Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0152/22.9BEAVR
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
Sumário:Não se justifica admitir revista se a questão da prescrição e da contagem do respectivo prazo, parece ter sido abordada acertadamente pelo acórdão recorrido, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.
Nº Convencional:JSTA000P32123
Nº do Documento:SA1202404110152/22
Recorrente:AA
Recorrido 1:INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
AA, Autora nos autos, interpõe recurso do acórdão do TCA Norte, de 03.11.2023, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do TAF de Aveiro, de 07.10.2022, proferida na acção administrativa, de responsabilidade civil extracontratual que intentou contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (doravante INFARMED), o qual julgou procedente a excepção de prescrição, absolvendo o Réu do pedido.
A Recorrente não invocou os pressupostos estabelecidos no nº 1 do art. 150º do CPTA, já que interpõe recurso de “Apelação”, embora fazendo apelo ao art. 150º do CPTA.

Em contra-alegações o Recorrido defende a irrecorribilidade da decisão, por não se verificarem os requisitos do art. 150º do CPTA.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Significa isto que o presente recurso é de revista excepcional, tal como previsto no art. 150º do CPTA, e não de apelação conforme identificado pela Recorrente, sendo, pois, como tal que será apreciado por esta Formação de Apreciação Preliminar, prevista no nº 6 daquele preceito, competindo-nos apreciar se no caso concreto se verificam ou não os pressupostos indicados no nº 1, conforme se acabou de explanar.

No presente recurso a Recorrente questiona o início da contagem do prazo de prescrição do alegado direito de indemnização relativo a danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido com a conduta ilícita do Réu, defendendo que tal início se deve contar da data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono – 19.06.2015 -, tendo ainda ocorrido factos interruptivos da prescrição.

O TAF de Aveiro considerou que o direito da A. se encontrava prescrito, tendo em atenção o disposto no art. 498º, nº 1 do Código Civil (CC), segundo o qual o prazo de três anos começa a correr a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu.
Assim, mesmo considerando que a acção se devia considerar instaurada em 19.06.2015, como alegado pela A., julgou prescrito o direito (cujo prazo teria terminado, no máximo, em 09.03.2014), absolvendo o Réu do pedido.

A Recorrente apelou para o TCA Norte que pelo acórdão recorrido negou provimento ao recurso e confirmou a decisão de 1ª instância.
O acórdão recorrido, face à alegação perfilhada pela Recorrente de que a contagem do prazo prescricional deve iniciar-se em 19.06.2015, teve em atenção que esta instaurou a acção com vista a obter a condenação do INFARMED a pagar-lhe diversas importâncias para ressarcimento dos danos que alega ter sofrido com a anulação [por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto] do concurso público aberto por aquela entidade para a instalação de uma farmácia na freguesia ..., concelho de Espinho, no qual ficou graduada em 1º lugar, tendo aberto a “Farmácia A...”.
Em síntese, considerou o acórdão o seguinte: “Face à alegação da autora/recorrente e à forma como a mesma apresenta a causa de pedir, dúvidas não subsistem de que a mesma identifica o acto praticado pelo réu que ancora o direito indemnizatório que vem exercer, como sendo o acto de homologação da lista de classificação final dos candidatos ao concurso público aberto pelo INFARMED para a instalação de uma farmácia na freguesia ..., concelho de Espinho, acto esse que veio a ser anulado por sentença do TAC do Porto, confirmada por acórdão do STA de 24/04/2008. (…)
Ora, a anulação do acto de homologação da lista de graduação final com esse fundamento conduziu, necessariamente, à alteração da graduação dos candidatos no âmbito do concurso em causa, com o posicionamento em 1º lugar da candidata inicialmente graduada em 2º, com as consequências que daí resultam: atribuição do alvará a essa candidata, cassação do alvará que havia sido atribuído à ora recorrente e encerramento da farmácia. (…)
Assim sendo, e tendo presente a causa de pedir invocada pela autora, temos por certo que os pressupostos da responsabilidade civil em que a mesma assenta o seu pedido de indemnização tornaram-se do seu conhecimento com a prolação do acórdão do STA de 24/04/2008. Nessa data a mesma ficou ciente da ilegalidade do acto de homologação da lista de classificação final. E ficou também ciente que a reposição da legalidade implicava necessariamente que deixaria de estar graduada em 1º lugar, ficando, por isso, privada do alvará que lhe havia sido atribuído, pelo que teria de encerrar a farmácia.
Donde ter-se por assente que, desde aquela data, a autora/recorrente adquiriu, formalmente, o direito que se propõe exercer, não existindo qualquer impedimento legal à formulação de pedido de indemnização com esse fundamento. (…)
Isto posto e regressando ao caso dos autos, resulta absolutamente cristalino não assistir razão à recorrente quando pretende que não ocorreu a prescrição do seu direito em virtude de o respectivo prazo se ter interrompido com a instauração em 13/04/2011, da acção administrativa especial n.º 334/11.9BEAVR, na qual impugnou a deliberação de 13/01/2011 do Conselho Directivo do Infarmed.
É que, ainda que tal tivesse sucedido, isto é, ainda que a citação do INFARMED no âmbito daquela acção fosse apta a interromper o prazo prescricional, nos termos do n.º 1 do artigo 323º CC, sempre este há muito havia decorrido aquando da instauração da presente acção.
Dispõe o n.º 1 do artigo 327º do CC que nos casos em que a interrupção da prescrição resultar de citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
Ora, como resulta do probatório (cfr. pontos 18 e 19), no âmbito daquele processo n.º 334/11.9VEAVR foi proferido acórdão pelo TCA Norte em 3/02/2013, o qual negou provimento ao recurso interposto pela autora da sentença do TAF de Aveiro que julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado, acórdão esse que lhe foi notificado por ofício de 12/02/2013, sendo que do mesmo não foi interposto recurso.
Assim sendo, quando a presente acção foi instaurada e o réu citado, o que aconteceu em 10/03/2022 (cfr. ponto 15 do probatório), há muito haviam decorrido três anos sobre o trânsito em julgado do acórdão do TCA Norte proferido no processo n.º 334/11.9BEAVR.
Considerou, assim, o acórdão que a Recorrente teve “conhecimento do direito que lhe compete” com a prolação do acórdão do STA de 24.04.2008 e que não se verificou qualquer causa de interrupção da prescrição, pelo que, quando o réu foi citado na presente acção se mostrava prescrito o direito à indemnização que se pretendia fazer valer, como bem decidiu a sentença de 1ª instância.

Na sua revista a Recorrente questiona o decidido pelo acórdão recorrido quanto à prescrição, reafirmando o anteriormente alegado de que esta deveria contar-se desde 19.06.2015 e de que teriam ocorrido factos interruptivos da prescrição.
No entanto, a sua argumentação não é convincente.
Como se vê as instâncias decidiram a questão da prescrição de forma semelhante.
Tal questão da contagem do prazo de prescrição tal como decidida pelo acórdão recorrido (em consonância com a decisão de 1ª instância), afigura-se tê-lo sido de forma correcta e bem fundamentada, sem que se vislumbre qualquer erro ostensivo na aplicação da lei, face aos factos dados como provados.
Assim, porque a questão da prescrição e da contagem do respectivo prazo, parece ter sido abordada acertadamente pelo acórdão recorrido, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, não se vê, no juízo sumário que a esta Formação de Apreciação Preliminar caber realizar, que a revista seja necessária para uma melhor aplicação do direito, sendo certo que aquela questão não assume uma particular relevância jurídica ou complexidade jurídica superior ao normal para este género de problemática, pelo que não se justifica postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 11 de Abril de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.