Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0163/23.7BALSB
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31948
Nº do Documento:SAP202402210163/23
Recorrente:Z…, S.A. (X…, S.A.)
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


Z…, S.A., Requerente na arbitragem tributária à margem identificada (adiante, abreviadamente designada por “Recorrente”), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal sob o número único de matrícula e identificação fiscal …, com sede em …, Apartado…55, …, Sado, Setúbal, com capital social de € 500.000.000 (quinhentos milhões de euros), TENDO SIDO NOTIFICADA, em 21 de Agosto de 2023, da decisão arbitral proferida em 18 de Agosto de 2023, no processo n.º 756/2022-T (Decisão Arbitral Recorrida), que se encontra em contradição sobre mesma questão fundamental de direito com a Decisão arbitral, já transitada em julgado, emitida no processo n.º 7/2022-T (Decisão Arbitral Fundamento), vem, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, maxime o n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), apresentar RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, o que faz nos termos e com os fundamentos elencados nas alegações que, para o efeito, junta, e requerendo, desde já, que V. Exas. admitam o presente recurso, por estar em tempo e ter a Recorrente legitimidade, com as devidas consequências legais.

Alegou, tendo concluído:
§ 1. A Decisão Arbitral Recorrida pronunciou-se sobre o mérito da pretensão deduzida pela Recorrente no seu PPA, considerando-a improcedente, e pôs termo ao processo arbitral.
§ 2. A Decisão Arbitral Recorrida encontra-se em contradição sobre mesma questão fundamental de direito, e de facto, com a douta Decisão Arbitral Fundamento emitida no processo n.º 7/2022-T, sendo o presente recurso admissível, e encontrando-se em prazo, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT.
§ 3. Verificam-se os pressupostos de admissibilidade do recurso; a saber: (i) o mesmo fundamento de direito, (ii) a não alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável ao caso, e (iii) a adopção solução oposta nos dois arestos arbitrais.
§ 4. Com efeito, a Decisão Arbitral Recorrida e a Decisão Arbitral Fundamento consagraram soluções jurídicas opostas relativamente à mesma questão fundamental de direito, num quadro de identidade substancial quer quanto a aspetos factuais, quer quanto às disposições legais aplicáveis.
§ 5. Em ambos os processos arbitrais relevantes as liquidações de IRC contestadas concretizaram correcção ao CIDTJI declarado pelo Grupo Z… e à sua dedução ou aproveitamento no Grupo, crédito respeitante à actividade da Recorrente a título individual nos EUA, sendo díspar tão-somente o exercício em causa.
§ 6. A identidade da questão fundamental de direito em discussão é evidente e absoluta, decorrendo do facto de ambas as decisões se terem pronunciado sobre o modo de cálculo da dedução à colecta de IRC por dupla tributação internacional, ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea a) do Código do IRC e da norma vertente do artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT PT-EUA e sobre a aplicação do limite constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC.
§ 7. Na Decisão Arbitral Fundamento, julgou o Tribunal Arbitral que “A dedução à coleta de IRC por dupla tributação internacional, ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRC, que tenha por base o imposto pago nos Estados Unidos da América por entidade residente em território nacional, incide sobre os rendimentos brutos que sejam qualificados como royalties, nos termos dos artigos 13.º, n.º 2, e 25.º, n.º 3, alínea a), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e Estados Unidos da América, disposições que prevalecem sobre a norma do artigo 91.º, n.º 1, daquele Código.”
§ 8. Já na Decisão Arbitral Recorrida foi entendido que “A aplicação a royalties do disposto nos artigos 13.º, n.º 2, e 25.°, n.° 3, alínea a), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e Estados Unidos da América está sujeita à aplicação do disposto na norma do artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRC.”
§ 9. Por isso, na Decisão Arbitral Fundamento foi decidido anular a liquidação adicional de IRC de 2016 contestada pela Recorrente e na Decisão Arbitral Recorrida foi decidido manter a liquidação adicional de IRC de 2017.
§ 10. O quadro legal relevante é exactamente o mesmo e não sofreu qualquer alteração.
§ 11. As decisões em causa são expressas e a solução oposta evidente.
§ 12. Acresce que, não existe jurisprudência recentemente consolidada do STA sobre a questão de direito aplicável à factualidade provada no processo n.º 756/2022-T, o que, aliás, se torna evidente pela decisão deste douto Tribunal sobre a inexistência de oposição entre a Decisão Arbitral Fundamento e a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal (cf. acórdão emitido no processo n.º 142/22.1BALSB em 24 de Maio de 2023).
§ 13. Após o acórdão proferido no processo n.º 142/22.1BALSBA deste Supremo Tribunal que se recusou a conhecer o recurso, para uniformização de jurisprudência, submetido pela Administração Tributária, a Decisão Arbitral Fundamento, proferida no processo n.º 7/2022-T, transitou em julgado, por não ter sido utilizado qualquer outro meio de reacção, o que ocorreu com o trânsito do acórdão deste Supremo Tribunal em 9 de Junho de 2023 (cf. certidão do CAAD emitida quanto ao aludido processo arbitral que acompanha estas alegações).
§ 14. A Recorrente não tem dúvidas de que a Decisão Arbitral Fundamento foi a que adoptou a posição legalmente mais acertada, em rigor, a única posição legalmente possível no que concerne à relevante questão.
§ 15. A Decisão Arbitral Recorrida funda-se essencial e repetidamente nos comentários aos artigos 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE que são, a miúde, citados no voto vencido emitido no processo n.º 7/2022-T, que o Tribunal Arbitral no processo n.º 756/2022-T cita, faz seu e usa como único fundamento da posição adoptada.
§ 16. Tais comentários são invocados não obstante não se ignorar que a CDT Portugal-EUA não se limita a seguir a Convenção Modelo da OCDE, afastando-se, ao invés, do que por esta é afirmado.
§ 17. O que, nos termos da Decisão Arbitral Recorrida, não seria suficiente para a desconsideração daqueles comentários, essencialmente por a norma do artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da CDT Portugal-EUA ser semelhante àquela da Convenção Modelo da OCDE.
§ 18. Simplesmente, como subjaz à Decisão Arbitral Fundamento, o artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da CDT Portugal-EUA não pode ser interpretado isoladamente, sendo forçoso ter em conta o disposto quanto ao tipo de rendimento em causa e a repartição da tributação prevista.
§ 19. Com efeito, a natureza dos rendimentos em causa e o seu tratamento na CDT Portugal-EUA são ponderados e considerados factor relevante na tomada de decisão no processo n.º 7/2022-T.
§ 20. O que este mesmo Supremo Tribunal entendeu, conforme aflorado acima, ser pertinente e fazer distinguir esta das demais questões já por este tratadas (cf. acórdão emitido no processo n.º 142/22.1BALSB, em 24 de Maio de 2023).
§ 21. Neste ponto, aliás, a posição adoptada por este Supremo Tribunal no processo n.º 142/22.1BALSB, põe imediatamente em causa o argumento constante da Decisão Arbitral Recorrida segundo o qual o Supremo Tribunal Administrativo teria já emitido decisões, em situações substancialmente idênticas, em sentido oposto àquele adoptado na Decisão Arbitral Fundamento.
§ 22. Se a norma vertente do artigo 13.º da CDT Portugal-EUA se afasta diametralmente da Convenção Modelo da OCDE, permitindo a tributação por ambos os estados, então os comentários constantes daquela Convenção Modelo não se podem ter como aplicáveis e, muito menos, determinantes na determinação do conteúdo e sentido do tratamento dos royalties na CDT Portugal-EUA.
§ 23. Note-se ainda que, no que tange aos comentários aos artigos 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE, como escreve o Professor ALBERTO XAVIER não existem dúvidas de que os Comentários são uma “séria «referência interpretativa»”.
§ 24. Porém, tal importância não é suficiente para que se possa considerar a existência de efeitos vinculativos.
§ 25. Não estamos perante um qualquer cherry picking de quais os comentários que devem ou não ser considerados, estamos, ao invés, face à natural ponderação do caso concreto na análise da pertinência daqueles comentários.
§ 26. Comentários que não podem, em qualquer circunstância, ser tidos como vinculativos e que devem mesmo ser totalmente afastados tendo em conta os factos do caso em apreço.
§ 27. Avancemos: não existem quaisquer dúvidas, tal não está em causa, nem é contestado na Decisão Arbitral Recorrida que, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem jurídica interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.
§ 28. Deste modo, os preceitos das CDTs prevalecem sobre todas as normas de direito interno infraconstitucional português — como é o caso das constantes do Código do IRC.
§ 29. Neste contexto, assente que está a aplicação, in casu, da CDT Portugal-EUA — e não do Código do IRC —, importaria verificar, como fez o Tribunal Arbitral no processo n.º 7/2022-T, qual o método de cálculo do crédito de imposto por dupla tributação internacional estabelecido pela mesma.
§ 30. No que respeita à qualificação dos rendimentos em causa e atinentes ao contrato de locação de equipamentos celebrado com a … os mesmos devem qualificar-se como royalties, o que é tido por assente na Decisão Arbitral Recorrida e na Decisão Arbitral Fundamento.
§ 31. Para uma correcta interpretação do artigo 25.º da CDT Portugal-EUA, que estabelece as regras sobre a eliminação da dupla tributação, cumpre recorrer à própria CDT Portugal-EUA, designadamente à norma em que se determinam quais os rendimentos que podem ser tributados no Estado da fonte, isto é, nos EUA.
§ 32. Foi isto mesmo que a Decisão Arbitral Fundamento fez, considerando este um elemento essencial a uma correcta apreciação da questão e das normas aplicáveis.
§ 33. No caso em apreço — e estando nós perante a tributação de royalties — teríamos de recorrer ao artigo 13.º, n.º 2 da CDT Portugal-EUA, que estipula que: “essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm [in casu, EUA] e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo das royalties for residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 10% do montante bruto das royalties”.
§ 34. Assim, de acordo com este preceito, o imposto que os EUA podem lançar sobre as royalties incidirá sobre o montante/rendimento bruto das mesmas e não sobre o seu montante/rendimento líquido, não sendo assim deduzidas quaisquer quantias a título de gastos incorridos com a respectiva obtenção.
§ 35. A fracção do imposto sobre o rendimento a calcular nos termos do artigo 25.º n.º 3, alínea a) da CDT Portugal-EUA faz apelo aos rendimentos que podem ser tributados no outro Estado, pelo que correspondendo tais rendimentos ao montante bruto — e não líquido — dos royalties, é esse montante que deve ser tido em conta para efeitos de determinação da fracção de imposto.
§ 36. Vale assim dizer que sobre o valor bruto dos rendimentos auferidos nos EUA poderá deduzir-se a totalidade da retenção na fonte suportada nos EUA, ao abrigo da Convenção PT-EUA, ao imposto pago em Portugal enquanto Estado da residência, na medida em que o imposto pago nos EUA não exceda a fracção do imposto sobre o rendimento em Portugal, eliminando assim a dupla tributação.
§ 37. Ou seja, como entendeu a Decisão Arbitral Fundamento, o limite estabelecido na parte final do n.º 3 do artigo 25.º da Convenção PT-EUA apenas terá aplicação no caso de a taxa do IRC aplicável a um determinado contribuinte ser inferior à taxa a que os rendimentos foram sujeitos no estado da fonte.
§ 38. Dito isto, o artigo 91.º do Código do IRC é necessariamente mais restritivo que as analisadas normas da CDT Portugal-EUA, encontrando-se à luz do previsto no artigo 8.º da Constituição a sua aplicação afastada.
§ 39. E se é assim, mal andou a Decisão Arbitral Recorrida (p. 16) quando sustentou ser pacífico que o método adoptado pela alínea a) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC é o mesmo que verte do artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da Convenção PT-EUA.
§ 40. De outro passo: além do argumento literal que supra referimos, a teleologia subjacente ao sistema de convenções para evitar a dupla tributação reforça a interpretação ora sustentada do artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da CDT Portugal-EUA.
§ 41. Com efeito, a razão última das CDTs é eliminar/atenuar a dupla tributação jurídica internacional, pelo que as soluções interpretativas que mais se aproximam de tal Portugal objectivo devem ser preferidas face às restantes.
§ 42. Portugal privilegia a neutralidade na exportação de capitais como resulta de uma análise das convenções por si negociadas e da lei interna.
§ 43. A única forma de cumprir esta finalidade no caso concreto é o de garantir que o imposto associado ao rendimento obtido pela locação de equipamentos feita pela Recorrente é o mesmo, quer tal locação ocorra nos EUA, quer ocorra em Portugal. Tudo quanto apenas será possível se o imposto pago nos EUA for creditado ao imposto devido em Portugal.
§ 44. O que se afirmou foi o que compreendeu e propugnou a Decisão Arbitral Fundamento.
§ 45. Sendo que, a este respeito, a Decisão Arbitral Fundamento não é sequer inédita, existindo várias decisões arbitrais, igualmente transitadas em julgado, emitidas no mesmo exacto sentido.
§ 46. Considerando tudo o que vai acima exposto, como já alegado acima, foi o Tribunal Arbitral peremptório no processo n.º 7/2022-T no sentido de afastar a relevância no caso em apreço dos comentários aos artigos 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE.
§ 47. O que o faz, e bem, realçando que os rendimentos em causa devem ser qualificados como royalties e, por isso, se subsumem ao artigo 13.º da CDT Portugal-EUA, que se afasta do previsto na Convenção Modelo da OCDE, o que enforma o modo de interpretação e aplicação do disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da CDT Portugal-EUA.
§ 48. Importa, pois, interpretar o disposto no artigo 25.º da Convenção PT-EUA tendo em conta a sua letra e a sua ratio, a qual passa, como anteriormente afirmado, pela eliminação da dupla tributação e que apenas é adequadamente alcançada se forem considerados os rendimentos brutos.
§ 49. Conforme sustentado na Decisão Arbitral Fundamento, deve ser fixada jurisprudência no sentido de que a dedução à colecta de IRC por dupla tributação internacional, ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRC, que tenha por base o imposto pago nos Estados Unidos da América por entidade residente em território nacional, incide sobre os rendimentos brutos que sejam qualificados como royalties, nos termos dos artigos 13.º, n.º 2, e 25.º, n.º 3, alínea a), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e Estados Unidos da América, disposições que prevalecem sobre a norma do artigo 91.º, n.º 1, daquele Código.
§ 50. Com efeito, de tudo o anteriormente referido resulta que mal andou o Tribunal Arbitral no processo n.º 756/2022, cabendo substituir a Decisão Arbitral Recorrida por decisão que reconheça a bondade da dedução à colecta de 2017 do valor de € 1.249.961,85, de modo a corresponder à totalidade do montante do imposto retido à Recorrente no Estado da fonte.
§ 51. E assim, deve a liquidação adicional de IRC do Grupo de 2017 ser anulada na parte em que nega o apuramento e a dedução a título de CIDTJI no montante de € 1.249.961,85, por manifesta violação do disposto no artigo 25.º da Convenção PT-EUA e igualmente no n.º 2 do artigo 8.º da Constituição, anulando-se ainda a decisão da reclamação graciosa que assim o não entendeu e decidiu.
TERMOS EM QUE SE REQUER QUE ADMITAM O PRESENTE RECURSO E RECONHEÇAM A CONTRADIÇÃO ENTRE OS JULGADOS, SENDO CONCEDIDO PROVIMENTO AO MESMO E, NESTA MEDIDA, QUE SEJA REVOGADA A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA, FIXANDO-SE JURISPRUDÊNCIA NO SENTIDO ADOPTADO NA DECISÃO ARBITRAL FUNDAMENTO, E QUE SEJA AQUELA DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA SUBSTITUÍDA POR DECISÃO QUE CONCLUA, A FINAL, PELA DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE E ANULAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO DE IRC E JUROS COMPENSATÓRIOS DE 2017 E DO INDEFERIMENTO QUE O MANTEVE NA ORDEM JURÍDICA, IMPUGNADOS NO PROCESSO ARBITRAL N.º 756/2022-T, CONSIDERANDO OS VÍCIOS ANALISADOS.
SENDO O VALOR DA ACÇÃO SUPERIOR A € 275.000,00, REQUER-SE QUE, VERIFICANDO-SE OS PRESSUPOSTOS, SEJA A RECORRENTE DISPENSADA DO PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO N.º 7 DO ARTIGO 6.º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.

Contra-alegou a entidade recorrida pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre decidir.

Na decisão recorrida levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
-Em 2016, a Requerente celebrou um contrato de locação de um conjunto de equipamentos à sociedade B... Inc. (adiante ‘B...’), sociedade de direito americano com sede nos EUA;
-Em 2017 e 2018, a Requerente faturou o montante superior a € 15.000.000, a título de rendas do referido contrato e despesas, tendo procedido ao correspondente registo contabilístico;
-Foram contabilizados gastos com as depreciações dos equipamentos locados à B..., que ascendem a € 20.221.490,89;
-A B... procedeu à retenção na fonte do valor correspondente a € 1.522.697,40, o que o fez nos termos e pela aplicação da Convenção e o Protocolo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (adiante ‘CDT PT-EUA’);
-As rendas em causa foram objecto de retenção na fonte de imposto sobre o rendimento nos EUA, à taxa de 10%, taxa aplicada igualmente ao valor das despesas por conta, nos termos do artigo 13.º da Convenção PT-EUA;
-A Requerente inscreveu no campo 6, do quadro 14, da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao período de 2017, o montante de € 1.249.961,85, que considerou gerado naquele exercício, o que se traduziu na invocação da constituição do direito a um CIDTJI prevista no artigo 91.º do Código do IRC.
-A título de reporte de anos anteriores daquele crédito e no que respeita ao exercício de 2016, a Requerente registou € 272.697,40;
-A mesma Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo C..., inscreveu aquele mesmo valor na Declaração Modelo 22 de IRC de 2017 do Grupo, sendo o valor de € 1.249.961,85 deduzido à colecta do Grupo.
-A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção tributária ao seu período de tributação de 2017;
-A Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspecção Tributária (“RIT”) individual, conduzida pela AT, em Novembro de 2020;
-A AT efectuou igualmente uma acção de inspecção ao Grupo fiscal do qual a Requerente é a sociedade dominante (adiante “Grupo C...”), tendo notificado a Requerente do respectivo RIT em Junho de 2021;
-A Requerente apresentou reclamação graciosa que foi indeferida por despacho datado de 7 de setembro de 2022 (acto impugnado no CAAD).

Na decisão fundamento seleccionou-se com interesse a seguinte matéria de facto:
A) A Requerente é a sociedade dominante do “Grupo C...”, que se encontra enquadrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).
B) O período de tributação de 2016 do Grupo situou-se entre 1 de julho de 2016 e 31 de dezembro de 2016, passando a Requerente a adotar, no ano de 2017, um período de tributação coincidente com o ano civil.
C) A Requerente celebrou, em 2016, um contrato de locação de um conjunto de equipamentos à sociedade C... Inc., sociedade de direito americano com sede nos EUA.
D) Com referência a 2016, a Requerente faturou, a título de rendas daquele contrato, o montante de € 2.726.974,00, tendo procedido ao correspondente registo contabilístico pelo seu valor bruto.
E) Para obtenção dos rendimentos em causa, a Requerente reconheceu gastos com depreciações no valor total de € 5.459.460,89.
F) A C... Inc. procedeu à retenção na fonte do valor de € 272.697,40, correspondente a 10% do valor das rendas.
G) A Requerente inscreveu no campo 6, do quadro 14, da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao período de 2016, o montante de € 272.697,40, correspondente ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional prevista no artigo 91.º do Código do IRC.
H) A Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo C..., inscreveu aquele mesmo valor na Declaração Modelo 22 de IRC de 2016 do Grupo, sendo o valor de € 272.697,40 deduzido à coleta do Grupo.
I) A Requerente, enquanto sociedade individual, foi objeto de uma ação de inspeção incidente sobre o período de tributação de 2016, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., da qual resultou uma correção tributária no montante de € 272.679,40, com a consequente redução a zero do crédito de imposto por dupla tributação internacional.
J) A correção tributária encontra-se fundamentada no Relatório de Inspeção Tributária nos seguintes termos:
III.2.1.2
Crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional
[…]
Análise
A sociedade A... SA inscreveu no campo 6, do quadro 14 - Crédito de Dupla Tributação Jurídica Internacional, da Declaração de Rendimentos de IRC (individual) referente ao período de 2016, o montante de 272.679,40 Euro, a título de imposto pago no estrangeiro.
Este montante considerado como imposto pago nos Estados Unidos da América corresponde a 10% do saldo da conta SNC #781233100 alug.Eq/lnsta.Fabr, no montante de 2.726.794,00 Euro referente aos recebimentos de um contrato de locação celebrado com a sociedade B... dos meses de outubro e dezembro.
Nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, no ano em que o contribuinte reconhece o rendimento na base tributável é lhe conferido o direito a crédito de imposto por dedução à coleta de IRC da menor das seguintes importâncias:
Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção;
Imposto a pagar no estrangeiro nos termos da CDT celebrada entre o país em causa e Portugal.
Com base nos elementos fornecidos pelo contribuinte a esta inspeção, aquando do recebimento das rendas do contrato de locação, entre esta sociedade e a sua participada norte-americana, foi retido imposto no valor total de 272.679,40 Euro, correspondente a 10% das rendas de 2016 (no total de 2.726.794,00 Euro).
Para a obtenção das rendas no valor de 2.726.794,00 Euro, a A... reconheceu gasto com depreciações no valor total de 5.459.460,89 Euro pelo que não existe qualquer ganho líquido o que determina que a fração de IRC (para efeitos da al. b) do n.º 1 do artigo 91º Código do IRC) é zero.
Questionada a sociedade por correio eletrónico em 2019-11-13, para justificar o crédito por dupla tributação jurídica internacional no quadro 14 da declaração modelo 22 no que se refere ao imposto retido na fonte sobre as rendas recebidas da B... no montante de 272.679,40 Euro, atendendo ao enquadramento do n.º 1 do art. 91.º do CIRC e à inclusão nas suas contas de gastos com depreciações dos equipamentos objetos de locação no montante de 5.459.460,89 Euro, não foi obtida qualquer resposta até à data deste relatório.
Assim,
Em função dos valores declarados pelo contribuinte como gastos e rendimentos associados ao contrato de locação entre esta sociedade e a sua participada B..., é indevido o crédito de imposto reclamado no valor de 272.679,40 Euro, nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC.
Conclusão
A sociedade A... SA considerou como crédito de imposto, o montante de 272.679,40 Euro resultante da aplicação da taxa de 10% conforme a convenção celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América ao total das rendas de locação cobradas à B... sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, para os rendimentos líquidos dos gastos inerentes à sua obtenção, que a A... declarou incluídos no seu resultado tributável é indevido qualquer crédito por DTJI;
Assim, em resultado da al. b) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, não há qualquer ganho líquido pelo que resulta uma correção ao direito ao crédito de imposto DTJI invocado de 272.679,40 Euro.
L) O Grupo C... foi objeto de uma ação de inspeção incidente sobre o período de tributação de 2016, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., destinada a refletir as correções efetuadas a algumas das sociedades do Grupo, incluindo no tocante ao crédito de imposto por dupla tributação internacional a que se refere a antecedente alínea I;
M) A correção tributária encontra-se fundamentada no Relatório de Inspeção Tributária nos seguintes termos:
III.2. Correções ao cálculo do imposto do grupo – IRC
Tendo em conta o disposto no artigo 115.º do Código do IRC, o pagamento do imposto incumbe à sociedade dominante. Assim, as correções efetuadas às empresas individuais ao nível do cálculo do imposto, serão refletidas no imposto a pagar pelo grupo, de acordo com o estipulado naquele normativo, pelo que serão efetuadas as respetivas correções conforme pontos seguintes.
III.2.1 Redução do Crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica internacional resultante de regularizações voluntárias no âmbito da sociedade individual "A... SA": 272.697,40 Euro
No cumprimento da Ordem de Serviço n.º 012019..., realizou-se um procedimento de inspeção externo de âmbito geral, relativo ao período de 2016, da sociedade A... S.A., com o NIF ... .
A sociedade A... SA durante o procedimento inspetivo realizou uma regularização voluntária de 272.697,40 Euros através da entrega da Declaração Modelo 22 de substituição de IRC, em 2020-ago-06, a que foi atribuído o registo 2232-C1625-2, inscrevendo nos campos 6 e 7 do quadro 14 da Declaração de Rendimentos de IRC, referentes ao crédito de imposto e à dedução efetuada no período, respetivamente, o valor zero, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 91.º do Código do IRC.
A última Declaração Modelo 22 de IRC submetida para a tributação pelo RETGS do GRUPO C... no período de 2016, indica a constituição de um crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional no total de 272.697,40 Euros comprovando-se que não reflete a supra referida regularização voluntária promovida pela sociedade A... SA.
Assim, procederemos à correção ao montante do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional constituído pelo grupo no período de 2016.
III.2.2. Correções ao consumo de Crédito de Imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional: 272.697,40 Euro.
Para efeitos da dedução a que se refere a al. a) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, considerou a sociedade dominante a utilização de crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional no valor total de 272 697,40 Euro, conforme reflete o Quadro 10 da Declaração Modelo 22 de IRC base de análise, correspondente à dotação do período que o grupo invoca.
Na sequência do descrito no ponto III.2.1. o crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional do Grupo C... no período de 2016 foi fixado em zero.
Assim, de acordo com a al. a) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, procederemos à correção ao imposto declarado no campo 355 do quadro 10, Dupla Tributação Jurídica Internacional, assim como nos campos 6 e 7 do quadro 14, ambos da Declaração de Rendimentos de IRC, no montante de 272.697,40 Euro, ficando inscrito nos campos mencionados o valor zero.
N) A correção tributária determinou, relativamente ao Grupo C..., a liquidação adicional de IRC de 2016 com o n.º 2020 ..., as liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2020 ..., 2020 ... e 2020 ... e a liquidação de juros de mora com o n.º 2020 ..., em que se apurou o valor a pagar de € 2.697.180,31.
O) Em 3 de maio de 2021, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC e as liquidações de juros compensatórios e de juros de mora, que foi indeferida parcialmente por despacho do Diretor do Serviço Central de 21 de setembro de 2021, praticado ao abrigo de delegação de competências, e notificado à Requerente em 7 de outubro seguinte.
P) A decisão da reclamação graciosa anulou a liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de € 8.053,36, referente a atraso na liquidação de pagamentos por conta, bem como a liquidação de juros de mora com o n.º 2020 ... também referente a pagamentos por conta, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ... após 28 de outubro de 2020, no total de 22 dias.
Q) No presente pedido arbitral está em causa a liquidação adicional de IRC n.º 2020..., e os correspondentes juros compensatórios, que constitui o documento n.º 2 junto ao pedido.
R) A decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa encontra-se fundamentada nos seguintes termos:
11. Está aqui em causa a aplicação dos artigos 25.º n.º 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA e 91.º, nº 1 alínea b) do CIRC.
12. De acordo com a reclamante, não é possível concordar com a posição da AT segundo a qual:
- não existiu qualquer ganho líquido com a locação de equipamentos concretizada nos EUA;
- sendo a fração de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC de € 0,00, tal impede a dedução de qualquer valor a título de crédito de imposto.
13. Na sua perspetiva, no que respeita à dedução a título de crédito de imposto a realizar no Estado da residência (no caso, Portugal), prevalece o disposto na Convenção em relação ao que dispõe o ordenamento jurídico interno do país da residência (por força do artigo 8.º n.º 2 da Constituição), o qual é mais restritivo, uma vez que impõe que, para efeitos do cálculo do referido crédito, devem ser considerados os gastos direta ou indiretamente suportados para a obtenção do rendimento.
14. Conclui, assim, que o cálculo do crédito de imposto deverá ter por referência o rendimento bruto, e não o rendimento líquido dos gastos e perdas incorridos para a sua obtenção, devendo ser este o critério a utilizar pela AT.
Vejamos.
15. Importa começar por sublinhar que os SIT não colocaram em causa que foi pago o valor de € 272.679,40, a título de imposto nos EUA relativamente a rendas do contrato de locação celebrado com a sociedade Columbo, sedeada nesse país. Tal valor, segundo concluíram os mesmos SIT correspondeu a das rendas recebidas em 2016.
Posto isto, fixemo-nos em concreto na questão que traz a reclamante.
17. Estamos perante uma situação de DTJI quando o mesmo rendimento, na esfera do mesmo sujeito passivo, é tributado no mesmo período de tributação em diferentes Estados.
18. Como é sabido, o principal instrumento que os Estados têm para prevenir, eliminar ou atenuar a DTJI é a via consensual, concretizada através da celebração de Convenções.
19. As Convenções são, assim, fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, não existindo no Direito interno português ato de transformação do Direito convencional em Direito interno, pelo que as normas constantes de tais Convenções são diretamente aplicáveis na ordem interna, conforme determina o artigo 8.º da Constituição.
20. As Convenções para eliminar a dupla tributação celebradas por Portugal baseiam-se na sua generalidade no Modelo de Convenção de Dupla Tributação proposto pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).
21. Por um lado, este Modelo de Convenção limita-se a traçar uma redação convencional que as partes deverão seguir na elaboração das Convenções a celebrar, sem, porém, se sobrepor às condições bilaterais concretamente acordadas entre os Estados, no caso de o respetivo conteúdo não constar da Convenção que estes celebrem.
22. Por outro lado, não visa atribuir aos Estados pretensões tributárias que não tenham suporte nas suas leis internas, mas apenas limitar, por via convencional, as pretensões tributárias que as suas leis internas já prevêem.
23. Portanto, para que a tributação seja válida não basta a existência de uma norma convencional que a permita, sendo igualmente necessária uma norma interna que a imponha.
24. A par dos artigos que formam o Modelo de Convenção propriamente dito, estão também os Comentários, elaborados pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, que constituem um elemento interpretativo útil para determinar o sentido das normas que o Modelo propõe, sendo utilizados regularmente pelas administrações fiscais dos Estados contratantes, pelos contribuintes e pelos tribunais como fonte de interpretação possível.
25. O Comité de Assuntos Fiscais da OCDE considera que a interpretação das Convenções para evitar a dupla tributação deve ser efetuada de acordo com os comentários mais recentes, mesmo no caso de Convenções celebradas anteriormente.
26. Todavia, esta posição, que implica uma interpretação atualista das Convenções com base em comentários supervenientes não é pacífica na doutrina, quer a nível nacional quer a nível internacional, como bem explica Gustavo Courinha no aludido artigo, publicado na Revista Fiscalidade p. 37, onde defende a posição, também sustentada por Rui Morais, de que uma Convenção baseada no Modelo da OCDE deve ser interpretada apenas à luz dos comentários vigentes à data da sua celebração, por serem estes os que as partes contratantes, supostamente, tiveram presente ao celebrarem um tal acordo.
27. Na parte introdutória ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património é inclusivamente destacado o facto de "as disposições da Convenção Modelo serem acolhidas no mundo inteiro e, dada a sua inserção na maior parte das convenções bilaterais, contribuíram para fazer dos comentários respeitantes às disposições da Convenção Modelo um guia amplamente reconhecido na interpretação e aplicação das disposições das convenções bilaterais existentes. Isto facilitou a interpretação e a aplicação dessas convenções bilaterais segundo princípios comuns.
28. Reitere-se, por outro lado, que os comentários ao Modelo de Convenção foram elaborados por um conjunto de especialistas em matérias fiscais mandatados pelos Estados membros da OCDE, constituindo um elemento interpretativo útil na descoberta do sentido das normas que o Modelo propõe, sendo utilizados como fonte de interpretação possível.
29. Não obstante o exposto, entendeu-se no Acórdão do CAAD, processo n.º 369/2015-T - citado pela reclamante no seu requerimento - que "no tocante às royalties, a solução acolhida na CDT Portugal - Cabo Verde (e, também, na generalidade das convenções celebradas por Portugal) se afasta do preconizado no MOCDE, porquanto este consagra a regra da competência exclusiva do estado da residência para tributar este tipo de rendimentos.
Assim sendo, o problema do montante do crédito de imposto (do valor a ser deduzido pelo estado da residência, relativo ao imposto pago no estado de fonte) não se coloca, no âmbito do MOCDE, quanto às royalties. Esta constatação assume alguma relevância na análise do caso concreto, uma vez que os Comentários ao n.º 1 do Artigo 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE, em que a AT se louva para estribar o seu entendimento, não poderão ser entendidos como referindo-se ao caso das royalties, pela simples razão de que, na economia deste Modelo de Convenção, nenhuma questão de dupla tributação internacional se suscita quanto a estes rendimentos".
30. Ora, a nosso ver, a posição defendida no aludido Acórdão não se afigura a mais acertada.
31. Com efeito, é certo que na CDT Portugal/Cabo Verde e, já agora, na CDT Portugal/EUA (artigo 13.º nº 2) se prevê a possibilidade de as royalties serem tributadas no Estado de que provêm, ao contrário do previsto na Convenção Modelo (artigo 12.º da Convenção Modelo OCDE).
32. É também verdade que, a respeito da tributação dos royalties, nas convenções que seguirem o Modelo OCDE não se registaram questões de aplicabilidade do dispositivo referente à eliminação da dupla tributação internacional.
33. Contudo, tanto na CDT Portugal/Cabo Verde, como CDT Portugal/EUA existem diversas regras de tributação de tipos de rendimentos que seguiram, de uma forma geral, as cláusulas previstas na Convenção Modelo para o efeito e que, naturalmente, geram questões de aplicabilidade do dispositivo referente à eliminação da dupla tributação internacional.
34. Focando-nos na CDT Portugal/EUA, é seguro referir que, ao nível da tributação dos rendimentos de bens imobiliários, dividendos, juros, lucros de empresas, no caso de exercerem a sua atividade no outro estado contratante por meio de estabelecimento estável, e de mais-valias, entre outros, as disposições aí previstas seguem, de uma forma geral, o que se encontra previsto na MOCDE, prevendo-se a possibilidade de tributação nos dois Estados Contratantes.
35. Aplicando a lógica do Acórdão do CAAD n.º 369/2015-T a situações relacionadas com estes tipos de rendimentos, obteríamos a conclusão de que, nestes casos, os Comentários ao n. 1 do Artigo 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE já seriam relevantes, pois relativamente a eles se colocavam questões relacionadas com a dupla tributação internacional.
36. Assim, de acordo com o aludido Acórdão, o artigo 25.º da CDT Portugal/EUA seria passível de duas interpretações, consoante a tributação de rendimentos que estivesse em causa.
37. Segundo o Acórdão, no caso de tributação de royalties, a interpretação do termo "rendimentos", prevista no artigo 25.º n.º 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA, seria a de rendimentos brutos.
38. Seguindo a lógica do Acórdão, a interpretação do termo rendimentos, prevista no artigo 25.º n.º 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA, poderia ser a atribuída pelos Comentários ao nº 1 do Artigo 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE.
39. Ora, com o devido respeito, não podemos aceitar a validade desta posição.
40. Na verdade, o facto de a disposição sobre a tributação de royalties na CDT Portugal/EUA se afastar do Modelo OCDE não determina, por si só, um tratamento distinto deste tipo de rendimento ao nível da eliminação da dupla tributação internacional.
41. Onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.
42. Assim, entendemos que a interpretação e aplicação do disposto no artigo 25.º n.º 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA se deverá efetuar de forma uniforme, independentemente do tipo de rendimento em causa.
43. Assim, demonstrada a relevância dos comentários aos artigos da convenção modelo para efeitos de interpretação das Convenções celebradas entre os diversos países para eliminar a dupla tributação, apuremos agora se os comentários efetuados ao artigo 23.º-B (método de imputação) nos fornecem algum contributo para a solução da questão acima colocada.
44. Refira-se desde já que os comentários ao Modelo de Convenção da OCDE são perfeitamente aplicáveis à CDT Portugal/EUA, pelo que, na falta de demonstração em contrário, a interpretação veiculada no comentário ao artigo 23.º-B da Convenção modelo é perfeitamente admissível e aplicável ao artigo 25.º da CDT Portugal/EUA.
45. No parágrafo 40 dos comentários ao nº 1 do artigo 23.º-A do Modelo de Convenção da OCDE (método da isenção) é referido, a propósito da importância a isentar, que "normalmente a base de cálculo do imposto sobre o rendimento é o rendimento líquido total, ou seja, o rendimento bruto menos as deduções autorizadas. É, pois, o rendimento bruto proveniente do Estado da fonte menos todas as deduções autorizadas (específicas ou proporcionais) conexas com a aquisição desse rendimento que deve ser isento".
46. Também nos comentários ao artigo 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE (método de imputação), concretamente no parágrafo 63, é destacado que “[a dedução máxima é normalmente calculada do mesmo modo que o imposto sobre o rendimento líquido, ou seja, sobre o rendimento do Estado [da fonte do rendimento] menos as deduções autorizadas (específicas ou proporcionais) conexas com tais rendimentos (…) Por esse motivo, a dedução máxima, em muitos casos, pode ser inferior ao imposto efetivamente pago no Estado [da fonte do rendimento]".
47. Como se pode verificar, é afirmado expressamente no comentário que, quer o apuramento do montante dos rendimentos a isentar do imposto (método de isenção), quer o cálculo da dedução máxima do imposto (método de imputação), é feito por referência ao rendimento que teria ficado sujeito a imposto interno sobre o rendimento, isto é, o rendimento líquido.
48. Vista a interpretação acolhida nos comentários ao artigo 23.º-B do Modelo de Convenção da OCDE, que identifica o rendimento líquido como base de cálculo do imposto para efeitos de dedução, analise-se de seguida a interpretação alternativa apresentada pela reclamante.
49. Como vimos, para a reclamante a fração de imposto a deduzir deve ser determinada por referência ao rendimento bruto, uma vez que, em seu entender, a Convenção não estabelece que o rendimento em causa deve ser líquido dos gastos suportados com a sua obtenção.
50. Ora, face ao que foi referido, este argumento não colhe, uma vez que o sentido do termo "rendimentos" previsto na alínea a) do n.º 3 artigo 25.º da CDT Portugal/EUA reporta-se a rendimentos líquidos.
51. Deste modo, os SIT agiram em conformidade com esta norma ao apurar e considerar os encargos incorridos para a obtenção do rendimento sujeito a imposto nos EUA, sendo este o valor relevante para efeitos de dedução por CIDTJI.
52. Refere a reclamante que, ainda que o valor de € 272.697,40 não seja/fosse deduzido em 2016, o mesmo deve ser reportado para 2017 e exercícios seguintes, ao abrigo do artigo 91.º no 4 do CIRC.
53. Não podemos concordar com tal pretensão da reclamante, uma vez que a dedução prevista no n.º 1 do artigo 91.º do CIRC que se apurou ser a que está em conformidade foi de € 0,00.
54. O nº 4 do artigo 91.º do CIRC é claro quando refere que sempre que não seja possível efetuar a dedução a que se refere o n.º 1 (…).
55. Ora, se a dedução decorrente da aplicação do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC é de € 0,00 nenhum valor fica por deduzir em exercícios posteriores, ainda que aí houvesse coleta para abarcar tal dedução.
56. Mais à frente na petição, a reclamante invoca que, na determinação dos "gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção "a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC não podem ser incluídos os gastos com as depreciações dos equipamentos em causa porquanto tendo as depreciações uma natureza de gastos operacionais, inerentes à atividade industrial do Grupo C..., tal impede que possam ser considerados como tendo sido suportados apenas para a obtenção das rendas pagas pela Columbo.
57. Contrariamente ao que pretende fazer notar a reclamante, a lei e concretamente a alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC não faz qualquer distinção quanto aos gastos que são ou não considerados no apuramento da “fração do IRC" aí prevista.
58. A norma em apreço refere "gastos direta ou indiretamente suportados" para a obtenção dos rendimentos obtidos em país estrangeiro, portanto apenas exige uma conexão com os rendimentos, que pode até ser indireta.
59. Portanto, mesmo que se considerasse que os gastos em causa são gastos operacionais inerentes à atividade do Grupo C... tal não impediria a sua consideração, para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC, a partir do momento em que os mesmos foram incorridos para obter ou garantir os rendimentos em questão.
60. Noutra vertente das suas alegações, a reclamante sustenta que a aplicação do regime previsto no artigo 91.º do CIRC tal como sustentado pela AT, mostra-se incompatível com o Direito da União Europeia, em particular com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
61. Concretiza referindo que "da aplicação das normas do artigo 91.º do Código do IRC, que limitam a dedução do valor do imposto pago no estrangeiro à fração do IRS correspondente aos rendimentos que possam aí ser tributados mas líquidos dos gastos que lhes sejam direta ou indiretamente imputáveis, resulta um tratamento menos favorável e a sujeição a uma carga fiscal superior dos sujeitos passivos que invistam no estrangeiro face àqueles que se limitem a fazê-lo em território nacional".
62. Cumpre, neste âmbito, começar por referir que a alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC quando dispõe, em matéria de eliminação da dupla tributação jurídica internacional, que a importância deduzida não poderá exceder a quantia que corresponderá, nos termos da lei, ao IRC que incida sobre os rendimentos que possam ser tributados no país da fonte, líquidos dos gastos direta ou indiretamente incorridos para a sua obtenção, está a seguir a mesma limitação que a CDT Portugal/EUA estabelece, quando dispõe no artigo 25.º n.º 3 alínea a) que "A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nos Estados Unidos".
63. Por conseguinte, quando a CDT Portugal/EUA estabelece que a "fração do IRC" se determina sobre o rendimento que pode ser tributado nos EUA está a remeter para o impacto que esses rendimentos tiveram na tributação em território português.
64. Com efeito, a tributação em Portugal, nos termos do CIRC, incide sobre o "lucro" do negócio, que se obtém pela dedução aos rendimentos de todos os gastos inerentes à sua obtenção, pelo que a "fração do IRC" não pode ser determinada pela aplicação da taxa ao total de rendimentos brutos mas sim sobre os rendimentos líquidos.
65. Ora, dispondo a lei interna, na temática do CIDTJI, no mesmo sentido que dispõe a CDT Portugal/EUA (regularmente adotada pelo Estado Português e publicada na forma legal), ou seja, observando o Direito Internacional o qual prevalece sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo o que seja conflituante com este, nos termos do artigo 8.º n.º 2 da Constituição — não tem razão de ser a argumentação da reclamante de que o mecanismo previsto no artigo 91.º do CIRC mostra-se incompatível com o Direito da União Europeia, em particular com o disposto no artigo 63.º nº 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
66. Reitera-se: a lei interna está em conformidade com um tratado internacional a que Portugal se vinculou.
67. Deste modo, estando a ser observado o disposto por um instrumento de Direito Internacional (as Convenções celebradas entre Estados) parece-nos desajustado o argumento de que houve violação do Direito Comunitário quando se entendeu ser de aplicar o disposto no artigo 91.º n.º 1 do CIRC.
68. Acresce que, a seguir-se o entendimento da reclamante poderia estar em causa a possibilidade de aplicar o mecanismo de eliminação da dupla tributação jurídica internacional, previsto em inúmeras Convenções celebradas por Portugal com outros países, e também na lei interna.
69. Não é comparável a dedução correspondente à DTJI com a dedução referente a retenções na fonte, prevista na alínea e) do nº 2 do artigo 90.º do CIRC.
70. Cada uma destas deduções tem um enquadramento próprio: uma respeita a rendimentos obtidos no estrangeiro, em que o Estado da fonte e o Estado da residência têm competência para tributar, impondo-se a este último o dever de eliminar ou atenuar a dupla tributação (alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC), a outra refere-se a rendimentos obtidos em Portugal e cá sujeitos a tributação, através de retenção na fonte, portanto sem conexão com outro(s) Estado(s) (alínea e) do referido n.º 2).
71. Ora, não pode ser tratada da mesma forma uma situação já tributada no estrangeiro e novamente tributada em Portugal de uma situação apenas tributada em Portugal.
72. Dada a especificidade de cada uma destas situações, naturalmente que a dedução que lhe corresponderá terá que ter previsão legal própria.
73. Em face do exposto, não podemos concordar com a afirmação da reclamante de que da aplicação do artigo 91.º do CIRC resulta uma divergência com o Direito da União Europeia, particularmente com o disposto no artigo 639 n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
74. Por fim, ainda no que respeita à correção acima identificada, defende a reclamante (sem prescindir do que anteriormente expôs) que o valor de € 272.697,40, a não ser considerado a título de CIDTJI, deverá ser considerado dedutível como gasto, nos termos do artigo 23º do CIRC.
75. Salvo melhor opinião em contrário, também aqui não tem razão a reclamante.
76. De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, não são dedutíveis para efeitos fiscais, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, "[o] IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros".
77. Donde resulta, parece-nos evidente, que não pode ser aceite como gasto fiscal, em sede de IRC, o valor do imposto sobre os rendimentos apurado fora do território português (cf. neste sentido, Informação Vinculativa correspondente ao processo 2016 003401, sancionado por despacho, de 29/05/2017, da Subdiretora Geral da Área de Gestão Tributária - IR).
S) o pedido arbitral deu entrada em 4 de janeiro de 2022.
Nada mais há com interesse.

Há agora que apreciar da admissibilidade do recurso.
É entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos com vista à uniformização de jurisprudência, tendo em conta o regime previsto nos artigos 25º, n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Lidas atentamente as decisões recorrida e a decisão fundamento, pode-se concluir de forma imediata que ocorre contradição entre ambas no que se refere à decisão oposta assumida por cada uma delas, uma vez que a decisão de que agora se recorre foi elaborada tendo por base o voto de vencido expresso na decisão fundamento.
Na verdade, em ambas as situações, exercício de 2016 num caso, e de 2017 e 2018 no outro, há que saber ao abrigo de que normas deve ser feito o cálculo do montante do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional resultante do imposto pago pelo rendimento auferido por uma sociedade residente em Portugal a título de rendas de um contrato de locação de um conjunto de equipamentos a uma sociedade de direito americano com sede nos EUA.
Verificando-se preenchidos os pressupostos para a admissão do presente recurso, cumpre decidir.

A questão controvertida resume-se, no essencial, à divergência que existe entre a AT e a Recorrente a respeito, basicamente, do Direito aplicável ao cálculo do montante do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional resultante do imposto pago pelo rendimento auferido por uma sociedade residente em Portugal a título de rendas de um contrato de locação de um conjunto de equipamentos a uma sociedade de direito americano com sede nos EUA.
A Recorrente defende que neste caso prevalece o regime jurídico estipulado na CDT Portugal-EUA, mais concretamente nos seguintes artigos:
Artigo 13.º, n.º 1 e 2
“1. As royalties provenientes de um Estado Contratante e pagar a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.
2. Todavia, essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo das royalties for residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 10% do montante bruto das royalties.
As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acordo, a forma de aplicar esse limite.
(…)”.
e
artigo 25.º, n.º 3, al. a)
“[Q]uando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados nos Estados Unidos (com base noutro critério que não seja o da cidadania), Portugal permitirá a dedução do imposto sobre o rendimento desse residente de uma importância igual ao imposto de rendimento pago nos Estados Unidos. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nos Estados Unidos”.

E interpreta o segmento normativo que resulta da conjugação destas normas da seguinte forma: i) o rendimento obtido nos EUA (rendas do mencionado contrato) são royalties; ii) e este rendimento que é tributado a uma taxa de 10% sobre o rendimento bruto é inteiramente dedutível à colecta do IRC em Portugal, excepto se o valor da colecta de IRC, calculada a partir dos rendimentos que podem ser tributados nos EUA, e sem a dedução do montante do imposto pago naquele país, for inferior à do imposto pago nos EUA.

A AT, por seu turno, sufraga um entendimento diferente. Sustenta que as normas da CDT Portugal-EUA permitem calcular o montante do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, mas não conferem o direito à dedução daquele montante. Para a AT, aplica-se neste caso o regime do artigo 91.º do CIRC, no qual se estipula o seguinte:
Artigo 91.º Crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional
1 - A dedução a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º é apenas aplicável quando na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde à menor das seguintes importâncias:
a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
b) Fracção do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correcção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos directa ou indirectamente suportados para a sua obtenção.
2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efectuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.

Assim, da conjugação dos regimes da CDT e do CIRC resulta que o direito à dedução pressupõe a aplicação das regras do direito interno, pois deste regime convencional não resulta um direito à dedução da totalidade do valor pago no estrangeiro a título de imposto, mas sim o direito à eliminação da dupla tributação jurídica à luz das regras do direito nacional, tal como resulta das regras interpretativas da Convenção Modelo da OCDE. Segundo as quais o direito à dedução pressupõe o cálculo do imposto tendo por base o rendimento líquido. Ora, neste caso, ficou comprovado que: i) a Requerente facturou o montante superior a € 15.000.000, a título de rendas do referido contrato e despesas; ii) foram contabilizados gastos com as depreciações dos equipamentos locados, que ascendem a € 20.221.490,89; e iii) o imposto pago por retenção na fonte foi de € 1.522.697,40. Assim, à luz das regras do artigo 91.º, n.º 1, al. b) do CIRC nenhum imposto seria devido, uma vez que os gastos, no exercício em causa, superavam os ganhos, razão pela qual, nenhum crédito de imposto podia ser deduzido.
E foram (e são) estes os argumentos que as partes vêm contrapondo desde o contraditório em sede de audiência prévia no procedimento de inspecção tributária, cabendo, no essencial, determinar qual das interpretações deve prevalecer no que respeita à solução jurídica aplicável.

Esta solução há-de ser determinada tendo em conta que as CDT consubstanciam direito positivo, negociado e fixado pelos Estados-parte com objectivos económico-financeiros e que a Convenção Modelo da OCDE (e as respectivas normas interpretativas) são uma directriz relevante, quer para a fixação deste direito convencional, quer para a sua interpretação, mas não são vinculativas para os Estados e não se podem sobrepor às soluções jurídicas efectivamente negociadas, acordadas e positivadas pelas partes.

Assim, do confronto entre o artigo 12.º da Convenção Modelo e o artigo 13.º da CDT Portugal-EUA resulta evidente que a solução Portuguesa se afasta da solução vertida na Convenção-Modelo. Esta recomenda a regra da tributação dos royalties no país da residência, com a correspondente isenção de tributação no país da fonte, à excepção dos casos de “abuso” ou em que exista um “intermediário”. Porém, Portugal adoptou uma solução diferente e reservou-se o direito de tributar os royalties na fonte, sendo esta uma opção legítima em termos de política fiscal.
Porém, é a excepção ao regime regra da Convenção Modelo que torna mais difícil compreender a solução jurídica que resulta das normas da CDT à luz dos critérios teleológicos da interpretação jurídica, nos quais repousa boa parte da argumentação da AT. Com efeito, aparenta ser pouco racional o resultado interpretativo segundo o qual o sujeito passivo tem direito a deduzir em Portugal a totalidade do imposto suportado nos EUA a título de tributação das royalties por uma “taxa liberatória de 10%”, quando a tributação da mesma operação à luz das regras do CIRC não daria lugar à liquidação de imposto, uma vez que não haveria sequer rendimento tributável.
O resultado da aplicação das normas da CDT Portugal-EUA significa admitir a dedução à colecta do imposto devido no Estado da residência do valor de um imposto liquidado no Estado da fonte, não sobre um rendimento efectivo, mas sobre um rendimento bruto ao qual corresponderia, segundo as regras da tributação no Estado da residência, um prejuízo financeiro operacional. Na prática, é como se ao admitir a dedução daquele valor à colecta do imposto devido no Estado da residência se estivesse indirectamente a financiar a economia do Estado da fonte.
Mas a teleologia da norma, que é, como dissemos, uma opção de política fiscal, não pode ser analisada a partir do circunstancialismo do caso concreto, ela tem de ser entendida em função da opção geral e abstracta legítima que o Estado formulou através das regras de direito internacional convencional, atendendo aos seus interesses económicos e que se mantém válida e eficaz não tendo sido invocado pelas partes, nem havendo conhecimento de que existam fundamentos para afastar esta CDT, designadamente a sua caducidade ou denúncia por uma das partes contratantes (artigo 31.º da CDT Portugal-EUA)
Ora, a solução consagrada na CDT é, efectivamente, incompatível com o disposto no artigo 91.º, n.º 1 do CIRC, não sendo procedente a argumentação da AT no sentido de o regime jurídico instituído pela norma de direito internacional ter, neste caso de prevalecer, uma vez que só vincula o Estado e, consequentemente, pode ser invocada pelos sujeitos da relação jurídica tributária.
Atente-se no que o Tribunal Constitucional teve oportunidade de esclarecer no seu recente acórdão n.º 653/2023, no qual também estava em discussão a legitimidade da aplicação ou não de um artigo de uma CDT que consagrava uma solução jurídica incompatível com o artigo 91.º do CIRC:
«O artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da CDT estabelece uma regra de dedução de imposto, tendo em vista a eliminação da dupla tributação. Estabelece, pois, uma obrigação concreta para o Estado Português, designadamente para efeitos de liquidação de IRC, obrigação que prevalece sobre qualquer disposição da lei ordinária (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição) e pode, consequentemente, ser invocada pelos contribuintes interessados na sua aplicação, como foi o caso.
A regra de dedução de imposto prevista no artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da CDT não coincide com a regra prevista no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, na redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, conduzindo a resultados diferentes. Neste caso, permite-se a dedução de importância equivalente ao imposto pago no estrangeiro, impondo, porém, um limite a esse valor. Todavia, nos termos da CDT há lugar a dedução integral do imposto pago em Moçambique, determinado a partir dos rendimentos brutos ali obtidos, desde que a importância desse modo deduzida não ultrapasse os limites previstos naquela norma convencional.
Como se pode ler na decisão recorrida, a aplicação da regra prevista no Código do IRC, conduzindo a menor dedução, “[…] frustraria parcialmente o objetivo de total eliminação da dupla tributação em situações envolvendo Portugal e Moçambique, objetivo principal prosseguido pela convenção subscrita pelos dois países”. Daí a contradição, manifestada em diferentes resultados da liquidação realizada em função de uma ou outra regra, conforme reconhecido no acórdão sob recurso, com a consequente anulação do ato de liquidação. Contradição que, face ao superior lugar do direito convencional sobre a lei ordinária na hierarquia normativa, só poderia resolver-se pelo afastamento da norma do Código do IRC, em favor da norma da CDT».

Assim, também no caso dos autos a norma contida no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, contraria o disposto nos artigos 13.º, n.ºs 1 e 2 e 25.º, n.º 3, alínea a), da Convenção entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, pelo que, a sua aplicação in casu tem de ser afastada.
Portanto, o recurso está em condições de ser admitido e merece provimento.

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em admitir o recurso, conceder-lhe provimento e anular a decisão arbitral recorrida no segmento impugnado e fixar jurisprudência nos seguintes termos:
a norma contida no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, contraria o disposto nos artigos 13.º, n.ºs 1 e 2 e 25.º, n.º 3, alínea a), da Convenção entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, pelo que a sua aplicação é afastada nos casos que se inscrevam no âmbito de previsão e aplicação das referidas normas da CDT.

Custas pela recorrida ATA.
D.n., incluindo publicação.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2024. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves.