Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0158/23.0BALSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REQUISITOS
ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - No regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o requisito maior para a sua admissibilidade é a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento.
II - Não sendo as realidades factuais subjacentes às decisões idênticas, não será possível afirmar que tais decisões resultaram unicamente de uma divergente interpretação jurídica o que é determinante para afirmar que não se verifica contradição sobre a mesma questão fundamental de direito e que não se deverá conhecer do recurso para uniformização de jurisprudência.
Nº Convencional:JSTA000P32054
Nº do Documento:SAP202403210158/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (DSCJC)
Recorrido 1:AA
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório


A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, notificada da Decisão Arbitral proferida em 12-07-2023, no Processo n.º 98/2023-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e em que é recorrido AA, melhor identificado nos autos, não se conformando com o conteúdo desta, vem dela recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do n.º 2, do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção da Lei n.º 119/2019 de 18 de Setembro, com fundamento em a mesma se encontrar em contradição com a Decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no Processo n.º 682/2015-T, em 22-04-2016, que colocadas perante a possibilidade da verificação da caducidade do direito à liquidação decidiram em direcções opostas quanto à natureza da liquidação impugnada, tendo uma considerado que a liquidação impugnada configura uma liquidação adicional, e outra uma liquidação inicial, conduzindo, consequentemente, a enquadramentos diferentes em matéria de prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT.

Inconformada, a recorrente AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA formulou alegações, que terminou com as seguintes conclusões:

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão recorrida e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição, firmando e consolidando o sentido do julgamento acertado desta matéria.
B. Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos suscetível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas e v) que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo
C. No caso vertente encontram-se reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição entre a Decisão arbitral 98/2023-T de 12-07-2023, (Decisão recorrida) e a Decisão Fundamento proferida no processo n.º 682/2015-T de 22.04.2016.
D. Entre a Decisão Recorrida e a Decisão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.
E. Em ambas as decisões está em causa:
1) A declaração da caducidade do direito à liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) emitida por ter sido dada sem efeito a isenção de que beneficiou anteriormente, no momento da aquisição de um imóvel.
2) Na Decisão Recorrida estão em causa os atos de liquidação do IMT por ter sido dado sem efeito, por não se verificarem os pressupostos da isenção criada pelo Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de Julho, às aquisições por emigrantes portugueses de prédios urbanos ou as suas frações e a aquisição de prédios rústicos, destinados quer a habitação própria ou exploração agrícola, quer a rendimento;
3) Na Decisão fundamento está em causa o ato de liquidação do IMT emitido por ter sido dado sem efeito, a isenção referente ao regime de benefícios fiscais previstos nos artigos 269.º e 270.º do CIRE;
4) Pese embora as isenções não serem coincidentes nas duas decisões, sucede que ambas são isenções automáticas, em que a eficácia dos aludidos benefícios não carece de ato prévio de reconhecimento administrativo, decorrendo direta e imediatamente da lei, conforme expressamente prevê o artigo 5.º do EBF, pelo que, não existem dissemelhanças suficientes para afastar a identidade que existe entre ambos os atos de liquidação;
5) Por outro lado, em ambos os casos estão em causa as normas de prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT, constantes do artigo 31º n.º3 e o artigo 35.º, n.º 1 do CIMT.
6) Em ambas as decisões foi adquirido um imóvel e previamente à aquisição foi apresentada declaração Mod 1 conforme determinado no artº 19º do CIMT, onde constava que beneficiavam da isenção respetiva.
7) Tanto na decisão recorrida, como na decisão fundamento, em face da declaração mod. 1 de IMT indicar que beneficiava de isenção no quadro correspondente, não foi emitida liquidação, mas foram emitidos os referidos DUC com o valor a €0,00.
8) No ato aquisitivo foram utilizados os DUC emitidos a €0,00 que ficam arquivados e que permitem a realização desse ato, conforme exigido no artigo 49º do CIMT.
9) Na decisão recorrida a aquisição do imóvel ocorreu através da celebração de escritura pública de compra e venda, e na decisão fundamento a aquisição do imóvel foi concretizada no âmbito de um processo de insolvência tendo o Tribunal emitido o Título de Transmissão do prédio.
10) No entanto, atendendo a que o artigo 1º do CIMT refere que: «O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) incide sobre as transmissões previstas nos artigos seguintes, qualquer que seja o título por que se operem» significa que o facto de se terem concretizado as transmissões por meios aquisitivos diferentes, isso não consubstancia nenhuma alteração substancial que justifique uma divergência suficiente para ser afastada a identidade das situações em apreço.
11) Em ambas as decisões, por força de uma isenção (correta ou incorreta) do imposto, não se levou a efeito qualquer liquidação, não se tendo efetuado quaisquer operações de liquidação tendentes ao apuramento do IMT a pagar no momento da aquisição, ou seja da ocorrência do facto tributário;
12) Também nas duas decisões recorrida e fundamento foi emitida uma liquidação de IMT, quando foi apurado que não se verificavam os pressupostos de atribuição da Isenção respetiva, tendo sido emitida e notificada dentro do prazo de oito anos.
F. Conforme se pode desde já observar, entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, ou seja, em ambas as situações foi apreciada a caducidade das liquidações visadas, em situações em que havia sido adquirido um imóvel e no momento da aquisição por força de uma isenção do imposto, não se levou a efeito qualquer liquidação.
G. Ou seja, ambas as decisões versam sobre situações fáticas que preenchem a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal, conforme entendimento veiculado pelo acórdão do STA proferido a 2010.12.07 no âmbito do processo n.º 0511/06,
H. Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito.
I. Verifica-se que há identidade na questão de direito, pois, ambas as decisões apreciam a questão da caducidade do direito à liquidação, são analisadas as mesmas disposições legais e é ponderado se as liquidações objeto dos autos são suscetíveis de serem qualificadas como liquidações adicionais ou primeiras liquidações.
J. No entanto as decisões em confronto estão em contradição, conforme se- verá:
K. Analisando a mesma questão, a de saber se a emissão de documento com valor “a zeros” despoletado pela entrega da declaração modelo 1 de IMT, onde é declarado que beneficia da isenção, a Decisão recorrida entende que foi emitida uma liquidação inicial e considerou a liquidação visada nos autos caducada nos termos do artigo 31.º n.º 2 e 3 do CIMT,
L. A Decisão fundamento decidiu em sentido contrário, - corretamente em nosso entender- e não considerou aplicável o artigo 31.º n.º 2 e 3 do CIMT e defendeu que “os documentos de cobrança emitidos por valor nulo não traduzem a realização de uma liquidação de imposto, mas, tão-somente, a certificação, pelos competentes serviços tributários, da verificação dos pressupostos de isenção de que a transmissão beneficia”.
M. Donde, a decisão fundamento, cujo sentido decisório aqui se propugna, defendeu que: por ter sido considerada aplicável à transmissão uma isenção total dos referidos tributos, as liquidações ora impugnadas não podem ser consideradas "liquidações adicionais", pois que se não destinam a corrigir liquidações anteriores., e assim, as liquidações visadas são liquidações originárias, pelo que, o prazo de caducidade do direito à liquidação, contado a partir da data da ocorrência do fato tributário, é de 8 anos, nos termos dos artigos 35.º do CIMT.
N. Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, o presente Recurso deve ser decidido no sentido da decisão fundamento; uniformizando a jurisprudência no sentido que: as liquidações visadas são liquidações originárias, pelo que, o prazo de caducidade do direito à liquidação, contado a partir da data da ocorrência do fato tributário, é de 8 anos, nos termos dos artigos 35.º do CIMT.
O. Além de que, a decisão fundamento está em plena conformidade com a jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, o que não acontece com a decisão recorrida, e citamos dois Acórdãos que consubstanciam a jurisprudência maioritária, Acs. de 18.5.2011 - Proc. 153/11 e de 14.9.2011 - Proc. 294/11.
P. Em suma, entre a decisão recorrida e a Decisão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento e fundamentação propugnada na Decisão fundamento.
Q. Cumpre salientar que a orientação perfilhada na decisão recorrida está em contradição com jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, entre os quais se cita o Acórdão proferido no processo n.º 0153/11, de 18.05.2011, o qual, não obstante ainda se debruçar sobre o já revogado Código da Sisa, toma posição sobre idêntica temática de fundo, conforme refere:
«Ora, neste caso, quando foi efectuada a escritura de compra e venda não foi efectuada qualquer liquidação dado que o recorrente beneficiava de isenção de sisa ao abrigo do artigo 7.º do DL 540/76 (poupança – conta emigrante).
É certo que ocorreu o facto tributário mas daí não pode retirar-se, sem mais, que houve uma liquidação da qual não teria resultado imposto a pagar por dele estar o recorrente isento; pelo contrário, por força dessa isenção, não se procedeu, então, a qualquer liquidação de sisa.
A liquidação que veio posteriormente a ser efectuada em consequência da inspecção levada a cabo ao recorrente não é, assim, uma liquidação adicional já que a mesma não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação.
Daí que, como se entendeu na decisão recorrida, o artigo 111.º, § 3.º do CIMSISSD não tenha aqui aplicação e, sendo o prazo de caducidade o previsto no artigo 92.º do mesmo Código – oito anos, não se verifica a alegada caducidade do direito à liquidação, uma vez que à data em que o recorrente foi notificado da liquidação, em 7/7/2005, não tinham ainda decorrido oito anos desde a data da transmissão (4/6/2001).».
R. Pelo supra exposto, reforçamos, que a AT pugna para que seja decidido o presente Recurso no sentido da Decisão Fundamento e subscreve na íntegra o determinado nos Acórdãos deste Supremo Tribunal citados, quer a sua fundamentação quer o julgamento que fazem da matéria em causa o qual é verdadeiramente exemplar e mostram o sentido do entendimento jurisprudencial de que à semelhança da situação relatada no Acórdão proferido no processo n.º 0153/11, de 18.05.2011 cujo trecho se acabou de citar, não houve, por força de uma isenção (correta ou incorreta) do imposto, não se levou a efeito qualquer liquidação.
S. E assim, não se tendo efetuado quaisquer operações de liquidação tendentes ao apuramento do IMT a pagar, por força da operacionalização de suposta causa de isenção de IMT sobre tal transmissão, não se poderá deixar de concluir que a liquidação objeto dos presentes autos arbitrais não é suscetível de ser qualificada como uma liquidação adicional, razão pela qual dispunha a Entidade aqui Recorrente, de um prazo de oito anos para a emissão da liquidação de IMT em apreço, em conformidade e respeito com o estatuído no n.º 1 do artigo 35º do Código do IMT.
T. Razão pela qual, considerando o referido prazo de oito anos aplicável conforme a norma em apreço, a liquidação em causa foi emitida e notificada dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação de que a Autoridade Tributária dispunha, não podendo, pois, proceder o entendimento da decisão recorrida.
U. Por tudo o que ficou exposto, é de concluir que deve ser acolhido o entendimento perfilhado na Decisão fundamento, tendo incorrido em erro a decisão recorrida que, por isso, deve ser anulada.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outra consentâneo com o quadro jurídico vigente como é de Direito e Justiça.

O recorrido AA veio apresentar contra-alegações, nos termos que se seguem:

1. O Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20 de Janeiro, dispõe no seu artigo 25.°, n.°s 2 e 3, que pode ser apresentado recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), quando esta decisão esteja em oposição, entre outros, com outra decisão arbitral quanto à mesma questão fundamental de direito, aplicando-se a este recurso, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 152.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”).
2. Como já tem sido várias vezes explicitado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, são vários os critérios para aferir da existência de uma contradição, ou oposição, de julgados - cfr., por todos, o acórdão do STA de 24/11/2021, proferido no processo n.° 0985/16.5BEAVR, que pode ser consultado em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22elbble680256f8e003ea931/10531be80afd492f8025879c0051accc?OpenDocument
3.Um dos critérios, constante do sumário do referido acórdão, é “haver identidade da questão de direito sobre que incidiram as decisões em oposição, que tem pressuposta a identidade das respectivas circunstâncias de facto” (sic; sublinhado nosso).
4. E, ainda: “Se do confronto do acórdão recorrido com o aresto fundamento, desde logo, não resulta verificada a identidade substancial das situações fácticas, não se deve conhecer do mérito do recurso, por falta de um dos pressupostos desse recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do art. 284° do CPPT (sic; sublinhado nosso).
5. Ora, basta ler as duas decisões em causa, a recorrida, proferida no processo do CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa) n.° 98/2023-T, e a decisão fundamento, proferida no processo do CAAD n.° 682/2015-T, pare se verificar de imediato que as situações fácticas não são idênticas:
a) no processo n.° 98/2023-T, estava em causa a utilização do benefício fiscal previsto pelo art. 7.° do Decreto-Lei n.° 540/76, de 9 de Julho, relativo à isenção de IMT na aquisição de imóveis com valores constantes dos saldos das chamadas contas-emigrante. Previamente à aquisição dos imóveis em causa, o Recorrido apresentou junto do serviço de finanças as competentes declarações Modelo 1 para liquidação do IMT, acompanhando cada uma dessas declarações de declarações bancárias fazendo prova da existência em seu nome de uma conta poupança-emigrante, de que a referida conta foi aberta desde Março de 1997 (isto é, antes de 18/08/2006), de que os fundos utilizados na compra dos respectivos imóveis foram mobilizados a partir da referida conta, e de que os fundos provieram do exterior, e as datas respectivas dos depósitos desses fundos. Foi com base nessas declarações que o serviço de finanças competente entendeu que o Recorrido tinha direito à isenção, pelo que efectuou as competentes liquidações e emitiu os respectivos DUCs a zeros. Esta situação fáctica foi dada como provada pelo colectivo de árbitros do CAAD. Aliás, o colectivo de árbitros do CAAD também considerou provado que toda a informação foi correcta e devidamente transmitida ao serviço de finanças para que este pudesse reconhecer, ou não, a isenção de IMT.
b) no processo n.° 682/2015-T, estava em causa a utilização da isenção de IMT consagrada no art. 270.° do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), desconhecendo o Recorrido se foi ou não apresentada ao serviço de finanças competente, pela adquirente nessa ocasião, juntamente com a declaração Modelo 1 para liquidação de IMT, alguma outra informação que a habilitasse a usufruir da isenção em questão. Da leitura da decisão do árbitro singular parece retirar-se que não foi apresentada mais nenhuma informação adicional à declaração Modelo 1. O que parece permitir o entendimento de que poderá ter havido alguma omissão, e daí a possibilidade da promoção da liquidação do imposto dentro dos oito anos (embora a informação a respeito seja escassa), parecendo contudo que o árbitro entendeu que a declaração Modelo 1 de IMT não deu origem a qualquer liquidação, vindo no fundo a considerar que só existe liquidação nas situações em que há imposto a pagar - o que, a nosso ver, consubstancia erro de julgamento.
6. Assim, verifica-se necessariamente que as situações fácticas em causa nas duas decisões não são idênticas, o que deve impedir o conhecimento do mérito do recurso, considerando os critérios fixados pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA - o que desde já se requer.
Sem conceder, mas por dever de patrocínio,
Caso Vossas Excelências entendam que, ainda assim, as situações fácticas são idênticas e o mérito do recurso pode ser apreciado, vem o Recorrido dizer o seguinte:
7. Embora não se consiga entender de forma muito clara a pretensão da Recorrente com o presente recurso, parece ao Recorrido que a intenção será que Vossas Excelências declarem que, nas situações em que estão em causa isenções que foram reconhecidas pelos serviços de finanças ao abrigo do disposto no art. 10.°, n.° 8, do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“CIMT”) - isenções de reconhecimento automático a emissão dos documentos de cobrança (“DUCs”) a zeros não consubstanciam liquidações, podendo consequentemente qualquer liquidação posterior ser feita dentro do prazo de caducidade de oito anos, ao abrigo do disposto no art. 35.°, n.° 1, do CIMT.
8. Entende o Recorrido que a Recorrente labora em erro de direito.
9. Bastaria, para tanto, atentar na - muito certeira - fundamentação da decisão arbitral recorrida.
10. Mas o Recorrido faz aqui também referência a uma muito recente sentença, datada de Outubro de 2023, que recebeu do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 1, processo de impugnação n.° 238/23.2BESNT, num caso - este sim - idêntico ao dos autos ora recorridos - junta-se cópia da referida sentença como documento n.° 1, que se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
(DOC. 1)
11. A fundamentação da referida sentença, juntamente com a fundamentação da decisão arbitral recorrida, não deixam margem para dúvidas: a emissão de um DUC de IMT a zeros, com fundamento no reconhecimento de uma isenção ao abrigo do disposto no art. 7.° do D.L. n.° 540/76, de 9 de Julho, que afinal não se aplicava à transmissão em causa, constitui uma efectiva liquidação de IMT para efeitos do disposto nos artigos 19.° e 31,° do CIMT, pelo que a correcção de eventuais erros cometidos só pode ser feita por liquidação adicional, sujeita ao prazo de caducidade de quatro anos previsto no n.° 3 do art. 31.° do CIMT.
12. Em reforço, diga-se ainda que o DUC, emitido na sequência da apresentação da declaração Modelo 1, “corporiza” o valor da colecta. Ora a colecta é o resultado da aplicação da taxa à matéria colectável, operação essa que é conhecida por “liquidação”. Tendo sido apresentada a declaração Modelo 1 para liquidação de IMT e, sequentemente, sido emitido um DUC, não podem restar dúvidas de que foi feita a liquidação do imposto. É irrelevante para a consideração de ter existido uma liquidação que o DUC seja emitido a zeros, por ter sido reconhecida uma isenção. Houve sempre liquidação. O que significa que a correcção de erros só pode ser efectuada por liquidação adicional, dentro dos quatro anos seguintes, salvo omissão de bens ou valores.
13. A Recorrente entende que não efectuou liquidações adicionais, mas antes primeiras liquidações, decorrentes da caducidade das isenções concedidas. Ora, com o devido respeito, isso é um erro jurídico crasso. As isenções podem caducar, quando ocorram factos posteriores (actos ou omissões) que provoquem esse efeito. Basta atentar no disposto no art. 11° do Código do IMT, relativamente à caducidade das isenções. Uma das situações mais comuns, que pode servir de exemplo, verifica-se na compra para revenda de imóveis, quando o imóvel adquirido por pessoa singular ou colectiva, que exerça a actividade de comprador de prédios para revenda, não for revendido no prazo de três anos, ou lhe for dado destino diferente, ou tenha sido vendido novamente para revenda cfr. arts. 7.° e 11,°, n.° 5, do Código do IMT. Aquando da aquisição, o beneficiário da isenção tinha direito a essa isenção, mas a mesma vem a caducar por acto ou omissão posterior.
14. Não é o que se passa na situação sub judicio. A Recorrente entende que não havia direito ab initio à isenção de IMT. Contudo, essa isenção foi reconhecida ao Recorrido, que para o efeito, como acima já referido, apresentou as declarações a que se refere o art. 19.°, n.°s 1 e 3 do Código do IMT, juntando as declarações bancárias fazendo prova da existência em seu nome de uma conta poupança-emigrante, de que a referida conta foi aberta desde Março de 1997 (isto é, antes de 18/08/2006), de que os fundos utilizados na compra dos respectivos imóveis foram mobilizados a partir da referida conta, e de que os fundos provieram do exterior, e as datas respectivas dos depósitos desses fundos. Foi com base nestas declarações que a AT entendeu que o Recorrido tinha direito à isenção, pelo que efectuou as competentes liquidações a zeros e emitiu os respectivos DUCs a zeros.
15. Ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, o benefício não é automático - pelo menos, desde 2009, com a introdução do n.° 3 ao art. 19.° do Código do IMT pela Lei n.° 64-A/2008, de 31 de Dezembro (a Lei do Orçamento de Estado para 2009) -, pois depende da entrega nos serviços de finanças de uma declaração para efeitos de liquidação do imposto, com a entrega também das declarações emitidas pelos bancos, que permitem aos serviços de finanças controlarem os requisitos das isenções.
16. É, aliás, por isso que a lei dispõe que, nos casos em que se verifique “que nas liquidações se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, (...) o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.° 3 do artigo 19.°, promove a competente liquidação adicional (art. 31.°, n.° 2, do Código do IMT). Veja-se que é a própria lei que dispõe que a liquidação a efectuar, quando tiver sido entregue a declaração para liquidação a que se refere o art. 19.° do Código do IMT - como foi o caso na situação sub judicio -, é necessariamente uma liquidação adicional, e não uma primeira liquidação.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, se REQUER que o presente recurso para uniformização de jurisprudência interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira seja INDEFERIDO, com as devidas consequências legais.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser admitido e, subsequentemente, ser o mesmo julgado procedente, revogando-se a douta decisão arbitral recorrida e, bem assim, ser uniformizada jurisprudência no sentido de que, em caso de concessão indevida de isenção do IMT, decorrente de benefício fiscal automático, a liquidação posteriormente efectuada não reveste a natureza de liquidação adicional, pelo que o prazo de caducidade é de oito anos, contados da data da transmissão, nos termos do artigo 35.°, n.º 1, do CIMT, pelos fundamentos a que infra se fará alusão.
O recorrido veio apresentar resposta ao Parecer do Ministério Público em que, no essencial, sustenta que não se verifica a identidade fáctica das situações nas duas decisões do CAAD (a decisão recorrida e a decisão fundamento), pelo que, considerando os critérios fixados pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, não deve sequer ser conhecido o mérito do recurso.
E, a entender-se que o mérito do recurso deve ser apreciado, deverá entender-se que a correcção da situação tributária do ora Recorrido só poderia ter sido feita com recurso a uma liquidação adicional, no prazo de quatro anos a contar da liquidação a corrigir, ao abrigo do disposto no artigo 31.° do CIMT, e que, como se refere no sumário da decisão do CAAD ora recorrida, proferida no processo n.° 98/2023-T, “A emissão de documentos de cobrança de IMT a zeros, com fundamento no reconhecimento de uma isenção ao abrigo do artigo 7. ° do Decreto-Lei n.° 540/76, de 9 de julho, que afinal não se aplicava às transmissões em causa, constitui uma efectiva liquidação de IMT para efeitos do disposto nos artigos 19° e 31° do CIMT, aplicando-se o prazo de caducidade de quatro anos previsto no número 3 do referido artigo 31.° para se proceder à correção do erro cometido". 
Remata afirmando que conclui como nas contra-alegações de recurso.
*

Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

2.1.1. - Na decisão arbitral recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1.1. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 20-02-2023, incide sobre os seguintes atos de liquidação adicional de IMT:
- Liquidação adicional n.º..., de 2022-12-27, no montante de €15.662,80, com o DUC..., paga em 30/12/2022;
- Liquidação adicional n.º ..., de 2023-02-10, no montante de €23.464,75, com o DUC..., paga em 10/02/2023;
- Liquidação adicional n.º..., de 2023-02-10, no montante de €7.200,00, com o DUC..., paga em 10/02/2023;
- Liquidação adicional n.º..., de 2023-02-10, no montante de €14.527,12, com o DUC..., paga em 10/02/2023.
1.2. As liquidações adicionais acabadas de identificar foram lançadas pelos serviços da AT, na sequência da reapreciação de anteriores liquidações a zeros emitidas pelos mesmos serviços, após terem concluído que as transmissões em causa não poderiam beneficiar da isenção invocada pelo Requerente, tendo sido notificadas ao Requerente através de registo com aviso de receção com data de 30.11.2022 (a emitida pelo SF de Lisboa ...) e de 20.01.2023 (as emitidas pelo SF de Lisboa ...).
As notificações referem expressamente que nas liquidações iniciais foi indevidamente aplicada a isenção prevista no DL 540/76, de 9 de julho, constando na notificação emitida pelo SF de Lisboa ... que “em virtude deste benefício ter sido, por lapso, aplicado indevidamente, efetua-se a presente liquidação”.
1.3. As liquidações iniciais a zeros foram por sua vez precedidas da apresentação, no serviço de finanças de lisboa ... e no serviço de finanças de lisboa ..., de “Declarações para Liquidação modelo 1”, com a seguinte informação comum a todas elas:
- Quadro I. Identificação do Sujeito passivo – A..., NIF 1... e indicação do NIF do cônjuge ...;
- Quadro II. Identificação do facto tributário: Aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis;
- Quadro III. Identificação dos titulares dos bens transmitidos;
- Quadro IV. Identificação dos bens;
- Quadro V. Identificação do facto tributário, quota parte transmitida, valor do ato ou contrato e indicação do Código 1 referente a benefícios fiscais (isenção de IMT concedida a emigrantes Decreto-Lei n.º 540/76, de 09/07);
- Cada uma das declarações foi encerrada com a assinatura do declarante (o referido Sujeito Passivo) e têm aposto um “Carimbo de Recepção” com indicação do código do serviço de finanças, data do recebimento e rúbrica.
1.4. Estas declarações foram entregues nas datas a seguir indicadas e identificam no seu quadro IV os imóveis a transmitir, a saber:
- Declaração entregue no SF de lisboa ..., Código..., em 01-09-2015 – Prédio inscrito sob o artigo Urbano n.º ... (1/2) da freguesia da ..., Município de Lisboa;
- Declaração entregue no SF de Lisboa ..., Código ..., em 06.11.2015 – Prédio inscrito sob o artigo Urbano ..., União de freguesias de ..., ... e ..., e prédio inscrito sob o artigo Rústico..., freguesia de ... (...), Município de Sintra;
- Declaração entregue no SF de Lisboa..., Código ..., em data ilegível de 2016 – Prédio inscrito sob o artigo Urbano ... e prédio inscrito sob o artigo Rústico ..., freguesia ..., Município de Sousel;
- Declaração entregue no SF de Lisboa ..., Código ..., em 01/03/2017 – Prédio inscrito sob o artigo Urbano ..., Frações ..., ... e ..., freguesia ..., Município de Lisboa.
1.5. Cada uma das declarações modelo 1 acabadas de identificar foi acompanhada de uma declaração bancária, emitida pelo Banco … (datadas, respetivamente e pela ordem indicada, de 26 de agosto de 2015, de 12 de outubro de 2015, de 19 de setembro de 2016 e de 21 de fevereiro de 2017), atestando que o seu cliente A..., contribuinte ... e o seu cônjuge B..., contribuinte ..., ambos emigrantes em Macau, eram titulares de uma “conta de depósitos à ordem emigrante n.º...”, aberta desde março de 1997 nos livros do Banco declarante.
1.6. Mais consta nas referidas declarações bancárias que aquela conta “foi creditada com fundos provenientes do exterior” desde 16.07.2014 até à data da sua emissão, parte dos quais foi aplicada no reforço da conta poupança-emigrante, e que esses reforços foram por sua vez objeto de transferência a favor dos alienantes dos prédios adquiridos pelo ora Requerente, prédios esses cuja identificação coincide com a que foi indicada nas declarações modelo 1 para liquidação do IMT (cada declaração bancária indica os montantes transferidos, a denominação dos alienantes e os imóveis adquiridos).
1.7. Dá-se por provado que, em resposta às declarações modelo 1 supra identificadas, os serviços de finanças emitiram documentos de cobrança (DUC) com liquidações a zeros, por considerarem aplicável a isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho, os quais foram entregues e titularam as escrituras de compra e venda, com a seguinte identificação:
- Liquidação de IMT 2015/..., emitida em ../../2015 pelo SF de Lisboa ..., referente à transmissão do prédio urbano artigo ... 1/2 (que deu origem ao artigo...), freguesia ..., concelho Lisboa (nem Requerente nem Requerida informam a data da escritura que titulou esta transmissão);
- Liquidação de IMT 2015/..., emitida pelo SF de Lisboa ..., referente à transmissão do prédio U-..., União de freguesias ..., e do prédio R-..., freguesia de ... (...), titulada por escritura celebrada em 11.11.2015;
- Liquidação de IMT 2016/..., emitida pelo SF de Lisboa ..., referente à transmissão do prédio U-... e R-..., freguesia de ..., titulada por escritura celebrada em 10.11.2016;
- Liquidação de IMT 2017/..., emitida pelo SF de Lisboa ..., referente à transmissão das Frações ..., ... e ... do Prédio Urbano ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, titulada por escritura celebrada em 06.03.2017.
*

2.1.2. - Na Decisão fundamento proferida no processo nº 682/2015-T foi dada como provada a seguinte matéria factual:

11.1. Em 14-12-2009, nos autos de insolvência que correm termos sob o número …/09… do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., a Requerente mulher apresentou uma proposta de aquisição do prédio urbano destinado a habitação, situado em Lugar … e…, freguesia de…, concelho de ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo… .
11.2. A proposta de aquisição, com base no preço de € 424 210,00 foi aceite pela Meritíssima Juiz, tudo conforme consta do Auto de Abertura de Propostas (Doc. 1).
11.3. Em 22-12-2009, a Requerente mulher apresentou no Serviço de Finanças de ...-… a declaração modelo 1 do IMT, para liquidação deste imposto, bem como do imposto do selo relativos à referida aquisição.
11.4. Na mesma data, o Serviço de Finanças competente procedeu conforme o requerido emitindo o correspondente documento de cobrança com o número…, do qual consta serem de € 0,00 os valores a pagar, com fundamento, nele expresso, dos benefícios fiscais de que aproveita a transmissão: "Transmissão integrada no âmbito da liquidação da massa insolvente (Art. 270.º, n.º 2, do D-L 53/04), 100% sobre a matéria colectável" quanto ao IMT; e "Transmissão integrada em Planos de insolvência ou de pagamentos ou no âmbito da liquidação da massa insolvente (Art. 269.º/d) do D-L 53/04), 100% sobre a matéria colectável)" quanto ao IS.
11.5. Em 30-12-2009, a Requerente mulher entregou no Tribunal Judicial de ..., para ser junto ao aludido processo de insolvência, o comprovativo do pagamento integral do preço e os documentos relativos ao cumprimento das obrigações fiscais relacionadas com o IMT e o IS emitidos pelo Serviço de Finanças de ...-… .
11.6. Em 14-01-2010, o referido Tribunal emitiu o Título de Transmissão do prédio supra identificado, a favor da Requerente mulher, conforme certidão junta aos presentes autos.
11.7. Em 06-08-2015, o Serviço de Finanças de ...-…, através do ofício n.º…, notificou a Requerente mulher para efeitos do exercício do direito de audição prévia do facto de em acção de controlo das isenções de IMT e de IS a que se referem os artigos 269.º e 270.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), terem aqueles Serviços constatado que a Requerente delas havia beneficiado indevidamente porquanto à transmissão em causa não podia ser reconhecido o direito aos referidos benefícios. (Doc.2)
11.8. De acordo com o referido ofício, os citados benefícios apenas podem ser reconhecidos "mediante a verificação de alguns pressuposto, nomeadamente que:
* A isenção de IS (art. 269.º, alínea e) do CIRE) depende de os prédios serem adquiridos a uma empresa ou empresário individual que exerça actividade industrial, comercial ou agrícola e estes estarem integrados o activo da respectiva empresa.
* A isenção não é aplicável quando os bens sejam adquiridos por credores da empresa vendida.
* A isenção de IMT (art. 270.º, n.º 2, do CIRE), depende de os bens imóveis transmitidos integrarem a universalidade da empresa ou estabelecimento vendido.
Verifica-se no entanto que o(s) prédio(s) foram adquiridos a uma pessoa singular e não existe comprovativo da compra da universalidade do estabelecimento ou empresa (todos os activos da massa insolvente), não podendo desta forma ser reconhecido o direito a este(s) beneficio(s) na liquidação de IMT n.º …/2009."
11.9. Em 17-08-2015, a Requerente mulher, no exercício do direito de audição prévia, informou aquele Serviço de Finanças que o prédio adquirido constituía o único bem da massa insolvente, juntando Relatório elaborado nos termos do artigo 155.º do CIRE. (Doc.3)
11.9. Em 14-09-2015, através do ofício n.º … - recepcionado pela destinatária em 15 do mesmo mês, conforme Aviso de Recepção junto aos autos - o Serviço de Finanças de...-…notificou a Requerente mulher para, no prazo de 30 dias, efectuar o pagamento da importância total de € 25 628,60, sendo € 22 234,92 respeitante a IMT e € 3 393,68, a IS.
11.10. Em 12-10-2015, o referido Serviço de Finanças emitiu o documento de cobrança n.º … das referidas importâncias cujo pagamento foi efectuado pela Requerente no dia seguinte, por transferência bancária. (Docs. 5 a 8)
*

2.2.- Motivação de Direito

2.2.1. - No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento se encontram em manifesta e evidente contradição, na medida em que defenderam soluções opostas relativamente à natureza da liquidação impugnada, e assim, uma considerou que a liquidação impugnada configura uma liquidação adicional e outra uma liquidação inicial tendo conduzido a enquadramentos diferentes em matéria de prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT.
Para a recorrente, a existência dessa divergência é de molde a permitir o recurso para uniformização de jurisprudência, consubstanciado no artigo 152.º do CPTA.
Vejamos.

2.2.1.- Da admissibilidade do recurso de uniformização

Importa, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado, aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1) na redacção da lei nº119/2019, de 18/09.
Consoante o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º).
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, págs. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, de 11/12/2019, Recurso nº 46/19.5BALSB, de 04-11-2020, Recurso nº 24/20.1BALSB, de 09/12/2020, Recurso nº 43/20.8BALSB e de 20-01-2021, Recurso nº 60/20.1BALSB, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.° 3 do artigo 152.° que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e evocando Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsí.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv) ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que, quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá de emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.
*

2.2.2.- Da análise do caso concreto:

No caso posto, seguindo a factualidade fixada nas decisões fundamento e recorrida, a situação de paridade que importa considerar é a seguinte:
O pedido de pronúncia arbitral, em sede de processo onde foi estruturada a decisão arbitral recorrida, foi deduzido na sequência de um acto de liquidação do IMT por ter sido dado sem efeito, por não se verificarem os pressupostos da isenção criada pelo Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de Julho, às aquisições por emigrantes portugueses de prédios urbanos ou as suas fracções e a aquisição de prédios rústicos, destinados quer a habitação própria ou exploração agrícola, quer a rendimento.
Já a decisão fundamento, tinha por objecto o mesmo Imposto, estando em causa o acto de liquidação do IMT emitido por ter sido dada sem efeito, a isenção referente ao regime de benefícios fiscais previstos nos artigos 269.º e 270.º do CIRE.
Como é manifesto, o recorrido defende que a solução oposta dada nas duas decisões resultou do diferente entendimento quanto à natureza da liquidação impugnada, e assim, uma, considerou que a liquidação impugnada configura uma liquidação adicional, e a outra, uma liquidação inicial, tendo conduzido a enquadramento diferentes em matéria de prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT, sendo que as situações fácticas subjacentes a cada um dos actos são diferentes, faltando, por isso, o requisito da identidade fáctica.
A tese da recorrente e do Ministério Público vai no sentido de estarem reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 284º do CPPT, não apenas por a questão jurídica em discussão ser a mesma, na decisão recorrida e na decisão fundamento, como a factualidade essencial ser de igual modo idêntica nos dois arestos, encontrando-se também verificado o requisito da contradição de julgados ser expressa.
Descortinemos, então, prioritariamente, se se verifica identidade dos pressupostos de facto sobre a qual recaiu o acórdão em oposição, o que o mesmo é dizer, se estão reunidos os pressupostos a que obedece o conhecimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
No segmento fáctico, consta-se que nas cotejadas decisões o seguinte:
Como se enxerga do probatório fixado na decisão fundamento, nesta foi tratada a situação atinente à aplicação da isenção de IMT instituída no art. 270.° do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), não se apurando se foi ou não apresentada ao serviço de finanças competente, pela adquirente nessa ocasião, juntamente com a declaração Modelo 1 para liquidação de IMT, qualquer outra informação que a credenciasse a usufruir da referida isenção.
E, na senda do que adverte o recorrido, da leitura da decisão do árbitro singular parece retirar-se que não foi apresentada mais nenhuma informação adicional à declaração Modelo 1, o que legitima a inferência de que poderá ter havido alguma omissão justificativa da efectivação da liquidação do imposto dentro dos oito anos, acrescendo que tudo aponta para que o Exmº árbitro apreendeu que a declaração Modelo 1 de IMT não deu origem a qualquer liquidação e, por assim ser, terá adoptado o entendimento de que só existe liquidação nas situações em que há imposto a pagar.
Por seu turno, a Decisão Recorrida versava sobre a utilização do benefício fiscal estatuído pelo art. 7.° do Decreto-Lei n.°540/76, de 9 de Julho, referente à isenção de IMT na aquisição de imóveis com valores constantes dos saldos das chamadas contas-emigrante.
Patenteia o probatório dessa decisão que, previamente à aquisição dos imóveis em apreço, o Recorrido apresentou junto do serviço de finanças as competentes declarações Modelo 1 para liquidação do IMT, fazendo acompanhar cada uma dessas declarações de declarações bancárias fazendo prova da existência em seu nome de uma conta poupança-emigrante, de que a referida conta foi aberta desde Março de 1997 (isto é, antes de 18/08/2006), de que os fundos utilizados na compra dos respectivos imóveis foram mobilizados a partir da referida conta, e de que os fundos provieram do exterior, e as datas respectivas dos depósitos desses fundos.
Com base nessas declarações o serviço de finanças competente considerou que o Recorrido tinha direito à isenção, pelo que efectuou as competentes liquidações e emitiu os respectivos DUCs a zeros, situação fáctica que foi julgada como provada pelo colectivo de árbitros do CAAD, isso após se dar igualmente como provado que toda a informação foi correcta e devidamente transmitida ao serviço de finanças para que este pudesse reconhecer, ou não, a isenção de IMT (cfr. pontos 11.3 a 11.7 do respectivo probatório).
Daí decorre que a isenção de IMT outorgada ao Recorrido ao abrigo do sistema da conta-emigrante, como este bem refere, podia ser parcial, pois dependia sempre do montante da conta-emigrante usado na compra dos imóveis, o que por isso mesmo implicava um exercício aritmético que teve de ser feito pelo serviço de finanças onde a mesma foi reconhecida. Não era uma isenção total que operava automaticamente por efeito da lei, como sucedeu no caso da decisão fundamento do CAAD.
Só assim se compreende, como certeiramente aponta o recorrido, que, em tais situações, o contribuinte fosse solicitado a entregar no serviço de finanças que fazia as liquidações iniciais, declarações bancárias conjuntamente com a declaração Modelo 1 para liquidação do IMT, a comprovar os requisitos, e os montantes, para que o serviço de finanças pudesse aferir da isenção aplicável e do respectivo montante.
Subsequentemente, caso o valor aplicado, proveniente da conta-emigrante, não cobrisse integralmente o valor da aquisição, a isenção seria meramente parcial; se cobrisse esse valor, a isenção poderia ser total.
Nessa medida, não se tratava de uma isenção automática, porque dependia sempre de um reconhecimento mediante a apreciação pelos serviços de finanças de que os requisitos para beneficiar da isenção estavam preenchidos, e de uma operação de cômputo da isenção, também a ser feita pelos serviços de finanças.
Por esse prisma, é forçoso considerar que os documentos de cobrança resultantes dessa apreciação consubstanciam a existência de uma liquidação, susceptível de vir a ser corrigida através de uma liquidação adicional.
Dúvidas não podem subsistir, pois, de que com a emissão do documento de cobrança com valores a “zeros” o serviço de finanças procedeu à definição da situação jurídico-tributária do contribuinte, definição essa que, por palavras emprestadas pelo recorrido, “não resultou de um procedimento automático e acéfalo, mas de um efectivo processo de decisão em que a Autoridade Tributária e Aduaneira ponderou elementos de facto e de direito e tomou, a final, uma decisão nos termos da qual definiu se o sujeito passivo tinha ou não imposto a pagar, pouco importando para o caso se o imposto era igual a zero ou não.
A plataforma informática na qual são emitidas as guias de IMT não permite a emissão das mesmas pelo sujeito passivo, que tem de as requerer obrigatoriamente no serviço de finanças, o qual só as passa depois de lhe fornecerem toda a documentação que entendam ser necessária para controlarem a suposta isenção e de analisarem a questão de facto e de direito, sendo certo que, se na sua óptica julgarem que falta algum documento que considerem necessário para o reconhecimento da isenção, emitem a guia com o valor do IMT a pagar, no lugar de uma guia a “zeros”. Toda e qualquer tentativa de redefinição desta situação jurídico-tributária inicial por parte da AT configura, do ponto de vista substancial, uma liquidação adicional para efeitos do disposto no art. 31,° do CIMT.”
Assim, adversamente ao sustentado pela recorrente e pelo Ministério Público, de que “ambas são isenções automáticas, em que a eficácia dos aludidos benefícios não carece de ato prévio de reconhecimento administrativo, decorrendo direta e imediatamente da lei, conforme prevê o artigo o artigo 5.º do EBF, pelo que, não existem dissemelhanças suficientes para afastar a identidade que existe entre ambos os atos de liquidação”, a isenção em apreço na decisão recorrida nunca foi considerada uma isenção automática, não operou de forma automática, pois careceu de reconhecimento prévio pelo serviço de finanças.
Ademais, do n.º 2 do artigo 31.º do Código do IMT, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, resulta que o documento gerado aquando da apresentação da declaração a que alude o n.º 3 do seu artigo 19.º, tem o valor de liquidação.
Sendo por isso que, como é especificado no primeiro destes dispositivos, as correcções efectuadas pelos serviços aos erros cometidos na sequência da apresentação dessas declarações dão origem a liquidações adicionais.
Assim, as denominadas «liquidações iniciais» a zeros são configuradas pelo legislador como verdadeiras liquidações (como «liquidações a corrigir»), também para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 31.º do Código.
Tanto quanto se pode extrair da factualidade dada como provada, com a apresentação das declarações Modelo 1 foram emitidas liquidações de IMT com os registos n.ºs 2015/...02, 2016/...37 e 2017/...05. Aliás, já com as declarações bancárias de onde resultava que os saldos utilizados foram creditados a partir de 2014.
Assim, não merece censura a conclusão segundo a qual as liquidações subsequentes só poderiam fazer-se até decorridos quatro anos a contar daquelas.
Neste conspecto, revela-se pertinente e útil sublinhar, como a decisão arbitral recorrida teve o cuidado de observar, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo convocada não tem aplicação no caso, precisamente por que diz respeito à aplicação da legislação anterior e/ou especifica de que não houve nenhuma liquidação com a apresentação da declaração Modelo 1.
Do exposto resulta que os dois arestos em confronto só aparentemente proferiram decisões opostas porquanto foram distintas as questões “decidendas” já que diferenciadas eram as realidades fácticas.
Não sendo as realidades factuais subjacentes às decisões idênticas não será possível afirmar que tais decisões resultaram unicamente de uma divergente interpretação jurídica.
É, pois, patente que entre a decisão recorrida e a decisão fundamento inexiste, desde logo, identidade de pressupostos de facto, o que vale por dizer que inexiste qualquer contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, pelo que não pode afirmar-se que as decisões em confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido divergente, divergência essa que poderia servir de fundamento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência.
Não se verificam, pois, os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 152º do CPTA, nomeadamente a existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, pelo que não deve tomar-se conhecimento do presente recurso.

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3.- Decisão

Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

Comunique-se ao CAAD.
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Lisboa, 21 de Março de 2024. - José Gomes Correia (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (vencido nos termos da declaração anexa) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (acompanha o voto de vencido do Exmo. Conselheiro Nuno Bastos) - Gustavo Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.

Voto vencido, porque entendo que, ao contrário do que foi concluído na decisão que fez vencimento, as decisões arbitrais em confronto decidiram de forma oposta a mesma questão fundamental de direito.

Que consistiu em saber se das disposições conjugadas dos artigos 19.º e 31.º do Código do IMT, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, deriva que, quando se verificar erro de facto ou de direito no documento emitido «a zeros», na sequência da apresentação de uma declaração para liquidação de IMT (aprovada pela Portaria 1423-H/2003, de 31 de dezembro) e que não derive de omissão de bens ou valores, o prazo de caducidade do direito à liquidação é o prazo de oito anos a que alude o artigo 35.º do mesmo Código.

Na decisão arbitral fundamento, foi decidido que sim, por se ter ali entendido que a declaração Modelo 1 apresentada com o preenchimento do código de um benefício fiscal não visa nenhuma liquidação, mas a emissão do comprovativo de isenção para apresentar junto das entidades com funções notariais.

Ou seja, que o erro de facto ou de direito cometido na emissão «a zeros» daquele documento não era um erro cometido em liquidação para efeitos do disposto no artigo 31.º, n.º 2, do Código do IMT. E que, por conseguinte, a liquidação emitida para correção desse erro não era uma liquidação adicional.

No acórdão arbitral recorrido, foi decidido que não, por se ter ali entendido que o ato praticado com base na apresentação da declaração Modelo 1 (haja ou não lugar a imposto e mormente nos casos de isenção) também é um ato de liquidação.

E que, por conseguinte, dos artigos 19.º e 31.º do Código resultava «um recorte específico de liquidação e de liquidação adicional».

É verdade que, no caso da decisão arbitral fundamento, o documento de cobrança foi emitido «a zeros», aquando da apresentação da declaração Modelo 1, com apoio no benefício fiscal a que alude o artigo 270.º, n.º 2, do CIRE (isenção nos atos de venda, permuta ou cessão de empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito da liquidação da massa insolvente).

E que, no caso do acórdão arbitral recorrido, o documento de cobrança foi emitido «a zeros», aquando da apresentação da declaração Modelo 1, por os serviços terem então considerado aplicável a isenção prevista no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de julho (isenção do imposto até ao dobro do montante transferido e utilizado na aquisição, através de conta poupança-emigrante).

Mas, tanto quanto consigo atingir, do facto de o benefício fiscal ser diferente não deriva nada de substancial para a decisão do caso, já que a lei não faz nenhuma distinção, para efeitos deste regime, entre as diferentes situações de isenção.

Quer dizer, a lei releva o facto de ser emitida a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código, independentemente da situação de isenção que se encontra subjacente.

Por isso, decidiria que estavam reunidos os pressupostos para o conhecimento do mérito do recurso.

Nuno Bastos