Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0415/13.4BELRS
Data do Acordão:03/09/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IVA
DEDUÇÃO
REEMBOLSO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/05/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva (cfr.actual directiva 2006/112/CE do Conselho, 28/11/2006 - Directiva IVA) caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços.
II - Para exercer o seu direito à dedução do imposto suportado o sujeito passivo de I.V.A. pode, conforme as circunstâncias em que se encontre, recorrer a um de três métodos previstos na lei:
a-Método subtractivo indirecto - de acordo com este método, ao valor do imposto liquidado durante um determinado período declarativo deduz-se o valor do imposto suportado no mesmo período (cfr.artº.22, nº.1, do C.I.V.A.);
b-Método do reporte - caso o imposto a deduzir seja superior ao imposto liquidado, o sujeito passivo deverá recorrer ao método do reporte, de acordo com o qual o imposto em excesso será reportado para o período de tributação seguinte (cfr.artº.22, nº.4, do C.I.V.A.);
c-Método do reembolso - todavia, nas situações em que o imposto a deduzir seja superior ao imposto liquidado, pode o sujeito passivo optar por solicitar o reembolso do imposto, desde que se verifiquem as condições legalmente previstas no artº.22, nºs.5 e 6, do C.I.V.A.
III - No caso específico dos pedidos de reembolso de I.V.A., o respectivo regime legal encontra-se consagrado, essencialmente, no artº.22, do C.I.V.A., e no despacho normativo 18-A/2010, de 1/07, devendo o mesmo ser acompanhado de documentação contabilística comprovativa do excesso de tributo a deduzir.
IV - Os actos de liquidação adicional de I.V.A. praticados na sequência de um procedimento de inspecção tributária, motivado por um pedido de reembolso, estão sujeitos à regra geral da caducidade do direito à liquidação, consagrada no artº.45, nº.1 e 4, da L.G.T.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P29078
Nº do Documento:SA2202203090415/13
Data de Entrada:12/21/2021
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A…………., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, constante a fls.61 a 65-verso do processo físico, a qual julgou procedente a presente impugnação, pela sociedade recorrida, "A……………, L.da.", intentada, tendo por objecto mediato os actos de liquidação adicional e juros compensatórios de I.V.A., referentes ao período de 6/2009T e no montante total de € 48.037,51.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.67 a 71 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
C-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por A………….., Lda e em consequência, anulou a liquidação adicional de IVA n.º 10324612, do período 2019/06T e a liquidação dos respetivos juros compensatórios.
D-Tendo presente a fundamentação aduzida pelo Tribunal “a quo” na Sentença recorrida, não pode, por diversas ordens de razão, a Recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado na mesma, a qual deverá ser revogada e substituída por outra conforme às normas e princípios jurídicos aplicáveis.
E-No que à matéria de facto considerada, provada diz respeito, resulta que no seguimento de um pedido de reembolso de IVA, por parte do Recorrido, tendo por referência a declaração periódica de 2009/06T, que apresentava créditos de imposto reportados de períodos desde 2003, a Recorrente efetuou uma ação inspetiva.
F-Nesse seguimento, foram detetadas irregularidades, nomeadamente que o Recorrido havia registado em existências determinada mercadoria que não existia fisicamente, pelo que a Recorrente concluiu que não haveria direito ao requerido reembolso de IVA no montante de € 25.000,00, tendo o mesmo sido indeferido, e surgido correções em sede de IVA passando a existir uma situação de compensação, nos termos do art.º 89.º CPPT, no valor de € 46.395,25, correspondente à diferença entre o valor total da correção efetiva e o valor do reembolso.
G-E não se conformando com a referida liquidação, o Recorrido reagiu através dos meios administrativos (melhor identificados nos autos), e posteriormente, através da Impugnação judicial, cuja decisão aqui se contesta.
H-No entender da Recorrente, contrariamente ao que parece fazer crer o teor da Sentença, não se verifica a caducidade do direito à liquidação.
I-A utilização da decisão proferida no Proc. n.º 0773/14 do STA, por parte do Tribunal “a quo”, para fundamentar a sentença ora recorrida afigura-se-nos indevida, uma vez que consubstancia uma pronúncia sobre o período de caducidade da liquidação de IVA que corrigiu o valor do IVA deduzido para além do montante solicitado para reembolso, situação distinta da que se encontra em análise.
J-A Recorrente constatou que, no período a que se reporta o pedido de reembolso, o Recorrido deduzira já montante superior ao que era devido pela totalidade de operações efetuadas nesse período, havendo, consequentemente um crédito da Recorrente em relação ao Recorrido e não deste em relação àquela.
K-Concluiu-se que a organização de existências extemporânea, ocorrida em 2003, teve por base inventários que não eram reais, uma vez que registavam valores que não existiam fisicamente, pelo que não se justificava a existência de crédito reportado de períodos anteriores, uma vez que a atividade desenvolvida não era suscetível de gerar imposto em crédito.
L-Neste sentido pronunciou-se o STA (cfr. proc. 0303/07 de 07.12.2007) referindo que “Como decorre do preceituado no n.º 8 do mesmo artigo, os reembolsos são efectuados «quando devidos», isto é, após a confirmação de que no período a que se refere o pedido de reembolso a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis. Para efectuar esta confirmação, a Administração Tributária pode efectuar correcções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, como decorre do preceituado no n.º 10 do mesmo artigo. No caso em apreço, a Administração Tributária constatou que, no período a que se reporta o pedido de reembolso, a Impugnante deduzira já montante superior ao que era devido pela totalidade de operações efectuadas nesse período, havendo, consequentemente um crédito da Administração tributária em relação à Impugnante e não deste em relação àquela.”.
M-Conclui que “Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos atos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem atos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art.º 45.º LGT. Na verdade, não valem em relação aos atos de recusa de reembolso as razões de segurança jurídica que justificam a limitação temporal da possibilidade de efetuar atos de liquidação, pois os atos de recusa, como atos negativos que são, não produzem nem declaram qualquer obrigação para o contribuinte.”.
N-O prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45.º da LGT, reporta-se a atos de liquidação de tributos, que são atos que declaram uma obrigação tributária. A liquidação adicional objeto da impugnação, respeita ao montante de imposto reportado de períodos anteriores que não oferecia credibilidade.
O-Desta forma, o tratamento adotado pelo Tribunal “a quo”, isto é, a aplicação do disposto no art.º 45.º n.º 4 da LGT, quando estamos perante uma liquidação adicional resultante da análise e apreciação do pedido de reembolso IVA, conforme dispõe o artigo 22.º do CIVA, resultou num erro de determinação da norma a aplicar, uma vez que deveria ser considerado o prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 45.º da LGT, resultando a sentença recorrida na violação da lei substantiva.
P-Em suma e salvo o devido respeito, entende-se que o Tribunal “a quo” falhou no seu julgamento quando considerou, erradamente, o disposto no art.º 22 do CIVA e os n.os 1 e 4 do art.º 45.º da LGT, uma vez que o prazo de caducidade a aplicar em caso de ser pedido reembolso de IVA, deve ser contado nos termos do n.º 3 do art.º 45.º da LGT (na redação em vigor à data do pedido do reembolso), devendo a contagem do prazo de caducidade ser iniciado a partir do momento em que a Recorrida exerceu o direito a ser reembolsada de IVA deduzido em excesso.
Q-Assim, face a todos os elementos coligidos nos autos, deverá o presente Recurso ser considerado procedente e em consequência, manter-se na ordem jurídica o ato tributário em apreço por estar em conformidade com os normativos legais supracitados.
R-Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente totalmente improcedente, a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal as sobreditas correções.
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A sociedade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.73 a 74-verso do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-O que está em causa nestes autos é saber se a AT pode liquidar IVA quando resultar um crédito a seu favor depois de ultrapassado o prazo de caducidade na verificação na cadeia das deduções.
B-E não pode liquidar porque foi ultrapassado o prazo de caducidade.
C-Tal como foi decidido no acórdão indicado na sentença e também, curiosamente, no acórdão indicado pela Recorrente na parte omitida por esta e que acima se reproduziram.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo provimento do recurso (cfr.fls.82 e 83 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.62 a 63-verso do processo físico):
1-Em 15/03/1994, a impugnante iniciou a sua atividade de fabricação, armazenagem e venda de artefactos de ourivesaria e joalharia, encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral – cfr. fls. 21 a 23 do processo de reclamação em apenso aos autos;
2-Na sequência de ação inspetiva externa efetuada à Impugnante, decorrente do pedido de reembolso de IVA do período de 2009/06T, ocorrida entre 04/05/2010 e 16/06/2010, a Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou correções por considerar as seguintes irregularidades na contabilidade da impugnante:
€ 17.945,54 - resultante de divergências entre os valores constantes dos extratos da contabilidade e os valores declarados nas Declarações Periódicas analisadas desde a formação do crédito de imposto (2002 a 2009);
€ 71.395,25 - Crédito de IVA não devidamente justificado, referente ao reporte constante no campo 61 da DP do período de 2009/06T.
No relatório inspetivo, decorre a seguinte fundamentação das correções em sede de IVA “29. Em sede de IVA foram entregues as declarações periódicas a que se referem os artigos 28º a 40º (atual artigo 41º do CIVA) sempre com crédito de imposto. 30. O s.p. solicitou em 2009/08/13 um reembolso de IVA no montante de € 25.000,00. Na declaração periódica 2009/06T apresenta um crédito de imposto reportado a períodos anteriores que vem desde o início da atividade, no montante de € 71.395,25. 31. De salientar que a atividade exercida pelo sujeito passivo é uma atividade geradora de crédito de imposto. A regularização extemporânea de existências mostra que os inventários não são reais uma vez que registam bens que não existem fisicamente. Este facto leva-nos a pensar que houve omissão de vendas ao longo dos exercícios, veja-se o crédito de imposto de IVA apurado no campo 94 da D.P. 2003/12T no montante de € 284.255,10. 32. Refira-se, ainda, que o volume de negócios apresentado ao longo dos exercícios de 2001 a 2005 (balancetes analíticos: € 123.423,18 (2001), € 140.391,60 (2002), € 122.969,42 (2003), € 191.986,18 (2004) e € 133.283,99 (2005), não pressupõe a existência de aquisições de montantes tão elevados. Conclusão: 33. O montante de € 277.392,42 proposto para correção resulta da aplicação da taxa de IVA ao valor da regularização extemporânea de existências (€ 1.459.960,13*19%), no entanto a correção efetiva é a que corresponde ao crédito de IVA acumulado, reportado de períodos anteriores na Declaração Periódica 2009/06T no montante de € 71.395,25, por não se justificar a existência de tal crédito pelos factos anteriormente descritos. Face ao exposto, propõe-se o indeferimento do pedido de reembolso do IVA (...)”
Assim, os serviços de inspeção decidiram efetuar a liquidação adicional de IVA correspondente às mercadorias objeto de regularização em 2003 (presunção de vendas – art. 86º do CIVA);
cfr. fls. 21 a 23 do processo de reclamação em apenso aos autos;
3-A declaração periódica de 2009/06T, entregue pelo ora impugnante e correspondente ao período em que foi solicitado o reembolso, apresentava um crédito de IVA, reportado de períodos anteriores, nomeadamente, desde 2003 - cfr. fls. 21 a 23 do processo de reclamação em apenso aos autos;
4-O pedido de reembolso foi indeferido, tendo sido elaborado o Documento Único de Correção (DUC), com inscrição no campo 41 (regularizações a favor do Estado) no valor de € 46.395,25, correspondente à diferença entre o valor total da correção efetiva e o valor do reembolso – cfr. fls. 29 do processo de reclamação em apenso aos autos;
5-Em 27/11/2010, a A.T. efetuou e notificou à impugnante a liquidação adicional de IVA com nº 10324612, no montante de € 46.395,25, referente ao período de 2009/06T e correspondente liquidação de juros compensatórios com nº 10324613, no valor de € 1.642,26 – cfr. fls. 13 a 15 do processo de reclamação graciosa em apenso aos autos;
6-Em 09/05/2011, é deduzida reclamação graciosa que veio a ser indeferida por despacho de 31/10/2011- cfr. 62 e 63 do processo de reclamação em apenso aos autos;
7-Em 28/11/2011, é deduzido recurso hierárquico, o qual veio a ser indeferido por despacho de 26/10/2012 – cfr. fls. não numeradas do processo de recurso hierárquico em apenso aos autos;
8-Em 05/12/2012, o mandatário da ora impugnante, é notificado do indeferimento do recurso hierárquico – cfr. aviso de receção a fls. não numeradas do processo de recurso hierárquico em apenso aos autos;
9-Em 28/02/2013, por meio de correio registado, a impugnante remete ao Tribunal Tributário de Lisboa a p.i. que consubstancia a presente impugnação – cfr. fls. 2 a 8 dos autos.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não existem factos relevantes para a decisão que importe mencionar como não provados…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do tribunal formou-se com base na análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, nas posições assumidas pelas partes no procedimento administrativo e no processo conforme referido a propósito de cada alínea do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a presente impugnação, em consequência do que:
1-Anulou a decisão de indeferimento que versou sobre o recurso hierárquico, em causa nos autos (cfr.nº.7 do probatório supra);
2-Anulou a liquidação adicional de I.V.A. nº.10324612, do período 2009/06T, e a correspondente liquidação de juros compensatórios, com as legais consequências (cfr. nº.5 do probatório supra).
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que o Tribunal "a quo" falhou no seu julgamento quando considerou, erradamente, o disposto no artº.22, do C.I.V.A., e no artº.45, nºs.1 e 4, da L.G.T., uma vez que o prazo de caducidade a aplicar em caso de ser pedido reembolso de I.V.A., deve ser contado nos termos do artº.45, nº.3, da L.G.T., mais devendo a contagem do prazo de caducidade ser iniciado a partir do momento em que o sujeito passivo exerceu o direito a ser reembolsado de I.V.A. deduzido em excesso. Que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito (cfr.conclusões C) a R) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/05/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva (cfr.actual directiva 2006/112/CE do Conselho, 28/11/2006 - Directiva IVA) caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/11/2021, rec. 718/16.6BEAVR; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 6ª.Edição, Almedina, 2020, pág.228 e seg.; Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.15, Almedina, 2014, pág.23 e seg.).
Para exercer o seu direito à dedução do imposto suportado o sujeito passivo de I.V.A. pode, conforme as circunstâncias em que se encontre, recorrer a um de três métodos previstos na lei:
1-Método subtractivo indirecto - de acordo com este método, ao valor do imposto liquidado durante um determinado período declarativo deduz-se o valor do imposto suportado no mesmo período (cfr.artº.22, nº.1, do C.I.V.A.);
2-Método do reporte - caso o imposto a deduzir seja superior ao imposto liquidado, o sujeito passivo deverá recorrer ao método do reporte, de acordo com o qual o imposto em excesso será reportado para o período de tributação seguinte (cfr.artº.22, nº.4, do C.I.V.A.);
3-Método do reembolso - todavia, nas situações em que o imposto a deduzir seja superior ao imposto liquidado, pode o sujeito passivo optar por solicitar o reembolso do imposto, desde que se verifiquem as condições legalmente previstas no artº.22, nºs.5 e 6, do C.I.V.A. (cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 6ª.Edição, Almedina, 2020, pág.243).
No caso específico dos pedidos de reembolso de I.V.A., o respectivo regime legal encontra-se consagrado, essencialmente, no artº.22, do C.I.V.A., e no despacho normativo 18-A/2010, de 1/07, devendo o mesmo ser acompanhado de documentação contabilística comprovativa do excesso de tributo a deduzir (cfr.Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.268, em anotação ao artº.22).
Revertendo ao caso dos autos, do probatório se retira que a A. Fiscal, na sequência de pedido de reembolso formulado pela sociedade impugnante e ora recorrida, relativa ao período declarativo do 2º. trimestre de 2009, após inspecção externa levada a efeito, além de indeferir o pedido de reembolso do I.V.A., decidiu efectuar uma liquidação adicional do mesmo tributo correspondente às mercadorias objecto de regularização no ano fiscal de 2003 (cfr.nºs.2, 4 e 5 da matéria de facto provada). Por outras palavras, na sequência do pedido de reembolso efectuado pela sociedade ora recorrida a Fazenda Pública verificou, não só que não haveria direito a esse reembolso (por isso o indeferiu), como concluiu ter sido deduzido imposto em montante superior ao devido, criando assim um crédito a seu favor que, com a liquidação impugnada, pretendeu tornar certo, líquido e exigível.
Neste último caso, estamos em presença de um acto de liquidação, em sentido estrito, modificativo da situação tributária do contribuinte/impugnante, que declara a existência de uma obrigação tributária a cargo do mesmo e, neste sentido, face ao mesmo são aplicáveis as razões de segurança jurídica que informam a determinação legal de limitação do período de tempo em que tais actos podem ser praticados pelo instituto da caducidade.
Com estes pressupostos, a sentença recorrida conclui que a liquidação adicional de I.V.A. objecto mediato do presente processo, se apresenta caduca e, como tal, enferma do vício de violação de lei, por preterição, do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artº.45, nºs.1 e 4, da L.G.T.
O recorrente entende que não, que o prazo de caducidade a aplicar em caso de ser pedido reembolso de I.V.A., deve ser contado nos termos do artº.45, nº.3, da L.G.T., mais devendo a contagem do prazo de caducidade ser iniciado a partir do momento em que o sujeito passivo exerceu o direito a ser reembolsado de I.V.A. deduzido em excesso.
Vejamos quem tem razão.
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.359 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
De acordo com a jurisprudência e doutrina uniformes, o I.V.A. qualifica-se como imposto de obrigação única, dado incidir sobre factos tributários de carácter instantâneo (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 7/05/2003, rec.65/02; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.251 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.28).
No caso "sub iudice",não estamos perante um acto de recusa de reembolso dos montantes declarados pelo sujeito passivo com fundamento em correcções efectuadas às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso (caso que foi analisado e discutido no acórdão de 12 de Julho de 2007, exarado no processo 303/07, invocado pela entidade recorrente), mas sim perante verdadeiros actos de liquidação adicional de imposto, praticados na sequência de uma inspecção tributária motivada pelo pedido de reembolso. Quer isto dizer que, tratando-se da prática de um acto tributário fundado em correcções quantitativas à matéria colectável determinadas por uma avaliação directa, por ocasião, ou no âmbito, de um procedimento de inspecção tributária e com base em dados contabilísticos apurados também por inspecção tributária à empresa relativamente à qual os actos de liquidação de I.V.A. em falta haviam sido praticados, não existem razões que possam afastar a aplicação da regra da caducidade do direito à liquidação consagrada no artº.45, nºs.1 e 4, da Lei Geral Tributária.
É certo que o I.V.A. em falta é imputado ao 2º. trimestre de 2009, mas o Tribunal "a quo" entende, e com razão, que esse facto não é relevante para o efeito, uma vez que o prazo de caducidade se conta, segundo o citado artº.45, nº.4, da L.G.T., "a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário", ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2004 (mercadorias objecto de regularização no ano fiscal de 2003). Assim, a liquidação daquele I.V.A. em falta (por omissão de operações tributárias) teria de ser efectuada e o respectivo acto notificado ao sujeito passivo até 31 de Dezembro de 2008, o que só veio a acontecer em 27 de Novembro de 2010.
É esta, de resto, a jurisprudência recente deste Tribunal e Secção, a qual por nós é sufragada (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/02/2020, rec. 844/12.0BELRA; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/01/2021, rec.1848/16.0BELRS).
Mais se deve concluir que não tem aplicação, ao caso dos autos, o regime consagrado no artº.45, nº.3, da L.G.T., contrariamente ao defendido pela recorrente.
Rematando, a sentença recorrida não padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado, nomeadamente, não violando o regime previsto no artº.45, nº.3, da L.G.T.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a entidade recorrente em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil), na presente instância de recurso.
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Registe.
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Lisboa, 9 de Março de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.