Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:012/08.6BCPRT 01593/15
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IVA
DEDUÇÃO
RENÚNCIA À ISENÇÃO DE IVA
Sumário: I - O exercício da renúncia à isenção de IVA pelos sujeitos passivos que se dediquem à locação e transmissão de imóveis depende da obtenção de declaração de modelo oficial e da emissão de certificado pela AT, que será exibido aquando da celebração do contrato de arrendamento ou da escritura de transmissão (cfr. arts. 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86, e art. 12.º, n.ºs 4 a 6, do CIVA, redacção em vigor à data dos factos).
II - A exigência de declaração prévia, junto da AT, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção é compatível com o direito da União, tal como já se pronunciou o TJ no Caso Kirchberg, C-269/03, de 9/09/2004, a propósito de uma disposição da lei Luxemburguesa e no Acórdão BelgoCodex, C- 381/97de 3 de Dezembro de 1998.
III - O artigo 4.º, nº 4 do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, permite a dedução do imposto suportado a montante por referência a contratos de locação imobiliária com financiamento para construção, na proporção do período subsequente à obtenção dos certificados de renúncia à isenção, e a calcular pela Administração Tributária nos termos do disposto nos n°s. 5 e 6 do referido artº 4º do Decreto-lei 241/86, na redacção da Lei nº 3-B/2000 e nº 2 do artº 91º do CIVA, na redacção então em vigor.
Nº Convencional:JSTA000P25986
Nº do Documento:SA220200603012/08
Data de Entrada:12/02/2015
Recorrente:BANCO A…….., S.A.
Recorrido 1:SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

Vem o Banco A……., S.A., com os demais sinais dos autos, recorrer do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada contra o despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que indeferiu pedido de regularização de IVA relativos aos anos de 1998 a 2000.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«a) A locação – financeira ou não financeira – de bens imóveis é uma operação isenta de IVA, isenção esta que, por revestir natureza incompleta, impede o locador de deduzir o imposto suportado na aquisição dos inputs utilizados na actividade em causa.
b) Em utilização da opção que concedida pelo legislador da União Europeia, o Código do IVA atribui aos sujeitos passivos o direito de renunciarem à isenção de IVA nas operações de locação de imóveis mediante a verificação de determinadas condições, estabelecidas, a data dos factos, no artigo 12º, números 4 e 6 do Código do IVA e no Decreto-Lei nº 241/86, de 20 de Agosto.
c) A lei vigente à data dos factos salvaguardou a possibilidade de um correto apuramento e controlo, pela Administração Tributária, da verificação das condições de que depende a renúncia à isenção de IVA e do imposto relativo aos imoveis abrangidos pelo regime de tributação, mediante a obrigação dos sujeitos passivos de:
- solicitarem ao serviço de finanças competente a e à isenção;
- disporem de contabilidade organizada de modo a segregar os custos e proveitos de cada um dos imóveis ou partes autónomas abrangidos pelo regime de tributação;
- entregarem a declaração periódica do IVA a partir do mês ou trimestre seguinte ao da emissão do certificado, reportando o corresponde imposto liquidado e dedutível;
- entregarem, com a declaração periódica, os anexos onde figurassem as operações referentes a cada um dos imóveis;
- celebrarem o contrato definitivo de locação dos imóveis com os seus locatários; e
- efectuarem a dedução do IVA incorrido com base no critério da afetação real de todos os bens e serviços utilizados.
d) Mais estabeleceu o legislador português, na redacção da lei vigente à data relevante, que a dedução do imposto suportado e ou o respectivo reembolso apenas poderiam ocorrer após a celebração do contrato de locação.
e) No momento em que o Recorrente solicitou a regularização, a seu favor, do imposto relativo aos imóveis objecto de locação financeira relativamente à qual renunciou à isenção, os requisitos exigidos pela lei encontravam-se todos cumpridos, uma vez que o único que, até essa data, se encontrava em falta – o certificado de renuncia emitido pelo serviço de finanças competente – tinha sido já suprido pelo Recorrente,
f) Não procede a conclusão do Tribunal a quo no sentido da natureza constitutiva do certificado de renúncia isenção de IVA na locação de improcedência do pedido principal do Recorrente, desde logo, porque a lei (na redacção à data relevante), sendo omissa quanto à natureza, constitutiva ou não constitutiva, do certificado de renúncia à isenção, não deixava de indiciar o segundo dos sentidos referidos: o legislador optou pelo termo “certificado” e não “autorização” para qualificar a intervenção da Administração Tributária na constituição do direito à renúncia. A renúncia à isenção traduz o exercício de um direito – para mais potestativo – do locador. A emissão do certificado está a jusante deste exercício e, em consequência, da constituição da renúncia.
g) O legislador do IVA conhece a distinção ente “certificação” e exige a autorização nos casos em que entende dever exigi-la, pelo que é lícito concluir que se tivesse pretendido estabelecer um sistema mediante o qual – à semelhança do que vigora noutros sistemas europeus – a renúncia à isenção ficasse dependente, não de certificação, mas de autorização, tê-lo-ia dito expressamente.
h) Por outro lado, nem no Código do IVA, nem no Decreto-Lei nº 241/86, de 20 de Agosto, se pode encontrar qualquer norma que impeça o locador de solicitar a emissão do certificado de renúncia à isenção de IVA no decurso da vigência de um contrato de locação imobiliária, o que demonstra inequivocamente que a intenção do legislador foi a de criar um requisito formal, e não um requisito substancial da renúncia existência da renúncia à isenção: o certificado declara a existência, mas não a constitui.
i) Interpretar a lei no sentido de que a não emissão do certificado em data anterior ao contrato de locação imobiliária seria elemento suficiente para impedir o sujeito passivo de exercer o direito à dedução do IVA incorrido criaria uma distorção grave quanto à estrutura do imposto, em manifesta violação do princípio da neutralidade subjacente à sua criação.
j) O entendimento preconizado pelo Recorrente em nada prejudica a função de “fiscalização” que o Tribunal a quo atribui ao serviço de finanças que emite o certificado de renúncia à isenção, já que, exigindo-se em qualquer hipótese a emissão de um certificado, continua a ser possível a verificação do cumprimento dos requisitos de que depende a renúncia e o consequente direito à dedução do imposto suportado.
k) O entendimento preconizado pelo Recorrente também em nada prejudica a fiscalização que nesta matéria compete à Administração Tributária, já que, por força das obrigações contabilísticas e declarativas associadas à renúncia à isenção, antes descritas, e dos poderes que em matéria de inspecção lhe competem, é-lhe possível controlar o cumprimento das condições de que depende a renúncia – e agir em conformidade – independentemente do momento em que o certificado é emitido.
l) Não procede assim a conclusão do Tribunal a quo no sentido de a falta deste elemento constituir uma omissão susceptível de comprometer o cumprimento, por parte do Recorrente, do requisito de dispor de um certificado de renúncia à isenção válido, para efeitos de aferir do direito à dedução do IVA relacionado com o imóvel objecto de locação no referido contrato.
m) A atribuição de natureza constitutiva ao certificado de direito da União Europeia que obrigatoriamente enforma o funcionamento do IVA enquanto imposto harmonizado, na medida em que tratar de forma diferente sujeitos passivos que renunciam à isenção de IVA na locação de imóveis e que para o efeito preenchem as condições substantivas de que a lei faz depender a renuncia à isenção apenas com base no momento diferenciado do cumprimento de uma formalidade – como decorre do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo – significaria violar intoleravelmente o princípio da neutralidade do imposto.
n) Embora o artigo 18º da Sexta Directiva permitisse aos Estados membros estabelecer as formalidades relativas ao exercício do direito à dedução e o artigo 13.º, ponto C) da mesma Directiva permitisse aos Estados membros restringir o âmbito do direito de opção pela tributação na locação de imóveis e fixar as regras do seu exercício, não poderia a imposição de formalidades e requisitos, por parte do legislador nacional, quer pelo número ou tecnicidade de tais exigências, quer mesmo desconsiderando as dificuldades impostas pela dinâmica e especificidades das actividades económicas, tornar impossível na prática, ou excessivamente difícil, o exercício do direito à dedução por parte dos agentes económicos.
o) A interpretação que o Tribunal a quo faz quanto à natureza do certificado de renúncia á isenção de IVA na locação de imóveis tem como efeito a limitação (na formulação do Tribunal de Justiça da União Europeia) “[d]o direito [do Recorrente] de efectuar as deduções ligadas às operações tributáveis [quando] o direito de opção [foi] validamente o exercido”: onde a lei lhe atribuiu um direito potestativo de renúncia à isenção de IVA verificadas que fossem as condições nela exigidas, do que decorre necessariamente a possibilidade de dedução do imposto suportado a montante, vem o tribunal a quo negar tal possibilidade de dedução, desta forma violando ostensivamente o direito da União Europeia.
p) Tendo o Recorrente suprido a falta dos certificados requisitos para operar a dedução do IVA relativamente aos contratos de locação imobiliária para os quais solicitou a correspondente regularização, a seu favor, se encontravam cumpridos.
q) Nessa medida, a decisão que recaiu sobre os requerimentos submetidos ao abrigo do artigo 71.º, número 7 do Código do IVA, na parte que não mereceu acolhimento, e a decisão que recaiu sobre o Recurso Hierárquico apresentado pelo Recorrente enfermam do vicio de violação de lei, designadamente por fazer uma interpretação e aplicação errónea das normas do Código do IVA e da Sexta Directiva reguladoras do direito a dedução e reembolso e, ainda, das normas constantes do Decreto-Lei nº 241/86, de 20 de Agosto, não podendo vingar na ordem jurídica, pelo que devem ser revogadas, o que se requer a Vossas Excelências.
r) À cautela e sem conceder, admitindo um cenário em que a regularização do IVA relacionado com os contratos de locação objecto de contestação no presente recurso não poderia ser efectuada, com base no argumento de que a sujeição a IVA das operações imobiliárias em causa estava condicionada à obtenção prévia dos certificados de renúncia a isenção, que assumiriam um carácter constitutivo do direito, sempre deverá subsidiariamente aceitar-se a possibilidade de o Recorrente efectuar a dedução do imposto suportado nos referidos contratos, na proporção do período subsequente à data de tal obtenção, ao abrigo do artigo 4º, número 4 do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto.
s) Entendimento diverso, como o que foi sancionado pelo Tribunal a quo, de que a norma referida apenas se aplica a contratos relativos a imóvel alvo de locação isenta em anterior contrato, não pode manter-se na ordem jurídico-tributária por incompatível com o direito da União Europeia e, ainda, com os princípios que norteiam a interpretação das normas tributárias.
t) É que a lei não especifica que a “locação” precedente que refere tenha que ser âmbito de outro contrato. Por outro lado, em caso de dúvida as normas tributárias devem ser interpretadas de acordo com o princípio da substância sobre a forma, o que significa que a situação sub judice deverá ter enquadramento equivalente ao dos contratos de locação sucessivos.
u) Em qualquer hipótese, a posição assumida pelo Tribunal a quo viola frontalmente a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos da qual a aplicação das regras processuais nacionais não pode ter como consequência limitar o período em que as deduções podem ser efectuadas a um período mais curto do que o previsto pela Sexta Directiva para o ajustamento das deduções.
v) Há assim que interpretar o disposto o disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 241/86, de 20 de agosto, no sentido preconizado pelo Recorrente, qual seja o de (a titulo subsidiário) se permitir a dedução do imposto suportado por referência aos contratos de locação em análise na proporção do período subsequente à obtenção dos certificados de renúncia à isenção.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossa Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como procedente por provado, e em consequência ser revogada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que contemple as interpretações de Direito acima explanadas, dando-se provimento à pretensão da Recorrente e, em consequência, ser anulada a decisão de deferimento parcial dos requerimentos que foram objecto da decisão por parte da Entidade requerida no âmbito do Recurso Hierárquico interposto contra a parte que não mereceu acolhimento, através da aceitação da regularização, a favor do recorrente, do IVA incorrido relacionado com os contratos de locação financeira imobiliária relativamente aos quais o certificado de renuncia à isenção foi obtido em data posterior aos referidos contratos, devidamente identificados no presente documento, que ascende a € 600.756,97.
Subsidiariamente, para o caso de o pedido formulado acima não ser acolhido por Vossas excelências em sede do presente recurso, deverá a Entidade Requerida ser condenada a autorizar a regularização, a favor do Recorrente, da proporção do IVA a deduzir correspondente ao número de anos após a obtenção do certificado de renúncia até perfazer o período de 4 anos previsto no artigo 91.º do Código do IVA (em vigor à data dos factos, actual artigo 98.º), no total de € 292.853,60, tudo com as legais consequências.
(…)»

2 – Foram apresentadas contra-alegações no sentido do não provimento do recurso, pronunciando-se a entidade recorrida no sentido de que a questão sob recurso não se afigura controversa, quer na jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. 2002.07.03, processo nº 0139/02 e de 2009/11/25 – processo nº 0486/09), quer na doutrina.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, com base na fundamentação que, na parte relevante, se transcreve:

«(…..) A nosso ver o recurso não merece provimento.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 9.º/30 do CIVA está isenta de IVA a locação de imóveis.
Trata-se de uma isenção de tipo incompleto, já que por se tratar de operações não previstas no artigo 20.º do CIVA, não permitem e dedução do IVA incidente sobre os inputs necessários à realização dessas operações.
Todavia, o sujeito passivo pode renunciar à isenção do IVA, desde que verificados os pressupostos enunciados no artigo 12.º/4/6 do CIVA e em conformidade com o estatuído no artigo 13.º/ C) da Sexta Directiva (Directiva 77/38 /CEE, de Conselho, de 17 de Maio de 1977).
Para que se possa concretizar a opção pela tributação deverão verificar-se, cumulativamente, as seguintes condições:
1.ª -locatário ou o adquirente terão que ser sujeitos passivos do imposto e que não se encontrem no regime especial dos pequenos retalhistas;
2ª -o imóvel deverá ser utilizado pelo locatário ou pelo adquirente, total ou parcialmente, em actividades tributadas;
3ª -a locador ou o adquirente terão que possuir uma contabilidade separada para a escrituração das operações relacionadas com os imóveis a arrendar ou a alienar com sujeição a imposto de modo a facultar-lhe a identificação dos respectivos custos e proveitos;
4.ª -a opção deve ser expressamente formulada pelo locador ou pelo alienante, através de declaração de modelo aprovado de que conste, consoante os casos, o nome do locatário ou do adquirente, a renda ou o preço e demais condições do contrato.
Uma vez comprovado esses requisitos o respectivo Serviço de Finanças emitirá um certificado, que deve ser exibido antes da celebração do contrato ou escritura de transmissão.
A opção deve ser exercida caso a caso, ou seja, imóvel.
Os procedimentos e formalidades a observar pelo sujeito passivo que opte pela tributação em IVA da locação ou transmissão de imóveis encontravam-se reguladas no DL 241/86, de 20 de Agosto, nomeadamente nos seus artigos 1.º e 4.º.
Nos termos do artigo 4.º/2 do DL 241/86, “Não será, todavia, permitido aos sujeitos passivos efectivar a dedução relativa a cada imóvel ou parte autónoma no imposto apurado em outros imóveis ou partes autónomas ou quaisquer outras operações, nem solicitar o respectivo reembolso nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 22.º do Código do IVA, antes da celebração da escritura de transmissão ou do contrato de locação dos imóveis”.
A opção pela renúncia à isenção do IVA “… tem de se verificar previamente ao facto gerador dos impostos, que ocorre à data da celebração do contrato ou da escritura da transmissão. Este corolário resulta, inequivocamente, das formalidades a cumprir para efeitos de opção, quando se refere na parte final do n.º 6 do artigo 12.º do CIVA que «comprovados os pressupostos referidos naqueles números, a Administração Fiscal emitirá nessa altura o certificado, isento de selo, que ser exibido aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão»” (IVA, anotado e comentado, 9.ª edição, Porto Editora, página 257, Emanuel Vidal Lima).
O certificado de renúncia à isenção emitido pelo Serviço de Finanças é, pois, um acto constitutivo de direitos em matéria tributária (neste sentido acórdãos do STA, de 2002.07.03-P.0139/02 e de 2009.11.25-P.0486/09, ambos disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Como bem refere a decisão recorrida, a exigência de declaração prévia junto da AT, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção do IVA é compatível com o direito da União Europeia (neste sentido acórdão do TJCE, caso Kirchberg, C -269/03, de 9 de Setembro de 2004, a propósito de uma disposição da Lei Luxemburguesa).
Uma vez que a obtenção dos certificados de renúncia à isenção é posterior à celebração dos contratos de locação, a recorrente não tem direito dedução do IVA.
Também, não tem direito à regularização do IVA a seu favor, com peticiona, na proporção do período em que a locação passou a estar sujeita a IVA, com fundamento no estatuído no artigo 4.º/4/5/6 do DL 241/86.
Na verdade, o normativo do artigo 4.º/4 do DL 241/86, de 20 de Agosto, teve por escopo permitir a renúncia à isenção de IVA em contratos de locação ou transmissão de imóveis em que o mesmo imóvel tivesse sido objecto de locação isenta em anterior contrato e não o incumprimento por banda dos sujeitos passivos das formalidades legais prevista nesse diploma para a renúncia à isenção.
Por outro lado, resulta do estatuído no artigo 9.º/6 do CIVA que o contrato seja celebrado em data posterior ou contemporânea à do certificado, pois só assim este poderá ser exigido no momento da celebração.
O acórdão recorrido, em nosso entendimento, não merece censura.
Termos em que deve negar-se provimento a recurso e manter-se o acórdão recorrido na ordem jurídica.»

4 – Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

5 – O Tribunal Central Administrativo Norte considerou como provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
«A) No âmbito de uma acção de inspecção para efeitos de controlo de pedidos de reembolsos de IVA, a Administração Tributária detectou que a A. não apresentou certificados de renúncia à isenção de IVA relativamente a alguns contratos de locação financeira imobiliária que tinha celebrado com os seus clientes, e relativamente aos quais vinha liquidando IVA nas rendas e deduzindo IVA, tendo sido emitidas as respectivas liquidações adicionais, relativas a vários períodos de 1998 a 2000 (cfr. documento de fls. 31 e ss dos autos).
B) Na sequência da acção de inspecção mencionada na alínea anterior foram emitidas as respectivas liquidações adicionais relativas a vários períodos de 1998 a 2000 (cfr. documento de fls. 31 e ss dos autos).
C) Em 13/09/2002 a A. requereu ao Director-Geral dos Impostos, ao abrigo do disposto no artigo 71.º, número 7 do CIVA, autorização para regularização a seu favor do IVA suportado com fundamento na obtenção posterior dos seguintes certificados de renúncia à isenção que estavam em falta, relativos aos seguintes contratos de locação (cfr. documento de fls. 35 dos autos, e documentos de fls. 31 e 32 dos autos e fls. 148 e ss dos autos (cfr. documentos de fls. 148 e ss dos autos):


N.º do Contrato

500283
501881
502070
501854
501540
501360
501441
501481
501377
501495
501792
502106
501796
502138
501922
502137
500410
600115
20000046
20000066
20000086
20000190
20000045
20000197
20000261
20000705
Data Do Contrato/Alteração

2000.07.27
2000.03.15
1999.09.30
1999.04.30
1998.07.15
1998.02.18
1998.04.08
1998.05.21
1998.02.26
1998.12.22
1999.03.02
1999.10.29
1999.03.02
1999.11.26
1999.06.24
1999.11.26
2001.10.26
2001.04.03
2000.02.08
2000.02.16
2000.02.10
2000.04.27
2000.02.10
2000.05.04
2000.05.19
2000.07.25
Data Emissão do Certificado

2002.02.21
2001.05.14
2001.05.15
2001.09.19
1999.11.25
1999.11.25
1999.11.25
1999.11.09
1999.11.09
2000.10.10
2002.01.07
2001.05.15
2001.12.18
2001.04.11
2001.12.18
2001.04.16
2001.05.11
2001.03.29
2001.04.16
2002.01.16
2000.07.07
2000.05.30
2001.05.03
2000.05.15
2001.10.31
2001.04.16


D) O requerimento referido na alínea anterior, com base na informação 1018 de 10/01/2005 foi deferido relativamente aos contratos números 500410 (Abril e Julho de 2000) e 600115 (Abril e Maio de 2000), e indeferido relativamente aos contratos números 500283, 501881, 502070, 501854, 501540, 501360, 501441, 501481, 501377, 501495, 501792, 502106 501796, 502138, 501922, 502137, 20000046, 20000066, 20000086, 20000190, 20000045, 20000197, 20000261 e 20000705, com o fundamento, em síntese, de que os certificados de renúncia deveriam ter sido emitidos antes da celebração dos contratos de locação, pelo que os requisitos do n.º 6 do artigo 12.º não foram cumpridos (cfr. documento de fls. 30 e ss dos autos).
E) Em 16 de Novembro de 2005 a A. apresentou Recurso Hierárquico, requerendo a anulação da decisão referida na alínea anterior e, ainda, subsidiariamente, a consideração do IVA suportado em proporção ao período em que o contrato de locação se considerava sujeito a IVA (cfr. documento de fls. 64 e ss dos autos).
F) O Recurso Hierárquico foi indeferido por Despacho n.º 584/2008/XVII do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, datado de 18 de Junho de 2008, com base nos fundamentos na informação n.º 1245 de 10/03/2008 e informação n.º 1413, de 09/05/2008, entendendo-se, em síntese, que o certificado de renúncia deveria ter ser emitido em data anterior à do respectivo contrato de locação, considerando o disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA, o preâmbulo do DL n.º 241/86, de 20 de Agosto, e o n.º 2 do art. 4.º deste último diploma (cfr. documentos de fls. 45 e ss dos autos).
G) O despacho mencionado na alínea anterior foi levado ao conhecimento da A., pelo Ofício n.º 069092 de 2 de Julho de 2008 (cfr. documento de fls. 45 e 56 dos autos).
H) A presente acção foi apresentada junto deste tribunal em 06/10/2008 (cfr. fls. 1 dos autos).»

6. Do objecto do recurso

A questão objecto do recurso consiste em saber se incorre em erro de julgamento o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte exarado a fls. 328/339, que julgou improcedente acção administrativa especial intentada contra o despacho do Senhor SEAF, que indeferiu pedido de regularização de IVA relativos aos anos de 1998 a 2000, no entendimento de que os certificados de renúncia à isenção de IVA, relativos a contratos de locação financeira imobiliária referenciados no probatório, deveriam ter ser emitidos em data anterior à dos respectivo contratos de locação, face ao disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA, ao preâmbulo do DL n.º 241/86, de 20 de Agosto e ao disposto no n.º 2 do art. 4.º deste último diploma.

Em causa o invocado direito à dedução integral do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) incorrido em contratos de locação financeira imobiliária, considerando a autora, e ora recorrente, que supriu a falta dos certificados de renúncia à isenção.

Mostram os autos, que a Administração Tributária, na sequência de uma acção de inspecção para efeitos de controlo de pedidos de reembolso, detectou, relativamente a alguns contratos de locação financeira imobiliária, que a Autora não dispunha de certificado de renúncia à isenção de IVA. Neste contexto, procedeu às respectivas liquidações adicionais.

Posteriormente, a Autora obteve junto da Administração Tributária os certificados de renúncia à isenção (referente a vários períodos dos anos de 1998 a 2000), previstos no n.º 2 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, e que não dispunha à data da acção de inspecção. Depois, por requerimento dirigido ao Director-Geral dos Impostos, e com fundamento no art. 71.º, n.º 7 do Código do IVA (CIVA), requereu a autorização para deduzir o IVA que havia sido liquidado adicionalmente naquela acção de inspecção, por entender que, tendo suprido a falta dos certificados poderia, então, deduzir o IVA suportado.

Porque aquele requerimento lhe foi apenas parcialmente deferido, a Recorrente interpôs recurso hierárquico daquela decisão, que veio a ser objecto de despacho de indeferimento proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Residiram as razões do indeferimento, síntese, no entendimento de que o certificado de renúncia deveria ter ser emitido em data anterior à do respectivo contrato de locação, face ao disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA, ao preâmbulo do DL n.º 241/86, de 20 de Agosto e ao disposto no n.º 2 do art. 4.º deste último diploma.

A Recorrente discordava deste entendimento, no essencial, porque no momento em que solicitou ao Director-Geral dos Impostos a regularização do IVA dos diversos períodos de 1998 a 2000, a seu favor, já tinha suprido a falta da emissão dos certificados de renúncia de isenção, sendo que os contratos de locação financeira referiam expressamente que era vontade das partes sujeitar os mesmos a IVA, pelo que alegadamente não seria necessário a rectificação dos contratos, e deste modo, poderia deduzir o IVA suportado naquele período, e que foi objecto de liquidação adicional.

Perante a questão assim suscitada o Acórdão recorrido considerou que um dos formalismos a observar pelos sujeitos passivos que pretendessem renunciar à isenção na locação de bens imóveis prevista no art. 12.º, n.º 4 do CIVA encontrava-se previsto no artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, diploma aplicável à época, e consistia na apresentação de um pedido de renúncia através de um modelo aprovado, com base no qual, cabia à Repartição de Finanças (actualmente, Serviços de Finanças), nos termos do n.º 2, verificar se estavam preenchidos os pressupostos para que o sujeito passivo pudesse optar pela renuncia à isenção, e só então, emitir o certificado a que se refere o n.º 6 do art. 12.º do CIVA.
Mais se ponderou que «existe uma relação indissociável entre as condições previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 12.º do CIVA para a renúncia à isenção e o procedimento declarativo prévio, e a posterior emissão de certificado previstos no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, pois apenas após a entrega da declaração é que a AT poderá verificar se estão preenchidos os pressupostos e verificando-se, então, emitirá o certificado, dentro de um prazo máximo de 30 dias».
Considerou também o acórdão recorrido que a exigência de declaração prévia, junto da AT, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção é compatível com o direito da União, tal como já se pronunciou o TJ no Caso Kirchberg (C-269/03, de 9/09/2004) a propósito de uma disposição da lei Luxemburguesa.
E concluiu, no prosseguimento de tal discurso argumentativo, que o cumprimento das obrigações declarativas prescritas na lei para a renúncia à isenção é condição de eficácia do exercício da mesma, sendo que o certificado de renúncia à isenção é um acto constitutivo de direitos em matéria tributária.

Por outro lado, e perante a questão suscitada, a titulo subsidiário, de saber se a autora tinha direito à regularização do IVA a seu favor, na proporção do período em que a locação passou a estar sujeita a IVA, com fundamento no disposto no artigo 4.º, números 4 a 6 do Decreto-lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, o Tribunal Central Administrativo Norte considerou que o n.º 4 do artº 4º, do Decreto-lei n.º 241/86, de 20 de Agosto foi aditado pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, tendo em vista permitir a renúncia à isenção em contratos de locação ou transmissão de imóveis em que o mesmo imóvel, tivesse sido alvo de locação isenta no anterior contrato, sendo esse o sentido a dar à hipótese legal “quando a renúncia à isenção tiver sido precedida de uma locação isenta”, tendo julgado também improcedente essa pretensão da autora.

Não conformada alega recorrente, em síntese, que a intenção do legislador foi a de criar um requisito formal, e não um requisito substancial da existência da renúncia à isenção. E conclui que o certificado declara a existência, mas não a constitui.

Mais sustenta que a interpretação que o Tribunal a quo faz quanto à natureza do certificado de renúncia criaria uma distorção grave quanto à estrutura do imposto, em manifesta violação do princípio da neutralidade subjacente à sua criação, violando ostensivamente o direito da União Europeia.

Subsidiariamente, e para a hipótese de um cenário em que a regularização do IVA relacionado com os contratos de locação objecto de contestação no presente recurso não poderia ser efectuada, pelo facto de que a sujeição a IVA das operações imobiliárias em causa estava condicionada à obtenção prévia dos certificados de renúncia a isenção, que assumiriam um carácter constitutivo do direito, alega que há que interpretar o disposto o disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 241/86, de 20 de agosto, no sentido de se permitir a dedução do imposto suportado por referência aos contratos de locação em análise na proporção do período subsequente à obtenção dos certificados de renúncia à isenção.

7.1 Apreciando e decidindo.

O conceito de isenção em direito fiscal caracteriza-se, fundamentalmente, por uma ausência de carga tributária, apesar de se verificarem todos os pressupostos necessários à constituição da obrigação de imposto.
As isenções de IVA caracterizam-se por produzirem um resultado diferente das isenções dos restantes impostos. Enquanto nestes as isenções são criadas em benefício do sujeito passivo, no IVA os beneficiários são os adquirentes dos bens e serviços sujeitos a tributação, os quais normalmente não têm a qualidade de sujeitos passivos de IVA. Acresce que as isenções limitam o direito à dedução dos sujeitos passivos, salvo no caso das isenções plenas.
Pelo contrário, no IVA as isenções produzem a interrupção do mecanismo de tributação, sem possibilidade, em muitos casos, de transferir a carga tributária para fases posteriores, uma vez que o imposto suportado não pode ser recuperado e vai adicionar-se ao custo de produção do bem ou do serviço aumentando, em consonância, o preço a pagar pelo consumidor (Cf., neste sentido, PATRÍCIA NOIRET CUNHA, anotações ao CIVA, pag. 197, ed. INSTITUTO SUPERIOR DE GESTÃO, 2004).
No nosso ordenamento jurídico-fiscal a locação e a transmissão de imóveis estão, em regra, isentas de IVA.
Os números 30 e 31 do artigo 9º do Código do IVA, na redacção vigente à data dos factos, determinam que a locação de bens imóveis – n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA), e as operações sujeitas a SISA/IMT - n.º 31 se encontram isentas deste imposto, salvo nos casos previstos nas respectivas alíneas a) a e).
A isenção em apreço resulta da transposição para o ordenamento jurídico português do artigo 13.º-B, al. b) da Directiva 77/388 do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa ao sistema comum do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (Sexta Directiva, em vigor à data dos factos).
Assim na locação o locador não liquida IVA sobre o valor da operação, não lhe assistindo, consequentemente, o direito a deduzir qualquer imposto suportado a montante, designadamente na construção do imóvel, na reabilitação ou nas despesas de manutenção.
Porque não permite a dedução do IVA suportado a montante esta isenção configura uma isenção simples ou incompleta.
E porque esta isenção pode ter forte impacto financeiro sobre os sujeitos passivos, que ficam impedidos de deduzir o IVA incorridos nas aquisições de bens e serviços que estejam relacionadas com estas operações imobiliárias, o artº 13º-C da Sexta Directiva permite aos estados-membros que facultem aos sujeitos passivos a renúncia à isenção, em termos mais ou menos restritos conforme julguem mais conveniente (Vide, também, Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, ed. Almedina, pag. 320 e segs.) .

Assim em algumas situações excepcionais previstas no art. 12.º do CIVA, concede-se a possibilidade de renúncia à isenção, passando o sujeito passivo a aplicar o IVA nos termos normais às suas operações e, consequentemente, a poder deduzir o imposto suportado para a respectiva realização.

No nosso ordenamento jurídico o regime de renúncia à isenção do IVA nas operações de locação resulta do disposto nos artigos 9.º, n.º 29 e 12.º, n.ºs 4 a 7 do Código do IVA, possibilitando a prerrogativa de conceder a opção de tributação nas operações de locação de bens imóveis, cujos termos e condições regulamentou, inicialmente no Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, que vigorava data em que foi deduzido o IVA em causa nos presentes autos e que foi revogado pelo DL n.º 21/2007, de 29/1, diploma que incorpora as alterações promovidas ao abrigo da Directiva n.º 2006/69/CE, do Conselho, de 24 de Julho.
No caso vertente a renúncia à isenção de IVA ocorreu ainda no domínio do referido Decreto-Lei n.º 241/86.
Os condicionalismos e as formalidades a observar pelos sujeitos passivos que decidiam optar pela aplicação do IVA à transmissão ou à locação de bens imóveis ou partes autónomas destes, eram regulados pelo Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto (hoje, pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro.), que, no seu art. 1.º, dispunha:
«1. Os sujeitos passivos que nos termos dos n.ºs 4 a 6 do artigo 12.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, pretendam renunciar às isenções referidas nos n.ºs 30 e 31 do artigo 9.º do mesmo Código deverão entregar, em triplicado, na repartição de finanças competente, uma declaração conforme modelo aprovado.
2. Sempre que se encontrem preenchidos os pressupostos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 12.º do Código do IVA, a repartição de finanças emitirá o certificado a que se refere o n.º 6 do mesmo artigo no prazo máximo de 30 dias a contar da data de entrega da declaração mencionada no número anterior».
Ora, além do mais, este diploma estabelecia, nos n.ºs 1 e 2 do seu art. 4.º, o seguinte:
«1. Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, os sujeitos passivos que renunciarem à isenção nos termos do artigo 1.º terão direito à dedução do imposto suportado para a realização das operações relativas a cada imóvel ou parte autónoma, segundo as regras definidas nos artigos 19.º e seguintes do Código do IVA.
2. Não será, todavia, permitido aos sujeitos passivos efectivar a dedução relativa a cada imóvel ou parte autónoma no imposto apurado em outros imóveis ou partes autónomas ou quaisquer outras operações, nem solicitar o respectivo reembolso nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 22.º do Código do IVA, antes da celebração da escritura de transmissão ou do contrato de locação dos imóveis».
Resulta, ainda, do art. 3.º do mesmo diploma legal o seguinte:
«1. Os sujeitos passivos que exerceram a renúncia à isenção nos termos do artigo 1.º deste diploma são obrigados ao envio da declaração prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do Código do IVA, na forma e nos prazos enunciados no artigo 40.º, a partir do mês ou trimestre seguintes da emissão do certificado a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º, consoante os casos, observando o disposto nos números seguintes.
2. A declaração referida no número anterior juntar-se-ão tantos anexos de modelo aprovado quantos os imóveis ou partes autónomas relativamente aos quais foi exercida a renúncia, devendo neles figurar separadamente as operações referentes a cada imóvel ou parte autónoma.
3. Recebido o certificado a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º, o sujeito passivo deverá liquidar o imposto relativamente aos adiantamentos recebidos.
4. Na primeira declaração e anexos a apresentar pelo sujeito passivo, nos termos do n.º 2, deverá ser evidenciado o imposto devido nos termos do número anterior, bem como o valor de todas as aquisições e o imposto nelas contido, relativamente aos respectivos imóveis ou partes autónomas».
E dispunham os nºs. 4 e 6 do artº 12º do CIVA, na redacção então em vigor, que:
(…) 4 -Os sujeitos passivos do imposto que arrendem bens imóveis ou partes autónomas destes a outros sujeitos passivos do imposto, que os utilizem, total ou parcialmente, em actividades tributadas e que não sejam retalhistas sujeitos ao regime especial constante dos artigos 60.° e seguintes, poderão renunciar à isenção prevista no n.° 30 do artigo 9.° desde que na contabilidade os proveitos e custos relativos aos imóveis a arrendar com sujeição a imposto sejam registados separadamente.(…)
6 - Para exercer a renúncia prevista nos números anteriores o locador ou o alienante deverão apresentar declaração de modelo aprovado, de que conste o nome do locatário ou do adquirente, a renda ou preço e demais condições do contrato. Comprovados os pressupostos referidos naqueles números, a administração fiscal emitirá um certificado, isento de selo, que será exibido aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão.»

Em suma, os sujeitos passivos que pratiquem operações isentas nos termos do nº 30 do art. 9° do CIVA, poderão optar pela aplicação do IVA à transmissão ou à locação dos bens imóveis ou partes autónomas destes, ficando com direito à dedução do imposto suportado para a realização dessas operações, segundo as regras definidas nos arts. 19° e ss. do CIVA e sem prejuízo do disposto nas normas especiais estabelecidas, à data, pelo Decreto-Lei n.º 241/86 e, depois pelo Decreto-lei n.º 21/2007.

7.2 Mas em relação ao direito à dedução importa ainda precisar o seguinte.
Por regra o direito à dedução do imposto suportado nasce quando o imposto dedutível se torna exigível – esta é a regra que resulta do nº 1 do artº 22º do CIVA e do artº 17º, nº 1 da Sexta Directiva (167.° da actual Directiva IVA).
Consequentemente, como vem afirmando a jurisprudência do TJUE, apenas a qualidade em que o particular age nesse momento pode determinar a existência de um direito à dedução (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 1991, Lennartz, C97/90, EU:C:1991:315, n.° 8, e de 30 de marco de 2006, Uudenkaupungin kaupunki, C184/04, EU:C:2006:214, n.° 38).

No entanto, nem sempre o direito à dedução poderá ser exercido nesse momento, sendo essa a situação configurada no caso subjudice.
É que o exercício da renúncia à isenção de IVA pelos sujeitos passivos que se dediquem à locação e transmissão de imóveis depende da obtenção de declaração de modelo oficial e da emissão de certificado pela AT, que será exibido aquando da celebração do contrato de arrendamento ou da escritura de transmissão (cfr. arts. 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86 e art. 12.º, n.ºs 4 a 6, do CIVA).
A opção pela renúncia à isenção do IVA “… tem de se verificar previamente ao facto gerador dos impostos, que ocorre à data da celebração do contrato ou da escritura da transmissão. Este corolário resulta, inequivocamente, das formalidades a cumprir para efeitos de opção, quando se refere na parte final do n.º 6 do artigo 12.º do CIVA que «comprovados os pressupostos referidos naqueles números, a Administração Fiscal emitirá nessa altura o certificado, isento de selo, que ser exibido aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão»” (IVA, anotado e comentado, 9.ª edição, Porto Editora, página 257, Emanuel Vidal Lima).
E, a este propósito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo vem sublinhando que esse certificado de renúncia assume natureza constitutiva do direito à renúncia e subsequente dedução ou reembolso de IVA – cf., neste sentido, Acórdãos de 3 de Julho de 2002, recurso n.º 139/02, de 19.09.2007, recurso 460/07, de 25 de Novembro de 2009, recurso nº 486/09, de 05.07.2012, recurso 640/11, de 07.10.2015, recurso 1455/12 e de 20.05.2020, recurso 1687/13.
Como ficou exarado no Acórdão 139/02, «a emissão e apresentação do predito certificado é uma formalidade absolutamente essencial na mecânica do tributo.
O próprio preâmbulo do aludido Dec-Lei (241/86) dá disso orientação segura:
Os procedimentos a seguir no domínio contabilístico, as exigências declarativas e, bem assim, as modalidades fixadas para o exercício do direito à dedução decorrem essencialmente das características específicas das operações imobiliárias e visam proporcionar um correcto apuramento e controle do imposto relativo a cada imóvel ou parte autónoma abrangidos pelo regime de renúncia à isenção”.
Ou seja: há uma relação intrínseca entre o certificado consequente àquela declaração e a própria tributação: sujeição da operação a imposto que depois possibilitará o reembolso ou dedução respectiva
Por outro lado há que ter em conta que, como esclarece Sérgio Vasques, «do ponto de vista finalístico, resulta do corpo do artº 168º (da Directiva IVA) que ao sujeito passivo só é reconhecido o direito à dedução do imposto incorrido a montante quando os bens ou serviços que adquira sejam “utilizados para os fins das suas operações tributadas. (…) Esta referência às “operações tributadas” serve para deixar claro que só quando se dá a aplicação efectiva do imposto nas operações activas se torna possível a dedução do imposto incorrido nas operações passivas. Ao contrário, quando as operações activas beneficiem de isenção simples, fica excluído por princípio o direito à dedução e o sujeito passivo passa a ocupar posição semelhante à de um consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições».
A exigência de que os bens e serviços adquiridos pelo sujeito passivo sejam utilizados na realização de operações tributadas é pois determinante para que seja reconhecido o direito à dedução do imposto incorrido a montante.
Ora, como se sublinhou no supra citado Acórdão 1455/12 deste Supremo Tribunal Administrativo, se o direito à dedução depende da prévia renúncia a isenção, deve entender-se que ele apenas nasce com a realização da operação económica tributável, após a obtenção do certificado de renúncia.
Este certificado de renúncia assume assim natureza constitutiva do direito à renúncia e subsequente dedução de IVA.
7.3 Alega a recorrente que a interpretação que o Tribunal a quo faz quanto à natureza do certificado de renúncia criaria uma distorção grave quanto à estrutura do imposto, em manifesta violação do princípio da neutralidade subjacente à sua criação, violando ostensivamente o direito da União Europeia.
E sustenta que, «ao contrário do pugnado pelo Tribunal a quo, não poderia a imposição de formalidades e requisitos, por parte do legislador nacional, quer pelo número ou tecnicidade de tais exigências, quer mesmo desconsiderando as dificuldades impostas pela dinâmica e especificidades das actividades económicas, tomar impossível na prática, ou excessivamente difícil, o exercício do direito à dedução por parte dos agentes económicos».

Invoca a favor desta tese jurisprudência comunitária que cita e que, no seu entender, se aplica ao caso em apreço.
Carece no entanto de razão legal.
Importa reter que os artigos 13º, C) e 18.° da Sexta Directiva em vigor à data dos factos, conferiam aos EstadosMembros um amplo poder discricionário que lhes permitia determinar as modalidades de exercício do direito de opção e mesmo suprimilo . A margem concedida ao legislador estadual quanto ao alcance do direito de opção dependia assim de critérios de conveniência e oportunidade aplicados pelos Estados-Membros.

Neste conspecto, como bem se notou no Acórdão recorrido, a jurisprudência do TJUE já afirmou a compatibilidade com o direito da União, da exigência de declaração prévia, junto da AT, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção e a conformidade dessa exigência na ampla margem de manobra de que dispõe o legislador estadual.
Margem que o Estado Português não extravasou ao prever um procedimento de certificação para a emissão de um certificado de renúncia.
Neste sentido se pronunciou o TJUE, no Caso Kirchberg (C-269/03, de 9/09/2004) a propósito de uma disposição da lei Luxemburguesa, que impõe a observância de determinados requisitos para aceder a tal regime.
No referido Acórdão o TJUE afirmou que as disposições do artº 13º,C, 1º parágrafo, al. a) e segundo parágrafo da Sexta Directiva do Conselho, 77/388 CEE, não se opõem a que um Estado Membro que tenha exercido a faculdade de conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optarem pela tributação das operações de arrendamento e locação de bens imóveis adopte uma regulamentação que faz depender a dedução integral do IVA a montante da obtenção prévia de aprovação, não retroactiva, por parte da Administração Fiscal.

No mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça (cf. Acórdão do TJ, de 3 de Dezembro de 1998, BelgoCodex, C- 381/97) preconiza que as alterações legislativas introduzidas no seio de um ordenamento jurídico nacional, mesmo com o objetivo de eliminar o direito de renúncia à isenção de IVA na locação de imóveis, não violam os princípios da neutralidade e proporcionalidade
Acresce referir que não se constata, nem foi alegada nos autos, qualquer dificuldade ou impedimento que condicionasse ou limitasse a obtenção junto da Administração Tributária dos certificados comprovativos e temporizadores da renúncia em apreço.
E, por isso também, se entende que os requisitos formais exigidos pelo regime de renúncia, que visam uma plausível função de controlo por parte da Administração Tributária, não se manifestaram na situação concreta como excessivamente difíceis, onerosos ou desproporcionados.
Improcede, pois, nesta parte a pretensão da recorrente, e por isso se entende que não viola o direito à dedução, nem o princípio da neutralidade, a não autorização pela Administração Tributária, da dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, quando este não obteve, previamente, o certificado a que se refere no n.º 2 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto (vide datas dos certificados constantes da matéria dada como provada, alínea C.).

7.4 Ponderando a hipótese de se considerar que a sujeição a IVA das operações imobiliárias em causa estava condicionada à obtenção prévia dos certificados de renúncia à isenção, que assumiam um carácter constitutivo do direito, alega recorrente, subsidiariamente, que há que interpretar o disposto o disposto no artigo 4º, nº 4, do Decreto-Lei nº 241/86, de 20 de agosto, no sentido de se permitir a dedução do imposto suportado por referência aos contratos de locação em análise na proporção do período subsequente à obtenção dos certificados de renúncia à isenção.
Em síntese sustenta a recorrente que deve aceitar-se a possibilidade de efectuar a dedução do imposto suportado nos contratos identificados sob os números 500283, 501881, 502070, 501854, 501540, 501360, 501441, 501481, 501377, 501495, 501792, 502106 501796, 502138, 501922, 502137, 20000046, 20000066, 20000086, 20000190, 20000045, 20000197,20000261 e 20000705, objecto de indeferimento no despacho impugnado – ponto D do probatório - na proporção do período subsequente à data de tal obtenção, invocando o disposto no artigo 4º, número 4 do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto.

Vejamos, pois.
Dispunha o nº 4 do artº 4º do Decreto-lei 241/86, o seguinte: “quando a renúncia à isenção tiver sido precedida de uma locação isenta, o direito à dedução do imposto suportado é limitado na proporção do número de anos em que o imóvel estiver afecto a uma actividade ou sector tributado.”
Este nº 4 do artº 4º do Decreto-lei 241/86 foi aditado pela Lei nº 3-B/2000, que igualmente aditou os n°s. 5 e 6 com a seguinte redacção:
«5 - A referida proporção resulta de uma fracção que comporta, no numerador, a diferença entre o número de anos a que alude o n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA e o número de anos em que a locação tiver estado isenta, e, no denominador, o número de anos previsto naquela disposição.
6 - Para efeitos do número anterior, quando, ao longo do mesmo ano civil, o imóvel tenha sido objecto de realização de operações isentas e de operações tributadas, tomar-se-á em conta o maior dos dois períodos e, sendo estes iguais, considerar-se-á que o imóvel esteve afecto a uma actividade totalmente tributada.»

Considerou o Acórdão recorrido que aquele n.º 4 foi aditado tendo em vista permitir abranger outras situações, anteriormente não contempladas na previsão legal, como os casos de contratos de locação sucessivos, pelo que o caso dos autos não se enquadra naquela previsão legal.
Não acompanhamos, no entanto, esta interpretação que o acórdão recorrido faz do preceito.
De facto nada na letra da lei indica, ou aponta no sentido de que a “locação isenta” precedente à renúncia à isenção, a que se refere o artigo 4.º, número 4, do referido Decreto-Lei, tenha que ser efectuada no âmbito de outro contrato.
Aliás decorre da conjugação da referida norma com o disposto no n.º 2 do artigo 91º do CIVA, na redacção então em vigor, que este artigo 4.° do DL 241/86 consagra a possibilidade de os sujeitos passivos que renunciarem à isenção efectuarem a dedução do imposto suportado a montante em relação a cada imóvel ou parte autónoma, podendo ser recuperado o IVA que tenha sido suportado nos quatro anos anteriores à opção pela tributação (Cf. neste sentido, Patrícia Noiret da Cunha, IVA, anotações, ed. do Instituto Superior de Gestão, pag. 220).
Como esclarece Patrícia Noiret da Cunha (Ob. citada, pag. 220.), «nas situações em que o imóvel, ao longo desses quatro últimos anos, esteve um ou vários períodos afecto à realização de operações isentas, a dedução a efectuar, no momento da opção pela tributação, quando tal opção tiver sido precedida de uma locação isenta, deve ser proporcional ao número de anos em que, nos últimos quatro, o imóvel esteve afecto a uma actividade ou sector tributado. Tal deve-se ao facto de, nessa situação, seria contrário ao funcionamento do IVA que o sujeito passivo em momento posterior, aquando da opção pela tributação, exercesse integralmente o direito à dedução do IVA suportado anteriormente (Também neste sentido, e numa situação com algumas similitudes, vide o já citado Acórdão 1455/12 deste Supremo Tribunal Administrativo.).

No mesmo sentido apontam os n°s. 5 e 6 do referido artigo, também aditados pela Lei nº 3-B/2000.
O número 5, com a indicação de como deverá ser calculada a proporção referida no ponto anterior, a qual “resulta de uma fracção que comporta, no numerador, a diferença entre o número de anos a que alude o n° 2 do artigo 91º do Código do IVA e o número de anos em que a locação tiver estado isenta, e, no denominador, o número de anos previsto naquela disposição”.
O número 6, com vista ao esclarecimento de dúvidas relativamente aos anos em que o imóvel tenha sido, ao longo do mesmo ano civil, objecto de realização de operações isentas e de operações tributadas, determinando que “tomar-se-á em conta o maior dos dois períodos e, sendo estes iguais, considerar-se-á que o imóvel esteve afecto a uma actividade totalmente tributada (Sublinhado nosso.)”.
Ora no caso vertente os contratos de locação referidos pela recorrente passaram a estar abrangidos pelo regime de tributação após a emissão do certificado de renúncia à isenção de IVA, sendo que até essa data a locação esteve isenta.
Deverá pois aceitar-se a possibilidade de a recorrente efectuar a dedução do imposto suportado nos referidos contratos, na proporção do período subsequente à obtenção dos respectivos certificados de renúncia à isenção.
Procede, pois, nesta parte, a argumentação da Recorrente, pelo que haverá que interpretar o disposto no artigo 4.°, nº 4 do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, no sentido preconizado, ou seja de, a título subsidiário, se permitir a dedução do imposto suportado por referência aos contratos de locação imobiliária com financiamento para construção números 500283, 501881, 502070, 501854, 501540, 501360, 501441, 501481, 501377, 501495, 501792, 502106, 501796, 502138, 501922, 502137, 20000046, 20000066, 20000086, 20000190, 20000045, 20000197, 20000261 e 20000705, na proporção do período subsequente à obtenção dos certificados de renúncia à isenção, e a calcular pela Administração Tributária nos termos do disposto nos n°s. 5 e 6 do referido artº 4º do Decreto-lei 241/86, na redacção da Lei nº 3-B/2000 e nº 2 do artº 91º do CIVA, na redacção então em vigor.

8. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
a) Conceder parcial provimento ao recurso, julgar procedente o pedido de regularização de IVA formulado a titulo subsidiário e revogar, nessa parte, o acórdão recorrido;
b) Condenar a entidade recorrida a autorizar a dedução do imposto suportado por referência aos contratos de locação imobiliária com financiamento para construção números 500283, 501881, 502070, 501854, 501540, 501360, 501441, 501481, 501377, 501495, 501792, 502106 501796, 502138, 501922, 502137, 20000046, 20000066, 20000086, 20000190, 20000045, 20000197, 20000261 e 20000705, na proporção do período subsequente à obtenção dos certificados de renúncia à isenção, e a calcular pela Administração Tributária nos termos do disposto nos n°s. 5 e 6 do referido artº 4º do Decreto-lei 241/86, na redacção da Lei nº 3-B/2000 e nº 2 do artº 91º do CIVA, na redacção então em vigor.

Custas por ambas as partes, na proporção de metade, nesta sede de recurso e também em primeira instância.
Lisboa, 3 de Junho de 2020. – Pedro Delgado (relator) – Aragão Seia – Francisco Rothes.