Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02232/22.1BEPRT
Data do Acordão:03/14/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR ANTECIPATÓRIA
REPARAÇÃO
DANO
PERICULUM IN MORA
Sumário:I – O artigo 133.º do CPTA não impede que os interessados que não se encontrem em situação de carência económica requeiram e obtenham a adoção das providências cautelares antecipatórias que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença proferida ou a proferir na ação principal, desde que verificados os requisitos gerais estabelecidos no artigo 120.º do mesmo código.
II – Para que o Tribunal possa conceder uma cautelar de reparação provisória do dano com fundamento numa causa de pedir diversa da prevista no artigo 133.º do CPTA, é necessário que o Requerente alegue e prove perfunctoriamente os factos integradores do seu pedido, nomeadamente para a verificação do periculum in mora exigido pelo número 1 do artigo 120.º.
Nº Convencional:JSTA00071831
Nº do Documento:SA12024031402232/22
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:B... S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA NORTE
Decisão:NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Área Temática 1:PROVIDÊNCIAS CAUTELARES
Área Temática 2:PERICULUM IN MORA
Legislação Nacional:ARTIGOS 112.º, 120.º E 133.º DO CPTA
Jurisprudência Nacional:AC. DO PLENO DO STA DE 05.11.2020 (PROC. 01438/03.7BALSB-C-A)
Aditamento:
Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório

1. A..., LDA - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 30 de novembro de 2023, que concedeu provimento ao recurso interposto pela B..., S.A. da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, de ... de 2023, e, em consequência, julgou totalmente improcedente o presente processo cautelar de regulação provisória de situação / arbitramento de reparação provisória.

2. Nas suas alegações, a Recorrente formulou, quanto ao mérito do recurso, as seguintes conclusões:

«(...)

XV) O douto acórdão recorrido revogou a sentença proferida pelo TAF Porto, por considerar que no caso vertente não foi produzida prova que a curto prazo a requerente estivesse forçada a apresentar-se à insolvência, por não ter créditos suficientes para fazer face às despesas, e não conseguir pagar aos seus funcionários, nem fazer fase às despesas inerentes ao funcionamento da sua atividade, até porque a requerente possui outros bens ou rendimentos, designadamente, rendas de um imóvel da sua propriedade e os ganhos da abertura de um outro estabelecimento na Rua ..., no Porto, que lhe permitem suportar os custos.

XVI) Alicerçou, assim, a revogação da sentença do TAF Porto e consequentemente pela recusa de adopção da providência cautelar que vinha decretada, por não se ter provado a situação de grave carência económica da A..., Lda. (requerente), considerando que a situação económica desta terá de ser aferida na sua globalidade, com todos os rendimentos auferidos e não apenas cuidando da afetação da exploração do negócio que aquela empresa vinha desenvolvendo na Praça ....

XVII) O Tribunal a quo no caso vertente considerou que, não se tendo comprovado a situação de grave carência económica da requerente e que fosse de prever que o prolongamento dessa situação pudesse acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis (periculum in mora), em face da natureza cumulativa dos requisitos de adoção da presente providência, não verifica o requisito do periculum in mora, pelo que teria de improceder a presente providência cautelar, considerando-se inútil a análise dos demais requisitos– cfr. artigo 133.º do CPTA.

XVIII) Pelos mesmos fundamentos invocados para a admissão do presente recurso, nomeadamente quanto ao lapso clamoroso, manifesto e notório de apreciação ou de julgamento dos preceitos citados, assim como na apreciação e requisitos da providência em causa, previstos no art.º 133º, 112º e 120.º, todos do CPTA, ofendendo, mesmo, a jurisprudência aprovada recentemente por maioria pelo Pleno do Contencioso Administrativo do STA, atrás citado, impõe-se a revogação da decisão recorrida porquanto considerou demonstrado o 1.º requisito previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 133.º do CPTA.”

XIX) Ainda que a aqui recorrente não tenha feito prova da sua situação de pré-insolvência, ou que esteja numa situação de grave carência económica, ainda assim, não deveria ter sido revogada a sentença proferida pelo TAF do Porto, ou em última análise deveria ter sido esta substituída por outra que conferisse uma tutela jurisdicional efectiva (garantia/protecção) de reparação dos danos e prejuízos que a aqui recorrente, sofreu, está a sofrer e vai continuar a sofrer enquanto decorrerem as obras levadas a efeitos pela recorrida junto da Praça ..., cidade do Porto, na proximidade do estabelecimento comercial explorado pela recorrente.

XX) Pois, do elenco dos factos perfunctoriamente julgados provados e não provados, somos forçados a concluir que se encontram preenchidos os requisitos que a nossa doutrina e jurisprudência vêm comumente exigido para fundamentar o decretamento de protecção cautelar, seja antecipatória, seja conservatória, a saber:

- o receio da lesão (o perigo de inutilidade da sentença na acção principal);

- a aparência do direito (a probabilidade de procedência da acção principal) e,

- a proporcionalidade da decisão (ponderação de todos os interesses em presença) (vide, entre muitos pag. 330 de A Justiça Administrativa (Lições) do Prof. José Carlos Vieira de Andrade, 19ª edição, Almedina).

XXI) O nosso legislador pretendeu estabelecer uma “clausula aberta” no que toca à adopção de medidas cautelares, de forma a abranger todo o tipo de pretensões substantivas que os particulares podem acionar a título principal.

XXII) Tal como sucede em processo civil, o primeiro e o mais importante dos critérios de que depende a atribuição de providências cautelares é o periculum in mora, que o CPTA entende existir, segundo dispõe o artigo 120º, nº 1, quando “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.

XXIII) Deve ser recusado o entendimento da insubsistência de prejuízos de difícil reparação quando é possível a avaliação pecuniária dos danos, em favor do entendimento de que o prejuízo do requerente deve ser considerado irreparável sempre que os factos concretos por ele alegados permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração especifica da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.

XXIV) A sumariedade, que, em termos gerais, caracteriza os processos cautelares, deve valer também para a apreciação do periculum in mora. Com efeito, o nº 1 do artigo 120º utiliza a expressão “fundado receio”, o que significa que também o juízo sobre a existência do perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação não tem de ser um juízo de certeza, mas apenas um juízo de probabilidade, que poderá ser maior ou menor, consoante as circunstâncias especificas de cada caso.

XXV) Agora a propósito do critério da aparência de bom direito (fumus boni iuris) a atribuição das providências cautelares depende de um juízo ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre a aparência da procedência da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo.

XXVI) Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal. O tribunal deve tomar em linha de conta o comportamento, judicial e extrajudicial, que o requerido tenha, entretanto, assumido, na medida em que tal comportamento também possa, pelo seu lado, fornecer indícios da adopção de uma atitude de desrespeito pela legalidade.

XXVII) Também a atribuição das providências cautelares não depende apenas do preenchimento da previsão do nº 1 do artigo 120º, e, portanto, do preenchimento cumulativo dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris. Com efeito, o artigo 120º, nº 2, estabelece que, mesmo que se preencha a previsão do nº 1, as providências ainda podem ser recusadas “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

XXVIII) Tal é uma concretização do princípio da proporcionalidade, que embora implique uma compressão do princípio do dispositivo, na medida em que desvincula o juiz do principio do pedido, é determinada pelo propósito de permitir ao juiz encontrar a solução mais adequada à justa composição dos interesses envolvidos.

XXIX) No caso concreto a requerida, aqui recorrida, não alegou ou invocou sequer a existência de qualquer interesse público que pudesse ser seriamente afectado pela adopção da providência cautelar pretendida, que merecesse alguma protecção. Daí que a contrario mostra-se este requisito (limite) inverificado.

XXX) O artigo 133.º do CPTA não impede que os interessados que não se encontrem em situação de carência económica requeiram e obtenham a adoção das providências cautelares antecipatórias que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença proferida ou a proferir na ação principal, desde que verificados os requisitos gerais estabelecidos no artigo 120.º do mesmo código.

XXXI) A Requerente, ora Recorrente, não tem que fazer prova de que se encontra em situação de grave carência económica para obter a antecipação, a título provisório, de parte da indemnização pelo sofrimento (RRCEE) a que têm direito.

XXXII) As providências cautelares desempenham uma função instrumental em relação ao juízo de fundo proferido na ação principal, pois visam assegurar a sua utilidade substancial, através da neutralização do spatium deliberandi constituído pela duração do processo. As providências cautelares são, por isso mesmo, um elemento essencial de garantia da efetividade da tutela jurisdicional, como aliás decorre do disposto no n.º 4 do artigo 268.º da CRP e, ainda mais expressivamente, do n.º 1 do artigo 2.º do CPTA. É isso que justifica, nomeadamente, o carácter aberto da enumeração constante do n.º 2 do artigo 112.º do CPTA, que permite, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, que os interessados possam «solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostram adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo», leia-se, de quaisquer providências.

XXXIII) Na medida em que se mostre adequado a assegurar a utilidade da sentença proferida ou a proferir na ação principal, qualquer parte legítima pode requerer e obter, a título de regulação provisória da sua situação jurídica, o pagamento antecipado de uma quantia certa, mesmo que não esteja em situação de carência económica, desde que cumpra os requisitos estabelecidos no artigo 120.º do CPTA.

XXXIV) Admitindo-se o aditamento de factos pelo Tribunal a quo em relação à matéria de facto julgada provada e não provada na douta decisão proferida pela Primeira Instância, na nossa modesta opinião tal “acrescento” não implicou qualquer modificação quanto aos factos que preenchem os requisitos gerais estabelecidos no artigo 120º do CPTA.

XXXV) Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, revendo a douta fundamentação da decisão do TAF Porto e, sopesando todos aqueles factos, voltamos a concluir, como concluiu o Tribunal de Primeira Instância, ainda que perfunctoriamente, que aqui recorrente sofreu, sofre e sofrerá de uma “grave perturbação económica” no giro do seu estabelecimento de restauração, porquanto, em resultado de tais contingências manifestamente nefastas, muito dificilmente manterá os níveis de actividade e de facturação anteriores às obras do metro na Praça ....

XXXVI) É manifesta a diminuição gravosa da actividade comercial e da facturação da Recorrente em consequência das obras em apreço levadas a efeito pela B... até Outubro de 2022, data em que encerrou (temporariamente) a exploração do dito estabelecimento na Praça ... e tomou a exploração de um outro estabelecimento na Rua ..., também na cidade do Porto, manteve-se e mantém-se imparável o fluxo das despesas já atrás discriminadas (água, luz, comunicações, trabalhadores, contribuições para a segurança social, seguros e renda do locado onde se encontra o estabelecimento actualmente ainda encerrado), não tendo a recorrente outro remédio que não seja o de continuar a assegurar o seu pagamento, sobretudo, a despesa fixa em salários, contribuições e seguros obrigatórios, bem como, a renda mensal de €3.500,00 pelo arrendamento do locado (que se reitera mantém-se encerrado ao público). XXXVII) Tal circunstância cria necessariamente perdas económicas da Requerente como demonstram os resultados inscritos nas IES, mesmo que descontados os valores recebidos a título de rendas, conforme se pode constatar pela leitura dos pontos 12.º e 13.º, 13º-A, 13-B e 13-C do probatório: i) veja-se que, no exercício de 2019 (o último ano de normalidade económica pré-pandemia), a Requerente obteve €279.367,96 no capítulo das “vendas e serviços prestados”; ii) e, no exercício de 2021, a Recorrente já apresentou no mesmo item uma quantia bem inferior, de €149.193,45. É certo que em 2021 releva ainda o efeito pandemia provocado pelo SARS-Cov-2/Covid 19 e as medidas de contenção que afectaram o negócio da restauração (facto notório – cf. artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do CPC), mas não se pode deixar de assinalar que logo no exercício de 2021 é possível descortinar uma tendência decrescente das “vendas e serviços”, quando comparadas com as do exercício de 2019, à qual não será alheia o início das obras, com a colocação dos tapumes em 11/2021.

XXXVIII) Em suma, há aqui uma mais que plausível situação de desequilíbrio financeiro para o lado da recorrente, que advém da diminuição mais que certa das receitas e da persistência de despesas fixas que à mesma importa continuar a liquidar, sob pena da Requerente perder a sua oportunidade de negócio no futuro, o que, no imediato e sem receitas ou com parcos proveitos, tem toda a aptidão para provocar uma situação de carência económica à recorrente, que só não é periclitante, em razão das rendas auferidas pelo arrendamento de uma loja, sita no Largo ..., cidade do Porto, que se encontra a render 3.500€, para os cofres da sociedade.

XXXIX) Por outro lado, constitui um facto público e notório que as receitas de turismo em Portugal e concretamente na cidade do Porto tiveram nos últimos anos e, mesmo após a pandemia, um incremento extraordinário, com um número cada vez mais crescente de visitantes, turistas, esses, que habitualmente fazem as suas refeições nos estabelecimentos nas proximidades da “sala de visitas” da cidade do Porto, como constitui a Praça ....

XL) Perdendo a aqui recorrente a possibilidade de auferir do incremento das suas receitas, tendo aquele estabelecimento encerrado ao público temporariamente, como se encontra desde Outubro de 2022.

XLI) Perante todo este circunstancialismo fáctico julgado perfunctoriamente provado, impõe-se o decretamento da providência peticionada “para evitar o risco da infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal, o critério não pode ser, portanto, o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas tem de ser o da viabilidade do restabelecimento da situação de facto que deveria existir se a conduta da requerida não tivesse tido lugar e, portanto, do dano que, em si mesma, consubstancia a perda da possibilidade de obter tal restabelecimento.

XLII) Para além de que é público e notório que o processo principal, é habitualmente um processo moroso, que demora anos… até pela conduta da própria entidade recorrida, que para além da sua exígua proposta de indemnização (vide facto julgado provado nº 5) na fase extrajudicial, na fase judicial nega à recorrente qualquer possibilidade de indemnização…

XLIII) Ocorrendo, neste caso também o periculum in mora de retardamento, que postulará a adopção de uma providência antecipatória, que antecipe parcial ou mesmo totalmente, ainda que sempre em termos provisórios, a solução pretendida ou regule interinamente a situação, como foi requerido ab initio.

XLIV) A pretensão da recorrente é ser ressarcida de quantum indemnizatório, a que se alude no artigo 16º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro que estabelece o regime de RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E PESSOAS COLECTIVAS DE DIREITO PÚBLICO (RRCEE) - “indemnização pelo sacrifício”.

XLV) não se colocando em dúvida que é lícito à Entidade Requerida, enquanto concessionária de um serviço público de linhas de transporte terrestre da população, o desenvolvimento de novas ligações de metro na área metropolitana do Porto, lançando e executando as obras no terreno das cidades e municípios que a tal desiderato de interesse público se prestam, todavia deve ressarcir os encargos e os prejuízos que tais obras provocam em determinados particulares, mormente, os directamente afectados pela implantação das frentes de obra, como é o caso da ora Requerente.

XLVI) Os danos ou encargos impostos à Requerente são ―especiais, porque incidem apenas sobre o seu estabelecimento comercial e sobre os estabelecimentos que se encontram na área especificamente afectada e delimitada pelas obras da linha de Metro, na Praça ... (na praça dos “...”). Isto é, tais encargos e prejuízos não atingem a generalidade da população, ou, melhor dizendo, não acertam na generalidade dos comerciantes da cidade do Porto, mas apenas em alguns, em especial, os que se cruzam com a passagem das obras do metro.

XLVII) Por outro lado, os danos e encargos são ―anormais, porquanto, não se traduzem em meros incómodos ou inconvenientes momentâneos ou temporários decorrentes de uma normal vida da polis. As obras de construção da linha do metro com as características atrás traçadas, nomeadamente, com a implantação de frentes de obra de grandes dimensões, com a colocação de tapumes e com a utilização de maquinaria pesada, ruidosa e potencialmente causadora de poeiras, que no local permanecerá em laboração durante anos a fio.

XLVIII) A presente situação, pela sua gravidade, tem cabal aptidão para produzir danos especiais e anormais à Requerente, que merece, assim, a tutela do direito, através do ressarcimento pela via indemnizatória em dinheiro e a cargo da Entidade Requerida, atento o disposto nos artigos 2.º e 3.º do RRCEE.

XLIX) É, pois, plausível ou provável, com efeito, que a Entidade Requerida venha a ser condenada na pretensão indemnizatória que a Requerente formulará no respectivo processo principal, tal e qual foi condenado o C..., por acórdão de 10/10/2019 do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, em que foi relatora Ana Celeste carvalho, no processo 2327/08.4BELSB, acessível no portal www.dgsi.pt, onde aquela entidade, em condições e circunstâncias em tudo semelhantes ao caso em apreço, foi condenada ao pagamento a um comerciante afectado com obras de extensão do metro de Lisboa, no montante de 150.982,70€, a titulo de danos patrimoniais.

L) Vem dado como provado no ponto 13.º do probatório que o negócio da restauração da Requerente, deduzidos dos proveitos com rendas, atingiu nos três últimos anos pré-pandemia, ou seja, os anos que devem ser tidos em conta, porque vividos em clima de normalidade económica, os seguintes valores brutos de “vendas e serviços prestados”; 2017 - €232.648,17; 2018 - €232.978,43; 2019 - €279.367,96.

LI) Pois bem, somados os valores parciais e anuais supra indicados e divididos por 36 meses (o total dos 3 anos), apresenta-se-nos o valor médio mensal de €20.694,29 de “vendas e serviços prestados” pela Requerente.

LII) Como bem andou o Merº Juiz do Tribunal de Primeira Instância, não pode ser aquela quantia mensal a atribuir provisoriamente à Requerente. Trata-se de um processo cautelar, de regular provisoriamente o pagamento de quantias, que não podem exceder o montante que a Requerente provavelmente receberá por conta do processo principal (cf. o n.º 3 do artigo 120.º do CPTA).

LIII) Deste modo, a redução de 60% ao valor médio mensal de €20.694,29, o que perfaz a quantia provisória a atribuir de €8.277,71 por mês, determinada em 1ª Instância, parece-nos equitativo e proporcional, seguindo aliás o critério em que a própria entidade requerida alegadamente se alicerçou para apresentar a proposta “exígua” de indemnização, conforme se encontra indiciariamente provado pelo teor do documento junto aos autos (facto nº 5), pois esta considerou então que a recorrente beneficiava de uma margem bruta de 60,32% sobre o valor dos serviços facturados (já devidamente deduzidos os montantes recebidos a titulo de rendas).

LIV) Considerou, ainda, o Tribunal de Primeira Instância ser adequado e proporcional fazer mais duas reduções complementares, com vista a contemplar o factor pandemia na redução dos proveitos no negócio da restauração, cuja responsabilidade não é imputável à Entidade Requerida.

LV) parece-nos apropriado, por equitativo, adequado e proporcional o arbitramento de reparação provisória (antecipação parcial da indemnização que lhe assiste receber) à aqui recorrente, pela recorrida de:

- €28.971,95 pelo período de 11/2021 a 03/2022;

- €42.213,24 pelo período de 04/2022 a 09/2022;

- €16.555,42 pelo período de 10/2022 a 11/2022 (mês da apresentação do requerimento inicial em juízo); O que soma à quantia de €87.740,61;

- A este valor acrescerá, mensalmente, o valor de €8.277,71, a partir de 12/2022 e até que terminem as obras da linha do B... na Praça ... e enquanto não forem repostas as condições de funcionamento iguais às que a Requerente dispunha antes do início das obras;

- Tais quantias deverão ser líquidas no prazo de 10 (dez) dias úteis, a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de aplicação de sanção pecuniária compulsória, nos termos dos artigos 3.º, n.º 2, e 169.º do CPTA;

- A recorrida deverá ainda proceder aos ulteriores pagamentos mensais da quantia atrás fixada (€8.277,71) até ao dia 08 de cada mês a favor da Recorrente.

LVI) Inexistem quaisquer interesses públicos cuja lesão seja superior ao dano que poderia resultar do indeferimento da providência requerida, pois não foram sequer alegados pela Recorrida.

LVII) Impõe-se, assim, salvo o devido respeito a repristinação da sentença proferida pelo TAF do Porto, na sua parte decisória e fundamentação fáctica e de direito, embora não inteiramente coincidente quanto à matéria de direito, pois entendemos que será de aplicar os artigos 112º, nº 2 al. e) e 120º ambos do CPTA, sendo que o Tribunal não está vinculado a adoptar a providência requerida, devendo e podendo adoptar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença.

LVIII) Poder/dever, esse, de adoptar outras medidas cautelares em cumulação ou substituição, tendo em conta os interesses presentes, que o tribunal a quo não se esforçou minimamente, pelo que, também por aqui, merece severa censura.

LIX) Todavia, não vislumbramos razões para nos afastar do doutamente decidido pelo TAF do Porto, daí o pedido de revogação do acórdão recorrido e a “repristinação” da sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.

SEM PRESCINDIR, E POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO,

- Da Garantia a prestar pela recorrente, LX) A recorrente, como decorre da fundamentação das instâncias recebe 3.500,00€ de rendas, pelo arrendamento de uma loja de sua propriedade situada no Largo ..., cidade do Porto.

LXI) Tal imóvel, encontra-se desonerado e susceptível de ser dado em garantia pelo reembolso à Recorrida das quantias que este Tribunal arbitrar à aqui recorrente, em caso de improcedência (total ou parcial) do seu pedido a formular pela aqui recorrente em sede de acção principal.

LXII) Embora, entendamos que nas circunstâncias concretas do caso em apreço, deve ser adoptada a providência requerida (arbitramento de reparação provisória), dispensando a recorrente da prestação de garantia, tal e qual foi decidido em Primeira Instância, LXIII) Desde já, a recorrente manifesta expressamente a sua concordância, caso o Tribunal, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 120º do CPTA lhe venha a impor a constituição de garantia,

AINDA SEM PRESCINDIR,

LXIV) Se se vier a entender, ao contrário do que se espera, que falta algum ou alguns dos requisitos de que depende a adopção da providência cautelar requerida, nos termos do nº 1 e 2 do artigo 120º do CPTA, a recorrente, desde já, requer a concessão da providência cautelar pretendida, mediante a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária, o que se requer, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 120º do CPTA., pois que, como se disse, no processo principal a interpor apenas estará em causa o pagamento pela Recorrida de indemnização pelo sacrifício, não tendo este natureza sancionatória.

LXV) Decidindo, como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 112º, 120º, 133º do CPTA e ainda o artigo 2º, 62º e 268, nº 4 da Constituição da República Portuguesa».


3. A Recorrida B... contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

«I. Desde junho de 2023 foram repostas as condições no local de forma a que exista passagem de peões tendo sido reposto desde 07 de novembro de 2023 o transito rodoviário no local.

II. A aqui Recorrente, decorridos cerca de dois anos, não intentou nenhuma ação principal!

III. As alegações de Recurso ora apresentadas pelo Recorrente não têm qualquer fundamento de facto ou de direito, conforme se demonstrará não sendo sequer legalmente admissíveis, nada existindo para regular provisoriamente!

IV. O Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro grave ao ignorar que a grave carência económica (artigo 133.º, n.º 2, alínea a)) e a prognose de consequências graves e irreparáveis consequentes do prolongamento da situação (artigo 133.º, n.º 2, alínea b)) têm de ser aferidas por referência à situação económico-financeira da Recorrente da providência cautelar (enquanto sociedade comercial, globalmente considerada) e não ao concreto estabelecimento cuja exploração se mostre afetada pela atuação da Entidade Requerida.

V. O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte aferiu que a aqui Recorrente possuía outros bens e rendimentos que lhe permitem suportar os custos nomeadamente de rendas e de outro estabelecimento comercial, tendo assim alterado a matéria de facto em conformidade:

13. “Dos valores globais acima descritos, os que dizem respeito ao negócio da restauração da Requerente são os seguintes, deduzidos dos proveitos com rendas:

2017 - € 232.648,17 2018 - € 232.978,43 2019 - € 279.367,96 2020 - € 71.635,66 2021 - € 107.193,66 “13-A - A Requerente, entre 2017 e 2021 obteve os seguintes proventos com rendas:

2017 - € 24.000,00; 2018 - € 70.500,00; 2019 - € 102.000,00; 2020 - € 42.000,00; 2021- € 42.000,00;”


13. C - A Requerente, desde novembro de 2022, explora um estabelecimento comercial na Rua ....

VI. O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte aferiu que não ficou provado que o Recorrente se teria de apresentar à insolvência tendo o contrário sido demonstrado pela prova documental, nomeadamente o IES e pela prova testemunhal.

VII. Conclui ainda, o douto acórdão que existe um erro de julgamento na apreciação dos requisitos da providência cautelar, porquanto analisa o tema por referência à afetação da exploração comercial do estabelecimento afetado pela obra da Recorrida, e não à situação económico-financeira da Recorrente enquanto sociedade comercial, como se impunha.

VIII. Não estando verificada a situação de grave carência económica da Recorrente e que seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis (periculum in mora) bem esteve o TCAN em julgar improcedente a providência cautelar revogando a sentença.

IX. Nunca poderia o presente recurso ser admitido ao abrigo do CPTA, desde logo, e no que ao objeto da presente ação diz respeito reitere-se que as obras da aqui Recorrida estão já concluídas naquele local inexistindo assim causa formal para que fossem fixadas quaisquer quantias, nem foi intentada qualquer ação principal.

X. Apenas poderá haver Recurso de Revista nos termos do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito devendo considerar-se a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular para que a mesma decisão se possa repetir num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito, o que não acontece no caso concreto.

XI. Devendo estes princípios ser ainda mais restritos em matéria de providências cautelares como é o caso concreto, onde se visa uma regulação provisória da situação, onde está essencialmente em causa a ponderação e valoração da matéria de facto, para determinar a solução dada ao litígio.

XII. A situação jurídica em causa não ostenta carácter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações, assumindo relevância autónoma e independente em relação às partes envolvidas.

XIII. No caso concreto o acórdão recorrido bem sustentado e cuidado está em conformidade com a jurisprudência que vem sendo produzida sobre o tema dos requisitos substantivos indispensáveis para a concessão das providências cautelares.

XIV. Não se justifica admitir revista de decisões de segunda instância, salvo quando se discutam aspetos do regime jurídico específicos ou que exclusivamente digam respeito ou se confinem à tutela cautelar, ou quando a decisão contenda com situações de relevância comunitária particularmente intensa ou de inobservância de princípios processuais fundamentais.

XV. No caso concreto não existe quaisquer questões jurídicas de importância fundamental, com complexidade ou relevância inexistindo também, relevância social fundamental dado nem as questões, nem a sua decisão apresentam interesse geral ou objetivo, antes importando apenas às partes envolvidas na causa, diga-se que nem existe qualquer outra ação pendente.

XVI. Não se vislumbra assim qualquer possibilidade de ser admitido um recurso de Revista quando está em causa saber se, perante a factualidade concretamente provada ou indiciada, se mostram preenchidos os requisitos de que a lei faz depender a concessão da providência.

XVII. Devendo o tema de uma eventual compensação financeira ser debatido num eventual processo principal ainda não intentado porquanto além do mais estão as referidas obras já findas.

XVIII. O Recorrente quando instaura uma providência cautelar deve alegar factos, e oferecer prova, ainda que sumária que a par da inclusão dos elementos integrantes do direito, sustentem a situação justificativa da concessão da medida pretendida.

XIX. No caso concreto não existia qualquer incumprimento por parte da Recorrida de realizar quaisquer prestações pecuniárias à Recorrente.

XX. Deveria ser comprovado pelo Recorrente que:

a) Esteja adequadamente comprovada a situação de grave carência económica;

b) Seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis;

c) Seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

XXI. Reitere-se que a decisão do Tribunal de Primeira Instância interpretou e aplicou de forma ilegal e inadmissível os requisitos de decretamento da providência cautelar ao ignorar que a grave carência económica (artigo 133.º, n.º 2, alínea a)) e a prognose de consequências graves e irreparáveis consequentes do prolongamento da situação (artigo 133.º, n.º 2, alínea b)) têm de ser aferidas por referência à situação económico-financeira da Recorrente da providência cautelar (enquanto sociedade comercial, globalmente considerada) e não ao concreto estabelecimento cuja exploração se mostre afetada pela atuação da Entidade Requerida. Foi a matéria de facto provada alterada no ponto 13.º e aditados os pontos A, B e C:

13.º - Dos valores globais acima descritos, os que dizem respeito ao negócio da restauração da Requerente são os seguintes, deduzidos dos proveitos com rendas:

2017 - € 232.648,17 2018 - € 232.978,43 2019 - € 279.367,96 2020 -€ 71.635,66 2021 - € 107.193,66

13-A - A Requerente, entre 2017 e 2021 obteve os seguintes proventos com rendas:

2017 - € 24.000,00; 2018 - € 70.500,00; 2019 - € 102.000,00; 2020 - € 42.000,00; 2021- € 42.000,00;”

13. B – A Requerente aufere um rendimento mensal de € 3.500,00 euros proveniente de rendas pela locação de imóvel de que é proprietária.

13. C - A Requerente, desde novembro de 2022, explora um estabelecimento comercial na Rua ....

XXIII. Foi também dado como não provado que a aqui Recorrente a curtíssimo prazo esteja forçada a apresentar-se à insolvência, contrariando assim a existência de periculum em mora e a possibilidade de o Recorrente intentar uma ação com vista a ver as suas alegadas perdas escrupulosamente analisadas.

XXIV. Apenas as lesões graves e irreparáveis ou de difícil reparação merecem a tutela provisória do procedimento cautelar, sob pena de o mesmo ser vulgarizado tendo estas situações um caracter de excecionalidade por forma a que possa existir um critério rigoroso e exigente quanto à apreciação dos factos integradores.

XXV. Atento o preceituado no art.º 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, na versão atualmente em vigor, cumpre notar que o elenco dos requisitos para decretamento das providências cautelares é de verificação sine qua non. Ou seja, a ausência de verificação de qualquer um dos enumerados requisitos é bastante para inviabilizar o decretamento da medida cautelar requerida.

XXVI. Ora, no caso vertente, não resulta da prova produzida que a curto prazo a recorrente esteja forçada a apresentar-se à insolvência, por não ter créditos suficientes para fazer face às despesas, e não conseguir pagar aos seus funcionários, nem fazer fase às despesas inerentes ao funcionamento da sua atividade. Aliás, a recorrente possui outros bens ou rendimentos, designadamente, rendas de um imóvel da sua propriedade e os ganhos da abertura de um outro estabelecimento na Rua ..., no Porto, que lhe permitem suportar os custos.

XXVII. Assim, para que a providência fosse decretada, impunha-se que tivesse sido comprovada e resultasse dos factos provados uma situação de grave carência económica da Recorrente e não apenas a afetação da exploração do negócio que aquela empresa vinha desenvolvendo na Praça ....

XXVIII. O art.º. 133. º do CPTA procura regular situações em que estejam em causa o sustento ou a sobrevivência do requerente.

XXIX. Não existem dúvidas de que não existe qualquer risco de insolvência da Recorrente conforme referido pelo próprio contabilista, tendo esta aberto um novo estabelecimento na Rua ..., tendo reduzido o número de funcionários, tendo receitas provenientes da atividade no novo estabelecimento, tendo receitas provenientes de rendas pela locação de imóvel de que a Recorrente é proprietária.

XXX. Se a situação de grave carência económica não existe, não pode prolongar-se, nem o seu prolongamento poderá causar consequências graves e dificilmente reparáveis.

XXXI. Deveriam estar também preenchidos os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, sendo no caso concreto uma providência de natureza antecipatório e por isso de requisitos mais apertados quanto à aparência do direito.

XXXII. Assim sendo, atendendo ao enquadramento jurídico-legal realizado pela Recorrente, teria de ter sido aferido, ainda que sumariamente, o preenchimento dos pressupostos da indemnização pelo sacrífico que a Recorrente afirma que irá peticionar em sede de ação principal mas que decorridos mais de dois anos nunca intentou.

XXXIII. O requisito da provável procedência da pretensão a deduzir nesse processo também não fica demonstrado no que respeita à aqui Recorrida.

XXXIV. Como a própria Recorrente alega e reconhece, os danos por si sofridos, traduzidos no decréscimo da faturação, foram causados pela redução da área da esplanada do seu estabelecimento, a qual é imputável não à Entidade Recorrida, mas a uma decisão do Município do Porto.

XXXV. Decorre da documentação junta aos autos, e dada como reproduzida na matéria de facto considerada provada na decisão recorrida, que a Recorrente beneficiava de uma licença de ocupação do espaço público com esplanada válida apenas até 31.12.2021, documento esse não impugnado pela Recorrente.

XXXVI. A Recorrente não impugnou o ato administrativo da Câmara Municipal do Porto, que determinou a redução da área da esplanada, verificando-se, em razão de tal conduta omissiva, culpa do lesado, nos termos do artigo 4.º do RRCEEP, a qual consubstancia uma exceção perentória (n.º 3 do artigo 89.º do CPTA), de conhecimento oficioso (n.º 2 do artigo 342.º e 572.º do CC).

XXXVII. A partir daí inexistia qualquer expectativa legítima, e muito menos um direito da Recorrente de continuar a explorar o estabelecimento nas condições fixadas na sua licença inicial não existindo qualquer valor a pagar a partir desta data.

XXXVIII. Bem esteve o douto Acórdão ao corrigir o erro no cálculo da compensação a pagar à Recorrente quando considera que a indemnização coincidirá com o valor médio mensal de vendas e serviços prestados nos anos de 2017 a 2019 uma vez que deve ser considerado o efetivo prejuízo financeiro provocado pela atuação da Entidade Requerida pelo que bem andou o TCAN em revogar a decisão do Tribunal de Primeira Instância não merecendo o Acórdão qualquer reparo».

4. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em formação de apreciação preliminar, de 1 de fevereiro de 2024, considerando que «o dissenso dos «tribunais de instância» na abordagem jurídica da matéria de facto provada evidencia a dificuldade com que se depararam, e a óbvia complexidade na respectiva resolução. Resolução, diga-se, de um litígio com potencialidade expansiva dada a multiplicidade de obras que o nosso país actualmente comporta, fruto do «PRR nacional». Acresce a esta vocação paradigmática da decisão a proferir, que emerge da sua relevância jurídica e social, a constatação de que a abordagem jurídica feita ao caso, no acórdão recorrido, não é de todo convincente, mostrando-se acutilante a invocação que a ora recorrente faz dos requisitos gerais previstos no artigo 1200 do CPTA e do sobre o assunto já decidido em aresto do Pleno Administrativo deste Supremo Tribunal Ac STA/Pleno de 05.11.2020, in processo n.º 01438/03.7BALSB-C-A».

5. Notificado para o efeito, o Ministério Público não emitiu parecer - artigo 146.º, n.º 1, do CPTA.

6. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo - artigo 36.º, n.º 1/f e 2, do CPTA.


II. Matéria de facto

7. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

« 1.º – A Requerente explora o estabelecimento comercial de restauração, café e snackbar instalado na fracção ... (1-...2) do prédio urbano sito na Praça ..., na cidade do Porto, inscrito na matriz sob o artigo ...43, da freguesia ... (n.º ...17);

2.º – A Requerente, pela utilização do arrendado, paga a renda mensal de €3.500,00;

3.º – O estabelecimento de restauração explorado pela ora Requerente na Praça ..., ocupava, até 20/05/2021, a área de esplanada de 74,08m2 (13,00mX5,57m);

4.º – Relativamente à esplanada, pelos serviços da Câmara Municipal do Porto foi informado, decidido e comunicado à Requerente o seguinte:

[IMAGEM]

5.º – O Gabinete Jurídico da Entidade Requerida, em comunicação por email dirigida à Requerente, de 10/08/2022, formulou a seguinte proposta de compensação:

[IMAGEM]

6.º – À Requerente, em 12/2021, foi facturada uma despesa por serviços de contabilidade (honorários), no montante de €246,00;

7.º – À Requerente, em 09/2021, foi facturada pela “D...” uma despesa por serviços comunicações, no valor de €52,13;

8.º – À Requerente, pelo período de 17/08/2021 a 14/09/2021, foi facturada pela “E...” uma despesa por serviço de abastecimento de água, de águas residuais e resíduos urbanos no valor total de €168,85;

9.º – À Requerente, pelo período de 18/08 a 17/09 de 2021, foi facturada pela “F...” uma despesa pela prestação de serviços de electricidade, gás natural e respectivas taxas e impostos, no valor total de €833,37;

10.º – À Requerente, em 08/2021, foi facturado pela “G...” o prémio de seguro por acidentes de trabalho, no valor de €211,14;

11.º – Em 12/2021, a Requerente apresentava nos serviços do Instituto de Segurança Social, I.P. os registos de remunerações dos seguintes trabalhadores:

“Nº de Identificação da Segurança Social – Nome completo do trabalhador – Data de nascimento – Data das Remunerações – Dias de Trabalho/Remunerações Ano Mês Dia Ano Mês Dias Sinal Valor das Remunerações Cód.

...55 AA 1968 03 08 2021 12 ...,00 N

...17 BB ...21,67 N ...16 CC ...42,80 N ...92 DD ...65,00 N”;

12.º – A Requerente, entre 2017 e 2021, apresentou nas respectivas Informações Empresariais Simplificadas (IES) os seguintes valores relativos às “vendas e serviços prestados”:

2017 – €256.648,17; 2018 – €303.478,43; 2019 – €378.367,96; 2020 – €113.635,66; 2021 – €149.193,45;

13.º – Dos valores globais acima descritos, os que dizem respeito ao negócio da restauração da Requerente são os seguintes, deduzidos dos proveitos com rendas:

2017 – €232.648,17; 2018 – €232.978,43; 2019 – €279.367,96;

14.º – A Entidade Requerida prestou informações aos comerciantes envolvidos na zona de obra;

15.º – A Entidade Requerida reuniu com comerciantes sobre o avanço da obra e fez sessões públicas de esclarecimento sobre os trabalhos;

16.º – A Entidade Requerida procedeu à decoração dos tapumes das obras;

17.º – A Entidade Requerida reuniu com a Associação de Comerciantes do Porto por forma a alcançar uma fórmula para compensar os comerciantes na envolvente da obra;

18.º – A partir de Abril de 2022, deu-se o fecho da passagem pedonal da Rua ... para a Av. .../Praça ...».


III. Matéria de direito

8. A questão de fundo que se discute no presente recurso, e que determinou a sua admissão, é a de saber se a verificação de uma situação de carência económica da Requerente é um requisito indispensável da concessão de uma providência cautelar de reparação provisória do dano.
O acórdão recorrido entendeu que sim, considerando que, à luz do disposto no artigo 133.º do CPTA, é necessário que seja demonstrado que o Requerente se encontra em situação de grave carência económica e que seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis.
Naquele acórdão, afirmou-se, concretamente, que «a providência destina-se a permitir o pagamento de uma parcela da indemnização que haverá de ser apurada na ação principal. Mas para tanto, e em face da natureza preventiva e instrumental da providência cautelar, é mister, que se encontre indiciado que ao requerente assiste o direito a ser indemnizado pelo requerido (isto é, que seja provável a procedência da pretensão indemnizatória) e que seja demonstrado que o requerente se encontra em situação de grave carência económica e que seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis».
Os Recorrentes opõem-se a esse entendimento, alegando, com fundamento em jurisprudência firmada anteriormente pelo Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão de 5 de novembro de 2020, proferido no Processo n.º 01438/03.7BALSB-C-A, que «na medida em que se mostre adequado a assegurar a utilidade da sentença proferida ou a proferir na ação principal, qualquer parte legítima pode requerer e obter, a título de regulação provisória da sua situação jurídica, o pagamento antecipado de uma quantia certa, mesmo que não esteja em situação de carência económica, desde que cumpra os requisitos estabelecidos no artigo 120.º do CPTA».
Vejamos.

9. No citado Acórdão de 5 de novembro de 2020, afirmou-se que regime estabelecido no artigo 133,º do CPTA não tem «uma pretensão de aplicação generalizada a todas as providências em que esteja em causa a regulação provisória de uma situação jurídica que envolva o pagamento de uma quantia certa, pois como decorre literalmente da sua previsão normativa, o mesmo só se aplica “quando o alegado incumprimento do dever de a Administração realizar prestações pecuniárias provoque uma situação de grave carência”».
Para o citado arresto, «decisivo da sua aplicação não é, pois, que as providências requeridas visem a regulação provisória do pagamento de quaisquer quantias, como sugere de forma incompleta a epígrafe do artigo, mas sim que visem a regulação provisória do pagamento de quantias que sejam necessárias para reparar provisoriamente uma situação de grave carência económica.
Dito por outras palavras, a demonstração de que o interessado se encontra numa situação de carência económica não é exigível em todas as situações de regulação provisória do pagamento de quantias certas, mas apenas naqueles casos em que os danos causados por aquela situação constituam a causa de pedir da providência. O que, contudo, não impede o interessado de pedir o pagamento de uma quantia certa com qualquer outro fundamento, submetendo-se, nesse caso, à verificação dos requisitos gerais estabelecidos no artigo 120.º do CPTA».

10. É, assim, evidente, que, na parte em que exige a verificação de uma situação de carência económica da Requerente como um requisito indispensável à concessão de uma providência cautelar de reparação provisória do dano, o acórdão recorrido está em contradição com a citada jurisprudência, e não se pode manter.
A questão que se coloca, no entanto, é que, no caso dos autos, a causa de pedir do decretamento de uma providência de reparação provisória do dano causado à Requerente pelas obras do B... é, exclusivamente, a sua situação de carência económica, pelo que não vê como é que, à luz da factualidade fixada pelas instâncias, em particular pelo tribunal de apelação, que considerou não resultar provado que a requerente não tenha créditos suficientes para fazer face às despesas, designadamente, ao pagamento dos seus funcionários e a outras despesas inerentes ao funcionamento do seu estabelecimento, aquele pedido possa proceder.

11. Na verdade, no seu requerimento inicial, depois de discorrer longamente sobre a extensão dos danos que aquelas obras causam à exploração do seu restaurante, a Requerente afirma que «sem aviamento e sem facturação, a Requerente não havendo lugar ao pagamento de qualquer compensação, a curtíssimo prazo está forçada a apresentar-se à insolvência, por não ter réditos suficientes para fazer face a estas despesas, não conseguindo pagar aos seus funcionários, nem as despesas inerentes ao funcionamento do seu estabelecimento».
E mais adiante conclui que, «nos termos do disposto no artº 112º, nº 1, al. e) e artigo 133, ambos do CPTA, face ao estado de necessidade e carência em que a requerente se encontra, de simples sobrevivência, é permitido em termos semelhantes ao arbitramento de uma reparação provisória estritamente necessária para o sustento e habitação da requerente (nº 4 do artº 388º do Cod. Proc. Civil), pois caso contrário, como se disse, não resta outra alternativa que não seja apresentar-se à insolvência».
É certo que os tribunais não estão vinculados à qualificação jurídica feita pelas partes, pelo que as instâncias podiam e deviam ultrapassar a invocação expressa que a Requerente faz do artigo 133.º do CPTA, apreciando o pedido cautelar à luz dos requisitos gerais estabelecidos no artigo 120.º do mesmo código que, entre outros, estabelece como condição de procedência do mesmo que «haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa prosseguir no processo principal».
Os tribunais estão, no entanto, vinculados à alegação dos factos em que as partes fundam o seu pedido, pelo que não podem suprir a falta de fundamentos do mesmo. O que implica, no caso concreto dos autos, que a requerente fizesse prova de que «a curtíssimo prazo está forçada a apresentar-se à insolvência», sob pena de «não ter réditos suficientes para fazer face a estas despesas, não conseguindo pagar aos seus funcionários, nem as despesas inerentes ao funcionamento do seu estabelecimento». E que daí resultaria uma situação de facto consumado, ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que pretende defender no processo principal.
Ora,

12. Como expressamente reconhece nas suas alegações de recurso de revista, a Recorrente não fez «prova da sua situação de pré-insolvência», nem de que «esteja numa situação de grave carência económica», pelo que, não fundando o seu pedido em qualquer outra causa de pedir que consubstancie o periculum in mora exigido pelo artigo 120.º do CPTA, não podia esperar que a sentença do TAF do Porto, sendo revogada pelo acórdão recorrido, fosse substituída por outra decisão «que conferisse uma tutela jurisdicional efectiva (garantia/protecção) de reparação dos danos e prejuízos que a aqui recorrente, sofreu, está a sofrer e vai continuar a sofrer enquanto decorrerem as obras levadas a efeitos pela recorrida junto da Praça ..., cidade do Porto, na proximidade do estabelecimento comercial explorado pela recorrente».
Além do mais, porque os danos de natureza patrimonial que alegou e provou, nomeadamente os que resultam da falta de aviamento e faturação do seu estabelecimento comercial, são, todos eles, integralmente reparáveis pela sentença que vier a ser proferida no processo principal, não se verificando, assim, «uma situação de facto consumado» ou a «produção de prejuízos de difícil reparação» que exige o número 1 do artigo 120.º do CPTA como condição de concessão providência.

13. Assim, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que o acórdão recorrido, embora tendo feito errada interpretação e aplicação dos artigos 112.º, n.º 2, alínea e), 120.º, n.º 1, e 133.º do CPTA, ao não reconhecer que a Recorrente podia requerer e obter, a título de regulação provisória da sua situação jurídica, o pagamento antecipado de uma parcela da indemnização a cujo direito se arroga, mesmo que não estando em situação de carência económica, decidiu da única forma que a factualidade dada como provada nos autos permite.
Impõe-se, assim, embora com fundamento diverso, a manutenção da decisão recorrida, por não se verificar o requisito positivo do periculum in mora para que o arbitramento provisório da indemnização requerido possa ser concedido, à luz do disposto no número 1 do artigo 120.º do CPTA.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente. Notifique-se

Lisboa, 14 de março de 2024. - Cláudio Ramos Monteiro (relator) - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Maria do Céu Dias Rosa das Neves.