Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01085/17.6BEPRT-S1 |
Data do Acordão: | 06/22/2022 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVISTA APRECIAÇÃO PRELIMINAR CPPT |
Sumário: | I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis). II - O recurso não pode ser admitido se a questão que a recorrente pretende ver reapreciada foi decidida de acordo com a jurisprudência e a doutrina citadas no acórdão recorrido e não há notícia de discrepância de entendimentos jurisprudenciais ou doutrinais que possam aqui relevar. III - Não é um qualquer erro de julgamento que pode determinar a admissão da revista para melhoria do direito, mas apenas o erro crasso ou insustentável. |
Nº Convencional: | JSTA000P29617 |
Nº do Documento: | SA22022062201085/17 |
Data de Entrada: | 06/08/2022 |
Recorrente: | A…........, LDA |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1085/17.6BEPRT-S1
1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão de 3 de Março de 2022 do Tribunal Central Administrativo Norte – que negou provimento ao recurso, tramitado em separado, que manteve o despacho por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto admitiu, ao abrigo do n.º 3 do art. 423.º do Código de Processo Civil (CPC), a junção aos autos dos documentos apresentados pela Fazenda Pública com as alegações finais, produzidas no processo de impugnação judicial nos termos do disposto no art. 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e em requerimento ulterior –, dele recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do CPPT, apresentando a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor: «I) A conclusão consagrada pelo acórdão recorrido, no segmento que se coloca em causa, e para a qual se pede a aplicação do regime jurídico que se tem por adequado e correcto (art. 285.º, n.º 3 do CPPT) é a seguinte: o depoimento de testemunhas arroladas nos autos pode constituir “ocorrência posterior” para efeitos de apresentação de documentos não juntos aos autos, com fundamento na parte final do n.º 3 do artigo 423.º do CPC. II) No caso é manifesto que se torna necessária a intervenção desse Supremo Tribunal, pois estamos perante uma questão de relevância jurídica, cuja solução certamente servirá para a resolução de casos paralelos, sendo ainda patente existir erro manifesto e notório evidente, que fere o senso comum, sendo claramente necessária uma melhor aplicação do direito aos factos relevantes para a decisão. III) A junção de documentos é admissível nos prazos previstos no art. 423.º do C.P.C., que permite a junção em três momentos distintos: a) com o articulado respectivo, sem cominação de qualquer sanção; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação de multa, excepto se a parte alegar e provar que os não pode oferecer antes; c) até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mas apenas daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior. IV) Cabe à parte que pretende a junção de documento alegar e demonstrar que a sua apresentação não foi possível até àquele momento, ou que a sua apresentação só se tornou possível em virtude de ocorrência posterior. V) A ocorrência posterior, a que se reporta o n.º 3 do art. 423.º do CPC, apenas pode ser entendida enquanto ocorrência que respeita aos factos necessitados de prova cujo ónus de alegação incumba às partes ou a factos de conhecimento oficioso do tribunal. É claro que se respeitar a factos de conhecimento oficioso nada tolhe a junção dos documentos, constituindo até um dever do tribunal. VI) Todavia, se respeitar a factos sujeitos ao ónus de alegação e prova das partes, nunca um meio de prova oferecido em cumprimento desses ónus pode ser havido como ocorrência da causa, para cuja solução concorre o documento apresentado, mas apenas enquanto ocorrência de prova relativa a outro meio de prova. VII) Não é possível conceber a existência de um ónus de prova relativamente a documento que seja apresentado precisamente em cumprimento do mesmo ónus. Por fim cabe acentuar, que é precisamente a existência desse ónus de prova e o seu não cumprimento que justifica a penalização processual com multa nos casos previstos no preceito em análise. VIII) O depoimento de testemunhas arroladas nos autos não constitui ocorrência posterior para efeitos de apresentação de documentos não juntos aos autos, com fundamento na parte final do n.º 3 do art. 423.º do C.P.C. IX) Norma legal violada: art. 423.º, n.º 3 do CPC. Termos em que e nos mais de direito e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso de revista ser recebido e a final, ser proferido douto acórdão que o julgue procedente, com as legais consequências». 1.2 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Norte, verificando a legitimidade da Recorrente e a tempestividade do recurso, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo. 1.4 Recebido o processo neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto tomou posição nos seguintes termos: «Não me pronuncio sobre a admissibilidade/inadmissibilidade da revista. 1.5 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do n.º 6 do art. 285.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do CPC, aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2 DE DIREITO 2.2.1.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT, assim como do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental, ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2.2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista [cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis). 2.2.1.3 Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1853/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.). 2.2.1.4 Tendo presente que a Recorrente enunciou como questão a dirimir por este Supremo Tribunal a de saber se «[o] depoimento de testemunhas arroladas nos autos pode constituir “ocorrência posterior” para efeitos de apresentação de documentos não juntos aos autos, com fundamento na parte final do n.º 3 do artigo 423.º do CPC», cumpre verificar se o recurso pode ser admitido, seja porque a questão assume importância fundamental decorrente da relevância jurídica, seja porque a decisão a proferir se revela necessária à melhor aplicação do direito, que foram os requisitos de admissibilidade da revista que a Recorrente invocou. 2.2.2 O CASO SUB JUDICE 2.2.2.1 No âmbito de um processo de impugnação judicial, terminada que foi a produção da prova e ao abrigo do disposto no art. 120.º do CPPT, foram notificadas para alegações a Impugnante e a Fazenda Pública. Esta apresentou alegações e, com elas, quatro documentos; ulteriormente, em face da impugnação de três deles por parte da Impugnante, a Fazenda Pública apresentou ainda outros 3 documentos, que são certidões do Registo Comercial comprovativas dos mesmos factos. 2.2.2.2 A Recorrente discorda do decidido pelo Tribunal Central Administrativo Norte e pretende que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre a questão de saber se «o depoimento de testemunhas arroladas nos autos pode constituir “ocorrência posterior” para efeitos de apresentação de documentos não juntos aos autos, com fundamento na parte final do n.º 3 do artigo 423.º do CPC». 2.2.3 DA INADMISSIBILIDADE DA REVISTA Salvo o devido respeito, a questão que a Recorrente pretende submeter a reapreciação em sede de revista não assume relevância jurídica tal como acima definida. 2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estiverante uma questão que, pela sua relevânciamos per jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis). II - O recurso não pode ser admitido se a questão que a recorrente pretende ver reapreciada foi decidida de acordo com a jurisprudência e a doutrina citadas no acórdão recorrido e não há notícia de discrepância de entendimentos jurisprudenciais ou doutrinais que possam aqui relevar. III - Não é um qualquer erro de julgamento que pode determinar a admissão da revista para melhoria do direito, mas apenas o erro crasso ou insustentável. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso. Custas pelo Recorrente. * |