Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0763/18.7BEPRT
Data do Acordão:06/22/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P29594
Nº do Documento:SA2202206220763/18
Data de Entrada:02/12/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ PARTS, LDª
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Representante da Fazenda Pública, notificada da sentença proferida em 12 de fevereiro de 2020, nos autos à margem identificados, e não se conformando com o seu conteúdo vem, dela, interpor recurso nos termos previstos no artigo 282º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Terminou as suas alegações de recurso concluindo:
a) Tempestividade: Entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por posição contrária, que o presente recurso é tempestivo atendendo ao justo impedimento que se invoca e cujo documento comprovativo se junta, no entanto, caso assim não se entenda, requer-se o disposto no artigo 139º, n.º 7 do CPC.
b) Do valor da ação: A Impugnante atribuiu na petição inicial o valor da ação de 30.001,00, no entanto a douta sentença de que se recorre fixou o valor da ação em € 2.618,65, por corresponder ao valor da liquidação impugnada.
c) Ora, no caso dos autos a liquidação impugnada é objeto mediato da impugnação, sendo que o que está em discussão é a possibilidade, ou não, de a Impugnante e as demais sociedades calcularem o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) nos termos do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (CIRC), ou seja, o que pretende a Impugnante é, não imediatamente a anulação da liquidação impugnada mas antes o restabelecimento do cálculo de imposto nos termos do RETGS, pelo que, o valor da ação deverá ser o valor indicado pela Impugnante ou outro fixado pelo Tribunal, mas nunca inferior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo.d) Da violação de princípios constitucionais face à impossibilidade de recurso no caso em análise: A impossibilidade de recurso nos presentes autos viola o princípio da igualdade, do caso julgado e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.
e) É que, estão pendentes várias ações em que o assunto em discussão é exatamente o assunto em análise neste processo, como por exemplo o processo 759/18.9BEPRT que foi julgado Improcedente e alvo de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
f) Ora, viola o princípio da igualdade a impossibilidade de recurso nos presentes autos a impossibilidade de obter de um Tribunal superior a sindicância da decisão aqui em causa, eventualmente até uma uniformização de jurisprudência, além de que estamos perante uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do caso julgado, uma vez que, é impossível concretizar a presente decisão, já que, perante o mesmo quadro fatual outro tribunal entendeu a impossibilidade daquele grupo naquele mesmo exercício aderir ao RETGS.
g) Além de que, salvo o devido respeito, entendemos que a presente sentença contraria o decidido no Acórdão do STA no processo nº 0256/12 de 12-03-2014.
h) Do erro de julgamento: Entende ainda a RFP que a douta Sentença de que se recorre sofre de erro de julgamento, quando analisando os factos e o direito aplicável concluiu que “Feitas estas considerações, conclui-se, desde já, que o momento temporal para aferir do cômputo temporal de dois anos de detenção das participações sociais será o último dia do exercício económico, por corresponder ao momento em que se forma o facto tributário.”
i) No caso em concreto e em jeito de resumo, existia, um grupo de sociedades, em que durante a existência desta foi comunicada à AT a sua alteração, fazendo nele incluir uma sociedade (B............) que não detinha os requisitos essenciais para que o grupo de sociedades se pudesse manter fiscalmente.
j) Assim sendo e tal como conclui a AT, e que não foi contraditado, a sociedade B............ registava prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao início da aplicação do RETGS, e não era detida pela sociedade dominante há mais de dois anos, o que determinou, desde logo, a aplicação da al. c) do n.º 4 do art. 69º do CIRC e da al. b) do n.º 8 do mesmo artigo, levando à cessação da aplicação do RETGS, nos termos da al. c) do n.º 9 do art. 69º do CIRC, pelo que de acordo com o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, consignado nos arts. 69º a 71º do CIRC, podem beneficiar deste regime os sujeitos passivos que reúnam os respetivos requisitos legais, bastando, para o efeito, e uma vez que a sua aplicação não carece de qualquer autorização, comunicar a respetiva opção nos termos da al. a) do n.º 7 do art. 69º CIRC.
k) No entanto, e no que concerne aos requisitos legais de aplicabilidade daquele regime especial de tributação, que a al. c) do n.º 4 do art. 69º do CIRC exclui do seu âmbito de aplicação as sociedades que registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da sua aplicação, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos, assim, o que se afasta com a previsão da al. c) do n.º 4 do art. 69º do CIRC é o requisito previsto na al. b) do n.º 3, pois que aqui se prevê a necessidade da detenção da participação na sociedade dominada ocorrer há mais de um ano, por referência à data em que se inicia a aplicação do regime, enquanto na al. c) se passa tal exigência para dois anos, tendo por base o “o início ou durante a aplicação do regime”.
l) Ora, chamado a decidir entendeu o Tribunal que: “o momento temporal para aferir do cômputo temporal de dois anos de detenção das participações sociais será o último dia do exercício económico, por corresponder ao momento em que se forma o facto tributário”.
m) Salvo o devido respeito não podemos concordar com o assim decidido, é que o momento temporal para aferir da verificação dos requisitos para a aplicação do RETGS só pode ser o do início do exercício em que a sociedade B............ passou a fazer parte do grupo já que este existia desde 2008.
n) E, o Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0256/12, de 12/03/2014, acolheu este entendimento cuja fundamentação e conclusões acompanhamos e aqui se consideram reproduzidas.
o) Face ao que, o decidido na douta Sentença do que se deve entender por início da aplicação do regime, nos termos do n.º 4 do art. 69º do CIRC, deve improceder por não ter qualquer sustentação legal.
p) Além de que, a Impugnante e a douta Sentença, voluntariamente, se alheiam da redação do n.º 4 do art. 69º do CIRC, que estatui “Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:”
Termos em que, deverá ser aceite e concedido provimento ao presente recurso, por provado, e em consequência, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que analise cabalmente todas as questões suscitadas pela ora recorrente, com as devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada justiça.

Contra-alegou a recorrida “A............ Parts, Lda.”, formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
1- A recorrente, Fazenda Pública, nas suas alegações de recurso entende que a douta sentença recorrida interpretou erroneamente o disposto na alínea c) do nº 4º do art. 69º do Código do IRC, uma vez que:
- no exercício de 2013, no perímetro do RETGS em que era dominante a A............ C............, S.A., e entre as dominadas figurava a recorrida, A............ Parts, Lda. e constava, também como dominada, a B............, SA.,
- esta sociedade B............, S.A. apresentou prejuízos em 2010, 2011 e 2012, e, não era detida pela dominante, há mais de dois anos.
2- Todavia, como resulta da douta sentença recorrida, o período de detenção há mais de dois anos, deve contar-se, desde a data da aquisição, pela dominante, da dita B............, S.A. - 22 de junho de 2011 - até 31 de dezembro de 2013, por ser este o dia em que ocorre o facto gerador do IRC respeitante a 2013, e não, como defende a Fazenda Pública, desde aquela data de aquisição até à data do "início do período de tributação" - 1 de janeiro de 2013.
3- Assim, na data de 31 de dezembro de 2013, a dominante já detinha a participação na referida B............, S.A. (dominada) há mais de dois anos.
4- Daí que, em 2013, o requisito exigido pela dita alínea c) do nº 4 do art. 69º, mostrava-se cumprido.
5- Por isso, a liquidação impugnada que foi efetuada pela AT face à cessação da tributação segundo o RETGS, quer da recorrida quer de todas as sociedades (dominante e dominadas) que constituíam o respetivo perímetro, é ilegal e deve ser anulada.
6- Foi assim que decidiu a douta sentença recorrida, pelo que a mesma não merece qualquer censura, devendo manter-se na ordem jurídica.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como provada a seguinte matéria de facto:
1. A impugnante é uma sociedade comercial com o CAE 45320 – comércio a retalho de peças e acessórios para veículos automóveis;
2. A impugnante é detida em 100% pela sociedade A............ Retail, SGPS, que por sua vez é detida em 100% pela A............ C............ - Comércio de Automóveis, S.A.;
3. A A............ C............, enquanto sociedade dominante de um grupo de sociedades, optou pela aplicação do RETGS no exercício de 2008;
4. O exercício económico do grupo de sociedades identificado em 3) correspondia ao ano civil;
5. No exercício económico de 2013, a impugnante integrou na qualidade de sociedade dominada, o perímetro de um grupo de empresas tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), no qual a sociedade dominante é a empresa A............ C............ - Comércio de Automóveis, S.A.;
6. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201603906, foi a Impugnante objecto de acção de inspecção tributária relativa a IRC, e abarcando o exercício de 2013;
7. Em 29 de Setembro de 2017, foi proferido Projecto de Relatório de Inspecção, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, notificado à impugnante através do ofício n.º 220.10.02, de 12 de Outubro de 2017;
8. A impugnante apresentou pronúncia em sede de audiência prévia, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
9. Em 3 de Novembro de 2017, foi proferido Relatório de Inspecção Tributária, onde foi proposta a cessação da tributação da impugnante pelo REGTS resultante da seguinte fundamentação inclusa no relatório de inspecção tributária, cujo teor se dá por integralmente reproduzido bem dos respectivos anexos, e onde se refere designadamente o seguinte:
(…)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1 – IRC – Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas Relativamente ao final do período de tributação anterior, no exercício de 2013 o grupo foi alterado pela inclusão de quatro empresas adquiridas em 2011, A............ Technik, SA, A............ Parts, Lda, A............ City e D………… (Norte), SA e B............, SA, tendo a C............ procedido ao envio, por transmissão eletrónica de dados, da declaração de alteração do grupo, conforme determina a alínea b) do n.º 7 do artigo 69.º do Código do IRC
A B............, SA (doravante B............) foi adquirida pela A............ Retail, SGPS, SA em 2011-06-22, à E………… SGPS SA, NIF ………, empresa que até então detinha 100% do seu capital social.
Da análise do sistema informático da AT verifica-se que a B............ entregou a declaração Modelo 22 de IRC referente aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, no regime geral de tributação, tendo declarado prejuízo fiscal nos três anos.
Nos termos do artigo 69.º, n.º 4, alínea c) do CIRC:
“4 - Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:
c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos”.
Deste modo, verificando-se que a B............ não cumpre o requisito estabelecido na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, na medida em que declarou prejuízo fiscal em 2010, 2011 e 2012 e no início do período de tributação de 2013 não era detida pela sociedade dominante há mais de dois anos, não pode a mesma fazer parte do perímetro neste exercício.
A inclusão indevida da B............ origina a cessação da aplicação do RETGS a todo o grupo C............, conforme estabelecido na alínea b) do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC, reportando-se os efeitos da cessação, nos termos da alínea c) do n.º 9 do mesmo artigo, ao período de tributação anterior (isto é, 2012), já não se aplicando no exercício de 2013.
Como tal, atendendo a que as diversas empresas do grupo, referidas no ponto II.3 procederam à entrega da declaração Modelo 22 de IRC referente ao período de 2013 no regime de "Grupo de sociedades", propõe-se a alteração para o regime "Geral", com a consequente liquidação, decorrente das declarações enviadas individualmente.
(…)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
Em cumprimento do disposto nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 60.º do RCPITA, o sujeito passivo foi notificado, por carta registada datada de 2017-10-12 (ofício nº 2017S000238803), para, querendo, exercer, no prazo de 15 dias, o direito de audição, acerca do teor do Projeto de Relatório de lnspeção Tributária (doravante projeto de relatório) remetido em anexo ao referido ofício, cujo conteúdo é igual ao dos capítulos anteriores.
Na sequência da referida notificação, o advogado …………, veio na qualidade de mandatário do sujeito passivo apresentar direito de audição, por escrito, o qual deu entrada nestes serviços em 2017-10-31. Para o efeito anexou procuração forense datada de 2017-10-12.
No referido documento o sujeito passivo veio manifestar que não concorda com a cessação do RETGS, proposta no projeto de relatório, alegando:
1. ilegalidades cometidas pela AT, as quais se confinam nos seguintes pontos: 1.1. falta de decisão fundamentada para a extensão de competências
1.2. falta de fundamentação do projeto de relatório
2. discordância com os fundamentos apresentados
1. Das ilegalidades cometidas pela AT
O sujeito passivo vem alegar, nos pontos 13 a 17, que a AT não especificou a data que considerou para concluir pelo não cumprimento do prazo de 2 anos, desde a aquisição da B.............
Diz que a AT apenas referiu que no início do período de tributação de 2013 a B............ não era detida há mais de 2 anos, sem precisar a data, o que considera uma formulação vaga, e, como tal, equivalente a falta de fundamentação, contrariando o disposto nos artigos 77º nºs e 2 da LGT e 153º nº 2 do CPA.
Sobre estas alegações cumpre salientar que no projeto de relatório se refere expressamente que o cálculo da verificação do prazo de detenção de dois anos, estabelecido na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC tem por referência a data de início do período de tributação de 2013.
Ora, não parece admissível que o sujeito passivo, que adota o ano civil para período de tributação (como muito bem preencheu o quadro 1 da declaração Modelo 22 de IRC), venha agora manifestar desconhecimento sobre a data de início do período de tributação.
Note-se que relativamente à data do último dia do período de tributação, o sujeito passivo não revela ter qualquer dúvida. Pelo contrário, nos pontos 24 e 25 do direito de audição, demonstra que tem perfeito conhecimento de que o último dia do ano é o dia 31 de dezembro de 2013, citando inclusive o artigo 8º do CIRC, que define o período de tributação
Parece-nos caricato que o sujeito passivo venha alegar que desconhece qual a data de início do período de tributação e que se trata de uma formulação vaga, que não permite a concretização de qualquer data. Saberá, porventura, o sujeito passivo qual a data do último dia do período de tributação, mas não a data em que este se inicia?
É por demais evidente que o sujeito passivo compreendeu os fundamentos da correção, e que a mesma resulta da circunstância de que a 1 de janeiro de 2013 (data de início do período de tributação de 2013) a B............ não era detida há mais de 2 anos pela sociedade dominante, pelo que tendo apurado prejuízos fiscais nos três períodos de tributação anteriores ao início da aplicação do regime (isto é, nos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012) a mesma não podia fazer parte do grupo de sociedades no período de tributação de 2013, conforme o estabelecido na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC.
De salientar que, não obstante o sujeito passivo vir dizer que não compreendeu os fundamentos da correção, supostamente não saber qual a data de início do período de tributação, certo é que nos pontos 18 a 92 do direito de audição, manifestou a sua discordância com a data considerada pela AT, início do período de tributação, alegando que deveria ser considerada a data final do período de tributação de 2013, isto é, 31 de dezembro de 2013, apresentando uma extensa fundamentação no sentido da sua tese.
Deste modo conclui-se, inequivocamente, que o projeto de relatório se encontra devidamente fundamentado.
2. Da discordância com os fundamentos apresentados
Nos pontos 18 e seguintes do direito de audição, o sujeito passivo vem alegar que, para efeitos do cálculo do cumprimento do prazo de 2 anos estabelecido na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, a referida contagem deveria ter por referência o último dia do período de tributação (isto é, 31 de dezembro de 2013), apresentando um extenso leque de argumentos no sentido da referida tese, ora dizendo que a AT considerou relevante o início do período de tributação, ora referindo que a AT considera que aquele requisito teria de se verificar até à data limite da comunicação prevista no n.º 7 do artigo 69.º do CIRC (isto é, 31 de março de 2013).
Prossegue argumentando, com base na alteração introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, a qual não se aplica ao caso em apreço uma vez que apenas se aplica aos períodos de tributação iniciados a 1 de janeiro de 2014, no sentido de que a data para a comunicação do perímetro de consolidação do grupo de sociedades, prevista no n.º 7 do artigo 69.º não tem efeitos constitutivos, pelo que a AT não pode considerar como sendo esta a data relevante para efeitos da aplicação do requisito temporal previsto na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, aduzindo ainda outros argumentos contra a referida pretensa tese da AT.
Analisados os argumentos apresentados, importa referir que o projeto de relatório é bastante claro no sentido de que a aferição do período de dois anos deve ser efetuada por referência a data de início do período de tributação de 2013, sendo que em parte alguma é referido que a data relevante é a da entrega da declaração referida no n.º 7 do artigo 69.º do CIRC.
Neste contexto, fica prejudicada a análise dos argumentos no sentido de afastar a consideração da data de entrega da declaração prevista no n.º 7 do artigo 69.º do CIRC como sendo a data relevante para efeitos do prazo estabelecido na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, atendendo que a AT nunca deu relevância a tal data no projeto de relatório.
No que se refere aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo no sentido de que a data relevante não é a data do início do período de tributação (1 de janeiro de 2013), mas sim a data do término do período de tributação (31 de dezembro de 2013), entendemos que os mesmos não têm qualquer sustentação legal e contrariam abertamente a letra da lei.
Na verdade, o n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos, amplamente citado no projeto de relatório, é absolutamente cristalino quanto à data relevante para efeitos da verificação do requisito temporal referido na alínea c) «4 - Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes: (...) c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos» (nosso sublinhado).
Com efeito, na data de início da aplicação do regime, 1 de janeiro de 2013, a B............ não era detida há mais de dois anos pela sociedade dominante, pelo que não poderia ser incluída no perímetro de consolidação fiscal. É igualmente inequívoco que, durante uma parte substancial do referido período de tributação, ao qual foi aplicado o RETGS, a mesma não cumpria o requisito temporal previsto na alínea c), o que contraria expressamente o disposto no n.º do artigo 69.º do CIRC,
Parece-nos também ilógico argumentar que a aplicação do regime não se inicia no primeiro dia do período de tributação, mas apenas no final do período de tributação.
De referir que a alínea a) do n.º 7 do artigo 69.º do CIRC é absolutamente inequívoca relativamente a esta matéria «No caso de opção pela aplicação do regime, até ao fim do 3.º mês do período de tributação em que se pretende iniciar a aplicação.» (nosso sublinhado).
Deste modo, é evidente que apesar da comunicação se efetuar até ao final do mês de março, no caso de sociedades que adotem um período de tributação coincidente com o ano civil, o mesmo produz efeitos a 1 de janeiro do período de tributação em que é efetuada a referida comunicação, iniciando-se a aplicação do regime nesta data.
Se assim não fosse, no primeiro período de tributação não se aplicariam as especificidades constantes da alínea e) do n.º 1 do artigo 97.º do CIRC - Dispensa de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por residentes, n.º 4 do artigo 105.º-A CIRC - Cálculo do pagamento adicional por conta -, n.º 12 do artigo 106.º do CIRC - Pagamento especial por conta. Parece-nos igualmente completamente absurdo que a sociedade dominante comunique em março de 2013, a inclusão de uma sociedade, com efeitos já para o referido período de tributação, sem que à referida data se demonstrem cumpridos os requisitos de detenção.De salientar que no limite a referida sociedade poderá nunca cumprir o referido requisito temporal de dois anos, caso a dominante aliene a referida participação após a data da comunicação da inclusão da sociedade. Como se poderá defender a aplicação do referido regime especial, designadamente as regras previstas nos artigos 97.º, 105.º-A e 106.º do CIRC a uma sociedade que nunca cumpriu com os requisitos previstos no n.º 4 do artigo 69.º do CIRC? O apuramento do lucro consolidado é apenas uma das consequências do RETGS, contudo há outros momentos anteriores, ao termo do período de tributação, em que o mesmo tem efeitos fiscais.
Mais uma vez se reitera que, conforme expressamente estabelece a referida norma, a sociedade tem que cumprir com todos os referidos requisitos durante todo o período de aplicação do regime especial de tributação, o que não se verifica no caso em concreto, tendo em consideração que até 22 de junho de 2013 a sociedade não cumpria com o disposto no artigo na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, conforme referido no projeto de relatório de inspeção.
Em face do exposto, não se verifica qualquer motivo para alterar o entendimento vertido no projeto de relatório, pelo que se mantêm as correções propostas.”
10. O relatório de inspecção tributária foi notificado à impugnante através do ofício datado de 15 de Novembro de 2017;
11. Com data de 24 de Novembro de 2017, foi emitida a demonstração de liquidação de IRC com o número 2017 8310032624, relativo ao exercício de 2013, onde foi apurado imposto a pagar no valor de € 2.618,65, e prejuízos fiscais no valor de € 0,00.
Nada mais se levou ao probatório.

Há que apreciar o recurso que nos vem dirigido.

Suscita a recorrente, neste seu recurso, a questão do valor da causa que foi fixado na sentença recorrida, uma vez que isso a impedira de deduzir o presente recurso nos termos do disposto no artigo 280º, n.º 2 do CPPT, na redacção vigente, o recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se somente, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, ao valor da causa.
Na verdade, o valor da causa é fixado nos termos do disposto no artigo 97º-A do CPPT, sendo que para os processos de impugnação é o que resulta do disposto no n.º 1, al. a), ou seja, o da importância cuja anulação se pretende.
Porém, a autora na presente acção indicou na sua petição inicial o valor da causa, tendo-o fixado em €30.000,01, uma vez que a liquidação efectuada resultou da cessação da aplicação do regime do RETGS a todo o grupo C............, ou seja, o que realmente a autora pretende com a presente impugnação é a manutenção da tributação ao abrigo do RETGS e, nessa medida, não se pode deixar de considerar que o valor indicado na petição inicial é o mais consentâneo com o pedido formulado em b) na petição inicial, ou seja, relativamente ao período ou exercício de 2013, não deve haver qualquer alteração do regime da impugnante em IRC, devendo, portanto, ser tributada em RETGS e pelos valores que pela mesma foram declarados., tanto mais que relativamente ao valor concreto da liquidação não vem imputado qualquer erro de facto ou de direito à liquidação.
Sintomático desta amplitude da questão cujo conhecimento aqui é pedido, encontram-se pendentes, pelo menos, neste Supremo Tribunal ou já foram decididos, os recursos com os n.ºs. 0393/18.3BEPRT, 804/18.8BEPRT, 759/18.9BEPRT (estes três já decididos, sendo que o ultimo contraria os dois primeiros) e este mesmo recurso.
Assim, admite-se o presente recurso, fixando-se à causa o valor indicado pela impugnante na sua petição inicial.

Na sentença recorrida foi resolvida a questão de saber, para efeitos de aplicação do regime jurídico do RETGS, qual o momento atendível quanto à verificação do requisito de detenção de sociedade participada (a B............, S.A.) há mais de dois anos, nos termos do disposto no artigo 69º, n.º 4 al. c) do CIRC (na redacção à data).
Ali, identificou-se nos seguintes termos a questão a resolver:
As partes discordam, no essencial, quanto à verificação do requisito de detenção da sociedade participada (a B............, S.A.) há mais de dois anos. A AT entende que o cômputo daquele período temporal deve ser aferido no primeiro dia do período de tributação (1 de Janeiro de 2013), enquanto a impugnante entende que a aferição se faz por referência ao último dia do período de tributação (31 de Dezembro de 2013).

Após citar abundante jurisprudência, entendeu-se na sentença recorrida quanto a esta questão:
Assim, se são as normas em vigor no momento da verificação do facto tributário que delimitam a incidência objectiva e subjectiva de um imposto periódico como o IRC, deve ser por referência a esse momento que se afere se os requisitos subjectivos estão verificados. Consequentemente, é por referência a esse momento que se afere se o requisito da alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC se verifica. Não sendo controvertido entre as partes que o grupo de sociedades em apreço seguia um exercício que coincidia com o ano civil [item 4) da matéria de facto], e que a 31 de Dezembro de 2013 a sociedade “B............” já era detida há mais de dois anos pela sociedade-mãe [item 8) da matéria de facto], é forçoso concluir que a liquidação em apreço é ilegal, por errónea interpretação dos pressupostos de direito da alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC.

Com este seu recurso, a AT discorda de tal entendimento e conclui que o momento temporal para aferir da verificação dos requisitos para a aplicação do RETGS só pode ser o do início do exercício em que a sociedade B............ passou a fazer parte do grupo já que este existia desde 2008 – conclusão M).

Vejamos então o que dispunha a norma em apreço, na redacção com interesse:
Artigo 69.º do CIRC
Âmbito e condições de aplicação
(…)
4 — Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes: (…)
c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos.

Para decidir no sentido da procedência da impugnação, e da sem razão da AT, o tribunal a quo louvou-se entre outros, no decidido no acórdão deste Supremo Tribunal datado de 22.05.2019, recurso n.º 0432/13.4BEAVR. em que se concluiu que ao abrigo do disposto nas alíneas a) e e) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC (actual artigo 69.º), as sociedades pertencentes a um grupo fiscal que sejam dissolvidas e liquidadas antes do último dia de cada período de tributação do grupo ficam automaticamente dele excluídas, uma vez que é apenas no último dia do exercício fiscal que se verifica o facto gerador de imposto e se constitui a relação jurídica tributária.

Por sua vez a AT invoca em favor da sua posição o decidido no acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 12.03.2014, recurso n.º 0256/12, em que se decidiu que relativamente às sociedades dominadas, não podem fazer parte do grupo as que, no início ou durante a aplicação do regime, registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, se a participação (exigida à sociedade dominante) já for detida há mais de dois anos, o que no caso dos autos não ocorre quanto à sociedade dominada que, registando prejuízos nos três anos anteriores ao início do regime, era detida há menos de dois anos (v. alíneas C) a F) e H) do probatório supra).

Daqui se surpreende que a divergência de posições consiste em saber se quando a lei se refere ao facto de a participação já ser detida pela sociedade dominante há mais de dois anos, esse dois anos se devem contar por referência aos dois anos anteriores ao do exercício fiscal em que a sociedade dominada passa a ser incluída no grupo ou se devem contar por referência ao último dia do período de tributação -exercício fiscal- que esteja em causa.

Por facilidade de exposição e porque a questão já foi anteriormente resolvida por este Supremo Tribunal, citar-se-á o acórdão proferido no recurso n.º 804/18.8BEPRT na parte com interesse.

3.2.1. A questão controvertida diz respeito à aplicação do RETGS, previsto no artigo 69.º do CIRC, na redacção de 2013, data a que se reporta o facto tributário, e, mais precisamente, ao modo de contagem do prazo de dois anos previsto na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC. Na norma legal aqui em discussão estipula-se que “[N]ão podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes (…) [R]egistem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos (…)”.
3.2.2. Da factualidade assente resulta que a B............, SA foi adquirida pela A............ Retail, SGPS, SA em 22 de Junho de 2011 e que a mesma B............ entregou a declaração Modelo 22 de IRC referente aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, no regime geral de tributação, tendo declarado prejuízo fiscal nos três anos.
A divergência entre o sujeito passivo e a AT, patente na leitura do excerto do RIT, transcrito no ponto 9 da matéria de facto assente, resulta de a AT considerar que o resultado do exercício de 2013 da B............, SA não pode integrar o resultado do grupo, uma vez que, tendo registado prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores, seria necessário que a sua participação fosse detida pela sociedade dominante há mais de dois anos, o que não sucedia, uma vez que aquele prazo de dois anos se contava desde o início do período de tributação, ou seja 1 de Janeiro de 2013. Já o sujeito passivo considerava que podia integrar o resultado do grupo, uma vez que o referido prazo de dois anos estipulado na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC se contava a partir do fim do período do exercício fiscal em causa.
3.2.3. Na sentença recorrida, o TAF do Porto concluiu que “[…] o momento temporal para aferir do cômputo temporal de dois anos de detenção das participações sociais será o último dia do exercício económico, por corresponder ao momento em que se forma o facto tributário […]”.
3.2.4. A questão aqui em apreço – a da determinação do momento temporal relevante para a aferição dos dois anos de participação, tem de fazer-se apelo a uma interpretação sistemática da alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC – foi recentemente objecto de análise e decisão por este Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 23 de Junho de 2021 (proc. 0393/18.3BEPRT), e aí se concluiu e sumariou o seguinte:
«I - Nesta situação, em que está em causa o momento temporal relevante para a aferição dos dois anos de participação, tem de fazer-se apelo a uma interpretação sistemática da alínea c) do nº 4 do artigo 69º do CIRC, no sentido que deve ser interpretada em consonância com os requisitos previstos nos nº 2 e 3 do mesmo preceito legal, tendo presente que aí o legislador definiu os critérios de aplicação do regime, entre os quais o da alínea b) do nº 3, em que se exige que a detenção da participação pela sociedade dominante ocorra há mais de um ano, estabelecendo-se no 2º segmento da norma que a contagem desse prazo se faça com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
II - Por seu lado, o 2º segmento da alínea c) do nº 4 exige apenas um prazo mais longo dessa detenção por parte da sociedade dominante - dois anos - nos casos em que a sociedade a incluir registe prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, de modo que, sendo este segmento da norma uma excepção à excepção prevista nesse normativo (no nº 4 prevêem-se os casos em que se afasta a aplicação do regime previsto nos números anteriores), ele tem que ser interpretado em consonância com os elementos previstos nos nºs 2 e 3 do mesmo preceito, que constituem a regra geral, o que equivale a dizer que, constando da regra geral prevista na alínea b) do nº 3 que o prazo de detenção da participação pela sociedade dominante se conta “com referência à data em que se inicia a aplicação do regime”, como já ficou dito, não se mostra necessário que na alínea c) do nº 4, em que se prevê mais um caso de aplicação do regime, se repita de novo esse elemento aferidor.
III - Assim sendo, temos de concluir que o momento temporal relevante para a aferição dos dois anos de detenção da participação por parte da sociedade dominante, nos casos em que a sociedade a incluir no perímetro do grupo tenha registado prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, se faz por referência ao primeiro dia do exercício fiscal em que se inicia a aplicação do regime».
Como resulta da decisão que acabamos de referir - e para a qual aqui remetemos nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 663.º do CPC [aplicável ex vi do disposto no artigo 2.º, al. e) do CPPT], dispensando-nos de juntar cópia, uma vez que o texto se encontra disponível, na íntegra, em www.dgsi.pt, inexistindo no caso razões de facto que nos levem a não reiterar e aplicar aqui aquela decisão - “o momento temporal relevante para a aferição dos dois anos de detenção da participação por parte da sociedade dominante, nos casos em que a sociedade a incluir no perímetro do grupo tenha registado prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, se faz por referência ao primeiro dia do exercício fiscal em que se inicia a aplicação do regime”, ou seja, vertendo esta solução para o caso dos autos, cabe concluir que esse momento seria o dia 1 de Janeiro de 2013.

Assim, sem necessidade de mais considerandos, tem razão a Recorrente quanto ao não preenchimento do prazo de dois anos exigido pela alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC e, nessa medida, quanto à impossibilidade de aplicação ao caso dos autos do regime de RETG no exercício de 2013 em relação a esta sociedade.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, fixar o valor à causa nos termos indicados na PI e julgar improcedente a impugnação.
Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.
D.n.

Lisboa, 22 de Junho de 2022 - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.