Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0772/09.7BEVIS
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FERNANDA ESTEVES
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
CONHECIMENTO DO MÉRITO
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário:Não há entre os arestos em confronto oposição juridicamente relevante que fundamente o conhecimento do mérito do recurso se houve num e noutro caso diferentes ocorrências processuais, relevadas na respectiva fundamentação dos acórdãos, que conduziram a que se decidisse, no acórdão recorrido, pela não invocação tempestiva da omissão de resposta à diligência requerida e no acórdão fundamento, pela sua invocação tempestiva.
Nº Convencional:JSTA000P32059
Nº do Documento:SAP202403210772/09
Recorrente:Z..., LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
Z..., Lda., devidamente identificada nos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 284.º, n.º1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 6 de Julho de 2023, proferido nos presentes autos, por alegada oposição com o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (e não do Supremo Tribunal Administrativo, como, certamente por lapso, se referiu) de 15 de dezembro de 2022, proferido no processo n.º 315/11.2BEVIS.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1. Ao não ter proferido decisão sobre a realização da requerida perícia e ao não observar as formalidades legais impostas para o efeito, o Tribunal a quo cometeu uma irregularidade processual, em violação do disposto nos artigos 13.º e 115.º do CPPT, 99.º, n.º 1, da LGT e 156.º, n.º 1, e 578.º do CPC (aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT).
2. Por via da omissão de decisão sobre a realização da requerida perícia nos autos, foi cometida uma irregularidade no processo que influi no exame ou decisão da causa, consubstanciando-se, assim, tal irregularidade processual numa nulidade, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT, nulidade que expressamente se arguiu, com as devidas e legais consequências – AC. STA de 31.01.2002, Rec 26653 e ac. STA de 10.07.2002, proferido no Proc. 025998.
3. Nesta senda, a decisão não poderá ser considerada conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, veja-se a este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, datado de 28 de junho de 2012, sob o processo 02517/11.2BEPRT que também nos diz «(…) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida (…).
4. O Acórdão Fundamento - TCAN, processo n.º 315/11.2BEVIS - considerou que o Tribunal a quo nunca se pronunciou sobre o requerimento probatório constante da petição inicial e no seguimento da tramitação processual, viria a ser proferida sentença de improcedência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação.
5. No entanto, o Acórdão Recorrido afirmou, sem mais considerações, que a arguição de tal nulidade efetuada apenas aquando na interposição do recurso seria intempestiva, por não alegada nos dez dias posteriores ao conhecimento da omissão.
6. Esta irregularidade cometida nos presentes autos influi no exame ou decisão da causa, porquanto a decisão de dispensar ou de ordenar a realização da prova pericial é indiscutivelmente relevante, influindo decisivamente na decisão da causa.
7. E, no caso concreto, tanto influi na decisão da causa, que o tribunal a quo acaba por considerar que a recorrente não fez prova dos factos essenciais.
8. No Acórdão Recorrido, o Tribunal a quo deu como não provados factos essenciais, nomeadamente: (A) «As aquisições de mercadorias às sociedades Comerciais B..., Lda. e C..., Lda., durante o exercício de 2004 e os demais que têm as referidas aquisições como pressuposto» e (B) «Que, relativamente ao ano de 2004, os registos contabilísticos da Impugnante (sem inventário permanente) e seus auxiliares (mapas de existências) permitam um efectivo controlo das existências finais e vendas a partir das existenciais iniciais, compras e produção».
9. Ora, a Recorrente pretendia precisamente, mediante a referida prova pericial, a comprovação de tais factos essenciais, retratando a indispensabilidade das aludidas compras para a realização dos proveitos declarados.
10. Destarte, mal andou o Tribunal Central Administrativo, no acórdão impugnado, ao decidir que, ao contrário do Acórdão fundamento, nada há a apontar ao julgamento de direito efetuado pela sentença, uma vez que, além de considerar intempestiva a arguição da nulidade processual, consequentemente deu como não provados, factos essenciais que a recorrente pretendia alcançar como provados com a realização da ora referida perícia.
11. Em consequência, requer-se ao Pleno da secção do Contencioso Tributário deste Venerando Supremo Tribunal que uniformize jurisprudência, no sentido do acórdão fundamento, de ser subsidiariamente aplicável ao processo ora em referência, ordenando a produção da prova pericial, conforme requerimento de prova formulado na petição inicial.
Termos em que julgando o presente recurso procedente, farão V. Exas. a acostumada, JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de “por ausência de todos os requisitos de que depende a apreciação do recurso, não deverá ser conhecido o objecto do mesmo”.

Cumpre decidir.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
2.1.1. O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
A) A Impugnante declarou o início de actividade em 01/01/1975. É sujeito passivo de IRC, colectada no Serviço de Finanças de Tondela, exercendo a actividade de “Comércio por grosso de bebidas alcoólicas” com o código CAE n.° 51341 (actual 46341) e enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável. Relativamente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, apresentando continuadamente crédito de IVA, cfr. Relatório de Inspecção, fls. 25 e segs. do PA, aqui dadas por reproduzidas o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
B) Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu realizaram acção de inspecção à sociedade impugnante, em cumprimento da Ordem de Serviço nº ...96 com código PNAIT: 222.23, emitida pela Divisão de Inspecção Tributária I, a qual foi desencadeada por proposta de análise interna, de âmbito parcial e incidência sobre a análise da situação tributária da sociedade em IRC e IVA, relativamente ao exercício de 2004, cujo procedimento teve início em 10/03/2008 e terminou em 09/09/2008, tendo o mesmo sido ampliado, nos termos do n.º3 do artigo 36º do RCPIT por despacho de 25/08/2008, vide fls. 30 e 146 a 153 do PA;
C) no dia 31-01-2006 procedeu-se a uma contagem das existências da Impugnante, ao abrigo de um específico despacho, autónomo da Inspecção referida em B). Sobre este facto prestou depoimento e esclarecimentos a Sr.ª Inspectora, ouvida em sede de inquirição de testemunhas. A Impugnante parte deste facto bem com da inspecção a que foi submetida a Y..., pela Direcção de Finanças de Lisboa para defender que a Inspecção referida em B) começou em 31-01-2006 e só terminou em Setembro de 2008. A alegação do referido vício consta dos artigos 101º a 107º da petição inicial mas, se bem atentarmos nos referidos artigos só os dois últimos é que concretamente aludem a factos sem indicação de qualquer prova. Especificando melhor, no artigo 106º relata-se situação que, no fundamental, não é incompatível com o facto presente, apenas a conclusão é questionável; relativamente ao artigo 107º a alusão que se faz à página 5 do Relatório de Inspecção não se confirma pela análise da referida página do Relatório, veja-se folha 32 do Processo Administrativo; já quanto às outras alusões a folhas do Relatório as mesmas respeitam à aludida inspecção realizada pela Direcção de Finanças de Lisboa à Y...;
D) Do relatório de inspecção tributária elaborado extracta-se:

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(…)
III.A.2 — Custos
No decurso da análise destas rubricas foram detectadas várias irregularidades. Algumas conforme descrição constante do capítulo VI, foram regularizadas voluntariamente pelo próprio sujeito passivo no decurso da inspecção. As restantes descrevem-se a seguir:
Combustíveis — Mercado Intracomunitário
Relativamente à rubrica combustíveis (gasóleo) - mercado comunitário — IVA não dedutível, apurou-se que se encontram registadas todas as despesas com combustíveis adquiridos e pagas em países comunitários, principalmente em Espanha. Comprovou-se que tais despesas estão contabilizadas pelo montante total do documento, com o valor do IVA incluído, Corresponde a combustível adquirido, pago em países comunitários, em que as facturas são emitidas por entidades comunitárias e incluem IVA liquidado e entregue nos cofres dos respectivos Estados comunitários.
Este IVA, suportado noutro país da União Europeia não é passível de dedução no território nacional, uma vez que não se tratam de aquisições intracomunitárias nem importações, mas sim aquisições de bens ou serviços efectuados fora do território nacional por um sujeito passivo nacional. Mas, no entanto, pode ser recuperado, ao abrigo da 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE), de 6 de Dezembro, solicitando o pedido de reembolso directamente à Administração Fiscal do Estado-Membro onde foi efectuada a despesa.
Por outro Lado, em sede de IRC, o IVA suportado em resultado de não ser exercido o direito à sua restituição, conferido pela 8.ª Directiva, também não pode ser dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, por não se verificar a indispensabilidade exigida pelo n.°1 do artigo 23.° do CIRC. Esta doutrina está plenamente assumida pela DGCI, conforme circular n.º 14/2008 de 11 de Julho.
Deste modo, apura-se o montante de 19.662,64€. indevidamente considerado como custo, conforme apuramento constante do mapa em anexo - Anexo VIII.
III.A.3 - Compras
Fornecedores
Fornecedor ¯Y..., Lda” ...(:...72
Esta entidade, maior fornecedor nacional da sociedade em causa. Trata-se de um fornecedor não habitual, tendo aparecido somente no mês de Março de 2004 (…)
Decorrente da análise de reembolsos de IVA solicitados pela sociedade inspeccionada relativamente, ainda ao exercício de 2004 onde constava, o fornecedor ¯Y..., Lda.‖, com NIPC: ...72, que evidenciava no cadastro do sistema informático incumprimento continuado das suas obrigações declarativas em sede de IVA e IRC, foi realizada informação e proposta a emissão de fichas de prospecção, tendo sido remetidas à respectiva Direcção de Finanças de Lisboa, da área da sede/domicílio do sujeito passivo. (…)
Os factos enunciados sustentam que as operações entre a empresa „Y..., Lda.‟ NIPC: ...72 (emitente) e o sujeito X..., S.A - NIPU: ...74 (utilizador), indiciam que as facturas não têm subjacente qualquer operação efectivamente realizada, tratando-se de transacções inexistentes. (…)
Conclusões
Da análise realizada à sociedade „X..., S.A.‟ e das informações prestadas pela Direcção de Finanças de Lisboa e ASAE, relativamente à sociedade „Y...‟., conclui-se sinteticamente que:
- A sociedade „Y...‟ é um fornecedor não habitual da sociedade „X..., S.A‟ tendo somente surgido o registo de aquisições àquela sociedade em Março de 2004;
- Apesar de ser um fornecedor novo, os montantes adquiridos implicam que corresponda ao maior fornecedor de mercadoria no exercício;(…)
- A sociedade „Y..., Lda.‟, identificada como fornecedora de mercadoria à sociedade, é um não declarante;
- Inexistência por parte desta sociedade de capacidade e estrutura adequadas para transaccionar as quantidades de vinho evidenciadas nas facturas, devido ao estado de degradação apresentado pelas suas instalações;
- Na morada da localização da sua sede não apresentou o desenvolvimento de uma actividade normalmente e de forma clara, uma vez que se encontrava armazenado diverso material, bem como equipamento de lavandaria;
- Inexistência de estrutura a nível de pessoal afecta à sociedade „Y....‟ uma vez que nenhum sujeito passivo declara ter recebido quaisquer rendimentos pela prestação de serviços ou de trabalho dependente;
- Apesar das várias diligências efectuadas pela inspecção da Direcção de Finanças de Lisboa, não foram apresentados os livros, registos ou quaisquer documentos de suporte; (…)
- Não apresentou documentos de aquisição de mercadoria (nacional ou comunitária);
- A sociedade não possui ficha de património vitícola; (…)
- Nas facturas em causa são identificadas várias viaturas intervenientes no transporte do vinho. Do cruzamento de informações entre a Conservatória do Registo Automóvel. Imposto de Circulação Automóvel e Imposto Municipal de Veículos, apura-se que somente duas destas viaturas estavam ou estiveram registadas em nome da sociedade e apresentam-se em estado de degradação;
- Relativamente a estas viaturas apurou-se que algumas correspondem a meios de transporte ligeiros de passageiros e sem capacidade para transportar as quantidades indicadas nas facturas. Outros veículos de mercadorias pertencem a sujeitos passivos que declararam desconhecer a sociedade „Y...‟ e nunca ter tido quaisquer relações comerciais com ela; (…)
Mas como foi liquidado IVA em todas as facturas de „Y...‟, tal implicou que a sociedade „X...‟ deduzisse tal imposto nas suas declarações periódicas (solicitando o reembolso ao Estado) e o emitente, sujeito passivo não declarante não entregasse nos cofres do Estado o respectivo imposto liquidado.
VII - Infracções verificadas
As faltas referidas que originaram as correcções constantes rio capítulo III-A, para efeitos de IRC, constituem infracção aos artigos 23.° do CIRC, puníveis pelos artigos 119.° n.°1 e 26.° n°4 do RGIT.
As faltas referidas que originaram as correcções constantes no capítulo III-B. titulam operações inexistentes na medida em que não suportam qualquer venda efectiva, para efeitos de IRC e IVA, constituem infracção aos artigos 21° do CIRC e 19º n.°3 do CIVA punível nos termos do artigo 104 n.° 2 do RGIT.”, vide fls.35, 39, 40, 47, 60 a 63 e 70 do Relatório constante do PA;
E) A impugnante foi notificada do projecto de relatório da inspecção tributária, por ofício n.º...74 de 12/09/2008 da Direcção de Finanças de Viseu, a fim de poder exercer o direito de audição nos termos do art.60.° da LGT e do art.60.° do RCPIT, o que fez apresentando resposta, a qual deu entrada com o n°...57 de 26/09/2008, alegando, em síntese, não estar de acordo com as correcções efectuadas, primeiro porque o procedimento inspectivo é nulo por não ter respeitado o prazo legal; serem-lhe estranhas as apontadas deficiências dos seus fornecedores; os custos com o combustível e respectivo IVA são indispensáveis para a realização dos seus proventos. Apreciando a audição concluiu a Inspectora “que não foi apresentada qualquer prova suficiente, concreta e basilar que contradiga o que foi exposto no projecto de relatório”, cfr. fls. 71 e 74 e 17 a 21 do PA;
F) Através dos ofícios n.º...40 e ...41 de 01/10/2008 da Direcção de Finanças de Viseu foi a impugnante, na pessoa do seu mandatário, e também directamente, notificada do relatório de inspecção tributária, constando dos ARs a data de 02/10/2008, vide fls. 23 e 24 do PA;
G) Na sequência do mencionado relatório de inspecção tributária, sancionado por despacho do Director de Finanças, foi emitida a liquidação impugnada n.º 2008 8310036654 em 16/10/2008 com o valor a pagar de €1.348.123,78, de que a Impugnante foi notificada em 25/11/2008, assim como foi notificada da demonstração de liquidação de juros compensatórios, compensação n.º ...25 de 17/11/2009 no valor de €158.191,74 em 25/11/2008, a qual contém o período de cálculo, a taxa aplicável e o valor do imposto sobre que incidem e foi notificada da demonstração de acerto de contas com o valor de €1.321.557,01 em 26/11/2008-6289, aí constando como data limite de pagamento, o dia 26-12-2008, cfr. fls. 35 a 37 destes autos e fls. 25 e 26 do Processo Administrativo;
H) A presente impugnação foi deduzida no dia 26 de Março de 2009, vide carimbo aposto a fls.2 destes autos e 1ª da P.I..

2.1.2. O acórdão fundamento considerou provados os seguintes factos:
A) A Impugnante declarou o início de actividade em 01/01/1975, e é sujeito passivo de IRC, colectada no Serviço de Finanças de Tondela, exercendo a actividade de “Comércio por grosso de bebidas alcoólicas” com o código CAE n.º 51341 (actual 46341) e enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável. Relativamente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, apresentando continuadamente crédito de IVA, cfr. Relatório de Inspecção, fls. 5 a 7 que correspondem a fls. 20 a 22 do PA, aqui dadas por reproduzidas o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos; estes factos não foram questionados pela Impugnante;
B) Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu realizaram acção de inspecção à sociedade impugnante, em cumprimento da Ordem de Serviço nº ...38 com código de actividade 12215019 emitida pela Divisão de Inspecção Tributária I, a qual foi desencadeada por proposta de análise interna, de âmbito geral e incidência no exercício de 2008, cujo procedimento teve início em 22/10/2010 e terminou em 06/12/2010, vide fls. 4 e 5 do Relatório constantes de fls. 19 e 20 do PA;
C) Do relatório de inspecção tributária elaborado extracta-se:
“A.1 Existências
...
A sociedade não declara inventário permanente das mercadorias. As existências declaradas correspondem ao saldo de quantidade existente em cada um destes livros e em cada armazém a data de 31 de Dezembro.
...
...os livros de registo das existências somente apresentam o registo dos movimentos das mercadorias por DA e ou DAA, não havendo qualquer correspondência com a factura contabilística e ou mesmo a guia.
Deste modo contabilisticamente a existência somente de inventário intermitente implica a falta de conhecimento, no decurso do exercício, das quantidades e do valor das existências em armazém e impossibilidade de um apuramento, a qualquer momento, dos resultados obtidos nas vendas.
Por outro lado, tendo-se procurado fazer um confronto entre o registo contabilístico das facturas de aquisição, a data de recepção das respectivas vendas e o seu registo nos respectivos livros de contas correntes de existências, verifica-se, por vezes, um desmesurado desfasamento temporal.
...
Verificam-se ainda situações de entregues directas, isto é, a sociedade por vezes compra a dado fornecedor e vende directamente para o cliente, isto é, a mercadoria não entra em qualquer armazém da sociedade, indo directamente do fornecedor para o cliente.
...
A.3.1 – Compras-Mat. Primas, Subsid. e de Consumo
...
Atendendo aos quadros conclui-se que a sociedade declarou ter vinificados a quantidade total de 68 795,11 hectolitros (6 879 511 litros).
Considerando os mapas apresentados ao IVV, em que se encontram discriminados todos os fornecedores de uvas e a respectiva quantidade vendida questionou-se o técnico dos escritórios... sobre o modo como foi obtida a quantificação de litros a partir das uvas recepcionadas, tendo aquele referido que não foi utilizado qualquer cálculo, tendo as quantidades resultantes da vinificação sido fornecidas pela gerência.
...os mapas apresentados ao IVV, em que se encontram discriminados todos os fornecedores de uvas e a respectiva quantidade... tendo sido detectadas facturas para sujeitos passivos já falecidos... referiram que é muito difícil o seu controlo, sendo muitas vezes os descendentes que trazem as uvas com o cartão do vinicultor ainda em nome do falecido. ...
...os documentos de aquisição (documentos internos) e de acompanhamento (DA´s) de uvas são realizados na própria empresa. Dos documentos internos de aquisição, uma parte é realizada num programa específico enquanto a outra é efectuada no processador Word. Relativamente a estes últimos documentos a funcionária encarregou de os emitir alegou utilizar sempre o mesmo original, não dispondo assim de qualquer salvaguarda em suporte informático....


A.4 – Acareação: Existências – Compras – Vendas
...
...considerando todos os pressupostos acima expostos, pode aferir-se que os registos contabilísticos da sociedade (sem inventário permanente) e seus auxiliares (mapas de existências) não permitem um efectivo controlo das existências finais e vendas a partir das existências iniciais, compras e produção.
... tendo-se tentado realizar o confronto entre os registos das existências, produção, compras e vendas, uma das conclusões a que se chega é que as diferenças tanto são no sentido positivo como negativo.
(...)
III.B - Identificação e análise de fornecedores não declarantes
Decorrente da análise de reembolsos de IVA solicitados pela sociedade inspeccionada relativamente, ainda ao exercício de 2004, onde constava, o fornecedor “B..., Lda.”, com NIPC: ...72, que evidenciava no cadastro do sistema informático incumprimento continuado das suas obrigações declarativas em sede de IVA e IRC, foi realizada informação e proposta a emissão de fichas de prospecção, tendo sido remetidas à respectiva Direcção de Finanças de Lisboa, da área da sede/domicílio do sujeito passivo.
(...)
Foram recolhidos indícios que nos permitem concluir que as facturas emitidas pela entidade “B..., Lda.”, ao sujeito passivo em análise, não traduzem operações efectivas.
(...)
As facturas de mercadorias emitidas por B...‟, e “C...”, foram todas realizadas com liquidação de IVA, contudo as correspondentes mercadorias deram entrada nos livros de contas correntes de existências, dos entrepostos de “D...”, conjuntamente com outras adquiridas com isenção, não se verificando qualquer separação.
- As aquisições declaradas aos dois fornecedores representam 87% do total das compras nacionais sem isenção de IVA, ou seja, quase a sua totalidade
- como foi liquidado IVA em todas as facturas de “B...” e de “C...”, tal implicou que a sociedade “D...” deduzisse tal imposto nas suas declarações periódicas (solicitando o reembolso ao Estado) e o emitente (no caso das “B...”), sujeito passivo não declarante não entregasse nos cofres do Estado o respectivo imposto liquidado.
Atendendo aos factos anteriormente descritos e à análise realizada, reforçam-se os indícios indicados nos elementos enviados pelas Direcções de Finanças de Lisboa e de Santarém no sentido da inexistência de transacções entre as entidades “B..., Lda.” e “D...” e entre “C..., Lda.” e “D...”.
Os factos enunciados sustentam que as operações entre as empresas “B.... Lda.”, NIPC: ...72 e “C.... Lda.”. NIPC: ...14 (emitentes) e o sujeito passivo „ D..., SA‟ NIPC ...74 (utilizador), foram inexistentes na medida em que não suportam qualquer venda de mercadoria efectiva, tratando-se de transacções fictícias, com o único objectivo de obtenção de vantagem patrimonial, consubstanciada na dedução indevida de IVA e na contabilização de custos, com reflexos no apuramento da matéria tributável em IRC. (...), cfr. fls. 15 a 60 do Relatório constante do PA;
D) A impugnante foi notificada do projecto de relatório da inspecção tributária, por ofício n.º....4 de 09/12/2010 e 60 de 04/01/2011, ambos da Direcção de Finanças de Viseu, a fim de poder exercer o direito de audição nos termos do art. 60.º da LGT e do art. 60.º do RCPIT, o que não fez, vide fls. 78 e 79 do Processo Administrativo, correspondentes a fls. 63 e 64 do Relatório e ainda fls. 8 também do PA;
E) Por ofício n.º ...3 de 21/01/2011, recebido no dia 24, foi a impugnante, na pessoa do seu mandatário, notificada do relatório de inspecção tributária, vide fls. 12 e 13 do PA;
F) Na sequência do mencionado relatório de inspecção tributária, foram emitidas as liquidações impugnadas n.ºs ...26, ...28, ...30, ...32, ...34, ...27, ...29, ...31, ...33 e ...35, no montante global a pagar de € 80 308,96, de que a Impugnante foi notificada no início de Março de 2011, constando das aludidas liquidações, como data limite de pagamento, o dia 30-04-2011, cfr. fls. 11 a 20 destes autos e fls. 138 e 139 do Processo Administrativo;
G) A presente impugnação foi apresentada, via postal, expedida em 27-06-2011, vide código de barras do registo postal aposto a fls.2 dos autos, folha 1 da P.I..

2.2. O direito
2.2.1.O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem interposto, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do CPPT, do acórdão do TCA Norte proferido nestes autos por alegada oposição com o entendimento perfilhado no acórdão do TCA Norte de 15 de Dezembro de 2022, no Processo n.º 315/11.2BEVIS, relativamente à perícia requerida pela Impugnante e indeferida pelo tribunal.
De acordo com o artigo 284.º, n. º1, alínea a) do CPPT, pode ser interposto recurso para uniformização de jurisprudência quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Um dos requisitos de admissão deste recurso, cujo objectivo é resolver a existência de um conflito de jurisprudência, é, portanto, a existência de uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o invocado acórdão do TCA Norte e o acórdão recorrido.
Quanto à “mesma questão fundamental de direito” é jurisprudência consolidada do Pleno desta Secção que: (i) a identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto pressupõe uma situação de facto substancialmente idêntica; (ii) não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; (iii) que a oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
Vejamos então se a alegada contradição quanto à mesma questão fundamental de direito se verifica.
2.2.2. Ora, situação em tudo idêntica à do presente recurso, em que também estava em causa uma alegada oposição entre um acórdão idêntico ao ora recorrido (também proferido pelo TCA Norte, no âmbito de recurso de sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no âmbito de impugnação judicial deduzida pela também aqui Recorrente com os mesmos fundamentos) em que foi invocado como fundamento o mesmo acórdão do TCA Norte, e com idênticas conclusões de recurso, foi já objecto de apreciação por este Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 24 de Janeiro de 2024, Processo n.º 0773/09.5BEVIS.
Entendimento posteriormente reiterado nos acórdãos de 21 de Fevereiro de 2024, Processos 0234/11.2BEVIS e n.º 0235/11.0BEVIS.
Como se deixou exarado no acórdão de 24 de Janeiro de 2024, tirado no Processo n.º 0773/09.5BEVIS, que aqui se recupera e reproduz parcialmente nos termos seguintes: “(…) cremos que está em causa, desde logo, a matéria relativa à identidade dos pressupostos de facto subjacentes às soluções jurídicas relacionadas com a questão fundamental de direito, com referência à qualificação do vício da preterição de decisão do juiz sobre um pedido de produção de prova pericial e qual o seu regime jurídico, nomeadamente o respectivo prazo de arguição.
Neste domínio, quando se tem presente os elementos essenciais vertidos nos dois arestos, considerando que seria mais decisivo o facto de ambas as situações poderem ser subsumidas às hipóteses legais das mesmas previsões normativas que foram chamadas à colação em cada um dos processos, importa ainda ter presente que as soluções jurídicas perfilhadas pelo Acórdão fundamento e pelo Acórdão recorrido, sobre a mesma questão fundamental de direito do regime da nulidade processual, decorrente da preterição do dever judicial de decidir ou prover, e da oportunidade para a sua arguição, não são contraditórias, bem pelo contrário, são condizentes, na medida em que, em ambos os casos, foi entendido que a preterição do dever de decidir configura uma nulidade processual, anterior ao proferimento da sentença, com carácter secundário, por não constar do elenco do artigo 98.º (Nulidades insanáveis) do CPPT, e cujo prazo de arguição é de dez dias, nos termos do artigo 149.º n.º 1 do C. Proc. Civil – sendo certo que o Acórdão recorrido é bem mais preciso e rigoroso, nomeadamente ao mobilizar ainda o regime do n.º 1 do artigo 199.º (Regra geral sobre o prazo da arguição) do mesmo diploma legal, que estatui sobre o momento em que se dá o conhecimento da consumação do vício em causa, ou seja, analisadas as soluções jurídicas dos dois arestos em comparação, é inelutável concluir que os preceitos legais escolhidos são, em substância, os mesmos tal como a interpretação que deles se extrai é também a mesma.
Por outro lado, no que concerne à matéria relativa à identidade dos pressupostos de facto subjacentes às soluções jurídicas relacionadas com a questão fundamental de direito, temos que o Acórdão fundamento não é absolutamente expresso, completo e sistemático na descrição dos pressupostos de facto relevantes para a solução jurídica do caso, sem prejuízo de ali se referir que “(...) resulta do processado que a Recorrente peticionou a realização de prova pericial na petição inicial e sobre tal pedido nenhuma pronúncia foi emitida pelo Tribunal a quo” e, mais adiante “no seguimento da tramitação processual, viria a ser proferida sentença de improcedência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação [adicional de IVA]. Assim sendo, a arguição da nulidade derivada de tal omissão foi atempadamente realizada” e finalmente, “no caso dos autos, cometida a supra identificada nulidade e arguida em tempo, nos termos do disposto no artigo 201.º [agora 195.º], n.º 2 do CPC, …”, apontando ainda que “Tal omissão consubstanciaria uma nulidade secundária por não constar das omissões insanáveis do processo tributário previstas no artigo 98.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT)” e que “Por sua vez, nos termos do artigo 149.º, n.º 1 do CPC “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes (…) arguirem nulidades (…)” e bem assim que “Conforme jurisprudência pacífica e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, “caso a parte lesada apenas tome conhecimento da omissão do acto através da notificação da sentença, o recurso que desta interponha constitui o meio próprio para arguir essa nulidade, dado que é esta peça processual que dá cobertura à falta cometida e, por isso, só com a sua prolação a nulidade se consuma (…)”.
Deste modo, resulta claro que os pressupostos de facto subjacentes à solução jurídica perfilhada no Acórdão fundamento são diversos, num ponto relevante, dos pressupostos de facto subjacentes à solução jurídica perfilhada no Acórdão recorrido, quanto ao momento processual em que ocorre o conhecimento da ocorrência do vício do procedimento e que determina o termo a quo da arguição da nulidade, “por omissão de pronúncia acerca da produção de prova pericial indicada na petição inicial”.
Com efeito, no Acórdão fundamento, o Tribunal julgou - embora não expressis verbis, mas através da referência a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – que esse momento em que se dá o conhecimento da ocorrência do vício do procedimento foi o do acto de notificação da sentença, contando então a partir desse facto o prazo de 10 dias a que alude o n.º 1 do artigo 149.º (Regra geral sobre o prazo), do C. Proc. Civil: “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes (…) arguirem nulidades.”
Por seu turno, no acórdão recorrido considerou-se que, tendo em conta que o prazo para a arguição da nulidade decorrente da omissão de pronúncia sobre o pedido de períciaconta-se ainda do conhecimento da nulidade, pela parte prejudicada, ou do momento em que a parte poderia dela conhecer se actuasse com a diligência devida” e se deve considerar que a Recorrente tomou conhecimento dessa omissão quando “após a produção da prova testemunhal, foi notificada do despacho proferido pelo Mmº. Juiz do Tribunal a quo para, querendo, apresentar alegações escritas no prazo de 30 dias, faculdade que a Recorrente usou, remetendo as suas alegações, por via postal, em 2 de Fevereiro de 2010”, o que “implicitamente, expressava que a fase de instrução dos autos se mostrava encerrada (…), a arguição de tal nulidade, decorrente da ausência de despacho sobre o pedido de realização de perícia, apenas aquando da interposição do presente recurso, é intempestiva, por não ter sido alegada nos dez dias posteriores ao conhecimento da omissão incorrida pelo Tribunal a quo”
Retomando o acórdão do Pleno que vimos seguindo: “(…) Tal equivale a dizer que são diversas, quanto ao momento processual em que ocorreu o facto determinante do termo a quo para invocar a nulidade processual, por omissão de pronúncia sobre o pedido de produção e prova pericial formulado na petição inicial, as duas situações em causa: no Acórdão fundamento tal momento foi o ato de notificação da sentença; no Acórdão recorrido foi o da notificação do despacho judicial que convidou as partes, querendo, alegarem, o que significa que não existe identidade dos pressupostos de facto subjacentes às duas soluções jurídicas agora em equação.
Assim, como já tinha sido enunciado, tem de ser negativa a resposta à questão de saber se os dois acórdãos em alegada oposição se pronunciaram efectivamente em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica, dentro de um igual enquadramento fáctico e jurídico, pois que, tendo presente a paridade das duas soluções jurídicas - da solução jurídica unitária excogitada em cada um dos arestos - da questão fundamental de direito quanto à questão da nulidade processual e seu momento e prazo de arguição bem como a disparidade dos pressupostos de facto que lhe estão subjacentes, tem de concluir-se que não se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.
Razão porque se decide não tomar conhecimento do mérito do recurso”.
Na esteira desta jurisprudência, que se acompanha, conclui-se, também aqui, em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.
Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça (nos termos do artigo 6.°, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais) atento o carácter remissivo da decisão.

Lisboa, 21 de Março de 2024 - Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.