Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 046/23.0BECBR |
Data do Acordão: | 03/14/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA ESTATUTOS |
Sumário: | Cabe à jurisdição administrativa apreciar a legalidade dos actos das Federações Desportivas quando a questão objecto do litígio deva ser qualificada como uma alegada violação de regras estatutárias das associações de desportivas. |
Nº Convencional: | JSTA00071828 |
Nº do Documento: | SA120240314046/23 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE COLUMBOFILIA E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I. RELATÓRIO
1. O A... – Secção Columbófila propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra uma providência cautelar contra a Federação Portuguesa de Columbofilia, na qual peticionou a suspensão dos treinos e provas para a Campanha Desportiva da ACD ... no ano de 2023, com uma linha e estrutura de voo a Sudeste/Leste. 2. Por requerimento de 02.02.2023, a Requerente veio identificar 12 contra-interessados, entre eles a Associação Columbófila do Distrito de ..., que deduziu oposição na acção cautelar (fls. 380 do SITAF). 3. Por saneador-sentença de 27.03.2023, o TAF de Coimbra julgou o pedido cautelar improcedente, assim como improcedentes as excepções suscitadas pela Entidade Requerida e pela Contra-interessada, em especial a respeitante à questão da (in)competência da jurisdição administrativa para conhecer do litígio. 4. Inconformados, Requerente e Entidade Requerida recorreram daquela decisão para o TCA-Norte, que, por acórdão de 20.10.2023, concedeu provimento ao recurso interposto pela Federação Portuguesa de Columbofilia com fundamento na incompetência absoluta dos Tribunais da jurisdição administrativa para conhecer do mérito dos autos [em sede cautelar e em via de recurso jurisdicional], considerando materialmente competente para o efeito o Tribunal Arbitral do Desporto, revogou as decisões proferidas pelo TAF de Coimbra (em 24 de Fevereiro de 2023 e em 17 de Março de 2023) e julgou prejudicadas as demais questões dos recursos. 5. Inconformado com esta decisão, o Requerente A... interpôs recurso de revista do acórdão do TCA Norte para este Supremo Tribunal Administrativo, que a admitiu, por acórdão de 01.02.2024. 6. A Requerente e aqui Recorrente veio formular alegações, que finalizou com as seguintes conclusões: 1. O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão do TCA Norte, que julgou pela incompetência em razão da matéria da Jurisdição Administrativa. 2. Julgando materialmente competente o TAD. 3. Revogando as decisões proferidas pelo TAF Coimbra, datadas de 24/02/2023 e 17/03/2023 4. E, consequentemente, a Sentença proferida. 5. O ora Recorrente não se conforma com esse julgamento proferido pelo Venerando TCA Norte, dele apresentando recurso, devido à evidente relevância social do caso e ao pedido de uma melhor aplicação do direito. 6. A Providência Cautelar Requerida foi a Suspensão do Acto Administrativo praticado pelo Coordenador Desportivo da Recorrida Federação Portuguesa de Columbofilia (doravante FPC) datado de 10/11/2023. 7. E não uma qualquer Deliberação da Direcção da FPC. 8. Neste conspecto, o tribunal a quo sustenta que o vertente litígio não tem subjacente uma relação jurídico administrativa nos moldes do exigido no art. 212.º, n.º 3 da Constituição da República (doravante CRP). 9. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter julgado pela incompetência da Jurisdição Administrativa para conhecer do mérito dos autos, com fundamento em que a matéria em apreço trata de questão que deve ser do exclusivo conhecimento do Tribunal Arbitral do Desporto. 10. O Conselho de Justiça da FPC não tem competência para conhecer e julgar os recursos interpostos dos Despachos proferidos pelo Coordenador Desportivo, que não é um órgão da FPC. 11. Mas tão só, ao abrigo do art. 36.º, n.º 1, alínea b) dos Estatutos, das deliberações dos órgãos sociais. 3 12. Por isso, o douto TCA não pode referir que o facto de o Recorrente ter apresentado recurso ao Conselho de Justiça da FPC da decisão do Coordenador Desportivo datada de 10/11/2022, e não da “deliberação da Direcção” datada de 25/11/2022, enviada via email a 26/11/2023, sustenta a competência material do TAD. 13. Sendo assim, não havendo qualquer referência à deliberação da Recorrida FPC, enviada por email à Recorrente no dia 26/11/2023, fica excluída a arbitragem necessária do TAD, bem como qualquer Reclamação ou Recurso hierárquico necessário, nos termos do art. 193.º do CPA. 14. Pois que, de acordo com o art.4.º, n.º 3, “O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de: a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo, que não o órgão de disciplina” 15. Tratando-se, antes, o recurso ao Conselho de Justiça apresentado pelo Recorrente, de Reclamação/Recurso facultativo. 16. Decorre ainda dos artigos 80.º, 83.º e 86.º do Regulamento Desportivo Nacional a “possibilidade” de reclamação e recurso administrativos, não determinando assim o caracter necessário do exercício das mesmas pelos interessados. 17. Ora, conforme a R. sustenta, o requerimento apresentado pelo requerente “…constitui uma verdadeira e própria reclamação para o órgão competente para proferir tal decisão, no caso a Direção da Federação Portuguesa de Columbofilia ao abrigo das suas competências Estatutárias.” 18. “Reclamação essa que tem natureza facultativa”. 19. O TAD não é o Tribunal competente para dirimir o litígio. 20. O Recorrente alicerça o seu pedido numa questão de incumprimento de Estatutos, que nada tem a ver com a prática desportiva, não sendo esta uma questão estritamente desportiva, porque anterior a qualquer prática de desporto. 21. O artigo 4.º, n.º 6, da LTAD, sob a epigrafe “arbitragem necessária” dispõe “…É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva…” 22. Para a aplicação da LTAD ao caso decidendo teria de relevar a conexão normativa com a prática da própria competição desportiva, as legis artis próprias de uma determinada modalidade desportiva, a questão do jogo. 23. Conforme decorre do teor do requerimento inicial, o requerente sustenta a suspensão da deliberação datada de 10.11.2022, em que foi aprovado o calendário desportivo da ACD ... para a época de 2023, por o mesmo ter sido aprovado e homologado sem observância legal estatutária (vide artigos 18.º alínea e) e 20.º n.º 4 do Estatutos da ACD ...), nomeadamente, por não ter sido votado em Assembleia Geral Extraordinária, realizada até ../../.... de 2022. 24. Não questionando as regras da competição no que à escolha dos locais de solta diz respeito. 25. Através da atribuição do estatuto de utilidade pública foram conferidos à FPC poderes públicos. 26. Actuando no exercício desses poderes rege-se por princípios da actividade administrativa, previstos na CRP e no CPA. 27. No âmbito do art. 11.º do Regime jurídico das Federações Desportivas, “têm natureza pública os poderes das federações desportivas exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina da respetiva modalidade que, para tanto, lhe sejam conferidos por lei…” 28. Estamos assim no âmbito das relações jurídico-administrativas. 29. “A aprovação das respetivas deliberações são competências jurídico-administrativas, submetidas ao Direito Administrativo, não especificadas do ordenamento jurídico desportivo, não se inserindo, portanto, nos poderes de “regulamentação, organização e direção” para efeitos da denominada “arbitragem administrativa” prevista no artigo 4.º da Lei n.º 74/2013. Ou seja, não está em causa analisar se determinada regulamentação está conforme ou não, a prática desportiva, mas antes se a deliberação datada de 10.11.2022 foi aprovada em cumprimento com os respetivos Estatutos e de acordo com o Direito Administrativo, in Saneador-Sentença proferido pelo TAF de Coimbra. 30. Ao considerar que a busca da tutela jurisdicional por parte do ora Recorrente só podia ser alcançada junto do Tribunal Arbitral do Desporto, o Venerando TCA, com o devido respeito, viola os arts. 20.º, 46.º e 212.º, n.º 3 da CRP, o art. 13.º, 148.º, 185.º do CPTA, art. 4.º do ETAF, art. 80.º, 83.º e 86.º do Regulamento Desportivo Nacional da FPC. Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento do Supremo Tribunal Administrativo, deverá ser revogado o Acórdão, considerando a Jurisdição Administrativa a competente para dirimir o litígio, e apreciar-se, em sede de recurso, a decisão em Primeira Instância de Improcedência do Pedido Cautelar. FAZENDO-SE A NECESSÁRIA JUSTIÇA ISENÇÃO DA TAXA DE JUSTIÇA nos termos da alínea f) do número 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro), na sua última redação conferida pela Lei n.º 9/2022 de 11 de Janeiro, “As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuam exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável” estão isentas de custas, sem prejuízo do disposto nos números 5 e 6 do mesmo normativo. Assim, e face ao exposto, encontra-se o Autor isento de custas, pelo que não procede à junção do DUC.
7. A Associação Columbófila do Distrito de ... (ACD..., com os sinais dos autos, Contra-interessada e Recorrida nos autos de processo em epígrafe em que é Requerente e Recorrente o A... e Entidade Requerida e aqui também Recorrida a Federação Portuguesa de Columbofilia , tendo sido notificada do requerimento de interposição de recurso apresentado pelo Requerente e Recorrente, veio produzir contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões: A. O recurso de revista excecional previsto no art.º 150.º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, incumbindo ao Recorrente os ónus i) da identificação da questão relativamente à qual entende verificar-se o pressuposto de excecionalidade e que pretende ver reapreciada, bem como ii) da indicação dos motivos pelos quais se justifica a excecional reapreciação da causa pelo Tribunal de revista, não bastando para este efeito a mera reprodução das fórmulas legais. B. Nessa medida, competindo ao recorrente a alegação e demonstração da verificação dos pressupostos da admissibilidade da revista, e inexistindo, no vertente caso, cumprimento, pelo Recorrente, do referido ónus de alegação dos requisitos de admissibilidade previstos no n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, não se verificando alguma das possibilidades aí previstas, deve o presente recurso ser rejeitado, por ser legalmente inadmissível. Sem prescindir, C. O art. 4.º, nos seus primeiros dois números, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (LTAD), que apresenta a epígrafe “Arbitragem necessária” (aprovada em anexo à Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro), estabelece uma cláusula geral atributiva de competência, de acordo com o qual o TAD será competente para qualquer litígio emergente de atos ou omissões de qualquer entidade desportiva, sempre que esteja em causa o exercício de “poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina” – que são aqueles que decorrem do estatuto de utilidade pública de que beneficiam as federações desportivas e as ligas. D. Por conseguinte, o TAF de Coimbra é, por força da «preterição de tribunal arbitral», absolutamente incompetente, em função da matéria, o que implica, nos termos do disposto no artigo 99.º, n.º 1, do CPC, e também do previsto no artigo 89.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, «a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar». Ademais, e ainda sem prescindir, E. Perscrutada a petição inicial da Recorrente, o que se evidencia é que, em rigor, inexiste fundamento que sustente o segmento decisório agora impugnado, pois se não contempla, entre os vícios aparentemente imputados, algum semelhante ao perspetivado pela Douta Sentença recorrida, que, nessa medida, fosse suscetível de sanção de nulidade, além de que não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu. F. Com efeito, como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (vg. o Acórdão do TCA - Sul n.º 02758/99 de 19/02/2004) não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Requerente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado. G. Assim, quando muito, estaríamos em presença de vício gerador de anulabilidade (163.º do CPA), pelo que a competente e necessária ação administrativa – de que depende o pedido cautelar promovido – deveria ter sido intentada no prazo de 10 dias previsto no artigo 54.º, n.º 2 da Lei do TAD, ou, mesmo que tal norma se não aplicasse (o que só por exercício académico se equaciona, sem conceder), no prazo de três meses após a notificação do ato objeto de impugnação [cfr. n.° 1, al. b) do art. 58.° do CPTA]. H. No caso concreto, tendo em conta o arrazoado avançado pelo Requerente, este reclamou do referido ato para a Direção da FPC, que indeferiu tal reclamação por decisão notificada, ao Requerente, no dia 26 de novembro de 2022. Acontece, porém, que, mesmo que se admitisse a interposição de tal reclamação (que ocorreu no dia 14 de novembro de 2022) teria, por efeito, a suspensão do prazo de impugnação do ato impugnando, a verdade é que, a esta data, na ausência de promoção da competente ação principal, já há muito que decorreu o referido prazo de 10 dias, além de que o Requerente, para além de não ter apresentado ação administrativa dirigida à impugnação do ato do Coordenador Desportivo, de 10 de novembro de 2022, também nenhum meio de impugnação contenciosa dirigiu à decisão da Direção da FPC, que apreciou e indeferiu a sua reclamação, que lhe foi notificada no dia 26 de novembro de 2023. I. Pelo que, também na hipótese de se considerar ser esta decisão da Direção da FPC, o ato final suscetível de impugnação, também quanto a ele nada foi promovido, quer no prazo previsto no artigo 54.º, n.º 2 da Lei do TAD, quer nos termos disposto no artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, pelo que, à luz do que acima se mencionou, também se não pode deixar de entender como extinto, por caducidade, em momento muito anterior ao da prolação da Douta Sentença recorrida, o direito que o Requerente pretenderia fazer valer em sede de ação principal, o que determina, por força do disposto no artigo 123.º, n.º 1, alínea a) do CPTA e o artigo 41.º,n.º 9 da Lei do TAD, a imediata extinção do processo cautelar. NESTES TERMOS Deve o Recurso interposto pelo Requerente FCSC ser julgado totalmente improcedente e, nessa medida, deve o Douto Acórdão recorrido ser integralmente mantido. Assim se fazendo JUSTIÇA! Mais se consigna, ao abrigo do disposto na alínea f) do número 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro), na sua última redação conferida pela Lei n.º 9/2022 de 11 de Janeiro, “As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuam exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável” estão isentas de custas, sem prejuízo do disposto nos números 5 e 6 do mesmo normativo. Assim, e face ao exposto, encontra-se a Contrainteressada, ora oponente, isenta de custas, pelo que não procede à junção do DUC.
8. A Federação Portuguesa de Columbofilia, Entidade Requerida e aqui Recorrida também veio contra-alegar, concluindo nos termos que se seguem: 1.º o recurso interposto pela Recorrente incide e tem como objeto o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, que, dando provimentos aos recursos interpostos pela aqui Recorrente Federação Portuguesa de Columbofilia, visando as decisões do TAF de Coimbra datadas de 24/02/2023 e 17/03/2023, julgou procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta dos Tribunais da Jurisdição Administrativa para conhecer do mérito dos autos (em sede de procedimento cautelar e em via de recurso jurisdicional), por ser materialmente competente para o efeito o Tribunal Arbitral do Desporto. 2.º Consequentemente, face ao decidido quanto à incompetência absoluta dos Tribunais da Jurisdição Administrativa, o Acórdão Recorrido determinou a revogação das decisões proferidas pelo TAF de Coimbra, datadas de 24 de Fevereiro de 2023 e de 17 de Março de 2023, tendo no mais, atentas as conclusões anteriormente elencadas, julgado prejudicado o conhecimento dos demais recursos de apelação interpostos, entre eles, o interposto pela A. aqui Recorrente, relativamente à decisão de mérito proferida pela Tribunal de Primeira Instância. 3.º Antes de mais, o presente recurso de Revista ter caráter excepcional sendo que no caso o mesmo não é admissível por não estarem reunidos os requisitos previstos no Artigo 150.º do CPTA. 4.º No âmbito da interposição do presente recurso, a Recorrente limita-se a de forma, breve, vaga e genérica, transcrevendo apenas a formulação legal, invocar a legitimidade para intentar o presente recurso de revista, por “evidente relevância social do caso” – sem concretizar em que circunstâncias de facto assenta tal conclusão – e ainda para uma “melhor aplicação do direito”. 5.º Ora, conforme resulta expressamente da Lei e é Jurisprudência assente dos nossos Tribunais Superiores, o recurso de revista excecional previsto no artigo 150.º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. 6.º No caso dos autos a Recorrente nada alega que justifique a verificação deste regime de exceção pelo que o presente recurso deverá ser rejeitado liminarmente. 7.º Note-se que é conhecida a Jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de admitir a Revista excecional “Quanto à questão do entendimento a dar à expressão “questões estritamente desportivas”, por ser de toda a conveniência que essa questão seja reapreciada por este Supremo Tribunal.” 8.º Contudo, tal questão não tem qualquer conexão ou mínimo paralelismo com a questão aqui em apreço e que determinou a prolação da decisão de incompetência da Jurisdição Administrativa para conhecer das questões principais e incidentais suscitadas nos presentes autos. 9.º A decidida competência do TAD e a consequente incompetência dos Tribunais Administrativos, não decorre do entendimento a dar à expressão “questões estritamente desportivas” (ou, melhor dizendo, na “nova” acepção da Lei do TAD – Artigo 4.º, n.º 6 – “questão emergente da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”). 10.º É a própria Recorrente que afirma que não está em causa uma questão “emergente da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva” e que não é essa distinção que levou a declaração de incompetência da Jurisdição Administrativa. 11.º E o Acórdão Recorrido também reconhece e decidiu expressamente que a questão em apreço não é uma questão “emergente da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”, 12.º Sendo aliás, por isso mesmo, que atribui ao TAD a competência para a questão em apreço. 13.º Aliás, se estivesse em causa uma questão “emergente da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”, a conclusão seria que nem o TAD teria competência para se debruçar sobre tal questão, sendo a jurisdição para essas questões exclusiva das Federações Desportivas através dos seus órgãos disciplinares. 14.º E assim sendo, face ao exposto, salvo o devido respeito por diferente entendimento, é manifesto que no caso em apreço não estão reunidos nenhum dos requisitos legais de que depende a admissibilidade do Recurso de Revista previsto no artigo 150.º do CPTA pelo que o recurso interposto pela Recorrente deverá ser liminarmente rejeitado com as demais consequências legais daí decorrentes. 15.º Por outro lado, através do procedimento cautelar que deu origem ao presente recurso, a Recorrente veio pôr em causa o alegado ato de homologação do calendário desportivo da Associação Columbófila do Distrito de ... (ACD ...) para a época de 2023, calendário esse que contém provas cuja “solta” dos pombos seria realizada em locais diferentes dos que se encontravam previstos nas provas do calendário desportivo da época 2022, ou seja, segundo o recorrente teria existido uma alteração da linha de voo no que respeita às provas de velocidade e meio-fundo. Alteração essa que o recorrente reputa, sem fundamento, de ilegal e violadora das normas Regulamentares e Estatutárias aplicáveis. 16.º Ora, salvo o devido respeito por diferente entendimento, a causa de pedir alegada pela Recorrente nos autos de procedimento cautelar, dizem respeito a matéria cuja apreciação está fora do âmbito de competência (material) da Justiça Administrativa e, por inerência, da competência dos Tribunais Administrativos. 17.º A Jurisdição Administrativa, nesta fase, sempre seria materialmente incompetente para conhecer do objeto da ação, conforme bem decidiu o Acórdão Recorrido. 18.º Atento o disposto nos artigos 209.º, n.ºs 2 e 3, e 212.º, n.º 3, da CRP, os artigos 1.º e 4.º do ETAF e, finalmente, o prescrito na Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho), sempre seria o Tribunal Arbitral do Desporto, enquanto tribunal privativo do ordenamento jurídico-desportivo e para resolução dos litígios daí advenientes, o competente, em razão da matéria, para apreciar a presente ação. 19.º O Tribunal Arbitral do Desporto, criado em 2013, possui competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico-desportivo ou relacionadas com a prática do desporto. 20.º Com efeito, dispõe o Artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, na redação atual conferida Lei n.º 33/2014 de 16 de junho: “Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.” 21.º O caso em apreço pretende a sindicância judicial de “decisão proveniente do Coordenador Desportivo da FPC datada de 11/10/2022” que homologou o calendário desportivo da ACD ... para a época 2023, “Decisão” essa que, nos termos formulados pelo recorrente na sua petição inicial, teria sido, emitida, claramente, a coberto e no exercício dos respetivos poderes de regulamentação, organização e de direção da atividade desportiva. 22.º Do que fica dito dimana, cristalinamente, que o litígio objeto da presente ação, sem prejuízo do disposto no Artigo 4.º, n.º 6, da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, na redação atual conferida Lei n.º 33/2014 de 16 de junho, teria de, quando muito, subsumir-se, no preceituado no n.º 1 do referenciado art.º 4.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, pelo que sempre seria este Tribunal que teria competência para apreciar a questão aqui em apreço, conforme bem decidiu o Acórdão Recorrido. 23.º Tanto mais que sendo a questão em apreço abrangida pelo âmbito da arbitragem necessária (Artigo 4.º da Lei do TAD), a interposição e decretamento de providências cautelares nessas matérias é da exclusiva competência do TAD conforme previsto no Artigo 41.º, n.º 2 da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, na redação atual conferida Lei n.º 33/2014 de 16 de junho. 24.º Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações sobre o tema, é manifesto que os Tribunais da Justiça Administrativa são materialmente incompetentes em razão da matéria, tratando-se de um caso de incompetência absoluta. 25.º Sendo que a questão da incompetência material é de conhecimento oficioso e deve preceder a decisão sobre qualquer questão, ainda que incidental, sobre a qual a jurisdição administrativa seja chamado a pronunciar-se neste processo. 26.º Assim, deverá improceder o recurso apresentado pela Recorrente, mantendo-se integralmente o Acórdão Recorrido, o que se requer com as demais consequências legais daí decorrentes. Nestes termos e nos demais de direito, deverá o recurso interposto pela Recorrente A... ser julgado totalmente improcedente mantendo-se integralmente o Acórdão Recorrido, assim se fazendo Justiça! [Nota: Nos termos da alínea f) do número 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro), na sua última redação conferida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, “As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuam exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável” estão isentas de custas, sem prejuízo do disposto nos números 5 e 6 do mesmo normativo. Assim, e face ao exposto, encontra-se a Recorrida isenta de custas, pelo que não procede à junção do DUC.]
9. O recurso de revista apresentado pelo A... foi admitido com efeito meramente devolutivo - Cfr. artigo 143.º, n.º 2, alínea b) do CPTA. 10. Notificada nos termos do artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, a Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, suscitando a questão prévia a inutilidade/impossibilidade superveniente da lide, atendendo ao facto de o pedido se circunscrever à suspensão dos treinos e provas para a Campanha Desportiva da ACD ... no ano de 2023. 11. O Recorrente A... veio pronunciar-se sobre o parecer do MP, sustentando a utilidade da lide no facto de estar em causa um pedido de suspensão de eficácia do acto que fixou uma linha de voo a praticar até ao final de 2025.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto Na decisão recorrida foi dada como assente a seguinte matéria de facto: 1) A Secção Columbofilia do A... é uma coletividade associada na Associação Columbofila do Distrito de ..., dedicando-se os seus sócios à prática da columbófila, sob as regras desta (artigo 1.º da PI não contraditado); 2) A Federação Portuguesa de Columbofilia é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, visando organizar e desenvolver a prática de atividades desportivas, culturais e demais atribuições conferidas pela Lei, no âmbito do exercício da columbofilia (facto provado por prova documental – cfr. Estatutos da FPC – documento junto com a PI); 3) A Federação Portuguesa de Columbofilia é uma Federação unidesportiva de modalidade individual, à qual foi atribuído o estatuto de utilidade pública, através do Despacho da Presidência do Conselho de Ministros de 15 de junho de 1978, publicado no Diário da República n.º 139, II série, de 20 de junho de 1978, e do estatuto de utilidade pública desportiva concedido por despacho do Primeiro-Ministro, n.º 40/94, de 30 de agosto de 1994, publicado no Diário da República n.º 209, II série, de 9 de setembro de 1994 (facto provado por prova documental – cfr. doc. nºs 1, 2 e 3 juntos com a oposição do requerido FPC); 4) A Federação Portuguesa de Columbofilia está, desde 1948, filiada na organização desportiva internacional reguladora da modalidade – a Federação Columbófila Internacional (facto provado por prova documental – cfr. doc. n.ºs 4 e 5 juntos com a oposição do requerido FPC); 5) Por congresso realizado em 04.10.2014, com as alterações aprovadas em Congresso de 08.12.2015, 19.11.2016 e 04.01.2020, foram aprovados os Estatutos da Federação Portuguesa de Columbofilia, constando designadamente o seguinte: (facto provado por prova documental – cfr. Estatutos da FPC juntos com a PI) “Artigo 4º (objetivos e fins) 1 – A FPC realiza os seus fins através dos respetivos órgãos estatutários e tem como objetivos e fins principais dirigir, promover, incentivar, regulamentar e organizar a prática de atividades desportivas e culturais no âmbito da columbofilia em todo o território nacional. 2 – A FPC dirige e representa a Columbofilia, em todas as suas variantes, dentro e fora do País, competindo-lhe, designadamente: a) - Zelar pelo cumprimento das leis protetoras do pombo-correio e coadjuvar as entidades governamentais tutelares no estudo de outras com o mesmo fim; b) - Promover, estabelecer e auxiliar a constituição das Associações Distritais ou Regionais, superintendendo nas suas relações e defendendo os respetivos interesses; c) - Organizar e promover provas desportivas federadas e exposições a nível nacional e internacional. São provas desportivas federadas as organizadas pela FPC de carácter nacional ou regional; d) – Assegurar o controlo antidopagem nas provas desportivas organizadas pela FPC e pelas Associações Distritais; e) - Assegurar e contribuir para a saúde do pombo-correio, através da investigação científica e veterinária; f) - Promover o desenvolvimento sócio-cultural dos columbófilos, através de encontros, conferências, ações de formação e outras atividades de índole cultural; g) - Estabelecer e manter relações com as Associações suas filiadas, bem como com as outras Federações e Organismos desportivos nacionais; h) - Estabelecer e manter relações com a Federação Columbófila Internacional e outras Associações Internacionais, assegurando a respetiva filiação, bem como estabelecer e manter relações com todas as Federações columbófilas nelas filiadas; i) – Representar perante a Administração Pública os interesses dos seus filiados; j) - Assegurar, zelar e fiscalizar pelo cumprimento dos princípios e das regras desportivas. (...)” 1 – Compete ao Conselho de Justiça, para além das competências atribuídas no Regulamento Disciplinar da FPC o seguinte: ... b) conhecer e julgar os recursos interpostos das deliberações dos restantes órgãos da FPC. 6) A Associação Columbofilia do Distrito de ... é um associado ordinário da Federação Portuguesa de Columbofilia (artigo 6.º da PI não contraditado); 1 – São associados ordinários da Associação Columbófila do Distrito de ... as coletividades, cuja filiação é obrigatória e será efetuada nos termos da Lei, dos Estatutos e demais Regulamentos Federativos. (...) Artigo 14.º (eleição e mandato) ... 4 – as eleições realizar-se-ão quadrienalmente, de acordo com a Lei e no período que medeia o final das Olimpíadas Columbófilas e o final do ano civil seguinte. ... 11 – Além dos documentos referidos no número anterior, os candidatos ao órgão Presidente previsto na alínea c) do artigo 13.º deverão, no mesmo prazo, apresentar um programa de ação com referência, entre outras, ás medidas de índole desportiva, designadamente estrutura e linhas de voo dos calendários desportivos para o quadriénio. 12 – A estrutura e linhas de voo dos calendários desportivos para o quadriénio apresentada no programa de ação, nos termos do número anterior, pelo candidato ao órgão Presidente eleito, vigorarão pelo período do seu mandato, sem prejuízo de eventuais alterações que venham a ser aprovadas em Assembleia Geral especificamente convocada para o efeito. (...) Artigo 18.º (Atribuições e Competências) Compete à Assembleia Geral, enquanto órgão deliberativo da Associação Columbófila do Distrito de ..., designadamente: (...) e) Discutir, apreciar e aprovar alterações à estrutura e linhas de voo do calendário desportivo sufragado para o quadriénio; (...) Artigo 20.º Reunião (...) 4 – Quando a assembleia geral extraordinária seja convocada para discussão, apreciação e aprovação de eventuais alterações à estrutura e linhas de voo do calendário desportivo, a mesma apenas poderá ser marcada até ../../.... do ano anterior à campanha a que se destinem; (...)” 9) A Secção Columbofilia do A... é uma coletividade associada na Associação Columbofilia do Distrito de … (artigos 8.º e 9.º da PI não contraditados); 12) Em 02.09.2022, a Associação Columbofilia do Distrito de … enviou um email a todas as Coletividades, incluindo o requerente, com o seguinte teor: (facto provado por prova documental – doc. n.º 6 junto com a oposição da contra-interessada) 13) Em 11.09.2022, o Requerente remeteu um email dirigido à Associação Columbofilia do Distrito de ... com o seguinte teor: (facto provado por prova documental – doc. n.º 3 junto com a PI) 14) Em 16.09.2022 a Associação Columbofilia do Distrito de … comunicou ás coletividades associadas, entre elas o requerente, o resultado da votação quanto ás linhas de voo a implementar no calendário desportivo de 2023, constando do seu teor designadamente o seguinte: (facto provado por prova documental – Doc. nº 9 junto com a oposição do contrainteressado) 15) Em 20.09.2022 o requerente dirigiu à Federação Portuguesa de Columbofilia um requerimento, constando designadamente o seguinte: (facto provado por prova documental – Doc. nº4 junto com a PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) 16) Em 14.10.2022 o requerente dirigiu um email à Federação Portuguesa de Columbofilia, constando designadamente o seguinte: (facto provado por prova documental – Doc. n.º 5 junto com a PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) 17) Em 10.11.2022 o Coordenador Desportivo da Federação Portuguesa de Columbofilia proferiu despacho, constando do seu teor designadamente o seguinte: (facto provado por prova documental – cfr. fls. 188 e 189 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) 18) Em 14.11.2022 o requerente dirigiu à Federação Portuguesa de Columbofilia um requerimento, constando do seu teor designadamente o seguinte: (facto provado por prova documental – Doc. n.º 6 junto com a PI) 19) Em 25.11.2022 o requerente apresentou, ao abrigo do art.º 36.º n.º 1 b) dos Estatutos da FPC e do artigo 86.º n.º 3 do Regulamento Desportivo Nacional, Recurso ao Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Columbofilia (artigo 45.º da PI e não contraditado); 21) Em 27.11.2022 realizou-se a Assembleia Geral Extraordinária da Associação Columbofilia do Distrito de … tendo como ponto único de trabalhos a discussão, aprovação e deliberação sobre a estrutura e linhas de voo para os calendários desportivos para o quadriénio em curso, resultando a seguinte votação: vinte e três votos a favor do calendário proposto e sete votos contra (facto provado por prova documental – Doc. n.º 10 junto com a oposição da contra-interessada); 22) Em 22.12.2022 a Associação Columbofilia do Distrito de … remeteu um email ao requerente a comunicar a abertura das inscrições para a época desportiva 2023 com data limite até ao dia ../../2023, conforme informação constante na Circular n.º 2/2022 “inscrição de pombos para a campanha 2023” junta em anexo (facto provado por prova documental – Doc. n.º 12 junto com a oposição do contra-interessado);
2. De Direito 2.1. A revista foi admitida para se conhecer da questão respeitante ao alegado erro de julgamento do acórdão recorrido quando julgou procedente a excepção relativa à incompetência em razão da matéria, qualificando a questão controvertida como um litígio desportivo, ou, na formulação do artigo 1.º n.º 2 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, de ora em diante apenas Lei do TAD), como um “litígio que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto”.
2.2. Resulta da matéria de facto dada como assente nos autos, que o aqui Recorrente – Secção Columbófila do A... – não se conformou com a decisão do Coordenador Desportivo da Federação Portuguesa de Columbofilia que aprovou o calendário desportivo da Associação Columbófila de …, sob condição de, até ../../2022, a estrutura e linha de voo que o mesmo escolhia ser ratificada por deliberação da Assembleia Geral da ACD ... (pontos 17 e 18 do probatório). Na base da sua discordância estava o facto de, por vicissitudes atinentes ao processo eleitoral dos corpos sociais da ACD... para o quadriénio 2021-2025, estes apenas terem sido eleitos em 29.11.2021 e de nessa eleição não ter sido cumprida a exigência regulamentar do artigo 14.º, n.º 11 dos Estatutos da ACD ... ou seja, de o candidato a Presidente não ter apresentado “um programa de acção com referência, entre outras, às medidas de índole desportiva, designadamente estruturas e linhas de voo dos calendários desportivos para o quadriénio”. Tal determinou que aquele elemento do programa desportivo (das provas desportivas) não tivesse sido fixado de acordo com os estatutos. O litígio centra-se na forma como foram determinadas a estrutura e as linhas de voo para o ano de 2023, ou seja, mediante auscultação e votação de todas as colectividades (pontos 12 e 14 do probatório), o que foi qualificado pela Requerente e aqui Recorrente como uma “alteração” daqueles elementos do calendário desportivo (estrutura e linhas de voo), cuja competência era, por força do artigo 18.º, n.º 1, al. e) dos estatutos da ACD ..., da Assembleia Geral daquela Associação. E o Requerente reagiu contra aquela decisão (aquele modo de decisão, que reputou de “ilegal”, por violação das regras estatutárias) para a Federação Portuguesa de Columbofilia, tendo o respectivo Coordenador Desportivo, nessa sequência, praticado o acto (despacho de 10.11.2022) que constitui o objecto da impugnação judicial a que respeitará a acção principal, em cuja dependência se encontrará o presente processo cautelar. Mas do referido Despacho de 10.11.2022 do Coordenador Desportivo da Federação Portuguesa de Columbofilia, o Requerente e aqui Recorrente apresentou também recurso perante o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Columbofilia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 36.º, n.º, 1, al. b) dos Estatutos da FPC e do artigo 86.º, n.º 3 do Regulamento Desportivo Nacional (ponto 19 do probatório). Este recurso, porém, foi tratado pela FPC como uma reclamação daquele acto, apreciada em reunião de Direcção da referida Federação, que acabou por indeferir a pretensão do agora Recorrente e motivar a propositura do presente processo cautelar.
2.3. Na oposição que apresentaram neste processo cautelar, quer a Entidade Requerida (a Federação Portuguesa de Columbofilia), quer a contra-interessada (Associação Columbófila do Distrito de ...), sustentaram a incompetência material da jurisdição administrativa para conhecer do litígio e consideraram competente para o efeito a jurisdição desportiva (o TAD), alegando que o que estava aqui a ser posto em causa era o alegado incumprimento pela FPC do dever de emitir pronúncia no âmbito do recurso que havia sido interposto para o respectivo Conselho de Justiça, ou seja, estava em causa uma omissão do dever de deliberar, sendo esta uma questão que se inscrevia no âmbito do artigo 4.º, n.º 3, alínea a) da Lei do TAD. A Requerente e aqui Recorrente contesta esta qualificação jurídica do quadro factual e alega que o objecto do presente processo cautelar e principal é uma questão jurídico-administrativa, por se reconduzir a uma violação de regras estatutárias de uma associação pública, a saber, dos artigos 18.º, al e) que determina a competência da Assembleia Geral para a discussão, apreciação e aprovação das alterações à estrutura e linhas de voo do calendário desportivo sufragado para o quadriénio e 20.º, n.º 4 segundo o qual “quando a Assembleia Geral extraordinária seja convocada para discussão, apreciação e aprovação de eventuais alterações à estrutura e linhas de voo do calendário desportivo, a mesma apenas poderá ser marcada até ../../.... do ano anterior à campanha a que se destinem” ambos dos Estatutos da Associação Columbófila do Distrito de ....
2.4. O TAF de Coimbra entendeu que a questão cautelar sub judice contendia com a violação das regras estatutárias e por isso colocava-se “num patamar prévio à discussão das normas técnicas regulamentares da competição desportiva propriamente dita” e, nessa medida, a questão decidenda não era uma questão desportiva, mas antes um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa, afirmando de forma conclusiva o seguinte: “[…] Ou seja, não está em causa analisar se determinada regulamentação está conforme ou não, a prática desportiva, mas antes se a deliberação datada de 10.11.2022 foi aprovada em cumprimento com os respetivos Estatutos e de acordo com o Direito Administrativo […]”. Já o TCA Norte considerou que a questão decidenda residia na apreciação da conformidade jurídica do “acto da Direcção da Federação Portuguesa de Columbofilia [do seu Coordenador Desportivo, datado de 10 de novembro de 2022, ou concedendo-se que o seja a deliberação da Direcção datada de 25 de novembro de 2022, que confirmou essa decisão], atinente à aprovação do calendário desportivo da ACD de ... para a Campanha de 2023” e, como tal, enquadrou-a “no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação e organização da modalidade desportiva em causa, para o que o legislador, como assim dispôs sob o artigo 4.º, n.º 2 [da Lei do TAD], veio a fixar a competência do TAD”. E acrescentou: “[…] o legislador dispôs, entre o mais, que a competência material do TAD se reporta aos recursos das decisões do órgão de justiça das Federação quando proferidas em recursos de deliberações tomadas por um outro órgão da Federação que não seja o órgão de disciplina […]”. O TCAN não ignorou que no caso dos autos não tinha havido pronúncia do Conselho de Jurisdição da FPC, mas considerou que a competência do TAD também valia para estes casos de omissão do dever de decidir por parte do Conselho de Jurisdição das Federações Desportivas, cabendo aos lesados por aquelas omissões a possibilidade de apresentar um pedido de adopção de tutela cautelar, ao abrigo do disposto nos artigos 4.º, n.º 2 e 41.º, n.ºs 1 e 2, da Lei do TAD. Assim, por considerar que o Requerente apenas conformou a questão como um litígio respeitante à violação das regras estatutárias por não ter atempadamente reagido face à omissão de pronúncia do Conselho de Jurisdição da FPC, o TCAN considerou que o mérito da questão decidenda se reconduzia efectivamente a uma questão desportiva e, nessa medida, a competência para o conhecimento do litígio era do TAD e não da jurisdição administrativa.
2.5. E atenta a factualidade assente, afigura-se-nos que o TCAN não tem razão quando considera que a questão jurídica em apreço é de natureza jurídico-desportiva. Com efeito, se atentarmos na factualidade assente percebe-se que a questão controvertida suscitada no Requerimento cautelar contende com o procedimento subjacente à aprovação da estrutura e linhas de voo e não propriamente com características ou aspectos atinentes a estes elementos (ou seja, discute-se a legalidade da forma de fixação daqueles elementos desportivos, por confronto com as regras impostas no estatutos para o efeito e não propriamente o teor daqueles elementos no plano desportivo), sem prejuízo, claro, de os mesmos não irem ao encontro dos interesses do Requerente, o que, para efeitos da questão em apreço é afinal irrelevante, pois o que ele questiona não é a lesão directa do seu interesse desportivo, mas sim a ilegalidade, por violação das regras estatutárias, que está subjacente à aprovação daqueles elementos. Para o efeito que aqui importa escrutinar – o da competência da jurisdição administrativa para conhecer do litígio – não interessa esmiuçar se a ilegalidade por violação das regras estatutárias é imputável a uma “decisão original” (ao facto de já em 2022 aqueles elementos não terem sido definidos segundo a regra do artigo 14.º, n.º 11 dos Estatutos da ACD ...) ou a uma “decisão de modificação ou alteração” adoptada durante o quadriénio (neste caso por alegada violação dados artigos 18.º, al. e) e 20.º, n.º 4 dos referidos Estatutos da ACD ...), importa apenas sublinhar que o vício que vem alegado e que determina a decisão se centra, exclusivamente, na violação das regras estatutárias relativas às competências e ao funcionamento da associação, tendo razão o TAF de Coimbra quando considera que, tal como foi suscitada judicialmente, a questão decidenda é prévia à questão desportiva. É verdade que a questão pode ser interpretada como uma questão de fronteira, atento o facto de a eleição dos órgãos sociais da associação estar estatutariamente ligada à definição de elementos relativos à competição desportiva, uma vez que, em condições electivas normais, a lista vencedora apresenta no momento da eleição o seu plano para a estrutura e as linhas de voo para o quadriénio do mandato dos órgãos de direcção e os membros da associação desportiva elegem os corpos sociais em função, também, do seu interesse desportivo. E a questão que é objecto do litígio decorre precisamente de a eleição neste caos não ter sido acompanhada daquele elemento. Mas isso não significa que o elemento predominante da questão, tal como ela foi suscitada pelo Requerente, não seja – no âmbito desta tutela cautelar – um juízo, no que ao requisito do fumus boni iuris diz respeito, sobre a “aparente” ou não violação das regras estatutárias a partir da forma como se procurou suprir aquela deficiência inicial do processo eleitoral. Assim, a questão essencial ou determinante é a da violação ou não das regras estatutárias e não a da violação de regras respeitantes à competição desportiva, ainda que, neste caso, a violação das primeiras se possa traduzir numa frustração dos interesses que estão subjacentes à organização da competição, mas precisamente pelo facto de os estatutos não terem sido objectivamente cumpridos, como todos os interessados deram como aceite e assente. Assim, a tutela que é requerida através deste meio processual é, primeira e primacialmente, a da reposição da legalidade estatutária do funcionamento da associação desportiva, que a Federação, no entender da Requerente, não acautelou, como lhe competia o que justifica a qualificação do litígio como jurídico-administrativo. Com efeito, a competência para a apreciação dos litígios sobre alegada violação de regras estatutárias das associações de desportivas com reconhecido estatuto de utilidade pública por parte das federações desportivas é da jurisdição administrativa, pois trata-se de um problema de fiscalização de actos praticados por entidades privadas de reconhecido interesse público, no exercício de poderes públicos. E é isso que caracteriza o litígio dos autos, pois o que o Requerente questiona não é o plano de voo, o plano desportivo em si, mas sim a violação estatutária que está subjacente à sua aprovação. O “recurso” que foi apresentado perante a Federação Portuguesa de Columbofilia foi no sentido de obter a reintegração do respeito pelos estatutos da ACD … e, também por isso, a questão não se inscrevia na competência do Conselho de Justiça da FPC, mas sim na competência da Direcção da FPC (artigo 27.º, alíneas cc) e mm) dos Estatutos da FPC). Logo, não se inscreve no âmbito de aplicação do artigo 4.º, n.º 3, alínea a) da Lei do TAD.
2.6. Nesta medida, impõe-se revogar a decisão do TACN.
III – Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e manter, nesta parte, o decidido pelo TAF de Coimbra, ordenando a baixa dos autos ao TACN para julgamento das questões que ficaram prejudicadas. |