Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0650/14
Data do Acordão:02/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
COIMA
PRESCRIÇÃO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Não pode falar-se de omissão de pronúncia relativamente a questão que, sendo do conhecimento oficioso, não foi suscitada pelas partes ao tribunal.
II - Nada obsta a que o tribunal ad quem conheça como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença e vice-versa, já que, na sua função jurisdicional, não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC).
III - A instauração do processo de execução fiscal para cobrança coerciva de coimas não constitui facto interruptivo da prescrição da execução das coimas previsto no n.º 1 do art. 30.º-A do RGCO.
IV - A suspensão do processo de execução fiscal em virtude da dedução de oposição acompanhada de garantia da dívida exequenda pode constituir causa de suspensão da prescrição da coima subsumível no art. 30.º do RGCO.
V - Sendo o probatório fixado na sentença recorrida omisso quanto a factos relevantes para ajuizar se está ou não prescrita a dívida exequenda, impõe-se a baixa dos autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, com vista a obter todos os elementos que suportem a decisão jurídica, o que importa a anulação da decisão recorrida em conformidade com o disposto nos arts. 662.º, n.º 2, alínea c) e 682.º, n.º 3, do CPC.
Nº Convencional:JSTA00070028
Nº do Documento:SA2201702150650
Data de Entrada:06/02/2014
Recorrente:INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, I.P.
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO / EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART125 N1 ART169 ART170
RGIT01 ART34
RGCO ART29 N2 ART30 ART30-A
CP95 ART126 N1 ART469 ART490 ART491
CPP87 ART477
CPC13 ART5 N3 ART608 N2 ART660 N2 ART662 N2 C ART682 N3
L 64-B/11 DE 2011/12/31
L 67-A/07 DE 2007/12/31
L 25/06 DE 2006/06/30 ART16-B ART18
Jurisprudência Nacional:AC STJ ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR 2/12 DE 2012/03/08; AC STA PROC043/16 DE 2016/01/27; AC STA PROC0334/14 DE 2015/06/17; AC STA PROC01109/12 DE 2012/11/07; AC STA PROC0862/12 DE 2012/09/19; AC STA PROC0514/12 DE 2012/05/30; AC TCAS PROC06953/13 DE 2013/11/28; AC RL PROC347/04.7GOER.L1 DE 2010/03/25; AC RL PROC7034/2006-3 DE 2006/09/27; AC RP PROC70/06.2PBMAI.P1 DE 2011/09/21; AC RP PROC245/03.1TASTS.P1 DE 2010/09/22; AC RP PROC0410042 DE 2004/04/28; AC RP PROC0315181 DE 2004/02/04; AC RP PROC0615889 DE 2007/01/17; AC RP PROC0411498 DE 2005/10/19; AC RE PROC2TAELV.E1 DE 2013/02/05; AC RE PROC394/03.6PCSTB.E1 DE 2010/10/07
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PÁG365 PÁG375
CAVALEIRO DE FERREIRA - LIÇÕES DE DIREITO PENAL - PARTE GERALII 1989 PÁG172
JORGE LOPES DE SOUSA E MANUEL SIMAS SANTOS - CONTRA-ORDENAÇÕES - ANOTAÇÕES AO REGIME GERAL
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE - COMENTÁRIO DO CÓDIGO PENAL 2ED PÁG387.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1025/12.9BEPRT.

1. RELATÓRIO

1.1 O “Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.” (IMT, adiante Recorrente), recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa ( A petição inicial foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, mas este tribunal declarou-se incompetente em razão do território e remeteu os autos ao tribunal que entendeu ser o competente, ou seja, ao Tribunal Tributário de Lisboa), julgando procedente a oposição deduzida pela sociedade denominada “A……………, Lda.” à execução fiscal n.º 3204201101140698, instaurada para cobrança de créditos por falta de pagamento de taxas de portagem, custos administrativos e coima aplicada no âmbito de processo de contra-ordenação, extinguiu esta execução fiscal por prescrição da dívida exequenda.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou alegações e respectivas conclusões, sendo estas do seguinte teor ( Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«A. As infracções e os procedimentos contra-ordenacionais, que estão na génese do processo de execução agora em causa, são regulados pela Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.

B. Já estatuía o artigo 16.º-B da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, que as coimas e sanções acessórias prescreviam no prazo de dois anos.

C. Às contra-ordenações em causa aplicam-se subsidiariamente as disposições do regime geral do ilícito de mera ordenação social (RGIMOS), nos termos do artigo 18.º da Lei n.º 25/2006. O Tribunal a quo entendeu na sentença ora recorrida que apenas a instauração da execução poderia ter carácter suspensivo pois mencionou que “A instauração da execução fiscal não constitui facto interruptivo nem suspensivo da prescrição, como se retira do disposto nos artigos 30.º a 30.º-A, n.º 1, do mencionado RGIMOS”.

D. Na apreciação da prescrição o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão de suspensão da prescrição, tendo apreciado apenas a interrupção da prescrição da coima.

E. Contudo, o Tribunal a quo, para apreciar a prescrição das coimas, oficiosamente, nos termos do artigo 175.º do CPPT, deveria ter diligenciado pela obtenção todos os elementos e factos que influem naquela decisão.
F. Vejamos a este respeito o sumário e corpo do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul n.º 05689/12, de 14-11 disponível em www.dgsi.pt que se transcreve parcialmente:
4. O Tribunal tem o dever de indagar sobre a tramitação do processo de execução fiscal no âmbito do exame e decisão da eventual prescrição da divida exequenda. A isso o obriga o princípio da investigação o qual traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr. art. 99.º, n.º 1, da L.G. Tributária; art. 13.º, n.º 1, do C P. P. Tributário)
Voltando ao caso concreto dir-se-á, antes de mais, que o Tribunal “a quo” tinha o dever de indagar sobre a tramitação do processo de execução fiscal […] no âmbito do exame e decisão da eventual prescrição da dívida exequenda. A isso o obrigava o princípio da investigação, o qual traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr. art. 99.º, n.º 1, da L.G. Tributária; art. 13.º, n.º 1, do C.P.P Tributário; ac. TC.A. Sul – 2.ª Secção, 10/9/2013, Proc. 6918/13; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág. 103 e seg.)” (nosso sublinhado).

G. Na verdade, o processo executivo encontra-se suspenso desde 10/12/2012, pela prestação de garantia efectuada pela executada.

H. E estatui a alínea a) e b) do artigo 30.º do RGIMOS que a prescrição da coima suspende durante o tempo em que, por força da lei, a execução não pode continuar a ter lugar ou em que a execução foi interrompida.

I. Assim, estando o processo executivo suspenso, a prescrição da coima está necessariamente suspensa, por força do artigo 30.º do RGIMOS.

J. Entendimento semelhante tiveram os Excelentíssimos Desembargadores [( Os juízes do Supremo Tribunal Administrativo têm o título de conselheiros.)] do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão n.º 0514/12, de 30/05/2012, disponível em www.dgsi.pt, que se transcreve parcialmente:
III- Uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação do efeito interruptivo da prescrição”.
Constitui jurisprudência uniforme e reiterada deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros, no Acórdão, de 14/9/2011, proc. n.º 01010/2010, que “das normas contidas nos artigos 169.º, n.º 1, do CPPT e 49.º, n.º 3, da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de impugnação judicial que tenha por objecto a legalidade de dívida exequenda «desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido» e que «o prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…)impugnação ou recurso)». O que significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição” (nosso sublinhado).

K. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a suspensão da prescrição, o que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e da parte final do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

L. Acresce que, o Tribunal a quo considerou, sobre o instituto da interrupção da prescrição, como supra transcrito no ponto 5, que a instauração da execução não constitui facto interruptivo da prescrição das coimas.

M. No entanto, é entendimento do ora recorrente que a instauração da execução tem carácter interruptivo da prescrição das coimas.

N. Aliás, como referido in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, 2.ª Edição actualizada e ampliada, 2003, Áreas Editora, em anotação ao artigo 30.º-A do RGCO. “2 - A prescrição da coima e das sanções acessórias (por força do art. 31.º) – aliás como a prescrição do procedimento contra-ordenacional – tem como fundamento principal a sua desnecessidade, pelo esquecimento em que, pouco a pouco, o tempo vai envolvendo a infracção que a determinou.
Esse mesmo fundamento implica que o acto de instauração de execução revelador do não esquecimento da infracção por parte do Estado, se considere interruptivo da prescrição”. (nosso sublinhado).

O. Veja-se, a respeito da prescrição das coimas aplicadas em processos de contraordenação da Lei n.º 25/2006, de 20 de Junho, excerto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul proferido no processo n.º 06953/13, em 28-11-2013, disponível em www.dgsi.pt:
A instauração do processo de execução, nos termos do art. 30.º-A, n.º 1, do R.G.C.O., interrompe o prazo de prescrição da coima, interrupção esta que, apesar disso, não bule com o termo absoluto paras prescrição da coima consagrado no citado art. 30.º-A, n.º 2, do R.G.C.O. (no caso, de três anos)
Por outro lado, a simples instauração do processo executivo visando a cobrança coerciva da coima não reveste virtualidade, por si só, para constituir uma causa de suspensão da prescrição, dado não constar do elenco das medidas suspensivas previstas no citado art. 30.º, do R.G.C.O. (cfr. ac. T.R. Lisboa, 27/9/2006, proc. 7034/2006-3; ac. T.C.A. Sul-2.ª Secção, 27/9/2011, proc. 2907/09; ac. T.C.A. Sul-2.ª Secção, 2/10/2012, proc. 5436/12)” (nosso sublinhado).

Termos em que, e nos mais de Direito aplicável, deverá ser dado integral provimento ao presente recurso, julgando-o procedente, por provado e, em consequência ser:
• Declarada nula a sentença, por omissão de pronúncia sobre a suspensão da prescrição,
• Ordenada a baixa dos autos ao Tribunal a quo, e ser repetido o julgamento da prescrição, uma vez habilitado com os dados factuais indispensáveis, designadamente os inerentes á apreciação da suspensão da prescrição,
• Revogada a sentença quanto à procedência da questão da prescrição.
Assim fazendo, V. Ex.as, Venerandos Conselheiros, a costumada JUSTIÇA!»

1.3 Não foram apresentadas contra alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, determinada a baixa do processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto, em ordem a permitir a decisão da eventual suspensão do prazo de prescrição, com a seguinte fundamentação ( As notas que no original estavam em rodapé serão transcritas no texto, entre parêntesis rectos.):

«[…] Por se tratar de uma situação similar à dos presentes autos dou por inteiramente reproduzido, para valer como tal, na parte que a seguir se transcreve, o parecer que emiti no Proc. n.º 334/14, que é do seguinte teor:
«(…)
1. Da invocada nulidade da sentença
A omissão de pronúncia consiste no incumprimento do dever que a lei impõe ao juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sendo geradora de nulidade, nos termos do disposto no art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC (art. 668.º, n.º 1, al. d) na anterior redacção), quando o conhecimento da questão (ou questões) omitida(s) não esteja prejudicado pela solução dada às demais questões suscitadas. No entanto, tal nulidade só se verifica quando o Tribunal não se pronuncie sobre questão(ões) que lhe tenha(m) sido suscitada(s) e não sobre o conjunto de argumentos que tenham sido invocados pelas partes.
No caso vertente a questão sobre a qual o tribunal tinha que se pronunciar era a da prescrição da dívida exequenda e sobre ela não deixou de emitir pronúncia. Se não teve em conta na decisão dessa questão as causas de suspensão ou interrupção atendíveis ou se as apreciou incorrectamente o que ocorre não é, salvo melhor entendimento, omissão de pronúncia mas erro de julgamento, sendo que, no caso, ao apreciar a questão da prescrição não deixou a sentença de expressamente aludir à interrupção e suspensão da prescrição.
De resto, como se vê dos respectivos articulados, a suspensão da prescrição não foi questão que tivesse sido colocada pelas partes à apreciação e decisão do tribunal a quo.
Não procederá, pois, a alegada nulidade, por omissão de pronúncia.
2. (...)
3. Quanto à prescrição.
As coimas em causa respeitam a contra-ordenações cujo regime se encontra vertido na Lei n.º 25/2006, de 30.06.
Nos termos do art. 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30.06, na redacção anterior à Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, são subsidiariamente aplicáveis às contra-ordenações previstas nesse diploma, em tudo o que nele não se encontre expressamente regulado) as disposições do RGIMOS (DL n.º 433/82, de 27.10).
No que concerne à prescrição prescreve o art. 16.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, aditado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31.12, aplicável no caso, que as coimas e sanções acessórias prescrevem no prazo de 2 anos, cujo termo inicial coincide com o momento em que a decisão condenatória se torna definitiva ou transita em julgado (art. 29.º, n.º 2 do RGIMOS).
Quanto às causas de suspensão e de interrupção da prescrição regem os arts. 30.º e 30.º-A, ambos do RGIMOS. Deles decorre que a prescrição da coima se suspende, nomeadamente, durante o tempo em que por força da lei a execução não pode começar ou não pode continuar a ter lugar e que se interrompe com a sua execução [art. 30.º, al. a) e 30.º-A, n.º 1 do RGIMOS].
Para além de se insurgir contra o facto de na sentença recorrida se ter considerado que a instauração da execução não constitui facto interruptivo da prescrição, nos termos do art. 30.º-A do RGIMOS, sustenta ainda o recorrente que a sentença não teve em conta que a prescrição da coima se suspendeu por efeito da suspensão do processo executivo.
Diga-se, desde já, que se entende que a instauração da execução é facto interruptivo da prescrição da coima, nos termos do art. 30.º-A, n.º 1, do RGIMOS não obstante o preceito indique como facto interruptivo a “execução da coima” e não propriamente a instauração da execução. Como referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, em anotação ao art. 34.º do RGIT “Tendo a prescrição da coima e das sanções acessórias como fundamento principal o esquecimento relativamente à infracção, justifica-se que a instauração da execução, reveladora do não esquecimento da infracção por parte do Estado, se considere facto interruptivo da prescrição1 [1 Cfr. Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 2.ª edição, 2003, anot. 6 ao art. 34.º, pág. 295]. Nesta matéria não se perfilha o entendimento restritivo de que a expressão “execução da coima” tem em vista apenas o “cumprimento ou pagamento da coima” e não também o cumprimento ou pagamento coercivo que se efectiva através do processo de execução. Assim, com a instauração das execuções iniciou-se, a meu ver, novo prazo de prescrição das coimas exequendas, com inutilização do prazo prescricional entretanto decorrido.
No que concerne à suspensão da prescrição da coima determinam as alíneas a), b) e c) do art. 30.º. do RGIMOS que a mesma se suspende durante o tempo em que por força da lei a execução não pode começar ou não pode continuar a ter lugar, em que a execução foi interrompida e em que foram concedidas facilidades de pagamento.
Não constando do elenco das causas de suspensão do art. 30.º do RGIMOS, a instauração da execução não é facto gerador de efeito suspensivo da prescrição da coima. Questão que se coloca é se a suspensão da execução fiscal para cobrança coerciva da coima comporta essa virtualidade.
Referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, ainda em anotação ao art. 34.º do RGIT2 [2 Ob. cit., a pgs. 294 e 295] que “(a)pós a interrupção da prescrição provocada pela sua instauração (art. 30.º n.º 1 do RGCO), inicia-se novo prazo de prescrição, que corre na pendência do processo executivo,
Este processo, porém, não poderá prosseguir se surgirem obstáculos legais a esse prosseguimento, com é o caso das situações em que a lei determina a sua suspensão.
São exemplos de situações deste tipo, os da suspensão da execução em virtude de pendência de processo de falência (art. 180.º, n.º 1, do CPPT), ou devida a acção judicial sobre os bens penhorados (art. 172.º do CPPT) e do recebimento de oposição à execução fiscal (arts. 169.º, n.º 5, e 212.º do mesmo Código).
(...)”
A suspensão da execução instaurada para pagamento coercivo da coima, decorrente da prestação de garantia ou da isenção dessa prestação, não poderá, a meu ver, deixar de se reflectir sobre o decurso do prazo prescricional uma vez que se trata de uma situação que se prolonga no tempo e que para ou interrompe, por força da lei, o prosseguimento do processo tendente ao cumprimento coercivo da coima. Não atribuir consequências suspensivas da prescrição à suspensão do processo executivo, excluindo-a do elenco das causas de suspensão constantes do art. 30.º do RGIMOS, será, de alguma forma, deixar nas mãos do infractor executado o domínio do devir prescricional, o que não se tem por juridicamente aceitável. Entende-se, assim, ressalvado melhor entendimento, que a suspensão da execução determina a suspensão do decurso do prazo prescricional.
Sucede que a sentença recorrida não fornece base factual que permita apreciar a questão da eventual suspensão do prazo da prescrição da coima razão pela qual se considera que, concedendo-se provimento ao recurso, deverá ser determinada a baixa do processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto».

1.6 Recolhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre agora apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) Corre termos no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia - 2, contra A…, Lda., o processo de execução fiscal n.º 3204201101140698, instaurado em 24/10/2011, para cobrança de taxas de portagem, custos administrativos e de coima aplicada ao Oponente por falta de pagamento de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias foi elaborado auto de notícia identificando o oponente como infractor por ter passado na portagem do nó 205 da PV no dia 18/2/2008, pelas 21h30 – cf. fls 36;

B) No âmbito dos processos de contra-ordenação instaurados contra o Oponente com o n.º 100408281, 100408285, 100408288, 100408451, 100408454, 100408456, 100408458, 100408403, que deu origem à dívida exequenda identificada em A), em 22 de Novembro de 2009 foi proferida decisão condenando a oponente – cf. fls. 26 do PEF;

C) A notificação da decisão de aplicação da coima foi efectuada por cota aposta nos autos em 13/2/2009 – cf. fls. 30 do PEF;

D) Pelo IMIR Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias IP, foi emitida certidão de dívida e remetida à Autoridade Tributária e Aduaneira por carta precatória com vista à realização das diligências necessárias à sua cobrança, indicando-se que os juros de mora se vencem a partir de 25/3/2010 – cf. fls. 23 do PEF;

E) A Oponente foi citada no processo executivo identificado em A), em 11/11/2011 – cf. fls. 3 dos autos».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Foi instaurada pela sociedade ora recorrida oposição à execução fiscal que contra ela foi instaurada para cobrança da quantia devida taxas de portagem, custos administrativos e coima aplicada ao Oponente por falta de pagamento de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias.
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou a oposição à execução fiscal procedente com fundamento na prescrição da dívida exequenda.
O “IMT” discorda da sentença. Começou por lhe imputar a nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão da suspensão do prazo de prescrição da coima. De seguida, assaca à sentença erro de julgamento quanto à questão da prescrição da coima, sob uma dupla vertente: a execução fiscal, contrariamente ao decidido, constitui causa de interrupção do prazo prescricional; ocorreu causa de suspensão da prescrição, qual seja a suspensão do processo executivo por força da prestação de garantia após a dedução da oposição à execução fiscal, factualidade que o Tribunal a quo não estabeleceu, motivo por que a sentença deve ser revogada e os autos devem retornar ao Tribunal a quo, para prolação de nova sentença depois de estabelecida a pertinente factualidade.
Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões suscitadas.

2.2.2 DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA

O Recorrente invocou a omissão de pronúncia da sentença recorrida «quanto à suspensão da prescrição das coimas», omissão que, a seu ver, constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do n.º 1 do art. 125.º do CPPT e da parte final do n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força da alínea e) do art. 2.º do CPPT [cfr. conclusão K) das alegações de recurso].
Nos termos do n.º 1 do art. 125.º do CPPT constitui causa de nulidade da sentença, entre outras, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, considerando-se como tais, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
É pacífico que a falta de pronúncia sobre questões do conhecimento oficioso que não tenham sido suscitadas não determina a nulidade por omissão de pronúncia. Assim, «embora o tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (parte final do n.º 2 do art. 660.º do CPC) a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim um erro de julgamento)» ( JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 11 ao art. 125.º, pág. 365, com indicação de jurisprudência.).
No caso, a Oponente suscitou na petição inicial a questão da prescrição da dívida exequenda.
Ora, o Tribunal Tributário de Lisboa pronunciou-se sobre essa questão. Como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, os termos em que fez esse julgamento, designadamente se na apreciação da questão não relevou as causas de suspensão ou interrupção atendíveis ou se as apreciou incorrectamente, não ocorre nulidade por omissão de pronúncia, mas erro de julgamento; aliás, ao apreciar a questão da prescrição, a sentença aludiu expressamente à interrupção e suspensão da prescrição, se bem que, como resulta da consulta dos autos, a suspensão da prescrição não fosse questão que tivesse sido suscitada pela Oponente ou pelo “IMT”.
Mas o facto de o Recorrente ter suscitado a questão sob a veste da nulidade da sentença, não impede que dela se conheça enquanto erro de julgamento, pois, como temos vindo a dizer noutras ocasiões ( Vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 19 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 862/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 17 de Outubro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32230.pdf), págs. 2665 a 2669, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e46947495061fff580257a85005669e9;
- de 7 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 1109/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 3406 a 3412, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8673ffdcf026532480257abb003306da;
- de 27 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 43/16, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/605684522d35f1b680257f4c005084c2.), o tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença e vice-versa ( Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 20 ao art. 125.º, pág. 375, com indicação de jurisprudência.), já que, na sua função jurisdicional, não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC).
Não seria, pois, o eventual erro na qualificação jurídica a obstar a que este Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de recurso, apreciasse sob a vertente de erro de julgamento a questão suscitada pelo Recorrente como nulidade da sentença.
Improcede, pois, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

2.2.3 DA PRESCRIÇÃO DAS COIMAS EXEQUENDAS

A sentença recorrida, julgando procedente a oposição deduzida pelo ora Recorrido, com fundamento na prescrição da dívida exequenda proveniente de coima (e olvidando que a dívida exequenda não tinha origem apenas nessa sanção), extinguiu a execução fiscal.
O Recorrente considera que a sentença fez errado de julgamento, pois, contrariamente ao decidido, por um lado, a instauração da execução constitui facto interruptivo da prescrição da coima e, por outro lado, ocorreram factos suspensivos da prescrição da coima de que o Tribunal a quo deveria ter indagado oficiosamente.
Cumpre, pois, apreciar e decidir. Porque a questão aqui suscitada em torno da prescrição da coima foi já tratada por este Supremo Tribunal no âmbito do processo n.º 334/14, com contornos em tudo idênticos, e porque concordamos totalmente com a solução aí encontrada, vamos limitar-nos a remeter para a fundamentação expendida no acórdão proferido nesses autos ( Referimo-nos ao seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 17 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 334/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Setembro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2015/32220.pdf), págs. 2106 a 2120, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5837dcc22d14f93f80257e6c003fffd1.), permitindo-nos apenas introduzir nos lugares adequados as alterações demandadas pelas circunstâncias factuais do presente caso:
«[…] fundamentando o decidido quanto à prescrição das coimas no entendimento de que o prazo de prescrição da coima se conta a partir do momento em que a decisão se tornou definitiva (artigos 29.º, n.º 2 do RGIMOS e 34.º do RGIT), e que à data em que a decisão se tornou definitiva (26/03/2010 – Data em que se começaram a vencer juros de mora – alínea D) do probatório), o prazo legal de prescrição da coima era de dois anos (Artigo 16.º-B da Lei 25/2006 na redacção dada pela Lei 67-A/2007), porquanto, tendo a decisão condenatória sido proferida em 22/11/2009, conforme é assumido pela Exequente na certidão de dívida e transitado em julgado 24/03/2010, já que a partir de 25/03/2010 iniciou-se a contagem de juros de mora (alínea D do probatório), há muito se encontra decorrido o prazo prescricional sendo que as diligências eventualmente efectuadas com vista à cobrança coerciva da coima não têm eficácia interruptiva, razão pela qual se impõe declarar extinta a coima por verificação da prescrição (cfr. sentença recorrida, a fls. 52/59 dos autos).
Discorda do decidido quanto à prescrição das coimas o recorrente, imputando à sentença recorrida erro de julgamento, alegando que, contrariamente ao decidido, a instauração da execução constitui facto interruptivo da prescrição da coima – e citando JORGE LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS, bem como o Acórdão do TCA Sul de 28/11/2013, rec. n.º 06953/13 em apoio da sua alegação – e bem assim que ocorreram factos suspensivos da prescrição da coima que o tribunal “a quo” devia ter indagado oficiosamente, pois que os processos executivos encontram-se suspensos desde Dezembro de 2012, […] pela prestação de garantia efectuada pelo executado e estatui a alínea a) e b) do artigo 30.º do RGIMOS que a prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que, por força da lei, a execução não pode continuar a ter lugar ou em que a execução foi interrompida, daí que estando os processos executivos suspensos, a prescrição da coima está necessariamente suspensa, por força do artigo 30.º do RGIMOS, invocando em abono da sua alegação o decidido por este STA em Acórdão de 30 de Maio de 2012, rec. n.º 514/12.
[…] o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA acompanha o recorrente na sua alegação de que a instauração da execução é facto interruptivo da prescrição da coima, nos termos do art. 30.º-A n.º 1 do RGIMOS e bem assim que a suspensão da execução instaurada para pagamento coercivo da coima, decorrente da prestação de garantia ou da isenção dessa prestação, não poderá, (…) deixar de se reflectir sobre o decurso do prazo prescricional uma vez que se trata de uma situação que se prolonga no tempo e que para ou interrompe, por força da lei, o prosseguimento do processo tendente ao cumprimento coercivo da coima, daí que, uma vez que a sentença recorrida não fornece base factual que permita apreciar a questão da eventual suspensão do prazo da prescrição da coima, entenda ser necessário determinar a baixa do processo à 1.ª Instância para ampliação da matéria de facto (cfr. parecer, transcrito no ponto 1.5).
Vejamos.
Embora as dívidas exequendas respeitem a “taxas de portagem”, “coimas” e “custos”, discriminadas na alínea A) do probatório fixado, certo é que a sentença recorrida decidiu, na procedência da oposição, extinguir as execuções em razão da prescrição das coimas, não ressalvando a subsistência da execução relativamente à parte da dívida respeitante às taxas de portagem, como se lhe impunha, e sem que o recorrente tenha reagido contra tal omissão.
Ora, no que às coimas respeita, entendeu a sentença recorrida, e bem – em conformidade com o disposto no artigo 16.º-B da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (vigente à prática dos factos e aplicável in caso, pois que a alteração posterior da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, no sentido do alargamento do prazo de prescrição das coimas para 5 anos, não se revela em concreto mais favorável) –, que o prazo de prescrição aplicável era o de 2 (dois) anos, contado da data em que a decisão de aplicação da coima se tornou definitiva (artigo 29.º, n.º 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações – RGCO –, aplicável ex vi do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, na sua redacção originária), ou seja, no caso dos autos, contado desde 25/03/2010.
Mais entendeu a sentença recorrida, com o que não se conforma o recorrente, que a instauração da execução fiscal – ocorrida em 24/10/2011, segundo a alínea A) do probatório fixado –, não interrompeu ou suspendeu o prazo de prescrição da coima, importando saber se ao assim decidir incorreu em erro de julgamento.
A Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, não prevê específicas causas de interrupção ou suspensão da execução das coimas e sanções acessórias, sendo-lhes, pois, aplicáveis as previstas no RGCO (por remissão do artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho).
Dispõe o artigo 30.º-A do RGCO, sob a epígrafe “Interrupção da prescrição da coima”, que: «1- A prescrição da coima interrompe-se com a sua execução. 2- A prescrição da coima ocorre quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade».
Trata-se de norma de teor idêntico à prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 126.º do Código Penal e em relação à qual, no que à prescrição da pena de multa respeita, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de que: A mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respectivo pagamento, não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal (cfr. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2012, de 8 de Março de 2012, DR, n.º 73, I Série, 12-4-2012, p. 1862 ss.) [( Disponível em https://dre.pt/application/dir/pdf1sdip/2012/04/07300/0186201867.pdf.)], com a seguinte fundamentação, que com a devida vénia passamos a transcrever:
«(…)
2. A prescrição da pena após o decurso de um determinado período de tempo sobre a sua aplicação sem que tenha sido executada decorre, como ensina Figueiredo Dias, de «exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade», sendo que, por um lado, «quem sofresse a execução de uma sanção criminal há muito tempo já ditada, correria o risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança» e, por outro, «o decurso de um largo período (…) sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas» (Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, § 1125).
Mas a ocorrência de certas situações processuais que excluem a possibilidade de execução imediata da pena e a prática pelo Estado de determinados actos que têm o alcance de a não deixar cair no esquecimento justificam uma interferência no curso dos prazos de prescrição. É assim que a lei prevê causas de suspensão e de interrupção da prescrição da pena.
As causas de interrupção estão previstas, desde a revisão do Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, no artigo 126.º, nos termos seguintes: // 1. A prescrição da pena (…) interrompe-se:// a) Com a sua execução;// b) Com a declaração de contumácia. // 2. (…). // 3. (…).
É sobre a interpretação da norma da alínea a) do n.º 1 que divergem os dois acórdãos.
Em ambos, não tendo sido paga voluntariamente a multa, o Ministério Público instaurou execução patrimonial contra o condenado com vista à obtenção do respectivo pagamento coercivo, sem qualquer sucesso.
O acórdão recorrido argumentou assim:
«(…) no caso da pena de multa, a simples instauração de execução patrimonial para a sua cobrança, através da penhora e venda dos bens do arguido, não pode considerar-se e valorar-se para além de um meio posto à disposição do exequente para alcançar a execução da dita pena. Por outras palavras, as penas de multa só se mostram executadas com o pagamento voluntário – necessariamente parcial, pois se integral operaria a extinção da pena – ou coercivo. A instauração de execução patrimonial, através dos bens do arguido, constitui apenas e tão só um meio posto ao alcance de quem tem competência para tanto – na situação revelada pelos autos, o Ministério Público – de modo a que seja alcançado o fim a que se destina – a execução da pena de multa. Por outro lado, da mesma forma que um mandado de captura e detenção não constitui execução da pena de prisão, por idêntica razão não pode considerar-se como execução da pena de multa os meios utilizados pelo Ministério Público, previstos nos artigos 469.º e 491.º, ambos do Código de Processo Penal, para obtenção da cobrança coerciva do valor correspondente. Do que se expôs se conclui que a instauração infrutífera de execução destinada ao pagamento coercivo da multa imposta por sentença transitada em julgado não integra a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 126.º do Código Penal, não sendo, por isso, apta a interromper o prazo de prescrição da pena de multa».
Por sua vez, o acórdão fundamento considerou:
«A alínea a) do n.º 1 do artigo 126.º do Código Penal só tem sentido e alcance enquanto aí se contemple e entenda a “execução” como o processo dinâmico, previsto na lei, dirigido à obtenção, à custa de bens do condenado, da quantia necessária para o posterior pagamento da multa (…). Tal efeito interruptivo houve o legislador por bem atribuir à “execução” da pena; execução que, tratando-se de pena de multa, se formaliza com a apresentação pelo Ministério Público do requerimento de instauração dessa execução».
3. Importa, pois, determinar o sentido do conceito execução da pena, estando em causa uma pena de multa.
Toda a pena criminal, por definição, envolve um sacrifício ou perda para o condenado, sacrifício ou perda que é de ordem patrimonial quando se trate de pena de multa. A execução da pena é a sua efectivação ou materialização; a pena está em execução a partir do momento em que o sacrifício que lhe é co-natural se concretiza na esfera de interesses ou valores do condenado. É desse modo que se cumprem as finalidades visadas com a execução da pena: a recuperação social do condenado e a defesa da sociedade. Tal como a execução da pena de prisão só se inicia com a privação da liberdade do condenado, também não há execução da pena de multa (fora dos casos de substituição por trabalho ou conversão em prisão subsidiária, figuras que aqui não estão em discussão) enquanto não houver perda patrimonial, consubstanciando-se esta num pagamento, voluntário ou coercivo, por conta do valor da multa. Por outras palavras, a pena entra em execução com o início do seu cumprimento. Em relação à pena de multa, parece ser esse o entendimento de Cavaleiro de Ferreira quando, depois de referir o prazo de pagamento da multa, identifica o pagamento com a execução da multa: «Assim se indica o início do prazo para a execução voluntária da multa devida» (Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, 1989, página 172).
Essa materialização da pena, ou início do seu cumprimento, exige a prática no processo de determinados actos idóneos a esse fim.
Assim, no caso de pena de multa, transitada a decisão que a aplica, o condenado é notificado para proceder ao seu pagamento em 15 dias, excepto se o pagamento houver sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações (artigo 489.º do Código de Processo Penal). Não tendo sido requerida a substituição por dias de trabalho, findo o prazo para pagar a multa ou alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial, que é promovida pelo Ministério Público (artigos 490.º, n.º 1, e 491.º do mesmo código).
Estes actos situam-se já na fase da execução da pena de multa, inserindo-se no capítulo I (Da execução da pena de multa) do Título III (Da execução das penas não privativas da liberdade) do Livro X do Código de Processo Penal (Das execuções). Pertencem ao procedimento executivo da pena de multa. Mas não constituem ainda a sua execução; têm-na como fim. A execução da pena, como se disse, só tem lugar com a sua materialização, com a efectivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento. São, pois, actos destinados a fazer executar a pena de multa. Tanto a instauração da execução patrimonial como a notificação do condenado para em certo prazo pagar a multa (ambas com idêntico alcance, nesta matéria). Execução da pena e actos destinados a fazê-la executar são realidades distintas, como até as próprias palavras indicam. Estes são apenas um meio para realizar aquela, não sendo raro que, como aconteceu nos casos sobre que incidiram os acórdãos fundamento e recorrido, o fim visado não seja atingido.
Não é, pois, por um determinado acto estar sistematicamente inserido na fase processual da execução de uma espécie de pena que constitui acto de execução dessa pena. Valendo a norma do artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal tanto para a pena de prisão como para a pena de multa, a instauração da execução patrimonial contra o condenado em pena de multa está, para este efeito, no mesmo plano que os procedimentos previstos no art. 477.º do Código de Processo Penal, os quais, não obstante o preceito estar integrado na fase da execução da pena de prisão (Título II do Livro X), ninguém considerará como actos de execução dessa pena, sendo até que o do n.º 4 tem lugar antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, numa altura em que a pena nem pode ser executada, à luz do artigo 467.º, n.º 1, deste último diploma. Este mesmo entendimento foi já afirmado em acórdão da Relação de Lisboa de 09/10/1985: «A instauração da execução patrimonial não é execução ou cumprimento da pena, como não o é (no que se julga haver consenso unânime) a ordem para passar mandados de captura e as diligências para a execução destes, só o sendo o acto da prisão» (Colectânea de Jurisprudência, Ano X, Tomo IV, página 177).
Que execução da pena e actos destinados a fazê-la executar são realidades distintas é ainda a conclusão imposta pela história do actual artigo 126.º do Código Penal.
Esse preceito corresponde ao artigo 124.º da versão inicial do Código Penal de 1982, cujo texto, no que aqui importa, era o seguinte:
1. A prescrição da pena interrompe-se:// a) Com a sua execução;// b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado.// 2. (…).// 3. (…).
Previam-se aqui como causas de interrupção da prescrição da pena «a sua execução» [alínea a) do n.º 1] e «a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar», se a execução se tornasse «impossível» por o condenado se encontrar em local donde não pudesse «ser extraditado» ou onde não pudesse «ser alcançado» [alínea b)].
Nesta versão, não haverá dúvidas de que os actos destinados a fazer executar a pena não podiam ser vistos como execução da pena, pois aqueles e esta configuravam causas de interrupção da prescrição distintas. Se os actos destinados a fazer executar a pena se devessem já considerar como execução, a disposição da alínea b) seria totalmente inútil, por prever matéria já abarcada na previsão da alínea a), sendo de afastar uma tal conclusão em face da regra de interpretação estabelecida no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil: «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador (…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
Já no artigo 115.º do Projecto de 1963, da autoria do Prof. Eduardo Correia, que está na génese do artigo 124.º da versão originária do Código Penal de 1982, execução da pena e actos destinados a fazê-la executar eram colocados lado a lado, sem se confundirem: «A prescrição da pena interrompe-se pela sua execução, bem como por qualquer acto da autoridade competente que vise fazê-la executar» (BMJ 151.º, páginas 53 e 54). A distinção veio a tornar-se mais nítida no texto da lei (esse artigo 124.º), integrando, como se viu, a execução da pena e os actos destinados a fazê-la executar diferentes causas de interrupção da prescrição da pena, operando os últimos somente se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local donde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado.
E nesta matéria nada se alterou da versão inicial do Código Penal de 1982 para a versão actual, introduzida pela reforma de 1995, visto o texto da alínea a) do n.º 1 do anterior artigo 124.º ter passado a constituir, sem qualquer alteração, o texto da alínea a) do nº 1 do actual artigo 126.º: «A prescrição da pena (…) interrompe-se: Com a sua execução».
A alteração que houve foi da alínea b), sendo que, se na versão inicial do Código a prescrição da pena se interrompia com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazer executar a pena, se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local donde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado, com a reforma de 1995, essa causa de interrupção da prescrição foi substituída pela «declaração de contumácia», leitura que, segundo Figueiredo Dias, já devia fazer-se da anterior redacção, após a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987: «Fundamentos da interrupção são, por um lado, a execução da pena e, por outro, a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em lugar onde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado (…). Torna-se notório que este segundo fundamento deve ser lido, de acordo com o nosso novo sistema processual penal, como correspondendo às situações de contumácia» (ob. cit., § 1155).
Essa alteração teve consequências, pois restringiu a aplicação da causa de interrupção da prescrição da alínea b) à pena de prisão e à medida de internamento, as únicas reacções criminais que podem conduzir à situação de contumácia, mas não interferiu com o âmbito de previsão da disposição da alínea a), sendo-lhe alheia.
Conclui-se, pois, que a instauração de execução patrimonial pelo Ministério Público para obtenção do pagamento coercivo da multa não paga voluntariamente, sendo só um acto que visa a execução da pena de multa, não interrompe a prescrição dessa pena.
Se, como se disse, só se entra na execução da pena se houver um princípio de cumprimento (A questão que se debate só se coloca se houver pena para cumprir, ou seja, enquanto o cumprimento não for total), são actos de execução e, por isso, com efeito interruptivo da prescrição da pena de multa: a) o cumprimento de parte dos dias de trabalho pelos quais a multa foi substituída, mas não a decisão de substituição; b) o pagamento voluntário ou coercivo de parte da multa aplicada, mas não a notificação para pagamento nem a instauração da execução patrimonial; c) o cumprimento parcial da prisão subsidiária, mas não a decisão de conversão da multa em prisão subsidiária.
E compreende-se que seja esta a solução legal. Na verdade, se a prescrição encontra fundamento no facto de a execução de uma pena muito tempo depois da sua aplicação não cumprir já as suas finalidades, tanto do ponto de vista da prevenção especial como da prevenção geral, então, para além da situação em que a execução da pena é impossível, por indisponibilidade do condenado (contumácia), a sua interrupção só deve ser activada por actos que não se limitem ao desenvolvimento de determinada actividade processual e tenham impacto fora do processo, junto da comunidade e do condenado, mantendo nos dois planos a actualidade da pena. Esses actos só podem ser de materialização da pena na esfera de interesses ou valores do condenado, ou seja, actos de cumprimento da pena, actos que podem ser múltiplos, visto o cumprimento nem sempre ser contínuo.
Na doutrina, pronuncia-se neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque: «(…) a instauração da acção de execução da pena de multa (…) não corresponde ainda à “execução” da pena de multa. (…) só com o início do pagamento da pena de multa, isto é, só com o pagamento parcial da pena de multa se verifica a interrupção da prescrição da pena» (Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, página 387).
Na jurisprudência das Relações, encontram-se decisões no sentido de ambos os acórdãos em conflito, sendo claramente maioritária a corrente em que se integra o acórdão recorrido. Assim, no sentido deste decidiram, no essencial com os mesmo fundamentos, os acórdãos da Relação do Porto de 04/02/2004, proferido no processo n.º 0315181, de 28/04/2004, proferido no processo n.º 0410042, de 22/09/2010, proferido no processo n.º 245/03.ITASTS.P1, e de 21/09/2011, proferido no processo n.º 70/06.2PBMAI.P1, da Relação de Évora de 07/10/2010, proferido no processo n.º 394/03.6PCSTB.E1, da Relação de Lisboa de 25/03/2010, proferido no processo n.º 347/04.7GEOER.L1 (www.dgsi.pt) e da Relação de Coimbra de 14/10/2009 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXIV, Tomo IV, página 51). Como o acórdão fundamento decidiram, coincidindo nos fundamentos, os acórdãos da Relação do Porto de 19/10/2005, proferido no processo n.º 0411498, e de 17/01/2007, proferido no processo n.º 0615889 (www.dgsi.pt)» (fim de citação).
Ora, o entendimento firmado pelo STJ no que à execução da pena de multa respeita, pode e deve ser transposto para a execução da coima, pois que, como se afirmou no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5 de Fevereiro de 2013, proc. n.º 2TAELV.E1 não se descortina razão alguma para, no que à prescrição da coima diz respeito, se decidir em sentido diverso. Mal se compreenderia que, em matéria de contra-ordenações, o legislador afirmasse uma vontade de perseguição sancionatória superior à que reserva para a pena de multa, sanção reservada à prática de crimes. Daí que, como decidido e contrariamente ao alegado pelo recorrente, se deve entender que a instauração do processo de execução fiscal não constitui “execução da coima” para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 30.º-A do RGCO, antes consubstancia a prática de um acto inserido numa determinada actividade processual que visa tal execução mas que não a consubstancia, daí que não tenha efeito interruptivo da prescrição.
Já que à suspensão da prescrição da coima respeita dispõe o artigo 30.º do RGCO que: «A prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que: a) Por força da lei a execução não pode começar ou não pode continuar a ter lugar; b) A execução foi interrompida; c) Foram concedidas facilidades de pagamento».
A sentença recorrida entendeu, por remissão para o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/09/2006, proferido no processo n.º 7034/2006-3 que “A simples instauração do processo executivo para cobrança coerciva da coima, não tem a virtualidade por si só de constituir qualquer causa de suspensão da prescrição, na medida em que não consta do elenco das causas de suspensão da coima previstas no art. 30.º do DL n.º 433/82, de 27 de Out., entendimento do qual o recorrente não discorda, pois que reproduz Acórdão do TCA-Sul em que o mesmo se refere (cfr. a conclusão O das suas alegações de recurso).
Entende, porém, o recorrente que se verificam outras causas de suspensão da prescrição, não atendidas na sentença recorrida, porquanto os processos executivos encontram-se suspensos desde Fevereiro de 2012, […] pela prestação de garantia efectuada pelo executado e estando os processos executivos suspensos, a prescrição da coima está necessariamente suspensa, por força do artigo 30.º do RGIMOS.
Terá razão o recorrente se a suspensão do processo executivo e da coima se tiverem verificado antes de completado o prazo de prescrição de 2 anos, contado desde 25 de Março de 2010, o que importa averiguar pois que a sentença recorrida o não fez e este STA não tem poderes de cognição em matéria de facto.
Resulta dos autos apenas – cfr. fls. 5 dos autos – que em 6 de Dezembro de 2011 o ora recorrido deduziu oposição à execução fiscal, o que apenas determina a suspensão da execução fiscal – e consequentemente a impossibilidade legal de a execução coerciva da coima continuar a ter lugar (artigo 30.º A) do RGCO) – se a dívida exequenda se encontrar garantida – por penhora, garantia prestada ou isenção de prestação de garantia (artigos 169.º e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), afirmando o recorrente que assim foi, mas não se encontrando no probatório fixado qualquer referência a tal facto, que importa ponderar – quanto à respectiva ocorrência e momento – para a boa decisão da causa quanto à prescrição das coimas exequendas.
E importa igualmente que a sentença recorrida pondere, na decisão que venha a tomar, que as considerações que fizer quanto às coimas não valem de igual modo para as taxas de portagem e encargos com os processos, igualmente objecto da execução fiscal, porquanto tais prestações não têm natureza sancionatória, não se lhes aplicando o prazo de prescrição das coimas.
Pelo exposto, impõe-se a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para ampliação da matéria de facto com vista a obter todos os elementos que suportem a decisão jurídica, o que importa a anulação da decisão recorrida em conformidade com o disposto nos artigos 662.º, n.º 2, al. c) e 682.º, n.º 3 do Código de Processo Civil».
Assim, nos termos expostos, também no presente processo se decidirá o recurso nos mesmos termos.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, sendo as 3 últimas decalcadas do sumário doutrinal do citado acórdão de 17 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 334/14:

I - Não pode falar-se de omissão de pronúncia relativamente a questão que, sendo do conhecimento oficioso, não foi suscitada pelas partes ao tribunal.

II - Nada obsta a que o tribunal ad quem conheça como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença e vice-versa, já que, na sua função jurisdicional, não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC).

III - A instauração do processo de execução fiscal para cobrança coerciva de coimas não constitui facto interruptivo da prescrição da execução das coimas previsto no n.º 1 do art. 30.º-A do RGCO.

IV - A suspensão do processo de execução fiscal em virtude da dedução de oposição acompanhada de garantia da dívida exequenda pode constituir causa de suspensão da prescrição da coima subsumível no art. 30.º do RGCO.

V - Sendo o probatório fixado na sentença recorrida omisso quanto a factos relevantes para ajuizar se está ou não prescrita a dívida exequenda, impõe-se a baixa dos autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, com vista a obter todos os elementos que suportem a decisão jurídica, o que importa a anulação da decisão recorrida em conformidade com o disposto nos arts. 662.º, n.º 2, alínea c) e 682.º, n.º 3, do CPC.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão que aplique o direito nos termos acima enunciados, após aquisição da matéria factual pertinente.

Sem custas.


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Lisboa, 15 de Fevereiro de 2017.- Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado