Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0180/23.7BECBR
Data do Acordão:04/04/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
Sumário:É de admitir revista sobre a adequação do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, para reagir à inércia da Administração na decisão de uma pretensão de autorização de residência, face à relevância jurídica da questão e à necessidade de a clarificar e solidificar no caso concreto.
Nº Convencional:JSTA000P32075
Nº do Documento:SA1202404040180/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:DIRETOR REGIONAL DO CENTRO DO SEF
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
AA, com os sinais dos autos, intentou no TAC de Lisboa contra o Ministério da Administração Interna/ Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [agora AIMA, IP], Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, nos termos do art. 109º, nº 1 do CPTA, pedindo a intimação da entidade demandada a decidir a pretensão por si formulada em 16.10.2021 e, em consequência, a emitir o título de residência do Autor com carácter urgente ou, caso não se entenda que o seu pedido foi objecto de deferimento, que seja declarado, por força do prazo legal para a decisão, o deferimento tácito do mesmo.

Por sentença datada de 06.07.2023, o TAC julgou inobservado o requisito da subsidiariedade que é inerente à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, circunstância consubstanciadora de uma excepção inominada, nos termos conjugados dos artigos 109º, nº 1 e 110, nº 1, ambos do CPTA, absolvendo o Requerido da instância.

Por acórdão de 11.01.2024 o TCA Sul negou provimento ao recurso interposto daquela decisão pelo Requerente, mantendo a sentença de 1ª instância, por ter entendido, em síntese, que o requerente não cumprira o ónus “de alegar factos concretos que permitam concluir que a não emissão de uma decisão de mérito célere que imponha à Administração uma determinada actuação ou omissão, irá pôr em causa o respectivo exercício em tempo útil, por não ser possível ou suficiente nas circunstâncias do caso o decretamento de uma providência cautelar, necessariamente dependente ou instrumental de uma acção administrativa não urgente.”.

É deste acórdão que o Autor interpõe o presente recurso de revista, nos termos do disposto no art. 150º, nº 1 do CPTA, invocando a manifesta relevância jurídica e social da questão que se reveste de importância fundamental.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista o Recorrente invoca que o acórdão recorrido, confirmativo da decisão do TAC de Lisboa, incorreu em erro de julgamento ao ter entendido que a intimação intentada não era o meio idóneo para ver decidida a sua pretensão de 16.10.2021 para obter «autorização de residência», com urgência, ou reconhecer que tal pretensão foi objecto de deferimento tácito, e emitir o título de residência, violando o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva e criando um entrave desproporcionado e injustificado no acesso ao direito e ao processo previsto no art. 20º da CRP. E que o acórdão recorrido violou os arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 15º, 20º, 26º, 27º, 36º, 44º, 53º, 58º, 59º, 64º, 67º, 68º e 268º, nº 4, todos da CRP, arts. 7º, 15º, e 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6º e 14º da CEDH e ainda o art. 109º e 120º, nº 1, ambos do CPTA, e os arts. 82º, nº 1 e 88º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4/7, Lei nº 59/2017, de 31/7 e Lei nº 102/17, de 28/8 e Lei nº 18/2022, de 25/8 e ainda os arts. 5º, 8º, 10º e 13º, todos do CPA e art. 607º, nº 4 do CPC.
Esta Formação de Apreciação Preliminar teve já oportunidade de se pronunciar sobre as questões que o Recorrente pretende ver apreciadas nesta revista, em casos em tudo semelhantes.
Assim, v.g., no acórdão de 28.09.2023, Proc. nº 0455/23.5BELSB expendeu-se, nomeadamente, o seguinte: “Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista – referidos no citado artigo 150º do CPTA – ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
Feita uma tal apreciação, impõe-se-nos concluir pela admissão do presente recurso de revista. Efectivamente, e desde logo, a sintonia dos «tribunais de instância» no sentido da decisão de indeferimento liminar assenta em «diferentes fundamentos», (…). Estas discrepâncias jurídicas traduzem claramente, aliás, a divergência existente nas instâncias sobre a questão aqui litigada, a qual se mostra resolvida em aparente divergência com acórdão deste STA – AC STA de 11.09.2019 Rº 01899/18.0BELSB.
Assim, para além de estarmos perante uma «questão» de relevância jurídica, acresce a necessidade de clarificar e solidificar o sentido da sua resolução, no âmbito dos «casos concretos trazidos a juízo», o que é múnus do órgão máximo desta jurisdição.
Estes considerandos são absolutamente transponíveis para o caso em presença (embora aqui não se esteja perante um indeferimento liminar), sendo de toda a conveniência que o STA se pronuncie sobre a problemática dos pressupostos do meio previsto no art. 109º do CPTA, já que, além do mais, a questão da urgência representa um problema nesse domínio susceptível de se colocar repetidamente, justificando-se, portanto, admitir o recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 4 de Abril de 2024. - Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso - Fonseca da Paz.