Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0169/23.6BCLSB
Data do Acordão:04/04/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ILÍCITO DISCIPLINAR
REINCIDÊNCIA
AMNISTIA
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P32074
Nº do Documento:SA1202404040169/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. AA vem, invocando os artigos 150º do CPTA, 6º e 81º da LTAD - Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, nº74/2013, de 06.09 - interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - datado de 25.01.2024 - que negou provimento à sua apelação e manteve, assim, o acórdão do TAD - de 16.10.2023 - que decidiu, por maioria, manter a decisão do Conselho de Disciplina da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL que o havia condenado em trinta dias de suspensão e - acessoriamente - na sanção de multa no valor de 10.200,00€.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL contra-alegou defendendo, além do mais, a não admissão do recurso de revista por falta de verificação dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Ambas as instâncias - a «arbitral» e «judicial» - entenderam que a decisão do «Conselho de Disciplina da FPF» - que condenou AA com sanção disciplinar de 30 dias de suspensão e, acessoriamente, com multa de 10.200,00€ por, alegadamente, no dia 14.05.2023, durante o jogo oficialmente identificado sob o nº..., realizado no Estádio ..., entre o A... SAD, e o B..., a contar para a ... jornada da Liga Portugal Bwin, ter-se envolvido com o treinador adjunto do B..., com provocações mútuas, recorrendo a diversos gestos grosseiros - devia ser confirmada, nomeadamente por não estar abrangida pela «Lei da Amnistia» - Lei nº38-A/2023, de 02.08 - porque se tratava de comportamento «reincidente» - artigos 6º e 7º, nº1 alínea j), da dita Lei da Amnistia.

O acórdão do tribunal de apelação - TCAS - manteve, pois, a condenação do arguido - AA - pela prática de uma infracção disciplinar prevista e punida pelo artigo 136º, nºs 1 e 3, ex vi artigo 168º, tendo por referência o disposto no artigo 112º, nº1, todos do RDLPFP, na «sanção de 30 dias de suspensão, e, a título acessório, na sanção de multa de 100 UC» - a que corresponde o montante de 10.200,00€. No seu afã, o tribunal de apelação entendeu não ter aplicação ao caso a «amnistia prevista na Lei nº38-A/2023, de 02.08», uma vez que o arguido era «reincidente» - artigos 6º e 7º, nº1 alínea j), da Lei da Amnistia - e julgou improcedentes os demais erros de julgamento que eram apontados pelo apelante ao acórdão do TAD - erro de julgamento da «decisão de facto»; erro de julgamento da «decisão de direito» ao condenar o apelante pela infracção prevista e punida pelo artigo 136º, nºs 1 e 3, do RDLPFP.

O TCAS manteve assim - por unanimidade - e com fundamentação coincidente, a decisão do TAD de não aplicar, ao presente caso, o disposto no «artigo 6º da Lei nº38-A/2023, de 02.08», por entender que se verificava a excepção prevista na «alínea j) do nº1 do artigo 7º dessa mesma lei», ou seja, atento o facto de o arguido «ser reincidente».

O demandado - AA - vem discordar do acórdão do TCAS apenas no tocante à não aplicação, ao seu caso, da «Lei da Amnistia», por entender, fundamentalmente, que a estatuição da referida alínea j) «não se aplica à amnistia dos ilícitos disciplinares», a qual, a seu ver, tem carácter puramente objectivo [artigo 6º da Lei da Amnistia] «não lhe sendo estabelecida qualquer delimitação do âmbito subjectivo». E alega que a interpretação adoptada no acórdão recorrido é errada, pois que a «locução reincidentes» - constante da alínea j) do nº1 do artigo 7º da Lei da Amnistia - apenas pretendeu excluir das medidas de graça «ilícitos penais».

Mas a verdade é que no âmbito da «apreciação preliminar sumária» que cumpre a esta Formação fazer, torna-se bastante claro que a presente revista não deve ser admitida. Associada às decisões unânimes das instâncias - arbitral e judicial - está a circunstância de as «alegações» apresentadas pelo ora recorrente não se mostrarem convincentes, de modo a abalar consistentemente a decisão recorrida, apresentando-a como claramente carente de uma melhor aplicação do direito. Essa decisão mostra-se, efectivamente, fundamentada numa juridicamente viável, e até aparentemente correcta, interpretação e aplicação das pertinentes «normas legais» chamadas a intervir. Ademais, e porque a questão não vem gerando dúvidas sérias que justifiquem atribuir-lhe uma «importância fundamental» quer em termos de relevância jurídica quer social, tudo aponta para que a pretensão de revista de AA não deva ser admitida.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 4 de Abril de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.