Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:039/21.2BEPRT
Data do Acordão:03/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:VALIDADE
EFICÁCIA
REPERCUSSÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO
Sumário:I – Nos termos do artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2017), a taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores.
II – Sendo a citada norma válida e plenamente eficaz desde 1 de Janeiro de 2017, é ilegal o acto de repercussão que posteriormente à sua entrada em vigor foi incluído em factura de consumo de gás.
III - Nos termos do artigo 636.º do CPC, pode a parte vencida suscitar e contra-alegações a ampliação do objecto do recurso a apreciação de fundamentos não apreciados ou em que decaiu.
IV – O pedido de juros indemnizatórios não é um fundamento da ilegalidade do acto, antes constituindo o reconhecimento dessa ilegalidade um dos fundamentos ou pressupostos da sua atribuição.
V – Tendo o pedido de condenação em juros indemnizatórios sido expressamente formulado e tendo o Tribunal a quo, não obstante a declaração de ilegalidade do acto impugnado, decidido que os juros não eram devidos por a natureza de pessoal colectiva privada da Entidade Demandada obstar a essa condenação ao abrigo do regime legal convocado, impunha-se que a Recorrida, vencida quanto a essa pretensão e pretendendo a sua alteração, dela tivesse recorrido.
VI - Não tendo a Impugnante interposto recurso jurisdicional, independente ou subordinado, da decisão do Tribunal a quo na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação em juros indemnizatórios formulado (e em que ficou vencida), a sentença, nessa parte, transitou, estando a este Supremo Tribunal Administrativo vedada a reapreciação dessa questão.
Nº Convencional:JSTA000P30691
Nº do Documento:SA220230308039/21
Data de Entrada:01/19/2022
Recorrente:A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL
Recorrido 1:B..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. “B..., S.A.”, notificada para proceder ao pagamento da factura n.º FT RN1908/02959, relativa ao mês de Junho de 2019, que inclui, a título de Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS), o valor de € 9.553,92, intentou, ao abrigo dos artigos 87.º, n.º 8 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 99.º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), contra a “A..., S.A. – SUCURSAL PORTUGAL”, a presente Impugnação Judicial.

1.2. Como fundamente dos pedidos que formula - de anulação da repercussão da TOS incluída na factura ou, subsidiariamente, de reconhecimento da inconstitucionalidade dessa repercussão, e, bem assim, em qualquer dessas situações, de reembolso do valor àquele título pago acrescido de juros contados desde o pagamento até efectivo reembolso – alegou a Impugnante, em síntese, que a referida repercussão é ilegal uma vez que, com a entrada em vigor da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, atento o disposto no seu artigo 85.º, n.º 3, o pagamento da TOS passou a ser da exclusiva responsabilidade das empresas operadoras das infraestruturas que ficaram proibidas de repercutir os valores a esse título pagos na factura dos consumidores, ou, mesmo que assim se não entenda, que a repercussão da TOS é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, porquanto procura atingir uma manifestação de capacidade contributiva específica (o consumo de gás natural), que não assenta nem na prestação concreta de um serviço público, nem utilização de um bem do domínio público nem na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.

1.3. A..., S.A. – SUCURSAL PORTUGAL (doravante Recorrente), contestou, defendendo a improcedência total das pretensões, aduzindo, em resumo, quanto à legalidade do acto de repercussão, que a norma que estabelece a sua inadmissibilidade ficou dependente da alteração do quadro legal em vigor, como resulta do artigo 70.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3-3, sendo que, até à presente data, esse quadro não foi alterado, encontrando-se, assim, legitimado o acto de repercussão materializado na factura apresentada a pagamento à Recorrente;

1.4. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a Impugnação Judicial foi julgada parcialmente procedente.

1.5. Inconformada, a Entidade Demandada interpôs recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, finalizando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:

«1) O Tribunal recorrido julgou procedente a impugnação judicial por entender que a repercussão da Taxa de Ocupação do Subsolo ao cliente final, por desrespeito à alteração que decorreu da Lei n.º 42/2016 de 28.12 (LOE de 2017) é ilegal, não podendo ser repercutida.

2) Na óptica da Apelante, tal norma, não obstante de fazer parte do Orçamento de Estado que entrou em vigor no dia 1/Janeiro/2017, nunca chegou a ser eficaz.

3) Aliás, a norma contida no OE de 2017 serve apenas como ponto de partida para uma alteração de um quadro legal.

4) E é isto que decorre do artigo 70.º da Lei de Execução Orçamental para 2017 (Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de Março) que deve ser considerado como um acto de interpretação autêntica do art. 85.º, n.º 3 da LOE de 2017, já que, provindo ambas as normas de fontes equivalentes (lei e decreto-lei têm igual valor, nos termos do disposto no art. 112.º, n.º 2 da CRP), uma (a mais recente) permite perceber o alcance que a outra (a mais antiga) é suposto ter.

5) A norma da Lei de Execução Orçamental define as condições em que o art. 85.º poderá vir a ser executado (cumprindo, dessa forma, a função de uma lei de execução orçamental).

6) Impõe um cumprimento do dever de comunicação das empresas titulares das infraestruturas do cadastro das suas redes até ao final do mês de abril de 2017 à DGAL e decorrido esse prazo as entidades reguladoras sectoriais avaliariam a informação recolhida e as consequências económico-financeiro das empresas operadoras, para que, posteriormente, tendo em conta essa avaliação o Governo proceda à alteração do quadro legal em vigor.

7) Só assim se cumprirá a proibição da repercussão da TOS prevista na LOE para 2017.

8) Sendo claro que este artigo vem dar aplicação ao que se previa na LOE 2017.

9) Pelo que sem a aprovação deste regime jurídico por parte do Governo não se pode considerar que tenha existido uma alteração normativa eficaz, nomeadamente, não se pode dizer que está em vigor a proibição da repercussão da TOS no consumidor final.

10) Tal entendimento tem sido consensual em várias instituições.

11) Em especial, o Governo que volta a inscrever tal compromisso, para alterar o quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, no art. 246.º, n.º 1 da LOE de 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro), obrigação que deveria ser cumprida até ao final do 1º semestre de 2019 e, ainda, no art. 133.º da LOE de 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro).

12) Admitindo por isso que não está em vigor a proibição da repercussão da TOS.

13) Acompanhando-se na íntegra a conclusão dos estudos da ERSE:

“Concluímos, em suma, que a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 é parcialmente ineficaz, seja porque não reúne as condições necessárias para projectar os seus efeitos na realidade, seja porque o legislador expressamente explicitou o condicionamento da produção de efeitos até ao momento da entrada em vigor do novo regime jurídico sobre a repercussão da TOS.”

14) Pelo que não se percebe o entendimento do Tribunal recorrido ao julgar procedente a impugnação da Recorrida.

1.3. B..., S.A., notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações que encerrou com o seguinte quadro conclusivo:

«A. A TOS é liquidada pelo Município da Maia ao distribuidor de gás natural (a C..., S.A.), tendo vindo a ser, a final, suportada através do mecanismo da repercussão legal pela Impugnante, ora Recorrida, através da fatura n.º FT RN1908/02959, da A..., S.A. – Sucursal Portugal, emitida a 12 de julho de 2019.

B. No entanto, o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 determina que a "taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores” (negritos nossos).

C. Assim, sem prejuízo de — mesmo após a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 — a TOS ter continuado a ser repercutida à ora Recorrida, sendo esta consumidora de gás natural, a repercussão da TOS, nomeadamente a efetuada através da fatura acima identificada é ilegal, por violação do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

D. O quadro normativo em que se baseava a possibilidade de repercussão legal foi profundamente alterado com o artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

E. Assim, desde o dia 1 de janeiro de 2017 que as taxas municipais de ocupação do subsolo não podem ser suportadas pelos consumidores.

F. Por outras palavras, sendo a ora Recorrida consumidora final de Gás, esta não poderá suportar a TOS por repercussão legal.

G. A TOS é uma taxa municipal criada e liquidada pelos respetivos municípios pela “utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal”.

H. Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 que aprovou as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as distribuidoras, existe a possibilidade de repercussão das TOS nos consumidores de gás natural de cada Município.

I. Perante este contexto, a relação jurídico-tributária aqui em discussão processa-se nos seguintes moldes: a Câmara Municipal da Maia liquida uma taxa ao distribuidor de gás natural (a D..., S.A.), que é repercutida ao comercializador (a A..., S.A. – Sucursal Portugal) que, por sua vez, a repercute no consumidor final de gás natural, a ora Recorrida.

J. Do quadro descrito tal como estava estabelecido resultava a existência de um mecanismo de repercussão legal da TOS nos consumidores finais pelas concessionárias.

K. Todavia, desde 1 de janeiro de 2017 que foi expressamente consagrada a proibição de fazer repercutir no consumidor final as taxas municipais de ocupação do subsolo (cfr. artigos 85.º, n.º 3, e 276.º, da LOE 2017).

L. Não obstante a sua ilegalidade, a repercussão que tem vindo a ser efetuada à ora Recorrida encontra a sua razão de ser no facto de o Repercutente fazer uma interpretação errada do quadro jurídico em vigor, nomeadamente do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

M. Ou seja, reitera-se, o que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, que a Impugnante considera ser ilegal – e cuja ilegalidade foi confirmada pelo Tribunal a quo, mas que lhe continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

N. Saliente-se, aliás, que a matéria ora em discussão já foi objeto de apreciação por parte deste douto Tribunal em várias ações intentadas contra os respetivos Municípios, tendo o Tribunal decidido pela ilegitimidade passiva dos mesmos. Assim, é na sequência destas decisões que a Impugnante, ora Recorrida, intentou novas ações, desta feita, contra a comercializadora, vindo, deste modo, acompanhar o entendimento do STA a propósito desta questão.

O. Entendimento este que tem suporte na norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 o qual impede que a TOS seja repercutida na Recorrida. Ora, não sendo o Município parte legítima na ação, sempre teria a Recorrente que intentar a mesma contra a entidade que lhe repercutiu indevidamente o tributo, sob pena de se considerar que a norma acima referida não produz qualquer efeito prático.

P. Conforme defende o Conselheiro Gustavo Courinha no voto de vencido apresentado no Acórdão proferido no processo n.º 506/17.2BEALM (em ação com o mesmo enquadramento factíco-jurídico, mas instaurada contra o Município do Seixal): “(...) tão-pouco se compreenderia que o Parlamento tivesse decidido elevar à condição de Lei Formal, integrado no Orçamento de Estado – pelo artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro – uma proibição de um fenómeno de conteúdo, afinal, meramente económico e sem qualquer substrato jurídico-tributário.” (negritos e sublinhados nossos).

Q. Com efeito, um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado.

R. Do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 resultam dois imperativos claros, precisos e incondicionais: (i) a TOS tem que ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas; e (ii) não pode ser refletida na fatura dos consumidores.

S. O artigo 85.º, n.º 3, não impõe qualquer requisito nem limitação à sua interpretação ou aplicação. Não se lê “sem prejuízo do disposto no número x”, “assim que y”, “verificado que esteja z”, nem tão pouco se prevê um diferimento temporal para aplicação do referido regime.

T. Mais, a norma não refere que “serão pagas” ou “poderão vir a ser pagas”, antes referindo “são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.

U. Salienta-se que a lei é especialmente cuidadosa na terminologia utilizada ao referir que não podem ser “refletidas na fatura dos consumidores”, afastando qualquer possibilidade de repercussão legal e económica. Nada se diz sobre como operará a repercussão, para além da obrigação de a fazer cessar quanto aos consumidores.

V. Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – invocado pela Recorrente –, esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática. Através dela, o legislador do Decreto-Lei de Execução Orçamental limitou-se a abrir a porta para, em função da avaliação das consequências no equilíbrio económico-financeira das empresas operadoras de infraestruturas, vir a ser alterada, por via legislativa, a proibição de repercussão que consta do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

W. Mas, através da referida norma, o legislador não revogou a norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, nem sequer estabeleceu que ela terá inexoravelmente de ser revogada.

X. Repare-se que o Decreto-Lei de Execução Orçamental “contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, assegurando, em paralelo, uma rigorosa execução orçamental” (negritos e sublinhados nossos). De referir que o resultado interpretativo deverá ser aquele que não seja incompatível com a Lei do Orçamento do Estado para 2017.

Y. Com efeito, o Decreto-Lei de Execução Orçamental existe porque existe um Orçamento do Estado e destina-se a desenvolver os imperativos deste último.

Z. Relativamente ao facto de ter sido novamente inscrito no artigo 133.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a proibição da repercussão da TOS nos consumidores finais, entende a Recorrida que a norma referida veio apenas reiterar novamente a proibição de repercussão, muito possivelmente, perante o incumprimento continuado das operadoras de infraestruturas. Significa igualmente que o legislador quis manter, inequivocamente, a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais (nomeadamente, em 2021).

AA. A Recorrida desenvolve a atividade siderúrgica e de fabricação de ferro-ligas, não se dedica à produção, distribuição, comercialização ou revenda de gás natural. Assim, tratando-se a Recorrida de uma consumidora de gás, a cobrança da TOS contraria lei expressa (cfr. artigo 3.º, al. g), do Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto).

BB. Assim, tendo sido repercutida na Recorrida a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental.

CC. Discorda-se da douta Sentença na parte em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios peticionado pela Impugnante, ora Recorrida, solicitando-se assim a ampliação do objeto do recurso ao abrigo do artigo 636.º, n.º 1, do CPC.

DD. Os juros indemnizatórios revestem “uma função reparadora dos prejuízos causados ao

contribuinte pelo facto de ter ficado privado ilicitamente durante certo período, de uma quantia. O reconhecimento destes juros visa repor a situação que se verificaria se o contribuinte não tivesse procedido ao pagamento indevido do tributo. Pelo contrário, não corresponde à punição de quem cometeu o erro do qual resultou aquele pagamento indevido.” (Carla Castelo Trindade e Serena Cabrita Neto, Contencioso Tributário, Vol. I – Procedimentos, Princípios e Garantias, Almedina, 2017, p. 216).

EE. Atendendo ao caso em apreço, tendo a ora Recorrente repercutido ilegalmente a TOS na Recorrida, esta viu-se privada, ilicitamente, há mais de dois anos, de uma quantia que lhe era devida pelo que deverá ser devidamente compensada.

FF. Não obstante a A..., S.A. – Sucursal Portugal, não integrar a Administração Tributária e Aduaneira nem ser um ente público equiparado, para o efeito da discussão em causa nos presentes autos, é ela que indevidamente repercutiu o tributo à Impugnante, ora Recorrida.

GG. Ao cobrar a TOS à Recorrida em violação de lei expressa, a Recorrente cobra um tributo que não é devido pela Recorrente, privando-a, deste modo, de uma quantia que era sua.

HH. A repercussão da TOS traduz-se, assim, num empobrecimento real e efetivo da tesouraria da Impugnante, ora Recorrida, e num enriquecimento da tesouraria da A..., S.A. – Sucursal Portugal.

II. Verificando-se a repercussão da TOS pela A..., S.A. – Sucursal Portugal, em violação do artigo 85.º, n.º 3, da LOE para 2017, existe fundamento legal para o pagamento de juros indemnizatórios à Recorrida, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, na medida em que se verificou o pagamento indevido de um tributo, cujo erro não é (seguramente) imputável a esta.

JJ. Refira-se que, em tese, o direito a juros indemnizatórios devidos à Recorrida, B..., é independente do eventual direito de regresso que a Recorrente possa ter sobre outras entidades.

KK. Salienta-se, igualmente, que na esmagadora maioria da jurisprudência respeitante à ilegalidade da repercussão da TOS os Tribunais têm decidido consistentemente pela condenação ao pagamento de juros indemnizatórios pelas comercializadoras – A..., S.A. - Sucursal Portugal, E..., S.A., e F... S.A. – Sucursal em Portugal.

LL. Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser mantida quanto à anulação da repercussão efetuada pela ora Recorrente e restituído o montante pago a título de TOS, por ser conforme ao Direito.

MM. Todavia, a decisão recorrida não deverá ser mantida quanto à absolvição da ora Recorrente quanto ao pedido de juros indemnizatórios por não ser conforme ao Direito.

1.7. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, com a fundamentação que parcialmente se transcreve:

«A questão que vem suscitada pela Recorrente consiste em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar ilegal a repercussão sobre o consumidor final da taxa de ocupação do subsolo, relativa ao período compreendido entre 01/06/2019 a 31/06/2019, no valor de € 9.553,92 euros, o que passa por saber se a disposição do nº3 do artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28/12, que proíbe a repercussão da TOS no consumidor, carece ou não de um regime legal de execução para produzir os seus efeitos.

(…) o tribunal “a quo” baseou a sua decisão no entendimento de que a partir de 1.1.2017, data da entrada em vigor da lei nº 42/2016, de 28/12, a TOS deixou de poder ser repercutida no consumidor final, sendo encargo das empresas operadoras de infra-estruturas.

Com efeito, o artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o orçamento de estado (OE) para 2017, prevê no seu nº3 que «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na factura dos consumidores».

E no nº4 do mesmo preceito legal consignou o legislador que «No primeiro semestre de 2017, é revista a Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro».

Por sua vez, no artigo 70º do Dec.-Lei nº 25/2017, de 3 de março, diploma de execução da lei do orçamento, estabeleceram-se regras relativas à informação sobre o cadastro das redes de infraestruturas, estabelecendo-se no nº4 que em função dessa informação iriam ser avaliadas “as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas”. E no seu nº5 que “o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores”

(…)

Atentos os contornos legais da norma plasmada no artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro, e o facto de não ter sido até agora implementada pelo Governo qualquer alteração ao enquadramento legal da taxa municipal de ocupação do subsolo que os municípios fazem recair sobre os operadores de distribuição do gás, importa perceber que efeitos foram produzidos com a entrada em vigor daquela norma no ordenamento jurídico.

Para o efeito mostra-se necessário caraterizar os termos em que vem sendo repercutida no consumidor final a referida taxa de ocupação do subsolo.

Como é sabido, a aplicação desta taxa municipal tem gerado uma forte litigância na última década, em resultado de a sua aplicação (lançamento) por parte dos (alguns) municípios não ter sido prevista aquando dos procedimentos de concessão da distribuição do gás natural.

Em resultado dessa litigância, o Governo acordou com as concessionárias, no âmbito do clausulado contratual, na admissibilidade de a referida taxa municipal poder ser repercutida no consumidor final.

(…)

Ora, se o disposto no artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro, pretendeu por cobro a essa situação, a questão que se coloca é a de saber se com a entrada em vigor da referida lei está ou não vedada a efetivação da repercussão da taxa nos termos em que vinha sendo realizada, ou seja, refletida na fatura (independentemente, claro está, de a mesma poder ser refletida no preço do serviço prestado ao consumidor).

Trata-se, pois, de saber se a referida disposição legal revogou, nessa parte e de forma implícita, o disposto na resolução de Conselho de Ministros supra referenciada.

A este propósito e com vista a perceber os efeitos da norma incluída na lei orçamental (OE/2017), repescamos parte do parecer nº 36/89, de 12/10/1989, do Conselho Consultivo da PGR (publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Maio de 1990, pág. 5596), no qual se deixou exarado o seguinte:

«4.3.2.1. Em primeiro lugar deve ter-se presente que o facto de uma lei poder ser regulamentada pelo Governo, no desenvolvimento de uma ou outra disposição, não significa, por si só, que a lei tenha de ser globalmente considerada como inexequível até à entrada em vigor das normas que a regulamentem.

Na realidade, todas as leis comportam, em princípio, a possibilidade de uma regulamentação capaz de aperfeiçoar o modo de aplicação de algumas das suas normas. O Governo detém competência genérica para "fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis" (artigo 202º, alínea c), da Constituição). Tal competência - para a elaboração desses regulamentos, convenientes mas não indispensáveis à execução da lei - não depende de nenhuma habilitação ou autorização especificamente conferida.

Nesses casos, qualquer habilitação específica conferida pelo legislador terá um valor redundante, nada mais significando do que um simples apelo para que o Governo não descure a matéria.

Tais regulamentos - regulamentos de execução, no sentido mais estrito do termo - podem ser úteis, podem ser convenientes para assegurar uma aplicação eficiente, mais segura e ordenada da lei, mas não são indispensáveis à sua execução.

4.3.2.2. Distinta é a situação em que o próprio legislador torna expressa, no articulado, a vontade de que a lei não seja executada antes de publicada a respectiva regulamentação, isto é, antes de acertados determinados pormenores que garantam o grau máximo de certeza e uniformidade da sua aplicação prática.

E, de igual modo, mesmo na falta de disposição expressa do legislador, devem considerar-se inexequíveis, logo à partida, as leis que prevejam expressamente a regulamentação dos seus preceitos, desde que estes sejam de tal modo imprecisos, vagos ou incompletos, que a sua execução não possa processar-se senão em termos de inconveniente incerteza jurídica ou de relevante insegurança individual ou social.

Trata-se, nestes casos, de regulamentos complementares, impostos ou intrinsecamente necessários à execução da lei (20).

4.3.2.3. Entre estes regulamentos e os regulamentos independentes - que aqui não interessa abordar - poderão ainda referir-se os regulamentos que visam completar a disciplina primária definida na lei, preenchendo os espaços deliberadamente deixados em aberto pelo legislador. Muitas vezes a lei estabelece a disciplina normativa de certa matéria, mas deixa-a propositadamente incompleta em determinados pontos, seja porque o legislador não se sente ainda na posse de todos os elementos técnicos necessários para os regular, seja porque se considera preferível remeter para regras mais flexíveis o regime de certas áreas de maior instabilidade social ou de mais rápida desactualização. O legislador limita-se, nestes pontos, a remeter para diplomas posteriores de carácter regulamentar, chamando assim o Governo a preencher os espaços vazios da lei.

É esta, aliás, uma espécie que surge com bastante frequência na prática legislativa actual, constituindo mesmo a principal hipótese em que a exequibilidade das leis fica na dependência da sua regulamentação, que visa, aqui, não apenas desenvolver, pormenorizar as previsões da lei, mas, sim, completar, integrar o inacabado quadro jurídico traçado pelo legislador. Daí a sua designação de regulamentos integradores (21, podendo também chamar-se-lhe regulamentos complementares, como os anteriormente referidos.

Se da lei não resultar conclusão diferente, a sua execução global necessita de aguardar a publicação dos referidos diplomas complementares. Enquanto a falta se não preencher, a execução da lei não é viável, isto é, a lei não pode ser aplicada».

Ora, no caso concreto, afigura-se-nos que se o disposto no artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28 dezembro, pode vir a implicar que o Governo proceda a alterações nos contratos celebrados com as concessionárias ou consiga dos municípios uma específica disciplina da liquidação da TOS (o que até agora não logrou obter), certo é que tal situação não obsta, salvo melhor opinião, à aplicação imediata da referida norma. Com efeito, no artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro, o legislador não fez depender a eficácia (ou produção de efeitos) do disposto no nº3 de qualquer outra regulação, nem os termos em que foi redigida a norma permite concluir haver necessidade de regulação complementar para que a mesma seja suscetível de produzir efeitos no caso concreto. A norma é bastante clara no sentido de que o pagamento da taxa é da responsabilidade das empresas operadoras e não há lugar a repercussão da taxa na fatura dos consumidores, o que se mostra suficiente para a sua aplicação imediata.

Por outro lado, se em decorrência de tal facto e dos demais elementos, no artigo 70º do Dec.-Lei nº 25/2017, de 3 de março, o legislador se predispôs a rever as condições do equilíbrio económico financeiro das empresas operadoras, não fez depender a proibição da repercussão da taxa da verificação de tais condicionalismos, nem tão pouco se verifica uma dependência intrínseca entre as duas regulamentações, pois os encargos para as empresas operadoras decorrentes da TOS podem ser mais ou menos assimiláveis dentro das margens dos preços praticados ou a praticar.

Entendemos, assim, que com a entrada em vigor do artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro, ficou vedada a efetivação da repercussão da taxa nos termos em que vinha sendo realizada, ou seja, refletida na fatura do consumidor, ao abrigo da resolução do Conselho de Ministros nº 98/2008, de 23 de junho, que deste modo foi implicitamente revogada nessa parte, motivo pelo qual a sentença recorrida que assim o entendeu não padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, impondo-se desse modo a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso».

1.8. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, são três as questões a decidir.

A primeira prende-se com a eficácia da norma consagrada no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28-12), de que decorrerá, confirmando-se essa eficácia, a ilegalidade do acto de repercussão impugnado por, desde 1 de Janeiro de 2017, não ser permitido às empresas operadoras de infraestruturas, que suportam a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo, reflectir (repercutir) na factura dos consumidores os valores por si pagos a esse título.

Sendo negativa a resposta à primeira questão, impor-se-á a baixa dos autos à 1ª instância, uma vez que o conhecimento do segundo vício suscitado na petição inicial – inconstitucionalidade do acto de repercussão do tributo, por violação dos artigos 165.º, n.º 1 al. i) e 103º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), por, relativamente ao consumidor final, sobre quem recai por via do acto de repercussão o encargo financeiro de pagamento da TOS, não ser possível identificar-se a utilização de um bem do domínio público que legitime a exigência de pagamento da taxa, e, consequentemente dever qualificar-se materialmente como um imposto – foi expressamente julgado prejudicado pelo Tribunal a quo.

2.3. A delimitação que fizemos do objecto do recurso indicia já fortemente que este Supremo Tribunal Administrativo, mesmo que confirme o julgamento do Tribunal a quo quanto à ilegalidade do acto de repercussão, por ser plenamente eficaz a norma consagrada no artigo 85.º, n.º 3 da LOE/2017, não apreciará a bondade do julgamento relativo aos juros indemnizatórios, objecto do pedido de ampliação do recurso que a Recorrida formulou ao abrigo do artigo 636.º do CPC.

Na verdade, como resulta do último artigo citado, a ampliação do objecto do recurso apenas permite que a parte vencedora, que, por o ser, não possui, em regra, legitimidade para recorrer, requeira, em ampliação do recurso, para o que ora releva, a apreciação de fundamentos não apreciados ou em que a parte vencedora decaiu.

Acontece, porém, que o pedido de juros indemnizatórios não é um fundamento da ilegalidade do acto, antes constituindo esta ilegalidade um dos fundamentos do pedido de juros indemnizatórios formulado.

Pelo que, tendo a ora Recorrida ficado vencida quanto ao pedido de juros indemnizatórios, devia, com a legitimidade que lhe é reconhecida pelo artigo 630.º do CPC, ter interposto recurso, independente ou subordinado, nos termos do artigo 633.º do CPC, visando a reapreciação e revogação da sentença nessa parte.

Não o tendo feito, a sentença de 1ª instância, nessa parte, independentemente do acerto ou desacerto do julgamento realizado, transitou, estando, em conformidade com o preceituado no artigo 635.º, n.º 5 do CPC, vedado a este Tribunal ad quem a sua reapreciação.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1. Em 12-7-2019, a A... S.A. – Sucursal em Portugal, contribuinte fiscal nº ..., emitiu a factura n.º FT RN1908/02959, em nome da B... – Siderurgia

Nacional, S.A., ora impugnante, do período de fornecimento de 1-6-2019 a 30-6-2019, no valor total de € 579.293,33 – conforme documento n.º 1 junto com a petição inicial.

2. Da factura referida em 1., consta a cobrança da quantia de € 9.553,92, referente a Taxa de Ocupação do Solo 2019 – conforme documento n.º 1 junto com a petição inicial.

3. Em 8-8-2019, a impugnante procedeu ao pagamento da factura referida – conforme documento n.º 2 junto com a petição inicial.

4. Em 8-8-2019, a impugnante apresentou junto da Câmara Municipal da Maia, ao abrigo do artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Taxas de Autarquias Locais, Reclamação, tendo como objecto, como ali identifica, o “ato de liquidação da Taxa de Ocupação do Subsolo relativa ao mês de Setembro de 2018”, emitida pela A... – conforme documento n.º 3 junto com a petição inicial.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Dissemos já que a Recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou a presente Impugnação Judicial parcialmente procedente, sustentando que a Meritíssima Juíza a quo, ao julgar que o acto de repercussão da TOS é ilegal interpretou e aplicou mal o quadro jurídico que convocou como fundamento da sua decisão.

3.2.2. Concretizando, para a Recorrente o Tribunal interpretou e aplicou mal o disposto no artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28-12. Porque deste preceito não resulta que a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2017 (LOE2017), sem necessidade de qualquer acto legislativo ou regulamentar adicional, tenha ficado proibida a repercussão da TOS no consumidor final. Porque uma correcta interpretação e aplicação conjugada da Lei do Orçamento do Estado e do Decreto-Lei de Execução Orçamental (Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de Março), particularmente do artigo 70.º deste último, que deve ser considerado como uma norma de interpretação “ autentica e clarificadora” daquele artigo 85.º da LOE2017, conduzem, contrariamente ao que se decidiu na sentença recorrida, à conclusão de que a proibição a que se alude no citado n.º 3 do artigo 85.º da LOE217 constituía um objectivo a concretizar no futuro, revistos (alterados ou complementados) os quadros jurídicos em vigor, como, adianta, resulta ainda das sucessivas normas orçamentais e do grupo de trabalho constituído tendo em vista a sua elaboração.

3.2.3. Vejamos, então, começando por enunciar os factos e argumentos jurídicos em que, de forma nuclear, se fundou o julgamento

No que respeita à factualidade pertinente, relevou, para o que nos importa apreciar e decidir face ao objecto do recurso, a circunstância de ter ficado provado que na factura emitida pela Recorrente à Recorrida, referente ao mês de Junho de 2018, que tem como montante total € 579.293,33, está incluído o valor de € 9. 553,92, a título de «Taxa de Ocupação de Subsolo». Ou seja, relevou para o julgamento ter ficado provado que na factura apresentada a pagamento à Recorrida está incluída a TOS e que esta foi paga pelo consumidor final.

Quanto aos argumentos jurídicos que sustentaram de forma mais decisiva o reconhecimento do pedido de ilegalidade do acto de repercussão, são, no essencial, os seguintes: (i) a norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da LOE de 2017 é automaticamente operacional, ou seja, a sua eficácia não está dependente da criação de um quadro jurídico que ainda não existe e, consequentemente, a obrigatoriedade de não repercussão da TOS na factura dos consumidores finais consagrada no n.º3 do artigo 85.º da LOE é imediatamente exequível; (ii) o artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017 não constitui uma interpretação autêntica do artigo 85.º da LOE217, limitando-se a regular a execução do n.º 1 do artigo 85.º da LOE e não o seu n.º 3; (iii) a imediata exequibilidade do n.º 3 do artigo 85.º resulta ainda da presunção consagrada no n.º 2 do artigo 85.º da LOE2017, por o legislador ter cuidado de estabelecer que na ausência da comunicação por parte das concessionárias, ou seja, nas situações de incumprimento do dever de comunicação previsto no n.º 1 do artigo 85.º da LOE2017, dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 70.º do DL n.º 25/2017, se presumiria que as infraestruturas estão localizadas na totalidade dos metros lineares da respectiva rede viária urbana.

3.2.4. Posto isto, considerando que as questões que constituem objecto deste recurso foram já objecto de conhecimento e decisão no acórdão proferido a 23 de Fevereiro de 2023, no processo n.º 2/2021.3BEALM, que está integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt, será, por referência à fundamentação aí exarada que julgaremos o presente processo, limitando-nos a realizar as adaptações necessárias impostas pelo concreto circunstancialismo de facto destes autos que se mostrem pertinentes (dispensando-se a utilização de aspas que seriam devidas, mesmo nas partes que transcrevemos ipsis verbis, para que o discurso jurídico fique mais perceptível).

Assim:

3.2.4.1. Da eficácia da norma contida no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2017 (LOE207)

O artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2017 possui o seguinte teor: «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores.».

Para bem compreendermos o teor desta norma (abstraímo-nos, por ora, de aludir aos seus eventuais efeitos), importa, antes de mais, que façamos uma breve densificação da taxa que aqui está em causa, onde encontra o seu fundamento jurídico, como é determinada ou quantificada e quem é ou, pelo menos, era até 1-1-2017 responsável pelo seu pagamento.

Começaremos, assim, por fazer uma excursão sobre os diplomas legais que nos permitirão esclarecer esses aspectos, absolutamente necessária para a contextualização da questão nevrálgica dos autos.

Nesse sentido, convoca-se, antes de mais, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro, Lei que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), que regula as relações jurídico-tributárias geradoras da obrigação de pagamento de taxas às autarquias locais (artigo 1.º), na qual se encontra estabelecido que os tributos nela previstos assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 3.º), não devendo o seu valor, fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade, ultrapassar o custo da actividade pública local ou o benefício auferido pelo particular (artigo 4.º).

Ainda nos termos deste diploma, a taxa incide, designadamente, sobre a utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal, sendo seu sujeito activo a autarquia local, entidade titular do direito de exigir o tributo e sujeito passivo a pessoa, singular ou colectiva, e outras entidades legalmente equiparadas que, nos termos da presente Lei e dos Regulamentos aprovados pelas autarquias locais, esteja vinculado ao cumprimento da prestação tributária (artigos 6.º e 7.º).

Com a publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 30/2006 de 15 de Fevereiro (Entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 62/2020), de 28 de Agosto.) foram introduzidos na ordem jurídica nacional os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), bem como ao exercício das actividades de recepção, armazenamento, transporte, distribuição e comercialização de gás natural e à organização dos mercados de gás natural - em conformidade com as regras comuns consagradas na Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho (A Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho revogou a Directiva n.º 98/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho.) que tiveram por finalidade o incremento de um mercado livre e concorrencial.

Conforme consta do seu preâmbulo, visou-se com este diploma concretizar no plano normativo a linha estratégica da Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005, de 24 de Outubro, definindo para o sector do gás natural um quadro legislativo coerente e articulado com a referida legislação comunitária e os principais objectivos estratégicos aprovados na referida resolução.

No que respeita à exploração das redes de distribuição de gás natural, resulta do artigo 27.º do identificado diploma que «A actividade de distribuição de gás natural é exercida em regime de concessão ou de licença de serviço público, mediante a exploração das respectivas infra-estruturas que, no seu conjunto, integram a exploração da RNDGN» (n.º 1) e que «As concessões da RNDGN são atribuídas mediante contratos outorgados pelo Ministro da Economia e da Inovação, em representação do Estado».

Posteriormente foi publicado o Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, que, desenvolvendo os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de Fevereiro, instituiu o regime jurídico aplicável ao exercício das actividades de transporte, armazenamento subterrâneo, recepção, armazenamento e regaseificação de gás natural liquefeito, à distribuição e comercialização de gás natural e à organização dos mercados de gás natural - desta forma se completando a transposição da Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.

Com particular relevo para o que nos autos nos importa decidir, ficou estabelecido no artigo 7.º do referido Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho que a atribuição das concessões para o exercício desta actividade compete ao Conselho de Ministros, sendo os respectivos contratos de concessão outorgados pelo ministro responsável pela área da energia, em representação do Estado. E, no seu artigo 70.º, que os contratos de concessão de distribuição regional em vigor tinham que ser alterados de acordo com as bases estabelecidas no seu Anexo IV, assegurando-se nos novos contratos o direito das concessionárias à manutenção do equilíbrio económico e financeiro das respectivas concessões.

No Conselho de Ministros de 3 de Abril de 2008, foi aprovada a Resolução n.º 98/2008, de 3 de Abril de 2008 (publicada no Diário da República n.º 119/2008, Série I de 23 de Junho e doravante apenas designada por Resolução) que possui o seguinte teor:

«O Decreto-Lei 30/2006, de 15 de Fevereiro, ao estabelecer as bases gerais da organização e do funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) em Portugal, bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das várias actividades que integram o SNGN e à organização dos mercados de gás natural, prevê que a distribuição de gás natural é uma actividade exercida em regime de concessão de serviço público.

No desenvolvimento dos princípios acima referidos, o artigo 7.º do Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, dispõe que a atribuição das concessões para o exercício desta actividade compete ao Conselho de Ministros, sendo os respectivos contratos de concessão outorgados pelo ministro responsável pela área da energia, em representação do Estado.

O mesmo diploma estabelece ainda no n.º 1 do artigo 70.º que os actuais contratos de concessão de distribuição regional devem ser alterados de acordo com as bases estabelecidas no anexo iv do Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, assegurando-se nos novos contratos o direito das concessionárias à manutenção do equilíbrio económico e financeiro das respectivas concessões.

Obtido o acordo de cada uma das concessionárias sobre as alterações introduzidas nos respectivos contratos, encontram-se reunidas as condições para atribuir as concessões de distribuição regional de gás natural, em regime de serviço público, a celebrar entre o Estado Português e as sociedades G..., S. A., H..., S. A., I..., S. A., J..., S. A., D..., S. A., e K..., S. A.

Assim:

Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, e nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:

1 - Aprovar, sob proposta do Ministro da Economia e da Inovação, as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as sociedades G..., S. A., H..., S. A., I..., S. A., J..., S. A., D..., S. A., e K..., S. A.

2 - Determinar que os originais dos contratos referidos no número anterior fiquem arquivados na Secretaria-Geral do Ministério da Economia e da Inovação.

3 - Determinar que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação.».

Em anexo à Resolução constam as minutas dos contratos de concessão, constando do texto da cláusula 7ª que «É reconhecido à concessionária o direito de repercutir, para as entidades comercializadoras de gás ou para os consumidores finais, o valor integral das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área da concessão na vigência do anterior contrato de concessão mas ainda não pago ou impugnado judicialmente pela concessionária, caso tal pagamento venha a ser considerado obrigatório pelo órgão judicial competente, após trânsito em julgado da respectiva sentença, ou após consentimento prévio e expresso do concedente.”.

Direito este que igualmente se mostra reconhecido na cláusula 11.ª do Modelo de Licença para exploração de rede de distribuição local de gás natural (Previsto no anexo III da Portaria n.º 1213/2010, de 2-12, aprovada ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 24.° e n.º 3 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26-7, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 65/2008, de 9-4.), da qual consta «Assiste também à Licenciada o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra- estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais» (n.º 3) e que «Na sequência do estabelecido no número anterior, os valores que vierem a ser pagos pela Licenciada em cada ano civil serão repercutidos sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra-estruturas ou sobre os consumidores finais servidos pelas mesmas, durante os anos seguintes, nos termos a definir pela ERSE».

Em suma, até à emissão da Resolução, o pagamento da TOS, enquanto contrapartida pela utilização e aproveitamento de bens de domínio público e privado municipal pelas redes de distribuição de gás natural, era, por força do preceituado nos artigos 6.º, n.º 1 al. c) e 7.º, n.º 2 do RGTAL, da exclusiva responsabilidade das concessionárias. Após a Resolução, e por força da Resolução, o pagamento da TOS passou a ser passível de imputação ao consumidor final.

Em nota final deste enquadramento importa ainda registar que o Decreto-Lei n.º 140/2006 define como cliente final “ o cliente que compra gás natural para consumo próprio”[artigo 3.º, al. g)] (Definição mantida pelo Decreto-Lei n.º 62/20, de 28 de Agosto, que revogou o regime instituído no Decreto-Lei n.º 140/2006, conforme artigos 3.º, al. g) e 160.º, al. b) daquele primeiro diploma legal.) e que a metodologia de repercussão do valor da TOS que cada Município aplica, incluída nas facturas de gás natural, nos termos definidos pela ERSE, depende da extensão da rede de distribuição instalada em cada concelho e que o valor unitário da TOS repercutido é composto por uma componente variável que incide sobre o consumo de gás natural (kWh) e uma componente fixa aplicada sobre o número de dias do período de facturação (como ocorreu no caso, atenta a factualidade apurada).

Como se constata da leitura da sentença recorrida, e deixámos já consignado, o julgamento de procedência da acção acompanhou a tese defendida pela ora Recorrida, louvando-se, nuclearmente, no entendimento de que a norma prevista no artigo 85.º, n.º 3 da LOE de 1017 é automaticamente operacional, não estando a sua eficácia dependente da criação de um quadro jurídico tendo em vista a alteração do regime legal de repercussão da TOS. Ou seja, o n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 é, para o Tribunal a quo, uma norma apta a produzir os seus efeitos, o que ocorreu a partir de 1 de Janeiro de 2017, com a entrada em vigor da LOE2017.

Adiantamos, desde já, que o Tribunal a quo julgou bem e, consequentemente, a sentença recorrida deve ser mantida na ordem jurídica.

Convocando, então, o julgamento já realizado no processo n.º 2/21.3BEALM, passamos a adiantar as razões que nos determinam a julgar que esta norma é plenamente eficaz, isto é, pelas quais entendemos que a norma é, per se, sem a intermediação ou complementação de quaisquer outras, apta a regular de forma directa e imediata a realidade nela contemplada. Dito de outro modo, enunciemos as razões que ditaram a conclusão que avançamos: a partir da publicação da Lei n.º 142/2016, que entrou em vigor a 1-1-2017, passou a ser legalmente inadmissível que as entidades concessionárias de fornecimento ou distribuição de gás natural repercutam nos seus clientes ou consumidores finais a TOS.

Desde logo, porque a norma assim o diz, de forma clara, directa e incondicional: «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores».

E como nem neste normativo, nem em qualquer outro da mesma Lei, se faz depender a proibição consagrada no n.º 3 do transcrito normativo de quaisquer regulamentações, estudos ou alterações legais, nem existe norma a impor expressamente o deferimento no tempo da sua aplicação, há que concluir que a disposição em apreço tem que ser interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos consumidores a partir da entrada em vigor da Lei que a aprovou.

Da leitura das alegações e, particularmente das conclusões do recurso jurisdicional constata-se que o que a Recorrente pretende, como já havia defendido em sede de contestação, é que este Supremo Tribunal reconheça que a proibição expressa no n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 se reconduz (reduz) a um mero objectivo que o Estado pretenderia prosseguir, ou seja que reconheça que a norma em causa não é uma norma exequível - nem à data em que foi consagrada na LOE/2017, nem posteriormente - por ainda não ter sido dada execução ao determinado no artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental, como o revelam as normas proibitivas que foram sendo sucessivamente consagradas nas Leis de Orçamento do Estado posteriores, a emissão de um Despacho emitido pelos Ministros de Estado e das Finanças, da Modernização do Estado e da Administração Pública e do Ambiente e da Acção Climática a 30 de Dezembro de 2020 e a constituição do grupo de trabalho nele previsto.

Não podemos acolher tal entendimento.

Como já dissemos, a proibição da TOS ser reflectida na factura dos consumidores consagrada no artigo 85.º, n.º 3 é clara e incondicional e nada impede que os seus efeitos, tal como está legalmente construída, se produzam de imediato. A inexequibilidade da norma ou a sua qualificação como norma inexequível implica necessariamente um juízo de incompletude. São normas não exequíveis as que " por motivos diversos de organização social, política e jurídica” se desdobram: por um lado, um comando que substancialmente fixa certo objectivo, atribui certo direito, prevê certo órgão; e, por outro lado, um segundo comando, implícito ou não, que exige do Estado a realização desse objectivo, a efectivação desse direito, a constituição desse órgão, mas que fica dependente de normas que disponham as vias ou os instrumentos adequados a tal efeito" (Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria n.º 36/89, de 12-10-1989, publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Maio de 1990, página 5596).

Ora, é esse desdobramento que, salvo o devido respeito, não conseguimos identificar na norma em análise, já que a proibição (estatuição) que encerra se efectiva pela simples eliminação da repercussão da TOS na factura. Ou seja, resultando da Lei e dos contratos à sua luz celebrados e vigentes à data da aprovação da LOE2017, que o pagamento da TOS era da exclusiva responsabilidade das concessionárias, que, no entanto, posteriormente, a podiam repercutir sobre os utilizadores das infra-estruturas, quer se tratassem de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor que a esse título tivessem pago, procedendo-se, para esse efeito, à sua inclusão na factura de facturas de gás natural, nenhum obstáculo se coloca à produção imediata dos efeitos que lhe são inerentes que se concretizam pela singela eliminação da repercussão na factura emitida.

E não se diga que a ser assim carece de sentido quer o preceituado no artigo 70.º, n.º 5 do Decreto-Lei de Execução Orçamental quer a necessidade de em posteriores Orçamentos se voltar a consagrar a mesma proibição, quer, por fim, o Despacho n.º 315/21, de 30-12-2020 e o grupo de trabalho que neste último está previsto, entretanto constituído.

Relativamente ao Decreto-Lei de Execução Orçamental, sublinhamos, antes de mais, que, por natureza e imposição legal, constitui o instrumento onde ficam estabelecidas as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado a que respeita.

Sendo esse o seu objecto, como decorre, no caso, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3-3 [“O presente decreto-lei estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2017, aprovado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado)]», parece poder concluir-se que a LOE, no caso para o ano de 2017, constitui o quadro legal que, simultaneamente, legitima as normas que integram o Decreto de Execução Orçamental e limita o âmbito da sua aplicação, devendo as normas que integram este último ser interpretadas, primacialmente, em conformidade com os princípios e normas integradas naquela primeira, desta formas se assegurando que um diploma cuja exclusiva elaboração e execução está cometida ao Governo [artigo 53.º da Lei n.º 15172015, de 11-9 (Lei de Enquadramento Orçamental – LEO e 198.º, n.º 1 a) e 199.º b) da Constituição da Republica Portuguesa (CRP)], não altere, em matéria orçamental, o que ficou decidido pela Assembleia da República, a quem sob proposta do Governo, compete aprovar o Orçamento do Estado (artigo 161.º, g) da CRP).

Neste contexto, atentemos agora no teor do citado artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – integrado no Capítulo III, “Administração Regional e Local” - o qual, sob a epígrafe «Taxa Municipal de direitos de passagem e taxa municipal de ocupação do subsolo» dispõe o seguinte:

“1 - O cumprimento do dever de comunicação previsto no n.º 1 do artigo 85.° da Lei do Orçamento do Estado é assegurado, até 31 de março de 2017, pelas empresas titulares das infraestruturas junto de cada município e atualizado até ao final do ano, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do mesmo artigo.

2 - No caso de o município ser detentor de informação do cadastro das redes de infraestruturas, ou tiver pleno acesso à mesma através de plataforma online, este dispensa a empresa titular das infraestruturas em questão, por solicitação desta, da prestação inicial da informação, devendo a mesma ser atualizada até ao final do ano, conforme o estatuído no referido artigo 85.°
3 - Até ao final do mês de abril de 2017, os municípios dão conhecimento à DGAL da informação a que se referem os números anteriores, nos termos por ela definidos.

4 - Decorrido o período previsto para a prestação de informação, as entidades reguladoras setoriais em razão da matéria avaliam a informação recolhida e as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas.
5 - Tendo em conta a avaliação referida no número anterior, o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores.».

Na sentença recorrida, ponderando-se a articulação entre os citados artigos 85.º da LOE2017 e 70.º Decreto-Lei de Execução em que a ora Recorrente sustentara fulcralmente a improcedência da Impugnação expendeu-se o seguinte:

«Ora, sendo consabido que a interpretação autêntica é a que é realizada por uma fonte que não é hierarquicamente inferior às fontes interpretadas, correspondendo à previsão do artigo 13.º n.º 1 do Código Civil, que nos dá, a propósito de um caso particular, o critério desta interpretação: lei interpretativa é a que realiza a interpretação autêntica, e há interpretação autêntica quando a nova lei se integrará na lei interpretada e atento o teor do artigo 70.º, considera o Tribunal que desta norma não decorre qualquer interpretação autêntica ao artigo 85.° do mesmo Diploma.

Acresce que, o sobredito artigo 70.º respeita à execução de uma norma, mas, ao contrário do que pugna a Impugnante, não a do n.º 3 do artigo 85.º, mas do n.º 1 do artigo 85.° da Lei do Orçamento do Estado.

Com efeito, o n.º 1 do artigo 70.º estabelece o período temporal até quando deve ser cumprido o dever de comunicação, nada referenciando quanto à proibição da repercussão da taxa.

Ademais e apesar de se poder entender que do n.º 5 poderia resultar que a proibição de repercussão da taxa somente passaria a vigorar após a comunicação referenciada no n.º 1, por estar dependente de tal comunicação, não se pode olvidar o que decorre do n.º 2 do artigo 85.°, ao estabelecer uma presunção na ausência da comunicação por parte das empresas titulares das infraestruturas, presumindo-se que as infraestruturas estão localizadas na totalidade dos metros lineares da respetiva rede viária urbana.

Nesta senda, considera o Tribunal que o artigo 70.º da Lei do Orçamento do Estado para 2017 não é um ato de interpretação autêntica ao artigo 85.º n.º 3, limitando-se a regular a forma de comunicação por parte das empresas titulares das infraestruturas junto dos municípios, nada influenciando a data de entrada em vigor do sobredito preceito.

Assim, a partir de 1.01.2017, a TOS deixou de poder ser repercutida no consumidor final, sendo encargo das empresas operadoras de infraestruturas.»

Concordamos com a Meritíssima Juiz: o artigo 70.º não disciplina a repercussão da taxa de ocupação do subsolo, por, como já deixámos explicitado, o nº 3 do artigo 85.º da LOE constituir uma norma auto-exequível, ou seja, apta, sem qualquer regulamentação complementar, a produzir todos os seus efeitos (também designada pela doutrina como “norma autónoma). (Neste sentido, José Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 4ª. Edição, Editorial Verbo, 1987, pág.474 e seguintes.)

Como resulta linearmente do citado artigo 70.º, o que aí se regulamenta ou desenvolve em termos de execução ou procedimentos são outras normas contidas no artigo 85.º da LOE, mais concretamente, o que ficou disposto nos seus n.ºs 1 e 2, como, de resto, o legislador não deixou margem para dúvidas ao, com precisão, remeter expressamente para tais disposições legais.

Note-se, o que é sobremaneira relevante, que não só do teor do artigo 85.º ou de qualquer outro contido em disposição da LOE2017 não resulta, como já dissemos, qualquer tipo de obstáculo à imediata produção de efeitos do n.º 3 do referido preceito, como o próprio artigo 70.º do Decreto de Execução confirma essa mesma eficácia plena ao excluir da sua regulamentação ou previsão qualquer referência à proibição consagrada no n.º 3 do artigo 85.º - o que seguramente o legislador teria feito, se fosse essa a sua vontade, bastando para tal que tivesse introduzido uma norma condicionando aos demais procedimentos aí regulamentados a proibição de repercussão da TOS.

Como também se disse no acórdão proferido no processo n.º 2/21.3BEALM, é verdade que a interpretação se não deve cingir à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (onde assume particular relevância o disposto no citado artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017, de 03.03), bem como as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, como dispõe o artigo 9.°, n.º 1 do Código Civil». Porém, não só a letra da lei constitui um limite, no sentido de que não pode o julgador alcançar um resultado interpretativo que nela não tenha um mínimo de respaldo, como, a interpretação do artigo 85.º, n.º 3, por si, ou a conjugação desta com o teor do artigo 70.º do Decreto de Execução não permitem concluir pela falta de eficácia da norma ou pela necessidade de um quadro legal regulamentador complementar. Sendo que também se não encontram razões para concluir, como o faz a Recorrente, que a interpretação que se acolhe “extravasa a letra da lei”.

Embora nem na contestação nem nas alegações de recurso a Recorrente tenha concretizado com rigor qual o quadro legal imprescindível à proibição da repercussão (aliás, cuidadosamente analisadas as alegações parece até surpreender-se que a Recorrente não só perfilha o entendimento de que a norma proibitiva não está ainda em vigor como nunca virá a estar por o quadro legal que irá surgir nesta matéria a irá manter, embora em moldes mais transparentes e correctos já que os actos de repercussão passarão apenas a englobar os valores efectivamente pagos pelas concessionárias), parece que podemos concluir com alguma segurança que, para a Recorrente, o fundamento para a exigibilidade do quadro complementar regulamentador radicará na necessidade de assegurar o cumprimento do direito consagrado na cláusula 7.º das minutas contratuais aprovadas no Conselho de Ministros, que, por via da norma proibitiva (n.º 3 do artigo 85.º da LOE) ficou implicitamente revogado. E, com esta revogação, eventualmente comprometido o equilíbrio económico-financeiro do acordo celebrado entre o Estado e a Recorrente.

Porém, salvo o devido respeito, tal pretensão assenta numa confusão de duas questões distintas, que são, por um lado, a questão de saber se a proibição do artigo 85.º, n.º 3 da LOE217, nos termos em que ficou consagrada, era susceptível de produzir efeitos imediatos à data da sua entrada em vigor e, por outro, a questão de saber quais as repercussões que dessa disposição, produzindo efeitos imediatos, resultam para as empresas operadoras de infraestruturas do ponto de vista financeiro.

Para que estas duas questões pudessem estar correlacionadas e dependentes uma da outra era necessário que o legislador tivesse feito depender a dita proibição do apuramento dessas consequências. O que não fez, limitando-se ou comprometendo-se, como resulta da conjugação dos nºs 1 e 2 do artigo 85.º da LOE e n.º 1 a 5 do artigo 70.º do Decreto de Execução Orçamental, a definir os novos pressupostos de determinação da TOS e a desenvolver os procedimentos necessários à avaliação ou determinação do impacto da proibição no referido equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas e, em função do que viesse a ser apurado, alterar o quadro legal em vigor, “nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores." (n.º 5, do artigo 70.º).

Sem deixarmos de sublinhar que o que está em causa nos autos é a interpretação do n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017, mais concretamente a sua susceptibilidade de produzir efeitos imediatos na esfera jurídica dos consumidores finais, que, em primeira linha, terá sempre que resultar da interpretação desta norma em conformidade com os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, o que, com o devido respeito, ficou já realizado, entendemos adequado, mesmo assim, pronunciarmo-nos sobre as objecções colocadas ao julgamento de eficácia plena da norma que vimos expondo, colocadas pela Recorrente nas suas alegações e conclusões fundadas no teor das sucessivas normas orçamentais, no Despacho n.º 315/2021 e na constituição do grupo de trabalho neste previsto.

Quanto ao que nesta matéria ficou consagrado em orçamentos subsequentes, contrariamente ao entendimento defendido pela Recorrente, esses contributos reforçam a interpretação por nós perfilhada de que o legislador apenas “cuidou da (futura) regulação da TOS” (nas palavras da sentença) mas não revogou a proibição de repercussão do seu valor.

Assim, na Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro – LOE2018) apenas ficou a constar, no artigo 246.º, sob a epígrafe «Quadro legal enquadrador das taxas de ocupação do subsolo» que «1 - O Governo procede, até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores» (n.º 1). E que «A alteração legislativa prevista no número anterior deve assentar a incidência na efetiva ocupação do subsolo e assegurar a fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo para os fornecimentos em BP (menor que) e para os fornecimentos em BP(maior que) e MP por parte dos municípios, atendendo aos princípios da objetividade, proporcionalidade e não discriminação» (n.º 2).

Ou seja, apenas ficou determinado que o Governo iria rever o quadro legal em vigor, integrado pela proibição de repercussão do n.º 3 do artigo 85.º determinada pela LOE2017 (que não revogou), incluindo em matéria de repercussão e que, nesse quadro legal, o critério estrutural incidiria na efectiva ocupação do subsolo, devendo ser assegurar na conformação legal a emitir a fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo.

Em suma, não resulta desta norma, nem de qualquer outra da LOE2019 ou do Decreto de Execução respectivo, a revogação, implícita ou explícita, da proibição consagrada no artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017.

Por sua vez, na Lei do Orçamento de Estado para 2021 (LOE2021), no artigo 133.º, sob a epígrafe “Taxa municipal de direitos de passagem e taxa municipal de ocupação do subsolo”, ficou estabelecido o seguinte: «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação de subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser cobradas aos consumidores (n.º1); «O presente artigo tem caráter imperativo sobrepondo-se a qualquer legislação, resolução ou regulamento em vigor que o contrarie» (n.º 2) e que «No primeiro semestre de 2021, o Governo procede às alterações legislativas necessárias à concretização do disposto no n.º 1» (n.º 3)

Ou seja, mais uma vez, o legislador de forma clara, directa e incondicional proibiu a repercussão da TOS na factura do consumidor, renovando a imposição de que o seu pagamento fosse suportado pelas empresas operadoras de infraestruturas, sublinhando a natureza imperativa dessa determinação e a sua sobreposição a qualquer outra. E embora seja certo que no n.º 3 do mesmo preceito o legislador condicionou o disposto no seu n.º 1 às alterações legislativas que viesse a efectuar (no primeiro semestre de 2021), entendemos que essas alterações se reportam ao modo de determinação da TOS e do seu pagamento pelas operadoras de infraestruturas (designadamente tendo em consideração o equilíbrio económico que o Estado se comprometera a assegurar) e não a um condicionamento directo à proibição de repercussão, sob pena de carecer de sentido o que ficou estabelecido no n.º 2 da mesma norma e diploma.

Por fim, no que respeita ao despacho n.º 315/2021, de 11 de Janeiro, sem deixarmos de sublinhar que não possui força legal para modificar as normas constantes da Lei do Orçamento do Estado, importa atentar, antes de mais, que nele se reconhece que no artigo 85.º da LOE2017 ficou determinado “que a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores» e ficou reconhecido que no artigo 246.º da LOE2019 também já ficara estabelecido que o Governo procederia à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação de subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na factura dos consumidores. Ou seja, se bem o interpretamos o despacho em referência, é neste confirmada a leitura que fazemos de que o n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 encerra uma proibição efectiva e imediata da repercussão e confirmado que o Governo se comprometeu, na Lei Orçamento de Estado aprovada dois anos depois (LOE2019) a realizar uma revisão do quadro enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor (com as alterações determinadas pela LOE2017,), designadamente em matéria de repercussão da TOS na factura dos consumidores. E foi tendo pressente estas premissas que foi determinada a constituição de um grupo de trabalho com «o objectivo de alterar o quadro legal enquadrador da TOS atualmente em vigor nos termos estabelecidos pelo artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, artigo 70.º do Decreto-lei n.º 25/17, de 3 de março, e artigo 246.º da lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.»

Sem prejuízo de tudo quanto ficou exposto, não podemos deixar de adiantar ainda o seguinte: toda a argumentação aduzida na contestação e alegações de recurso – idêntica à que consta, em geral, em múltiplos processos, nos quais estão igualmente incluídas alegações de conteúdo idêntico ou similar às que constam nos presentes autos e que visam o não reconhecimento de plena eficácia da norma constante do n.º 3 do artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017 - tem subjacente o entendimento de que a proibição consagrada no n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 só podia “ ganhar operatividade” ou ser exequível quando fosse alterado todo um quadro regulamentador capaz de assegurar o equilíbrio económico do contrato de concessão. Ou seja, tem subjacente o entendimento de que, sendo a imputação sob a forma de repercussão ao consumidor final uma parte do preço acordado, a sua eliminação, ou os termos em que a mesma se podia efectivar, dependiam de um quadro complementar que reporia o equilíbrio, assim se justificando que a norma consagrada no n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 não passasse de uma norma “meramente programática”, um mero objectivo a concretizar.

Acontece, porém, que assim não é. Efectivamente, pelo Decreto–Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, expressamente convocado como fundamento da Resolução, foram estabelecidos os regimes jurídicos aplicáveis às actividades de transporte de gás natural, de armazenamento subterrâneo de gás natural, de recepção, armazenamento e regaseificação em terminais de gás natural liquefeito (GNL) e de distribuição de gás natural, incluindo as respectivas bases das concessões.

As Bases das concessões da actividade de distribuição de gás natural encontram-se plasmadas no ANEXO IV e, neste, no CAPÍTULO VII, que tem por epígrafe “Modificações objectivas e subjectivas da concessão”, consta que «O contrato de concessão pode ser alterado unilateralmente pelo concedente, sem prejuízo da reposição do respectivo equilíbrio económico e financeiro nos termos previstos na base XXXIV» (Base XXXI). Por sua vez, na Base XXXIV, que tem por epígrafe «Reposição do equilíbrio económico e financeiro» ficou estabelecido o seguinte: «1 - Tendo em atenção a distribuição de riscos estabelecida no contrato de concessão, a concessionária tem direito à reposição do equilíbrio financeiro da concessão, nos seguintes casos: a) Modificação unilateral, imposta pelo concedente, das condições de exploração da concessão, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 da base IV, desde que, em resultado directo da mesma, se verifique, para a concessionária, um determinado aumento de custos ou uma determinada perda de receitas e esta não possa legitimamente proceder a tal reposição por recurso aos meios resultantes de uma correcta e prudente gestão; b) Alterações legislativas que tenham um impacte directo sobre as receitas ou custos respeitantes às actividades integradas na concessão. 2 - Os parâmetros, termos e critérios da reposição do equilíbrio económico e financeiro da concessão são fixados no contrato de concessão. 3 - Sempre que haja lugar à reposição do equilíbrio económico e financeiro da concessão, tal reposição pode ter lugar através de uma das seguintes modalidades: a) Prorrogação do prazo da concessão; b) Revisão do cronograma ou redução das obrigações de investimento previamente aprovadas; c) Atribuição de compensação directa pelo concedente; d) Combinação das modalidades anteriores ou qualquer outra forma que seja acordada.».


Resulta, pois, deste diploma, e das referidas bases, convocado na Resolução, que a Lei, antes da emissão da própria Resolução, consagrou o direito do concedente, por via legislativa, alterar unilateralmente o contrato de concessão e consagrou os meios ou modalidades através dos quais a reposição do equilíbrio económico e financeiro da concessão se deve efectuar se e quando estejam verificadas as condições para que essa reposição tenha lugar. O que significa, pois, que tendo o Governo (Estado), por via da LOE2017, alterado unilateralmente o quadro legal conformador do contrato de concessão e a possibilidade de repercussão neste acolhido, proibindo a repercussão no cliente final da TOS, havia que apurar se dessa modificação unilateralmente imposta tinha efectivamente resultado um desequilíbrio financeiro no contrato e, em caso afirmativo, qual a sua amplitude para que fossem adoptadas uma das modalidades de reposição legalmente previstas, sendo neste contexto, a nosso ver, que deve ser interpretado o preceituado no n.º 1 do artigo 85.º da LOE2017 e os desenvolvimentos contidos no artigo 70.º do seu Decreto-Lei de Execução.

Em síntese final: considerando que o artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017 proíbe expressamente, de forma directa, clara e incondicional a repercussão da TOS na factura dos consumidores não existe fundamento para que se conclua que a esta norma não deve ser reconhecida eficácia plena a partir de 2017. Ou seja, há que concluir que a norma cuja eficácia avalizamos produziu efeitos desde 1-1-2017. E, consequentemente, que é ilegal, como decidido na sentença recorrida, o acto de repercussão impugnado.

3.3. Custas pela Recorrente, integralmente vencida nesta instância de recurso (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).

4- DECISÃO

Face a tudo quanto ficou exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Março de 2023. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.