Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0571/13
Data do Acordão:09/21/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:ESTABELECIMENTO ESTÁVEL
CORRECÇÃO
MATÉRIA COLECTÁVEL
PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
PRINCÍPIO DO PREÇO DE PLENA CONCORRÊNCIA
Sumário:I - O artº 57º do CIRC, na redacção vigente à data do facto tributário, anterior à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, permitia à Administração Fiscal efectuar as correcções que se mostrassem necessárias à determinação do lucro tributável sempre que existissem relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, e que por força dessas relações especiais fossem estabelecidas, entre elas, condições diferentes das que, normalmente, seriam acordadas entre pessoas independentes conduzindo a que o lucro apurado fosse diverso daquele que se apuraria na ausência dessas relações.
II - Pese embora a consagração do princípio do preço de plena concorrência tivesse sido posteriormente reforçada, pela referência expressa, na nova redacção introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, aos métodos recomendados pela OCDE para a determinação do preço conforme ao princípio de plena concorrência, o artº 57º do CIRC constituía já, na referida redacção, uma disposição relativa aos preços de transferência.
III - Sendo tal norma aplicável às relações internacionais, nomeadamente quanto a operações com entidades não residentes para efeitos fiscais em território português, por força do que expressamente se consignava no seu nº 2: «O disposto no número anterior observar-se-á igualmente sempre que o lucro apurado em face da contabilidade relativamente a entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em território português se afaste do que se apuraria se se tratasse de uma empresa distinta e separada que exercesse actividades idênticas ou análogas, em condições idênticas ou análogas e agindo com total independência».
IV - De harmonia com o artigo 9º do Modelo de Convenção da OCDE, de 1977, paradigma ao regime dos preços de transferência consagrado no artº 57º do CIRC, entende-se que existem relações especiais «quando uma empresa de um Estado contratante participa directa ou indirectamente na direcção, no controle ou no capital de uma empresa de outro Estado contratante, ou se as mesmas pessoas participarem directa ou indirectamente na direcção ou controle ou no capital de ambas as empresas dos Estados contratantes».
V - As relações comerciais entre a sede de uma sociedade comercial de direito holandês que se dedica ao comércio por grosso de vestuário e calçado desportivo e a sua sucursal que opera a partir das instalações de uma sociedade de direito português, são passíveis de configurar relações especiais para os efeitos consignados no artigo 57° do CIRC.
VI - Tendo sido determinada a existência de relações especiais entre a recorrente (sociedade comercial de direito holandês) e a sua sucursal em Portugal, e tendo sido suscitadas dúvidas pela Administração Fiscal sobre a majoração de 9% sobre os custos das vendas e gastos gerais administrativos imputada pela casa mãe à sucursal, impunha-se à luz o regime de preços de transferência plasmado no artigo 57º do CIRC, dos princípios do preço de plena concorrência, do tratamento fiscal independente da sucursal face à casa-mãe e do artigo 7º do ADT entre Portugal e a Holanda, que a Administração Fiscal apurasse se tal margem de lucro diferiu das condições que normalmente seriam acordadas entre entidades independentes, fundamentando as eventuais correcções ao abrigo do referido regime legal e do artº 77º da LGT.
VII - O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos é que deverão ser desconsiderados.
Nº Convencional:JSTA00069825
Nº do Documento:SA2201609210571
Data de Entrada:07/12/2013
Recorrente:A............, BV
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART77 N3.
CIRC ART15 ART23 ART49 N3 A ART51 ART57.
RCPIT ART15 N1.
CPC13 ART715 N2.
L 30-G/2000 DE 2000/12/29.
Referências Internacionais:CEDT PORTUGAL/PAÍSES BAIXOS ART7.
CONVENÇÃO MODELO OCDE ART9.
Jurisprudência Nacional:AC TC N271/05 DE 2005/05/24.; AC TC N252/05 DE 2005/05/10.; AC STA PROC0779/12 DE 2014/09/24.; AC STA PROC0107/11 DE 2011/11/30.; AC STA PROC026362 DE 2001/11/14.
Referência a Doutrina:LOBO XAVIER - PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA NO SECTOR FINANCEIRO IN CTF 398 PAG73 E SEGS.
JOÃO SÉRGIO RIBEIRO - TRIBUTAÇÃO PRESUNTIVA DO RENDIMENTO COL TESES ALMEDINA PAG394.
ELSA RODRIGUES E JOÃO ESPANHA - BREVES NOTAS SOBRE O REGIME DA PORTARIA N1446-C/2001 - PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA - FISCALIDADE N12 PAG5-21.
PAULA ROSADO PEREIRA - ALGUNS DESAFIOS AO CÓDIGO DO IRC - PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA E O DESAFIO EUROPEU IN 15 ANOS DA REFORMA FISCAL DE 1988/1989 PAG251 PAG253 PAG260.
STEPHEN CALLAHAN - AS NOVAS REGRAS DE PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA EM PORTUGAL IN REVISTA FISCO 97/98 ANOXII PAG39 E SEGS.
ALBERTO XAVIER - DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL 2ED PAG555.
MANUELA DURO TEIXEIRA - A DETERMINAÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL DOS ESTABELECIMENTOS ESTÁVEIS DE NÃO RESIDENTES ALMEDINA PAG19 PAG36 PAG56-58.
J J AMARAL TOMÁS - OS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA - REVISTA FISCO ANO3 N29 PAG17 E SEGS.
FRANCISCO DE SOUSA DA CÂMARA - A AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA COLECTÁVEL E OS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA NA LGT IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO PAG364-365.
CELESTE CARDONA - REGIME JURÍDICO DA CORRECÇÃO DE LUCROS TRIBUTÁVEIS - EUROCONTAS - ABRIL 1996 PAG112.
FREITAS PEREIRA - FISCALIDADE 3ED PAG454.
ANTÓNIO MOURA PORTUGAL - A DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS NA JURISPRUDÊNCIA FISCAL PORTUGUESA.
TOMÁS DE CASTRO TAVARES - DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA PARCIAL ENTRE A CONTABILIDADE E O DIREITO FISCAL NA DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL DAS PESSOAS COLECTIVAS IN CTF N396 PAG7-180.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem A…………, BV, melhor identificada nos autos, interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul a fls. 275/283 v., o qual em sede de recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, e, decidindo em substituição, julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra o acto de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2000, no montante global de € 1.066.662,77.

Por acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (de fls. 357/368), proferido pela formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do CPTA, após se salientar que a admissão deste tipo de recurso depende da necessidade de apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental e da apreciação do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, foi admitida a revista, com base na fundamentação que, em síntese, se transcreve:

(...) Na verdade, as questões que a Recorrente coloca não têm natureza meramente casuística, sendo previsível que a sua solução tenha, ou possa vir a ter, repercussões noutras situações, dada a sua abrangência, extensível a todo o universo de sociedades que, sob a mesma unidade económica, se deslocalizem através de estabelecimentos estáveis situados em Portugal e que reclamam, sem dúvida, uma clarificação no que tange ao enquadramento jurídico-tributário das relações que se estabelecem entre a sede e a sucursal.

É, assim, patente que se verifica uma relevância social fundamental na apreciação das ditas questões.

Por outro lado, tais questões reconduzem-se a uma tarefa de conjugação e interpretação de normas jurídicas que dimanam do direito internacional convencional com normas jurídicas do direito interno português, e que determinam, ou podem determinar, soluções jurídicas diversas em face da consideração e análise de conceitos complexos, demandando a realização de operações exegéticas de alguma dificuldade sob o ponto de vista intelectual e jurídico.

O que tudo nos leva a concluir no sentido de que tais questões revestem uma relevância jurídica fundamental face à definição que acima deixámos explicitada.»


A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«A) O art. 150.º do CPTA permite o recurso de revista excepcional sempre que a decisão do Tribunal a quo tenha violado a lei substantiva ou processual, constituindo jurisprudência pacífica do STA “que é possível, na jurisdição tributária, o recurso de revista com previsão no art.º 150 do CPTA.”
B) A Recorrente entende que se mostram preenchidos ambos os requisitos para a admissão do presente recurso, uma vez que (i) a aplicação e violação de normas de Direito Internacional, em concreto de um Acordo para Evitar a Dupla Tributação celebrado pelo Estado Português configura uma questão jurídica de grande relevância; (ii) a matéria da dedutibilidade de custos imputados a estabelecimentos estáveis localizados em Portugal e a admissibilidade de tais custos serem majorados à luz do artigo 57º do CIRC (regime de preços de transferência) e sua articulação com o regime de dedução de encargos gerais de administração, exige a revisão da decisão proferida em segunda instância para melhor aplicação do direito
C) Trata-se de questões de elevada complexidade técnica, por um lado, e de enorme relevância social e económica, pois que colocam em causa os modelos de negócio adoptados por diversos grupos empresariais em Portugal, exigindo-se uma interpretação uniforme sobre a natureza das relações tributárias entre as sedes e os seus estabelecimento estáveis localizados em Portugal, bem como uma adequada articulação entre o disposto no regime interno e o disposto nas normas convencionais;
D) Estamos, pois, perante uma questão susceptível de transcender o interesse particular da ora Recorrente, uma vez que não se mostra admissível a manutenção na ordem jurídica de uma decisão que viole e contrarie o Direito Internacional de fonte convencional, bem como princípios estruturantes do Direito Internacional Fiscal;
E) O Acórdão recorrido violou de forma frontal diversas normas legais de fonte interna e convencional, em particular os artigos 49º e 57º do CIRC na redacção em vigor à data dos factos tributários, bem como o artigo 7º do ADT entre Portugal e a Holanda;
F) Assim, as questões jurídicas de especial relevância cuja apreciação se requer a este Venerando Tribunal são as seguintes:
— A venda e imputação dos custos de venda da sede à sucursal cai no âmbito de aplicação do artigo 49º do CIRC, sendo as mesmas assimiladas a custos gerais de administração?
— Não sendo questionada a dedução dos encargos em si mesmos, mas apenas a majoração efectuada ao abrigo da política internacional de preços de transferência adoptada pela Recorrente, a posição defendida pelo TCA Sul no acórdão ora recorrido está em conformidade com o princípio do tratamento fiscal independente da sucursal face à casa-mãe, com o regime de preços de transferência plasmado no artigo 57º do CIRC, e, em última instância, mostra-se compatível com o artigo 7º do ADT entre Portugal e a Holanda?
— Estando em causa relações entre a casa-mãe e a sua sucursal em Portugal pode afirmar-se, como o fez o TCA Sul no Acórdão ora recorrido, que inexistem relações especiais na acepção do artigo 57º do CIRC? Em caso de resposta negativa, o artigo 57º impunha a aplicação de uma margem de lucro sobre essas transacções em obediência ao princípio da plena concorrência?
— A Administração Tributária pode eximir-se à aplicação do regime legal e de fundamentação previsto no artigo 57º do CIRC e 77º nº 3 da LGT escudando-se na aplicação do artigo 23º do CIRC?
G) Recorde-se que não está em causa a dedutibilidade dos encargos imputados pela Recorrente à sua sucursal em Portugal, mas apenas a imputação de uma margem de lucro de 9% sobre o custo das mercadorias e gastos gerais de administração ao abrigo do princípio da plena concorrência consagrado no artigo 57º do CIRC e do tratamento independente da sucursal face à sua sede, conforme preceituado in fine no artigo 49º do CIRC e no artigo do ADT entre Portugal e a Holanda;
H) É precisamente neste ponto que assenta o erro ostensivo de apreciação e interpretação das normas jurídicas em que incorreu o Venerando TCA Sul, ao considerar que o artigo 49º do CIRC fornece o critério legal decisor para a apreciação desta matéria — assimilando no fundo custo de mercadorias e margem de lucro ao conceito de gastos gerais de administração —, bem como pugnando pela inexistência de relações especiais na acepção do artigo 57º do CIRC no caso sub judice;
I) Sobre a primeira questão, o Venerando TCA Sul fundamenta a sua posição quase única e exclusivamente no disposto no artigo 49º do CIRC, à data dos factos tributários, referindo que não seria aplicável o regime do artigo 57º do CIRC, não só em virtude do argumento sistemático de organização do CIRC, mas também porque aquela primeira disposição legal, nas palavras do Tribunal: “prevê a exacta situação jurídico-tributária da sucursal na determinação do lucro tributável, nas suas relações com a casa-mãe, quanto aos custos comuns e gerais e a respectiva repartição”;
J) Ao contrário do sustentado pelo TCA Sul, não é verdade que o custo das mercadorias vendidas caia no âmbito do artigo 49º do CIRC, nem tão pouco se mostra correcta a conclusão em conforme aquele preceito legal, em particular o nº 2, disponha sobre os critérios gerais de admissibilidade da dedução de todos os encargos imputados pela casa-mãe à sua sucursal;
K) É relativamente claro que os nºs. 2 e 3 do artigo 49º do CIRC são de aplicação supletiva aos métodos de imputação directos previstos no CIRC, e que os mesmos apenas se aplicam aos gastos gerais de administração, os quais, naturalmente, não se confundem com o custo das mercadorias vendidas e cujos proveitos foram a locados ao estabelecimento estável em Portugal, por um lado, e por outro, à margem de lucro calculada sobre esses mesmos custos calculada com base nas regras de preços de transferência previstos no artigo do CIRC;
L) A aceitação da dedução da referida margem de lucro da sede e imputada como gasto dedutível na esfera da sucursal não se coloca no plano dos critérios de repartição dos gastos gerais de administração — sendo que o artigo 49º do CIRC não fornece tão pouco critério legal para repartir uma margem de lucro — nem tão pouco do conceito de indispensabilidade plasmado no artigo 23º, nº 1, do CIRC, mas precisamente na adequação da referida margem face à existência de relações especiais entre a sede e o seu estabelecimento estável;
M) O TCA incorre num clamoroso erro de aplicação das normas legais ao invocar que “(...) não existiam duas entidades independentes diferentes com relações especiais entre si nos negócios em que intervinham, mas sim uma entidade (a casa-mãe), que quanto aos custos das vendas da sucursal, resolveu majorar em 9% para compensar diversos custos (dela, casa-mãe)”;
N) O referido entendimento, na óptica da Recorrente, viola de forma flagrante o princípio do tratamento fiscal independente da sucursal consagrado no ordenamento justributário nacional e nas normas de direito convencional — princípio, esse, que determina que nas operações entre a sede e a sucursal a sucursal deve ser considerada para efeitos tributários como se de uma empresa distinta se tratasse - com consagração in fine nos artigos 3º, 49º e 57º do CIRC;
O) Ao contrário do invocado no acórdão ora recorrido, é matéria assente e sempre foi pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, mesmo antes da entrada em vigor do regime de preços de transferência actualmente vigente, a aplicação directa das regras de preços de transferência às relações estabelecidas entre a casa-mãe e a sua sucursal, o que motivará a admissibilidade do presente recurso;
P) Parece relativamente pacífico que as relações comerciais entre uma sede e a sua sucursal são passíveis de configurar relações especiais para os efeitos consignados no artigo 57º do CIRC, padecendo, assim, de manifesto erro de interpretação e aplicação das normas legais vigentes a decisão proferida pelo TCA Sul no Acórdão recorrido, ao considerar que (i) a margem de lucro imputada à sucursal sobre os gastos gerais de administração e custos de mercadorias deveria ser apreciada (ii) totum ao abrigo do disposto no nº 2 e 3 do artigo do CIRC; e (ii) que as relações entre a sede e a sucursal não consubstanciavam relações especiais;
Q) Por natureza, a margem de lucro fixada nas relações entre a sede e a sucursal não releva do conceito de indispensabilidade, mas antes, resulta de uma imposição legal decorrente do princípio da plena concorrência e do tratamento independente da sucursal face à casa-mãe, o que obrigaria o julgador e o intérprete a socorrerem-se do regime plasmado no artigo 57 do CIRC;
R) A decisão ora recorrida viola, ainda, de forma ostensiva regras de direito internacional directamente aplicáveis na ordem jurídica fiscal portuguesa, em particular, viola directamente o artigo do ADT entre Portugal e a Holanda matéria alegada pela ora Recorrente na sua petição de impugnação e mais tarde reiterada em sede de contra-alegações de recurso;
S) A aplicação directa das disposições do referido ADT decorre directamente do facto de a situação objecto dos presentes autos envolver a análise do impacto fiscal das relações/operações entre uma sociedade residente na Holanda e a sua sucursal estabelecida em Portugal;
T) O ADT celebrado entre Portugal e a Holanda é directamente aplicável à questão material ora controvertida, por se tratar de operações entre a casa-mãe residente na Holanda e a sua sucursal Portuguesa, consagra no nº 2 do artigo 7º que “(...) serão imputados em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento estável, os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas actividades ou actividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável.
U) Da análise do preceito convencional resulta de forma inequívoca que ADT entre Portugal e a Holanda adopta o princípio do tratamento fiscal independente e distinto da sucursal face à sua casa-mãe, sendo que nas relações estabelecidas entre casa-mãe e sucursal devem ser adoptadas condições e preços correntes de mercado;
V) O princípio do tratamento independente da sucursal tinha, aliás, também, consagração expressa na Convenção nº 90/436/CEE, de 23 de Julho de 1990, adoptada pelos Estados membros da União Europeia, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas, vulgarmente denominada “Convenção de Arbitragem”;
W) Assim, a questão verdadeiramente essencial nos presentes autos e que acaba por escapar ao julgamento deste Venerando Tribunal — por culpa exclusivamente imputável aos serviços de inspecção tributária — consistia em determinar se a margem concretamente aplicada pela Recorrente (9%) estava conforme com os princípios da plena concorrência, ou se a mesma redundava numa diminuição intolerável da matéria tributável da sucursal, matéria que caberia à Administração Tributária evidenciar e fundamentar nos termos do nº 3 do artigo 77º da LGT
X) O Acórdão recorrido coloca em crise as normas do CIRC sobre preços de transferência (artigo 57 do CIRC), o princípio da plena concorrência, bem como as normas de direito internacional convencional previstas no ADT entre Portugal e a Holanda, normas cuja preponderância na ordem jurídica nacional está expressamente consagrada no artigo 8 do nosso texto fundamental, impondo-se, assim, sem necessidade de maiores considerações a sua revista.
Y) A manutenção na ordem jurídica nacional do acórdão ora recorrido implicaria a consolidação de uma decisão inconciliável não só com regras estruturantes do direito fiscal interno (artigo 57º do CIRC), mas também com uma disposição de direito internacional, o que justifica por si só a sua revista, ao abrigo do artigo 150º do CPTA, motivo porquanto se requer a estes Venerandos Juízes Conselheiros que se dignem a admitir o presente recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, e a revogar o acórdão ora recorrido, nos termos e com os fundamentos acima melhor expostos.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes CONSELHEIROS deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela ora Recorrente ser julgado totalmente procedente, por provado, determinando-se a revista e consequente revogação do Acórdão recorrido, bem como o acto tributário sindicado, melhor identificado nos presentes autos, tudo com as demais consequências legais.
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!»

2 – A Fazenda Pública não apresentou as contra alegações.

3 – O Exmº Procurador Geral emitiu parecer a fls. 375/377 dos autos com o seguinte conteúdo:
«No recurso de revista interposto por A…………, BV, resultam para apreciação as seguintes questões:
- se, face ao que dispõe o art. 7º do Acordo Para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e a Holanda e ao tratamento fiscal independente da sucursal e da casa-mãe, as relações comerciais estabelecidas entre ambas são fiscalmente tratadas como sendo realizadas por um único ente ou, antes, entre duas entidades distintas embora com relações especiais, para o efeito de determinar se a majoração que incide sobre o custo nas vendas efectuadas pela casa-mãe à sucursal, assume a natureza de custos gerais de administração, a apreciar nos termos do art. 23º, e sujeitos ao regime previsto no art. 49º - ora 55º, ambos do C.I.R.C., sendo tal majoração imposta pelo princípio da plena concorrência, e enquadrando-se no regime de preços de transferência previsto no artigo 57º- ora 63º - do C.I.R.C.;
- se a Administração Tributária podia ter aplicado o regime previsto no art. 57º do C.I.R.C. — ora 63º - para preços de transferência ou a disciplina contida no art. 23º do mesmo diploma legal.
Emitindo parecer:
É o seguinte o teor do Art. 7.° (Lucros das empresas) do Acordo para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e a Holanda aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/00, de 12/7, que entrou em vigor apenas a 11/8/00:
1 - Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua actividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua actividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.
2- Com ressalva do disposto no n.º 3, quando uma empresa de um Estado Contratante exercer a sua actividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado, serão imputados em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento estável, os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas actividades ou actividades similares, nas mesmos condições ou em condições similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável.
3 - Na determinação do lucro de um estabelecimento estável é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitos para realização das fins prosseguidos por esse estabelecimento estável, incluindo os despesas de direcção e as despesas gerais de administração efectuados com o fim referido, quer no Estado em que esse estabelecimento estável estiver situado quer fora dele.
4 - Se for usual num Estado Contratante determinar os lucros imputáveis a um estabelecimento estável com base numa repartição dos lucros totais da empresa entre as suas diversas partes, a disposição do n.º 2 não impedirá esse Estado Contratante de determinar os lucros tributáveis de acordo com a repartição usual; a método de repartição adaptado deve, na entanto, conduzir a um resultado conforme com as princípios enunciadas neste artigo.
5 - Nenhum lucro será imputado a um estabelecimento estável pelo facto da simples compra de bens ou de mercadorias, para esse estabelecimento estável, para a empresa.
6 - Para efeitos dos números precedentes, os lucros a imputar ao estabelecimento estável serão calculados, em cada ano, segundo o mesmo método, a não ser que existam motivos válidos e suficientes para proceder de forma diferente.
7 - Quando os lucros compreendam elementos do rendimento especialmente tratados noutros artigos desta Convenção, as respectivas disposições não serão afectadas pelas deste artigo.
O previsto no dito art. 17.º parte da actividade exercida por entidade com relações especiais sucursal para além de ter estabelecimento em Portugal, actuar em termos semelhantes a uma entidade independente.
Tratando-se a recorrente, de uma sociedade com sede na Holanda, e que teve uma filial em Portugal, manifesto é estar-se face a duas entidades, relativamente às quais se coloca a questão da sujeição a diferentes normas tributárias (Profs Alberto Xavier, Direito tributário Internacional, 2ª edição, p.22 e ss).
Aliás, com o regime que é conhecido como preços de transferência (transfer pricing), visa-se “evitar, através dos preços, transferências de resultados que entre si mantenham relações especiais e, bem assim, transferências entre sectores da mesma entidade sujeitas a regimes fiscais diferentes” (Prof. Casalta Nabais em Direito Fiscal, 2012, 7ª ed., p. 527 e 528.), sendo de efectuar uma aplicação estrita do que em especial se encontra previsto.
Ora, de acordo com o que consta da matéria de facto dada como provada a fls. 281 v.ª e 282, em que, nomeadamente, consta que a recorrente vendia directamente os seus produtos em Portugal, fazendo-os facturar também na sua sucursal, não resulta que esta tenha actuado de uma forma independente.
Por outro lado, a aplicação do que se encontra previsto no dito art. 17., disposição que se destina a eliminar a dupla tributação, depende ainda da aplicação do método que aí se encontra previsto, de ser “usual” o método utilizado de fazer compensar custos com sucursal, e na percentagem utilizada.
Acontece que, não sendo o previsto na dita norma aplicável, tal dependeria da aplicação de outros critérios, segundo o previsto no art. 49.º -ora 55.º- do C.I.R.C., sem o que resta fazer aplicação do previsto no art. 23.º do C.I.R.C..
Concluindo, parecendo não estar totalmente verificados os requisitos de ordem temporal e espacial de que depende a aplicação do previsto no art. 17.º do Acordo para Eliminar a Dupla Tributação com a Holanda, nem sendo de aplicar o previsto no art. 49.º-ora 55.º-do C.I.R.C., o recurso de revista é de improceder, sendo de manter o decidido.»

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

«A) No cumprimento da Ordem de Serviço nº 76629 e 76630 respectivamente para os anos de 2000 e 2001, a Administração Tributária realizou uma inspecção fiscalização à ora impugnante, A………… B. V. SUCURSAL EM PORTUGAL, NIPC ………, a qual teve por objecto controlar o cumprimento das obrigações fiscais, em sede de IVA (cfr. relatório da inspecção a fls. 237 e segs. do processo administrativo)
B) A impugnante é uma sucursal da A………… B. V., com sede na Holanda, sendo sujeito passivo de IRC, enquanto entidade não residente com estabelecimento estável em Portugal, decorrendo o seu período de tributação entre 01-06-2000 a 31-05-2001 (cfr. relatório da inspecção a fls. 237 e segs. do processo administrativo).
C) Em sede de IVA, a impugnante é um sujeito passivo nos termos previstos nas alíneas a) e d) do art. 2° do CIVA, tendo iniciado a sua actividade em 26/03/2000 e cessado a sua actividade de IVA desde 31/12/2001 (cfr. relatório da inspecção a fls. 237 e segs. do processo administrativo).
D) A actividade exercida pela sucursal consiste em “comércio por grosso de vestuário e calçado desportivo”, sendo o lucro obtido no Território Nacional sujeito a tributação em Portugal, nos termos da alínea c) do n° 1 do art. 3° do CIRC (cfr. relatório da inspecção a fls. 237 e segs. do processo administrativo).
E) No decurso da inspecção verificou-se que todas as compras derivam de aquisição intracomunitárias e as vendas dos mesmos produtos são efectuadas no mercado nacional, tendo sido detectadas diversas irregularidades e inexactidões praticadas relativamente aos exercícios de 2000 e 2001, sendo de salientar o seguinte (cfr. relatório da inspecção a fls. 237 e segs. do processo administrativo):
— Da organização contabilística adoptada pela A………… (Sucursal) permite concluir-se que as facturas de vendas emitidas em nome de clientes portugueses - com menção do NIPC português - estão contabilizadas na A………… (sede) e simultaneamente na contabilidade da A………… (Sucursal), assim como, o custo das vendas associadas a essas vendas também se encontra reflectida na contabilidade da sede, de acordo com o custeio de saídas de existências, uma vez que a mercadoria sai directamente do armazém da sede para os clientes portugueses. Esta informação contabilística — custo das vendas — é comunicada à A………… (sucursal) em Portugal, para efeitos de contabilização.
— Analisadas as principais rubricas, nomeadamente “Custo das Mercadorias Vendidas” e Fornecimentos e Serviços Externos”, verifica-se que relativamente as rubricas “Custo das Vendas” e “Gastos Gerais Administrativos” foram majoradas em 9% de acordo com o critério estabelecido pela A………… (sede) para compensar diversos custos, não estando o mesmo — critério — devidamente justificada e comprovada a indispensabilidade dessa majoração, como exige o art. 23° do CIRC. Por esse facto, o custo adicional resultante da majoração não poderá ser aceite fiscalmente, o que deu lugar à correcção a favor da Administração Fiscal, de acordo com o critério fiscalmente definido, conforme o disposto na alínea a), do nº 3, do art. 49° do CIRC (exercício 2000) e na alínea a) do nº 3 do art. 50º do CIRC (exercício 2001)
— Assim, atendendo a que o sujeito passivo A………… (Sucursal) não justificou e comprovou a imputação dos custos, justifica-se o recurso ao critério definido na alínea a) do nº 3 do art. 50° do CIRC, com vista à correcção de custos para efeitos de determinação do lucro tributável dos exercícios de 2000 e 2001;

— Razão pela qual, o resultado declarado foi corrigido pela forma seguinte:

Exercício
2000
2001
Resultado Declarado
€19.969,64
€ 74.846,26
Correcções
€2.455.438,
€1.677.830,94
Resultado Corrigido
€2.475.203,9
€1.752.677,20

G) A impugnante foi notificada, nos termos do art. 60° da LGT e art. 60° do RCPIT, para efeitos de audição, tendo-se pronunciado em 12/08/2004 (cfr. docs. 2 e 3, juntos com a petição inicial)
H) Em 27/08/2004 a impugnante foi notificada do relatório final da acção inspectiva, que manteve as correcções constantes do projecto (cfr. doc. 4. junto com a petição inicial)
I) Na sequência das correcções efectuadas pela inspecção foi emitida em 18/11/2004 a liquidação nº 2004 83410027110, relativa ao IRC de 2000, no montante de € 1.066.662,72, a qual foi notificada à impugnante em 20112/2004 (cfr. doc. 5. junto com a petição inicial)
J) Em 14/04/2005 foi a impugnante notificada através do seu mandatário da demonstração de compensação nº 2004 00012917126 e respectiva demonstração de juros (cfr. doc. 6. junto com a petição inicial)
L) A ora impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação e demonstração de compensação supra identificadas, em 07/07/2005, sobre a qual não foi proferida decisão (cfr. doc. 7, junto com a petição inicial e processo de reclamação graciosa apenso).
M) A presente impugnação foi remetida a tribunal por correio registado em 06/04/2006 (cfr.fls.3 dos autos).

6. Do objecto do recurso

No caso vertente resulta da matéria de facto assente nas instâncias, que a impugnante, ora recorrente, é uma sucursal da A………… B. V. com sede na Holanda, e foi alvo de uma acção inspectiva por banda da Administração Tributária relativamente aos exercícios de 2000 e 2001, na sequência da qual a AT concluiu que os custos identificados nas rubricas “Custo das Vendas “ e “Gastos Gerais Administrativos”, foram majorados em 9%, de acordo com o critério definido pela sede, sem, contudo, se mostrar devidamente justificada e comprovada a indispensabilidade dessa majoração, nos termos definidos pelo art. 23º do CIRC; e, neste circunstancialismo, levou a efeito uma liquidação adicional do imposto, relativa ao IRC de 2000, no montante de € 1.066.662,72, desconsiderando a dita majoração que a Recorrente nele reflectira, e aplicando o disposto no art. 49º, nº 3, al. a), do CIRC.

Reagindo contra essa liquidação, a ora Recorrente deduziu impugnação judicial, sustentando a tese de que essa liquidação é ilegal, tanto por preterição de formalidade legal essencial prevista no art. 15º, nº 1, do RCPIT - já que o âmbito da inspecção se circunscrevia ao IVA e não abarcava o IRC -, como por ser aqui inaplicável o regime previsto no art. 23º do CIRC, mas antes a normatividade inserta no art. 57º do CIRC, por decorrência o princípio do tratamento fiscal independente e distinto da sucursal face à sua casa-mãe, que transparece do art. 7º do Acordo sobre Dupla Tributação celebrado entre Portugal e a Holanda.

A sentença de 1ª instância julgou a impugnação procedente com fundamento na invocada preterição de formalidade essencial, por entender que não se mostrando tal vício sanado, os posteriores actos ficaram irremediavelmente inquinados, implicando a anulação da liquidação.

Dessa sentença recorreu a Fazenda Pública para o TCAS, advogando, em suma, que fora cometido um erro de julgamento, porquanto, na sua perspectiva, se não verificava a julgada ilegalidade.

O acórdão do TCAS, concedendo provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida, e, conhecendo, em substituição, nos termos do art. 715º, nº 2, do CPC, dos demais fundamentos da impugnação, julgou a impugnação improcedente, aduzindo, neste segmento da decisão, a seguinte argumentação:

«A impugnante sustenta, sobretudo, que a sua situação deve ser aferida à luz do art.º 57º do mesmo CIRC, o que, desde logo num plano sistemático levanta a maior das objecções, que é a de aplicarmos uma norma posterior sem a aplicação de uma anterior, todas elas inseridas no Capítulo da determinação da matéria colectável, art.º 15.º e segs do CIRC, para mais quando esta prevê a exacta situação jurídico-tributária da sucursal na determinação do lucro tributável, nas suas relações com a casa mãe, quanto aos custos comuns e gerais e a respectiva repartição, e o respectivo modo concreto de apuramento do lucro tributável da sucursal (na impossibilidade de apuramento do mesmo lucro com base na sua contabilidade), pelo que sendo a situação tributária desta aqui subsumível, logo não sendo ilegal a consequente liquidação alcançada, não vemos como poderíamos deixar de aplicar esta norma para ir aplicar outra que, eventualmente, ao caso também pudesse ser aplicada.

Por outro lado, também sempre se dirá que, de acordo com a matéria apurada em sede de exame à escrita e não infirmada por qualquer outra, no caso, não existiam duas entidades diferentes com relações especiais entre si, nos negócios em que intervinham, mas sim uma entidade (a casa-mãe), que quanto aos custos das vendas da sucursal, resolveu majorar em 9% para compensar diversos custos (dela, casa-mãe), caindo-se ao fim e ao cabo, nos encargos gerais a que se refere a citada norma do art.º 49.º do CIRC, logo, no respectivo critério de repartição que deve presidir em tais custos gerais da casa-mãe, que não no próprio preço das mercadorias e bens pela mesma directamente fornecidos aos clientes portugueses e que eram facturados pela sucursal (contabilizados, simultaneamente, nas duas entidades).

É certo que a AT não goza de qualquer discricionariedade na subsunção da situação jurídico-tributária de cada contribuinte à respectiva norma de incidência tipificada na lei, como bem se pronuncia a impugnante, mas também é certo que legalmente cabe a esta efectuar tal subsunção na norma que entende ser devida e proceder à liquidação do tributo daí resultante e que, não se mostrando este inquinado de nenhum vício que o afecte na sua legalidade, não pode o mesmo deixar de se manter, sem termos de curar saber se, eventualmente, tal situação fáctica não poderia ser também subsumível em uma outra norma de incidência, por eventual concorrência de duas ou mais normas, desta forma improcedendo a matéria atinente a esta questão.

Na matéria dos arts. 79º e 80º da mesma petição de impugnação veio ainda a mesma a esgrimir que, em qualquer dos casos, sempre tais custos com tais majorações deveriam ser considerados como custos fiscais à luz do art.º 23º do CIRC, por terem sido indispensáveis para a obtenção dos lucros e para a manutenção da fonte produtora, o que desde logo coloca a questão de que tais custos foram desconsiderados por inexistência de um qualquer critério que os justificasse nos seus respectivos montantes, à luz não só deste art.º 23º do CIRC, mas também à luz do citado art.º 49º, pelo que só por apelo a esta norma do art.º 23º do CIRC os mesmos se não poderiam justificar, por nos encontrarmos perante um caso específico de relações entre a casa mãe, entidade não residente, com a sua sucursal, entidade residente, para as quais a citada norma do art.º 49º dispõe de condições específicas para que os gastos gerais de que a sucursal também beneficiou (onde no caso, também se incluía igual percentagem sobre os custos das vendas dos bens, todos eles fornecidos pela respectiva casa-mãe, que directamente os remetia aos clientes da sucursal portuguesa), possam nesta ser considerados custos na determinação do lucro tributável desta, na exacta medida que, economicamente, deles tenha beneficiado, segundo um qualquer dos critérios possíveis, pelo que só por apelo (a) àquela norma do art.º 23º não poderia a presente impugnação deixar de se encontrar condenada ao fracasso.».


Neste recurso de revista, a Recorrente continua a defender, como se pode ver pelas suas conclusões, que a majoração em causa não podia ter sido desconsiderada por aplicação do art. 23º do CIRC, porquanto, à luz do art. 7º do ADT celebrado entre Portugal e a Holanda, vigora o princípio do tratamento fiscal independente da sucursal face à casa-mãe, donde que as vendas da sede à sucursal, com a inerente imputação dos respectivos custos que a questionada margem de 9% visa cobrir, constitui mesmo imposição legal por respeito das regras da concorrência; e existindo
relações especiais entre duas entidades fiscalmente distintas, a situação tem de ser enquadrada no regime de preços de transferência previsto no art. 57º do CIRC; nessa medida, caberia, tão-só, à Administração Tributária apurar e fundamentar, nos termos do art. 77º, nº 3, da LGT, se essa margem de 9% respeitava os princípios da plena concorrência ou se traduzia, antes, uma inadmissível redução da matéria tributável da sucursal; não se colocando a questão dos custos no plano dos critérios de repartição dos gastos gerais de administração a que se refere o art. 49º ou, sequer, da sua indispensabilidade nos termos do art. 23º, nº 1, do CIRC, era vedado à Administração optar por este enquadramento legal.

Em síntese sustenta que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação das normas contidas no artigo 7º do Acordo para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e a Holanda, e nos artigos 23º, 49º e 57º do CIRC, na redacção vigente na data do facto tributário.

No acórdão pelo qual foi admitido este recurso de revista, identificaram-se assim as questões colocadas pela recorrente, às quais cumpre agora dar resposta:

- A venda e imputação dos custos de venda da sede à sucursal cai no âmbito de aplicação do artigo 49º do CIRC, sendo as mesmas assimiladas a custos gerais de administração?

- Não sendo questionada a dedução dos encargos em si mesmos, mas apenas a majoração efectuada ao abrigo da política internacional de preços de transferência adoptada pela Recorrente, a posição defendida pelo TCA Sul no acórdão ora recorrido está em conformidade com o princípio do tratamento fiscal independente da sucursal face à casa-mãe, com o regime de preços de transferência plasmado no artigo 57º do CIRC, e, em última instância, mostra-se compatível com o artigo 7º do ADT entre Portugal e a Holanda?

- Estando em causa relações entre a casa-mãe e a sua sucursal em Portugal pode afirmar-se, como o fez o TCA Sul no Acórdão ora recorrido, que inexistem relações especiais na acepção do artigo 57º do CIRC? Em caso de resposta negativa, o artigo 57º impunha a aplicação de uma margem de lucro sobre essas transacções em obediência ao princípio da plena concorrência?

- A Administração Tributária pode eximir-se à aplicação do regime legal e de fundamentação previsto no artigo 57º do CIRC e 77º, nº 3, da LGT escudando-se na aplicação do artigo 23º do CIRC?

Apreciando e decidindo:

7 - Da questão de saber se a venda e imputação dos custos de venda da sede à sucursal cai no âmbito de aplicação do artigo 49º do CIRC, sendo as mesmas assimiladas a custos gerais de administração.

7.1 Para responder a esta questão há que precisar primeiro o âmbito de aplicação do artº 49º do CIRC e o regime de preços de transferência previsto no artigo 57º do C.I.R.C na redacção aplicável à data dos factos (anterior à lei nº 30-G/2000 de 29 de Dezembro - Lei da Reforma fiscal).

Para determinação do lucro imputável ao estabelecimento estável o CIRC (art.º 49 do CIRC na redacção aplicável ao facto tributários, anterior à revisão do articulado, efectuada pelo Decreto-lei n.º DL 198/2001, 3 de Julho) elegeu o método directo que atende ao lucro realmente gerado pela actividade do estabelecimento estável determinado na base de uma contabilidade específica (nº 1 do artº 49).

Dispunha o referido normativo, na redacção aplicável aos factos, o seguinte:

1 - O lucro tributável imputável a estabelecimento estável de sociedades e outras entidades não residentes é determinado aplicando, com as necessárias adaptações, o disposto na secção II.

2 - Podem ser deduzidos como custos para a determinação do lucro tributável os encargos gerais de administração que, de acordo com critérios de repartição aceites e dentro de limites tidos como razoáveis pela Direcção-Geral dos Impostos, sejam imputáveis ao estabelecimento estável, devendo esses critérios ser justificados na declaração de rendimentos e uniformemente seguidos nos vários exercícios.

3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos em que não seja possível efectuar uma imputação com base na utilização pelo estabelecimento estável dos bens e serviços a que respeitam os encargos gerais, são admissíveis como critérios de repartição nomeadamente os seguintes:

a) Volume de negócios;

b) Custos directos;

c) Imobilizado corpóreo.

Este preceito prevê, no seu nº 1, a aplicação prioritária das regras previstas na secção II, em que se estabelece, como regra, a determinação directa do lucro tributável, com base na contabilidade (artº 17º, nº 1 do CIRC).
Por sua vez enumera no seu nº 3, a título exemplificativo, alguns dos critérios de repartição aceites fiscalmente, de aplicação subsidiária, ou seja, aplicáveis apenas quando não seja possível efectuar uma imputação com base na utilização pelo estabelecimento estável dos bens e serviços a que respeitam os encargos gerais (Cf. Lobo Xavier, Preços de Transferência no Sector Financeiro, in CTF, nº 398, pag. 73 e segs, CIRC anotado, ed. da DGCI, pag. 216, e Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14.11.2001, recurso 026362, in AP DR de 13.10.2003, pags. 2681 e segs.).

7.2 Porém o artº 57º do CIRC, na redacção vigente à data do facto tributário, anterior à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, permitia também à Administração Fiscal efectuar as correcções que se mostrassem necessárias à determinação do lucro tributável sempre que existissem relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, e que por força dessas relações especiais fossem estabelecidas, entre elas, condições diferentes das que, normalmente, seriam acordadas entre pessoas independentes conduzindo a que o lucro apurado fosse diverso daquele que se apuraria na ausência dessas relações.
Este normativo dava corpo no sistema fiscal português, então vigente, ao chamado regime dos preços de transferência.
A expressão "preço de transferência" traduz-se, como sublinha João Sérgio Ribeiro, «no preço fixado por um determinado sujeito passivo quando vende ou compra bens, ou partilha recursos com uma pessoa com quem tenha relações especiais. Nessas situações, os preços utilizados podem não corresponder aos preços de mercado, ou seja, aos preços negociados livremente.
Ora, esse afastamento do preço que normalmente seria praticado para uma transacção equivalente pode ter como objectivo a manipulação dos preços com o intuito de transferir rendimentos (sob a forma de lucro, por exemplo) de um sujeito passivo para outro, obtendo vantagens fiscais. Estas situações verificam-se tipicamente no plano internacional quando se tenta, através da manipulação de preços, transferir o lucro para o país onde a tributação é mais favorável, embora também sejam relevantes no plano interno.
A resposta dos países a esta situação é a correcção desses preços de transferência, no sentido de evitar que outros países obtenham uma parte do rendimento que foi gerado no seu território. Este ajustamento tem como referência os preços que teriam sido fixados por empresas sem uma relação especial, actuando de forma independente. Este método, designado por arm’s length method (princípio da plena concorrência), é partilhado pela maioria dos países, embora haja dissonância quanto à forma como deve ser posto em prática» (João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, col. Teses, ed. Almedina, pag. 394.).
O princípio do preço de plena concorrência estabelece que nas operações realizadas entre um sujeito passivo de IRS ou IRC e qualquer outra entidade, sujeita ou não a estes impostos, com a qual estejam em situação de relações especiais, deverão ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis (Breves notas sobre o regime da Portaria n.º 1446-C/2001 - Preços de transferência / Elsa Rodrigues, João Espanha, Fiscalidade, Lisboa, n.12 (Outubro.2002), 5-21p.; Lobo Xavier, Preços de transferência no Sector Financeiro, CTF, nº 398, pags. 74 e segs.)
.
Acolhendo tal princípio dispunha o artigo 57.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na sua redacção originária, sob a epígrafe “Correcções nos casos de relações especiais ou sujeição a vários regimes de tributação”, o seguinte:

“1 - A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que o que se apuraria na ausência dessas relações.
2 - O disposto no número anterior observar-se-á igualmente sempre que o lucro apurado em face da contabilidade relativamente a entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em território português se afaste do que se apuraria se se tratasse de uma empresa distinta e separada que exercesse actividades idênticas ou análogas, em condições idênticas ou análogas e agindo com total independência.
3 - Também se aplicará o disposto no n.º 1 quanto às pessoas que exerçam simultaneamente actividades sujeitas e não sujeitas ao regime geral do IRC, quando relativamente a tais actividades se verifiquem idênticos desvios.
4 - Quando o disposto no n.º 1 se aplique relativamente a um sujeito passivo do IRC por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do mesmo imposto ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último serão efectuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro”.
Por sua vez, o nº 3 do art. 77º da LGT, na primitiva redacção (já vigente à data do facto tributário - cfr. arts. 1º e 6º do DL nº 398/98, de 17/12) dispunha que «Sempre que as leis tributárias permitam que a matéria tributável seja corrigida com base em relações especiais entre contribuinte e terceiras pessoas e verificando-se o estabelecimento de condições diferentes das que se verificariam sem a existência de tais relações, a fundamentação das correcções obedecerá aos seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias;
c) Descrição e quantificação do montante efectivo que serviu de base à correcção.»
Eram pressupostos cumulativos de aplicação do artº 57º do CIRC os seguintes:
i) existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, residente ou não para efeitos fiscais em território português;
ii) que entre ambos fossem estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes;
iii) que tais relações especiais fossem causa adequada das ditas condições;
iv) que aquelas tivessem conduzido a um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência.

Contudo, a forma vaga e imprecisa como o preceito em análise estabelecia os respectivos pressupostos de aplicação e também facto de o regime de preços de transferência inicialmente previsto no Código do IRC não ir além de uma consagração genérica da aplicação do princípio do preço de plena concorrência, não concretizando quais os métodos que deveriam ser seguidos pela Direcção-Geral dos Impostos no âmbito das correcções que se encontrava autorizada a efectuar, suscitavam divergências de interpretação e dúvidas quanto ao preenchimento de tais pressupostos, face às situações concretas.
É neste contexto que surge a nova redacção do artigo 57º do CIRC, introduzida pela Lei n.° 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o qual, renumerado, passou a artº 58º, e que corresponde, nos seus aspectos mais relevantes, à consagração expressa, em termos legislativos, das recomendações contidas nos relatórios da OCDE sobre preços de transferência, aplicando-se apenas aos períodos de tributação iniciados em ou a partir de 1 de Janeiro de 2002, mantendo-se a anterior redacção, em vigor até essa data (Neste sentido vide Paula Rosado Pereira, Alguns Desafios ao Código do IRC - Preços de Transferência e o Desafio Europeu, in 15 Anos da Reforma Fiscal de 1988/89, ed. Almedina, pags. 251 e segs. Sobre a matéria v. ainda Stephen Callahan, As novas regras de preços de transferência em Portugal, Revista Fisco 97/98, Ano XII, pags. 39 e segs.
Como refere este autor, em termos gerais, as ideias-chave que se podem retirar da nova legislação
de preços de transferência são as seguintes:
• Uma ampla definição de relações especiais, que inclui situações que vão desde a dependência estatutária à económica, abrangendo, igualmente, as relações familiares e de parentesco;
• A extensão do âmbito da sua aplicação, dado poder ser aplicada tanto a transações nacionais como internacionais;
• Uma definição clara das regras que podem ser utilizadas para determinar os preços de transferência, particularmente no que diz respeito à definição dos métodos e aos factores de comparabilidade que devem ser tomados em consideração;
• As obrigações que os sujeitos passivos passam a ter que cumprir, tais como: organizar e manter actualizada documentação relativa aos preços de transferência, justificando os preços utilizados, bem como declarar no Anexo H da Declaração Anual de Informação Contabilística-Fiscal, a sua existência, os montantes e as partes envolvidas.).

No caso subjudice, como vimos, estão em causa os exercícios de 2000 e 2001, que foram alvo de uma acção inspectiva por banda da Administração Tributária pelo que é a possibilidade/necessidade de aplicação da norma, na referida redacção original - artº 57º do CIRC - que cumpre considerar.

7.3 Como resulta do probatório a Administração Fiscal procedeu às correcções impugnadas relativas aos custos das vendas da sucursal à sede por considerar que o critério técnico invocado pela A…………. para compensar diversos custos tais como embalagem, transportes, cargas, descargas e agrupagens a que acresceu uma majoração de 9%, não estava devidamente justificado, considerando não se comprovar a indispensabilidade dessa majoração conforme exige o artº 23º do CIRC.

Do mesmo modo procedeu à correcção relativamente à imputação dos gastos gerais administrativos da sede à sucursal em Portugal (englobando salários, comissões, despesas de viagens de executivos e vendedores e outros custos com pessoal e diversos), igualmente majorados em 9%, por considerar que tal majoração não estava devidamente fundamentada e comprovada, não podendo esse custo adicional resultante da majoração ser aceite fiscalmente, e operou a correcção tendo em conta o critério fiscalmente definido previsto na al. a) do nº 3 do artº 49º do CIRC (ou seja os custos foram imputados de acordo com o peso do volume de negócios da sucursal, mas não foi considerada a majoração).

Para tanto, invocou a Administração Tributária a seguinte argumentação que consta do relatório de inspecção:
“Não estão em causa os conceitos teóricos sobre a composição do custo de aquisição das mercadorias, mas tão somente o aspecto substancial relacionado com a comprovação inequívoca da majoração de 9% sobre o custo das vendas e de 9% sobre os gastos gerais administrativos, bem como a sua indispensabilidade de facto. (...) Ora sucede que o sujeito passivo não apresentou qualquer elemento justificativo, em termos documentais, que pudesse comprovar o critério de majoração por si adoptado. Não se está perante uma relação normal entre duas empresas, neste caso concreto, uma vez que as facturas emitidas pela A………… Sede, relativamente às mercadorias expedidas para Portugal não se referem a uma venda propriamente dita, mas sim a uma transferência interna”
Para logo de seguida concluir: “Assim, em face do exposto, conclui-se pela inexistência de comprovação da majoração de 9% sobre o custo das mercadorias vendidas e 9% sobre os gastos gerais administrativos por parte do sujeito passivo, logo, a proposta de correcção encontra-se plenamente justificada por a mesma decorrer das normas previstas no artigo 23°, artigo 49° (exercício de 2000), e artigo 50° (exercício de 2001) ambos do CIRC.”

Já o acórdão recorrido veio sancionar esta actuação da Administração Fiscal por considerar estarmos «perante um caso específico de relações entre a casa mãe, entidade não residente, com a sua sucursal, entidade residente, para as quais a citada norma do art.º 49º dispõe de condições específicas para que os gastos gerais de que a sucursal também beneficiou» e que «não existiam duas entidades diferentes com relações especiais entre si, nos negócios em que intervinham, mas sim uma entidade (a casa-mãe), que quanto aos custos das vendas da sucursal, resolveu majorar em 9% para compensar diversos custos (dela, casa-mãe), caindo-se ao fim e ao cabo, nos encargos gerais a que se refere a citada norma do art.º 49.º do CIRC» (cf. acórdão recorrido a fls. 283 e verso).

A recorrente alega que a correcção efectuada pela Administração Tributária e subsequente liquidação de IRC ora sindicada, carece, em absoluto de fundamento legal, por erro imputável aos serviços na aplicação do direito e que o acórdão recorrido assenta em erro de apreciação e interpretação dos referidos arts. 49º e 57º do CIRC, ao considerar que o artigo 49° do CIRC fornece o critério legal decisor para a apreciação desta matéria — assimilando no fundo custo de mercadorias e margem de lucro ao conceito de gastos gerais de administração —, bem como pugnando pela inexistência de relações especiais na acepção do artigo 57° do CIRC no caso sub judice.

Assiste razão à recorrente já que, como se irá demonstrar, o acórdão recorrido incorreu nos erros de julgamento que lhe são imputados.
De facto, e como já atrás se sublinhou em 7.1., a utilização dos critérios previstos no nº 3 do artº 49º do CIRC estava dependente da impossibilidade de efectuar uma imputação com base na utilização pelo estabelecimento estável dos bens e serviços a que respeitam os encargos gerais de administração, o que aliás é confirmado pelo seu nº 1, em que se estabelece a aplicação prioritária das regras previstas na secção II, que define, como regra, a determinação directa do lucro tributável com base na contabilidade (artº 17º, nº1 do CIRC) (Vide, neste sentido, o supracitado Acórdão de 14.1.2001, recurso 26362.).
Como vinha afirmando a doutrina - (Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 1ª edição, Almedina, 1993, pag. 386) - os n°s. 2 e 3 do artigo 49° do CIRC eram de aplicação supletiva aos métodos de imputação directos previstos no CIRC, sendo que os mesmos apenas se aplicavam aos gastos gerais de administração, os quais, naturalmente, não se confundem com o custo das mercadorias vendidas e cujos proveitos foram alocados ao estabelecimento estável em Portugal, por um lado, e por outro, à margem de lucro calculada sobre esses mesmos custos calculada com base nas regras de preços de transferência previstos no artigo 57° do CIRC.
Assim apenas os gastos gerais de administração estavam abrangidos pelas regras previstas no n.° 2 e 3 do artigo 49° do CIRC, não sendo, pois, possível assimilar o custo das mercadorias vendidas e gastos centrais incorridos pela sede em benefício da sua sucursal, pelo que no caso sempre se teriam de considerar não preenchidos os requisitos de que dependia a utilização dos critérios previstos no nº 3 do artº 49º do CIRC.

Em suma a aceitação da dedução da referida margem de lucro da sede, e imputada como gasto dedutível na esfera da sucursal, não se coloca no plano dos critérios de repartição dos gastos gerais de administração — previstos nos ns. 2 e 3 do artº 49º CIRC, na redacção então vigente na data do facto tributário, pelo que a actuação da Administração Fiscal não encontra apoio legal em tal norma, e o acórdão recorrido, que ratificou tal actuação, padece do erro de julgamento que lhe é imputado.

8. Da questão de saber se, não sendo contestada a dedução dos encargos em si mesmos, mas apenas a majoração efectuada ao abrigo da política internacional de preços de transferência adoptada pela Recorrente, a posição defendida pelo TCA Sul no acórdão recorrido está em conformidade com o princípio do tratamento fiscal independente da sucursal face à casa-mãe, com o regime de preços de transferência plasmado no artigo 57º do CIRC, e, em última instância, mostra-se compatível com o artigo 7º do ADT entre Portugal e a Holanda?

Como se sublinhou a norma do artº 57º do CIRC constituía já uma consagração do método at arms length, também designado princípio do preço de plena concorrência, baseado no princípio da empresa distinta e separada (contratação, aceitação e prática de preços em termos ou condições substancialmente idênticos dos que normalmente seriam contratados, aceites ou praticados entre entidades independentes em operações comparáveis), e era aplicável sempre que existissem relações especiais entre duas entidades, ou seja, em situações em que uma tivesse o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra.

De acordo com este princípio as diferentes partes da empresa são tratadas como entidades distintas e separadas, mediante uma ficção de autonomia, sendo o resultado imputável a cada uma determinado com base nesta ficção e baseado no princípio do arm’s length. (Neste sentido, Manuela Duro Teixeira, ob. citada, pag. 36.)

Pese embora a consagração do princípio de plena concorrência tivesse sido posteriormente reforçada, pela referência expressa, na nova redacção introduzida pela Lei n.° 30-G/2000, de 29 de Dezembro, aos métodos recomendados pela OCDE para a determinação do preço conforme ao princípio de plena concorrência, o artº 57º do CIRC constituía já, na redacção, vigente à data do facto tributário, uma disposição relativa aos preços de transferência.

Sendo tal norma aplicável às relações internacionais, nomeadamente quanto a operações com entidades não residentes para efeitos fiscais em território português, por força do que expressamente se consignava no seu nº 2: «O disposto no número anterior observar-se-á igualmente sempre que o lucro apurado em face da contabilidade relativamente a entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em território português se afaste do que se apuraria se se tratasse de uma empresa distinta e separada que exercesse actividades idênticas ou análogas, em condições idênticas ou análogas e agindo com total independência».

Ou seja, embora a contabilidade fosse a base do apuramento do lucro (artº 49º, nº 1 do CIRC, método directo) o Fisco podia desviar-se dela, de modo a introduzir as correcções necessárias para apurar o lucro que hipoteticamente o estabelecimento estável poderia ter obtido caso fosse uma empresa independente.

Estabelecia-se assim naquele normativo a possibilidade de serem efectuadas correcções aos preços e condições utilizados nas operações entre sociedades relacionadas, caso não seguissem o referido princípio (Neste sentido Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª edição Almedina, 555 e Paula Rosado Pereira, Alguns desafios ao Código do IRC, Ob. citada, pag. 253 e 260.).

Esta norma constituía também disposição expressa quanto ao enquadramento do estabelecimento estável na sua relação com outras partes da empresa, acolhendo o princípio da tributação do estabelecimento como “entidade distinta e separada”.

Sendo que este princípio da tributação do estabelecimento estável como “entidade distinta e separada” foi o acolhido nos acordos de dupla tributação celebrados por Portugal (que seguem, regra geral, o Modelo de Convenção da OCDE) (Manuela Duro Teixeira, A Determinação do Lucro Tributável dos Estabelecimentos Estáveis de Não Residentes, Ed. Almedina, pags. 56/58.)

, nomeadamente o ADT celebrado entre Portugal e os Países Baixos, ratificado por Resolução da Assembleia da República nº 62/2000 e publicado no DR, 1ª Série de 12.07.2000.

Ora, também o ADT celebrado entre Portugal e a Holanda, directamente aplicável à questão material ora controvertida, por se tratar de operações entre a casa-mãe residente na Holanda e a sua sucursal Portuguesa, consagra no n.º 2 do artigo 7° que “(...) serão imputados em casa Estado Contratante, a esse estabelecimento estável, os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas actividades ou actividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável.”

Da análise do preceito convencional resulta de forma inequívoca que o ADT entre Portugal e os Países Baixos adopta o princípio do tratamento fiscal independente e distinto da sucursal face à sua casa-mãe, sendo que nas relações estabelecidas entre casa-mãe e sucursal devem ser adoptadas condições e preços correntes de mercado.

Ora, no caso em apreço, a Recorrente alega que de acordo com a sua política internacional de preços de transferência, calculou e considerou que uma margem adequada de lucro nas suas transacções com a sua Sucursal em Portugal corresponderia a uma majoração de tais custos em 9%, respeitando, assim, na íntegra os comandos e princípios previstos no artigo 57° do CIRC, bem como as regras de direito internacional convencional directamente aplicáveis à situação em apreço.

Porém no acórdão recorrido concluiu-se «não existiam duas entidades diferentes com relações especiais entre si, nos negócios em que intervinham, mas sim uma entidade (a casa-mãe), que quanto aos custos das vendas da sucursal, resolveu majorar em 9% para compensar diversos custos (dela, casa-mãe), caindo-se ao fim e ao cabo, nos encargos gerais a que se refere a citada norma do art.º 49.º do CIRC» (cf. acórdão recorrido a fls. 283 e verso).

Neste ponto, como bem nota a recorrente, ao pugnar pela inexistência de relações especiais na acepção do artigo 57° do CIRC, o TCA incorre em manifesto erro de aplicação das normas legais.

De facto o entendimento adoptado no acórdão recorrido viola o princípio do tratamento fiscal independente da sucursal consagrado no nosso ordenamento jurídico, nomedamente no nº 2 do artº 57º do Código de Processo Civil, — princípio, esse, que determina que nas operações entre a sede e a sucursal a sucursal deve ser considerada para efeitos tributários como se de uma empresa distinta se tratasse.

E viola também as normas de direito convencional referidas, já que no caso dos residentes em Estados com os quais Portugal celebrou um acordo de dupla tributação a Administração Tributária é obrigada a enquadrar estes sujeitos passivos em conformidade com acordo de dupla tributação aplicável, quando deste regime resulte um tratamento mais favorável do que o estabelecido na lei interna (Manuela Duro Teixeira, ob. citada, pag.19).

Em suma a situação factual em apreço carecia de ser analisada, e não foi, à luz dos princípios do preço de plena concorrência e da tributação do estabelecimento como “entidade distinta e separada”, e bem assim do preceituado nos artigos 57° do CIRC e 7º do ADT celebrado entre Portugal e os Países Baixos, pelo que a decisão sindicada padece, também aqui, do erro de julgamento que lhe é imputado.

9. Da questão de saber se, estando em causa relações entre a casa-mãe e a sua sucursal em Portugal pode afirmar-se, como o fez o TCA Sul no Acórdão ora recorrido, que inexistem relações especiais na acepção do artigo 57º do CIRC e se, em caso de resposta negativa, o artigo 57º impunha a aplicação de uma margem de lucro sobre essas transacções em obediência ao princípio da plena concorrência.

De acordo com o artigo 57.º do CIRC, a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções necessárias sempre que, existindo relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, tenham sido estabelecidas condições diferentes do que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes.

A norma, na redacção em causa, não fornecia, porém, contrariamente ao que sucedia noutros ordenamentos jurídicos, uma definição do que se entendia por relações especiais.

Já a posterior redacção do preceito (artº 58º, nº 4), como nota Manuel Henrique Freitas Pereira (Fiscalidade, 3ª edição, pag. 458) formula expressamente uma regra de que «existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra» e dá depois uma lista de exemplos em que considera verificada a regra.
No caso vertente, estando em causa a redacção originária do preceito, as mais elementares regras de interpretação exigem que se procure reconstituir o pensamento legislativo, fazendo apelo à regra do artigo 9º, n.° 1, do Modelo de Convenção da OCDE, que serviu de paradigma ao regime dos preços de transferência consagrado no artº 57º do CIRC (E já antes no artº 51º do CCI.), para definir o conceito de relações especiais.

Ora, de harmonia com o artigo 9º do Modelo de Convenção da OCDE, de 1977, entende-se que existem relações especiais «quando uma empresa de um Estado contratante participa directa ou indirectamente na direcção, no controle ou no capital de uma empresa de outro Estado contratante, ou se as mesmas pessoas participarem directa ou indirectamente na direcção ou controle ou no capital de ambas as empresas dos Estados contratantes.

De realçar que a existência de relação especial ou vínculo de dependência tanto pode decorrer de uma dependência jurídica (v.g. participação no capital; designação dos órgãos sociais) como de origem contratual; ou ainda de um sistema ou dependência de facto. (Cf. J.J.Amaral Tomás, Os Preços de Transferência, Revista Fisco, ano 3, nº 29, pags. 17 e segs.
No mesmo sentido se pronunciam Francisco de Sousa da Câmara, A avaliação indirecta da matéria colectável e os preços de transferência na LGT, in Problemas Fundamentais do direito Tributário, pags. 364/365 e Celeste Cardona, "Regime Jurídico da Correcção de Lucros Tributários", Eurocontas, Abril 1996, p.112.)

Tendo presente o conceito de relações especiais assim delineado pelo Modelo de Convenção da OCDE, não sofre dúvida que, também no caso subjudice, a relações comerciais entre a sede de uma sociedade comercial de direito holandês (recorrente) que se dedica ao comércio por grosso de vestuário e calçado desportivo e a sua sucursal que opera a partir das instalações de uma sociedade de direito português, são passíveis de configurar relações especiais para os efeitos consignados no artigo 57° do CIRC.

Neste contexto o acórdão recorrido padece ainda do erro de julgamento que lhe é apontado, na interpretação e aplicação das normas legais vigentes, por considerar que as relações entre a sede e a sucursal não consubstanciavam relações especiais.

Acresce que em relação a operações que se realizem entre entidades entre as quais existam, ou a lei convencione que existam, relações especiais, as chamadas operações vinculadas, a lei estabelece que o contribuinte é obrigado a seguir o referido princípio do preço de plena concorrência. Tal é o que resulta do artº 58º do CIRC e resultava já da referida redacção inicial (artº 57, nº 2) (Manuel Henrique Freitas Pereira, Fiscalidade, 3ª edição, pag. 454.)

Como ali expressamente se refere, o disposto no número anterior observar-se-á igualmente «sempre que o lucro apurado em face da contabilidade relativamente a entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em território português se afaste do que se apuraria se se tratasse de uma empresa distinta e separada que exercesse actividades idênticas ou análogas, em condições idênticas ou análogas e agindo com total independência».
Por isso, os pressupostos para a correcção do lucro tributável à luz deste regime legal, são específicos para as situações que lhe sejam subsumíveis, e, como ficou sublinhado no Acórdão do Tribunal Constitucional 252/05 (Que julgou que a norma do n.º 1 do art.º 57º do CIRC, na redacção em causa, não padece de inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da tipicidade e legalidade consagrado no citado art.º 106º, n.º 2, da CRP; No mesmo sentido se pronunciou também o Tribunal Constitucional no Acórdão 271/05 de 24.05.2005.), de 10.05.2005, também a actuação administrativa fica vinculada ao estabelecimento do preço de plena concorrência, não manifestando a norma (do artº 57º do CIRC) qualquer intenção ou abertura possibilitadora da existência de uma liberdade de eleição ou de escolha quanto ao efeito jurídico que a fixação dos “termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes” é possível de consequenciar.

Assim, e voltando ao caso os autos, haveremos de concluir, em resposta à segunda parte da questão formulada, que, tendo sido determinada a existência de relações especiais entre a recorrente e a sua sucursal, a majoração posta em causa pela Administração Fiscal - correspondente à computação de uma margem considerada apropriada de lucro aos custos das vendas imputadas à Sucursal - deveria ser analisada, e não foi, à luz do princípio do preço de plena concorrência preceituado no regime do artº 57º do CIRC, pelo que também nesta perspectiva, as liquidações sindicadas padecem de ilegalidade, justificando a sua anulação.

10. Da questão de saber se a Administração Tributária pode eximir-se à aplicação do regime legal e de fundamentação previsto no artigo 57º do CIRC e 77º, nº 3, da LGT escudando-se na aplicação do artigo 23º do CIRC.

No caso vertente importa desde logo sublinhar que a Administração Fiscal aceitou a dedução dos custos com vendas e gastos gerais administrativos, tendo, apenas, questionado o mark up(majoração) aplicado pela sede, com o argumento que não estava demonstrada a indispensabilidade do mesmo face ao artigo 23° do CIRC.

Como se evidencia no probatório (al. E) a Administração Tributária a Administração Fiscal procedeu às correcções impugnadas relativas aos custos das vendas da sucursal à sede por considerar que o critério técnico invocado pela A………… para compensar diversos custos tais como embalagem, transportes, cargas, descargas e agrupagens a que acresceu uma majoração de 9%, não estava devidamente justificado, considerando não se comprovar a indispensabilidade dessa majoração conforme exige o artº 23º do CIRC.

Do mesmo modo procedeu à correcção relativamente à imputação dos gastos gerais administrativos da sede à sucursal (englobando salários, comissões, despesas de viagens de executivos e vendedores e outros custos com pessoal e diversos) ao estabelecimento estável em Portugal, igualmente majorados em 9%.

Pois bem, tendo a Administração Fiscal aceitado a dedutibilidade dos custos com vendas e gastos gerais administrativos, pondo em causa apenas a imputação pela Recorrente à sua sucursal em Portugal de uma margem de lucro de 9% sobre tais gastos, a conclusão lógica de tais premissas é que o que estava em causa não era a apreciação da indispensabilidade dos custos mas sim a adequação e admissibilidade, face ao regime legal dos preços de transferência, consagrado no artigo 57° do CIRC, da imposição de tal margem de lucro nas relações entre a sede e o seu estabelecimento estável.

Até porque a Administração Fiscal admitiu a existência de relações especiais, e, estando em causa transacções entre entidades relacionadas - a Sede e a sua sucursal em Portugal - o que importaria aferir, em caso de dúvidas sobre a adequação da margem de lucro cobrada pela casa mãe à sucursal em Portugal, era se tal margem de lucro diferiu das condições que normalmente seriam acordadas entre entidades independentes, à luz do princípio do preço de plena concorrência preceituado no regime do artº 57º do CIRC, cabendo à Administração Fiscal fundamentar as eventuais correcções ao abrigo do referido regime legal e do artº 77º da LGT.

Na verdade, para dar cabal resposta à questão suscitada há que distinguir dois planos: o da relevância dos custos em causa e seu enquadramento no conceito de indispensabilidade ligado ao artº 23º do CIRC e o da sua relação com os preços de transferência.

Quanto à indispensabilidade dos custos, como vem afirmando a doutrina de referência (António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa e Tomás de Castro Tavares, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 7 a 180) e também a mais significativa jurisprudência, o conceito a que se reporta o artº 23º do CIRC tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário.
Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos é que deverão ser desconsiderados.
Neste sentido também se vem pronunciando a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de que são exemplo, entre muitos outros, os Acórdãos de 30 de Novembro de 2011, recurso n.º 107/11, e de 24.09.2014, recurso 779/12.
Ora, deste ponto de vista, tendo em conta aquele conceito (amplo) de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, estes custos terão sempre de ser considerados indispensáveis à obtenção dos proveitos, uma vez que estamos perante uma actividade produtiva relacionada com a obtenção dos lucros, e com a venda dos produtos da recorrente.
A tese da Administração Fiscal segundo a qual não estavam devidamente justificados os custos das vendas da sucursal à sede, bem como os decorrentes da imputação dos gastos gerais administrativos da sede à sucursal, não se comprovando a sua a indispensabilidade, não pode pois obter provimento.

Questão bem diversa é já a da relação de tais custos com os preços de transferência.

Como já se referiu a expressão "preço de transferência" traduz-se, no preço fixado por um determinado sujeito passivo quando vende ou compra bens, ou partilha recursos com uma pessoa com quem tenha relações especiais. Nessas situações, os preços utilizados podem não corresponder aos preços de mercado, ou seja, aos preços negociados livremente.
A correcção desses preços de transferência, no sentido de evitar que outros países obtenham uma parte do rendimento que foi gerado no seu território, tem como referência os preços que teriam sido fixados por empresas sem uma relação especial, actuando de forma independente.
Por isso, no caso vertente, não estava em causa saber da indispensabilidade dos custos não admitidos pela administração, mas sim esclarecer se tais custos, face ao que normalmente é corrente no mercado perante transacções equivalentes, seriam excessivos ou ficariam aquém do é normalmente praticado.
Só uma actuação da Administração Fiscal neste sentido permitiria, eventualmente, ajustar o lucro da recorrente.
No caso em apreço, porém, a Administração Fiscal acabou por invocar, como suporte legal das liquidações impugnadas, o regime do artº 23º do CIRC, e o preceituado nos ns. 2 e 3 do artº 49º do CIRC, numa situação em que tais disposições não eram aplicáveis, pelo que as liquidações sindicadas padecem, também aqui, de erro nos pressupostos de direito.

Em face de tudo o exposto haverá de se concluir que a correcção efectuada pela Administração Tributária carece de pertinente fundamento legal, por vício de violação de lei - arts. 23º, 49º e 57 do CIRC e 7º do ADT entre Portugal e os Países Baixos.
O acórdão recorrido, que assim não entendeu, é merecedor das críticas que lhe são remetidas pela recorrente e não pode, pois, ser confirmado, o que motivará a sua revogação e a anulação do acto tributário impugnado.

11. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
a) conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar procedente a impugnação, anulando as liquidações sindicadas.
b) condenar a Administração Tributária a restituir à recorrente o valor do imposto indevidamente liquidado, acrescido de juros indemnizatórios sobre este montante, contados desde a data do seu pagamento até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

Custas pela Fazenda Pública, apenas em primeira instância, uma vez que não contra-alegou no presente recurso.

Lisboa, 21 de Setembro de 2016. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da SilvaFrancisco Rothes.