Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01902/21.6BEBRG
Data do Acordão:06/22/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISÃO
DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P29608
Nº do Documento:SA22022062201902/21
Data de Entrada:05/17/2022
Recorrente:A....
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

Relatório-

1 – A….., com os sinais dos autos, invocando o disposto no artigo 85.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP), fez dar entrada no Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto uma petição, endereçada ao «Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga», pedindo que seja «anulada a coima aplicada» pelo Chefe daquele Serviço de Finanças no valor de € 66,42 e no âmbito do processo de contra-ordenação com o n.º 03702015060000047335, pela falta de pagamento de taxa de portagem.

Concluiu do seguinte modo:

A) No processo de contraordenação indicado foi aplicado ao recorrente uma coima por, pretensamente, ter passado, no dia 22-2-2013, na A14, sem o pagamento da taxa de portagem.

B) Acontece que o recorrente é cidadão brasileiro que viveu em Portugal desde 20034 até 12-3-2011, tendo trabalhado, desde 1 de janeiro de 2010 até 28 de fevereiro de 2011, na empresa B…., Ldaª, contribuinte n.º …… com sede no Parque Industrial ......, Lote .., na freguesia de Refojos, do concelho de Cabeceiras de Basto.

C) Proprietária do veículo que passou nas portagens.

D) Tendo o recorrente regressado ao Brasil em 2011, só tendo regressado a Portugal em 2016.

E) Data em que foi confrontado pelo serviço de estrangeiros e fronteiras com as dívidas fiscais que tinha pendentes.

F) Todas relacionadas com falta de pagamento de taxas de portagens e coimas por falta de pagamento das mesmas, no período em que o recorrente esteve no Brasil, seu país natal.

G) Tendo o recorrente apresentado queixa-crime contra o sócio-gerente da empresa proprietária do veículo por ter comunicado que tinha sido este a passar nas portagens.

H) Inquérito que foi arquivado porque não foi possível provar quem tinha comunicado às concessionárias que tinha sido o recorrente a passar com os veículos sem o pagamento das portagens.

I) Mas onde consta “O queixoso juntou aos autos a folhas 65 e ss dos autos que comprovam que nas datas das passagens nas portagens que deram origem à instauração dos processos de contraordenação não estava em Portugal”.

J) Ou seja, não foi o recorrente a passar nas portagens, daí que este não tenha praticado qualquer infração.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exª doutamente suprirá, deverá o presente pedido de revisão ser considerado provado e procedente face aos factos atrás apontados em que ficou provado que não foi o recorrente a cometer a infração a que se referem os presentes autos e, em consequência, ser anulada a coima aplicada.

2. O Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto prestou a informação que entendeu pertinente e remeteu os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, cuja Juíza proferiu despacho no sentido da remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo, logo salientando que, a seu ver, não estava verificado o requisito da alínea a) do n.º 2 do art. 80.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, uma vez que logo salientando que, a seu ver, não estava verificado o requisito da alínea b) do n.º 2 do art. 80.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, uma vez que, em face das datas em que o Arguido foi notificado das decisões de aplicação da coima e em que apresentou os pedidos de revisão, há que concluir foi excedido o prazo de cinco anos ali previsto.

3. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público tendo a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer no sentido de ser negado provimento à pretensão formulada.

Cumpre apreciar e decidir [cfr. art. 3.º, alínea b), do RGIT, art. 80.º, n.º 1, do RGCO, art. 449.º e segs. do CPP e art. 26.º, alínea h), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais].


- Fundamentação –


4. Com interesse para a decisão a proferir, resulta dos autos o seguinte circunstancialismo:

a) por decisão proferida no processo de contra-ordenação com o n.º 03702015060000047335, o Chefe desse Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto aplicou ao ora Recorrente uma coima, do valor de € 66,42, pela falta de pagamento de taxa de portagem;

b) em 17 de agosto de 2021 o ora Recorrente apresentou no Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto o requerimento que deu origem aos presentes autos de recurso.

Questão idêntica foi tratada por Acórdão deste Supremo Tribunal, do passado dia 8 de junho, processo n.º 1776/21.7BEBRG, interposto pelo mesmo recorrente e com base em circunstancialismo de facto absolutamente idêntico ao dos presentes autos. Daí que, por se concordar em absoluto com o ali decidido, seguir-se-á, também aqui idêntico entendimento.

Consignou-se no referido Acórdão:

«2.2 Nos termos do art. 80.º do RGCO, aqui aplicável ex vi do art. 85.º, n.ºs 1 e 3.º, alínea b) do RGIT, «[a] revisão de decisão definitiva ou transitada em julgado, em matéria contra-ordenacional, obedece ao disposto no artigo 449.º e seguintes do Código de Processo Penal» (n.º 1) e, se a favor do arguido e com base em novos factos ou em novos meios de prova, não será admissível quando «[o] arguido apenas foi condenado em coima inferior a € 37,41» [n.º 2, alínea a)] e quando «[j]á decorreram cinco anos após o trânsito em julgado ou carácter definitivo da decisão a rever» [n.º 2, alínea b)].

Como resulta do citado art. 80.º do RGIT, o primeiro requisito para a revisão é que a decisão que aplicou a coima seja «definitiva ou transitada em julgado».

Em face da alegação do Recorrente – que afirma, relativamente à decisão em causa: «Jamais tendo recebido qualquer comunicação […] relacionada com tal assunto […] do serviço de finanças», bem como que deixou Portugal em 11 de Março de 2011, regressando ao Brasil, país de que é cidadão, e só voltou ao nosso País em 26 de Junho de 2016 –, logo se nos suscitam dúvidas sobre a verificação daquele primeiro dos requisitos para ponderarmos a autorização para a revisão, ou seja, sobre a definitividade da decisão que aplicou a coima.

É certo que o Arguido não afirma textualmente que não foi notificado da decisão que lhe aplicou a coima e é sabido que a mera não recepção da correspondência é um facto que, por si só, não permite concluir pela falta ou invalidade da notificação, conclusão que só poderá resultar da aplicação das regras de direito aos factos pertinentes. Deveremos, então, indagar da factualidade pertinente, designadamente, devolvendo os autos à 1.ª instância, a fim de que aí se providencie pela junção dos pertinentes documentos? ( )

Entendemos que não, por se tratar de diligência inútil. Senão vejamos: caso viéssemos a concluir que o Arguido não foi notificado ou não pode considerar-se validamente notificado, teríamos de rejeitar o pedido de revisão por falta do já referido primeiro requisito da revisão, que a decisão a rever seja «definitiva ou transitada em julgado» [cfr. art. 80.º, n.º 1), do RGCO]; caso viéssemos a concluir que o Arguido foi validamente notificado, o pedido de revisão haveria de ser rejeitado por falta de verificação do requisito constante da alínea b) do n.º 2 do art. 80.º do RGCO, pois teriam passado já mais de cinco anos sobre a data em que a decisão se tornou definitiva.

Deveremos, pois, sem mais, rejeitar o pedido de revisão?

2.3 Afigura-se-nos que não. À luz do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 20.º da Constituição da República Portuguesa) e tendo presente a alegação aduzida na petição – que, a confirmar-se, dá conta duma injustiça de uma gravidade a que a ordem jurídica não pode ficar indiferente ( ) –, impõe-se interpretá-la do modo que conceda a melhor tutela ao Arguido e lhe permita discutir judicialmente as questões em que se consubstancia aquela injustiça. Vejamos:

A alegação do Arguido – que, essencialmente, se resume ao facto de entre 11 de Março de 2011 e 26 de Junho de 2016, ininterruptamente, ter estado no Brasil, o que inviabilizou quer a prática da infracção quer o conhecimento da sanção que lhe foi aplicada –, interpretada de modo a permitir conferir tutela jurisdicional, assenta em dois pilares: primeiro, não foi notificado da decisão que lhe aplicou a coima; segundo, a infracção por que foi acoimado não foi nem poderia ter sido por ele praticada.

Nos termos dessa alegação – de cuja veracidade ora não nos cumpre averiguar – o Arguido estará em tempo para recorrer judicialmente da decisão que lhe aplicou a coima (sem qualquer peia quanto ao seu valor) e poderá afastar a sua responsabilidade contra-ordenacional. Ou seja, não obstante o Arguido ter indicado como meio processual o recurso de revisão, o único meio processual que lhe poderá assegurar a tutela e permitir-lhe esgrimir os fundamentos invocados é o recurso da decisão de aplicação da coima, previsto no art. 80.º do RGIT.

Entendemos, pois, ser de convolar o requerimento de revisão em requerimento de recurso da decisão de aplicação da coima – tanto mais que o pedido que formulou (que seja «anulada a coima aplicada») é adequado a este último meio processual –, sem prejuízo de o tribunal de 1.ª instância indagar do prazo para interposição do mesmo, o que passará por estabelecer se o Arguido foi ou pode considerar-se como tendo sido validamente notificado da decisão que aplicou a coima, não podendo ignorar-se a necessidade de apurar e, eventualmente, valorar a alegada ausência do Arguido no Brasil, país da sua nacionalidade, nas referidas datas.» (fim de citação)

É este julgado que aqui se reitera, por se nos afigurar o mais consentâneo e porquanto há que conferir tratamento igual a situações iguais.


- Decisão -


5. Termos em que, face ao exposto, convolamos o requerimento de revisão em requerimento de recurso judicial de decisão de aplicação da coima e determinamos que o processo regresse ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para aí prosseguir sob este meio processual.

Custas a final.

Lisboa, 22 de junho de 2022. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Gustavo André Simões Lopes Courinha.