsável, considerou que o SEF não podia decidir sem previamente averiguar se havia “falhas sistémicas” no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento de refugiados, nomeadamente a nível de cuidados de saúde, naquele país, já que a pronúncia é controversa, necessitando de reapreciação.
Nº Convencional:JSTA000P30728
Nº do Documento:SA12023030901988/20
Data de Entrada:02/27/2023
Recorrente:SEF - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Formação de Apreciação Preliminar


Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
AA, natural da ..., interpôs no TAC de Lisboa acção, em matéria de asilo, contra o Ministério da Administração Interna- Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), visando o despacho do Director Nacional Adjunto do SEF, de 06.10.2020 que julgou inadmissível o pedido de protecção internacional e asilo por si apresentado, de acordo com o art. 37º, nº 2 e art. 19-A, nº 1, alínea a) da Lei nº 26/2014, de 5/5, com o fundamento de que o Estado responsável para a respectiva análise seria o Estado italiano e não o português.

Por sentença do TAC de Lisboa, datada de 29.12.2020, foi julgada procedente a acção em matéria de asilo, anulando o acto administrativo impugnado e condenando o SEF na reanálise do procedimento administrativo, “com informações relativas ao estado de saúde do requerente e, em face dessas informações, trazer ao procedimento informação sobre as expectáveis condições de acolhimento do requerente em Itália, designadamente quanto ao acesso a cuidados médicos, e, após, decidir ponderando as informações recolhidas”.

Por acórdão de 20.10.2022 o TCA Sul confirmou aquela sentença.

É deste acórdão que o MAI / SEF interpõe o presente recurso de revista invocando que este se justifica por estar em causa questão jurídica com evidente relevância jurídica e para uma melhor aplicação do direito, mostrando-se verificados os requisitos previstos no art. 150º, nº 1 do CPTA para a admissão da revista.

Em contra-alegações defende-se que o recurso deve improceder.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista o Recorrente invoca, em síntese, que o acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação das normas legais em matéria de Asilo, mormente no que respeita ao mecanismo de Retoma a Cargo, ao qual as autoridades italianas estão vinculadas. Encontrando-se Itália vinculada pela Directiva 2013/33/UE, do Parlamento e do Conselho, de 26.06.2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, nos seus arts. 17º, nº 2 e 21º e ss., encontrando-se devidamente transposta para a ordem interna, pelo que o apoio médico necessário se encontra garantido naquele país. Face à legislação comunitária aplicável [Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/6, o intercâmbio de dados pessoais dos requerentes, efectuado antes da sua transferência, incluindo dados em matéria de saúde, garantirá que as autoridades competentes estão em condições para prestar aos requerentes a assistência adequada e de assegurar a continuidade da protecção e dos direitos que lhes foram conferidos. O acórdão recorrido carece de legalidade, porquanto, conforme explanado, o Recorrente deu estrito cumprimento ao estatuído na Lei Nacional e da União Europeia sobre a matéria, ao proferir o acto impugnado.

O acórdão recorrido concordou com a sentença de 1ª instância que havia considerado ocorrer défice instrutório, por o requerente haver invocado uma condição degradante a que foi sujeito em Itália, bem como problemas de saúde, nas suas declarações, sem que o SEF tivesse indagado tais condições. Concluindo que “(…), ponderado todo o expendido, entendemos que, talqualmente como concluiu a instância a quo, ocorre défice instrutório. Pelo que atentando nos fundamentos espraiados, improcede a presente impetração recursiva e, nessa senda, impera negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.”

Como se viu as instâncias decidiram de forma semelhante no sentido da procedência da acção.
No entanto, as instâncias não parecem ter seguido a jurisprudência deste STA [v.g., no acórdão de 16.01.2020, Proc. nº 2240/18.7BELSB, reiterada nos acórdãos de 09.07.2020, Proc. nº 1419/19.9BELSB e de 14.01.2021, Proc. nº 1282/20.7BELSB], em matéria semelhante.
As questões assim colocadas são relevantes jurídica e socialmente, aconselhando a admissão da revista para serem convenientemente dilucidadas.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 9 de Março de 2023. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.