Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0357/23.5BEFUN
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECLAMAÇÃO JUDICIAL
CITAÇÃO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:I - A competência em razão da hierarquia para conhecer de recurso da sentença proferida por um tribunal tributário de 1.ª instância só é do Supremo Tribunal Administrativo se o recurso for de decisão de mérito, tiver por exclusivo fundamento matéria de direito, o valor da causa for superior à alçada dos tribunais centrais administrativos e o valor da sucumbência exceda metade da alçada do tribunal de que se recorre [arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, e art. 280.º, n.ºs 1 a 3, do CPPT].
II - A sentença recorrida que julgou improcedente a reclamação judicial deduzida ao abrigo do disposto nos artigos 276.º e segs. do CPPT, por não terem sido alegadas causas de pedir susceptíveis de determinar a procedência do pedido, é uma decisão de mérito.
III - Inexistindo qualquer decisão do órgão da execução fiscal quanto aos termos em que deve ser efectuada a citação, eventuais irregularidades deste acto não podem ser assacadas a uma putativa decisão, que não pode ser erigida em objecto de reclamação judicial deduzida ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs. do CPPT.
IV - Eventuais invalidades do acto de citação não podem ser invocadas como fundamento autónomo da reclamação judicial prevista nos arts. 276.º e segs. do CPPT, antes devendo ser suscitadas junto do órgão da execução fiscal, com reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.
Nº Convencional:JSTA000P32086
Nº do Documento:SA2202404100357/23
Recorrente:A... UNIPESSOAL LDA
Recorrido 1:AT-RAM
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 357/23.5BEFUN
Recorrente: “A... Unipessoal, Lda.”
Recorrida: Administração Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou improcedente a reclamação por ela deduzida, ao abrigo dos arts. 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no processo de execução fiscal em que lhe está a ser exigida coercivamente a dívida resultante da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2015, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.

1.2 A Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. O presente recurso tem por objecto a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que decidiu pela improcedência da reclamação judicial deduzida pela ora Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 276.º e seguintes do CPPT, da decisão do órgão de execução fiscal, de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução fiscal n.º ...66 para cobrança coerciva de IRC, do período de tributação de 2015, no montante de €57.508,15, acrescido de custas processuais e encargos no montante de € 263,29, totalizando a quantia de € 57.771,44, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.

B. O recurso deve ter subida imediata nos próprios autos para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, por respeitar exclusivamente a matéria de direito (artigos 280.º, n.º 1 e 286.º, n.º 1 do CPPT) e ter efeito suspensivo (n.ºs 3, 6 e 8.º do artigo 278.º e 286.º, n.º 2 do CPPT).

C. A Sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à identificação do objecto e das questões ou causas de pedir.

D. De facto, entendeu o Tribunal a quo que o objecto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente é o teor do acto de citação para o processo de execução fiscal acima identificado, e os respectivos vícios que lhe são imputáveis.

E. Em função de tal percepção (errónea) do objecto da reclamação, concluiu pela improcedência da presente reclamação (ainda que não com fundamento na procedência da excepção do erro na forma do processo).

F. Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, o acto de citação (e a violação das respectivas formalidades legais) não é o objecto da reclamação judicial aqui em causa.

G. O objecto da reclamação judicial em causa é a decisão administrativa em matéria fiscal – de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal.

H. Do conteúdo da citação é possível inferir que o órgão de execução fiscal tomou a decisão deliberada de aplicar o processo de execução fiscal à recuperação de auxílios de Estado (de resto, sem habilitação legal) de modo fragmentado, desaplicando, em concreto, as regras que prevêem a possibilidade de pagamento da dívida em prestações e suspensão do processo mediante a constituição de garantia idónea ou a sua dispensa –, alegando, sem concretizar, a natureza e as características da dívida.

I. A motivação apresentada para esta opção é manifestamente insuficiente para um acto administrativo, como aliás é entendido pelo Exmo. Representante do Ministério Público.

J. Não está, assim, em causa a sindicância do acto de citação enquanto acto eminentemente informativo, mas antes do acto administrativo prévio que determinou a elaboração dos actos de citação nos termos em que o foram.

K. Os vícios formais da citação mais não são do que a decorrência da execução da decisão administrativa que lhes serve de base: a não concessão de possibilidade de suspensão da execução não decorre de um lapso ou incorrecção da citação, que, pela sua incompletude ponha em causa o direito à informação do contribuinte sobre os seus direitos e garantias processuais, mas sim o resultado da convicção da AT de que as regras do processo tributário são aplicáveis à recuperação do auxílio mas apenas na medida em que, na sua interpretação, não ponham em causa o princípio da efectividade da decisão de recuperação do auxílio, revelando assim todo um esforço hermenêutico que necessita ser escrutinado.

L. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, no requerimento de arguição de nulidades da citação apenas podem ser invocados os vícios formais da citação, decorrentes da falta dos requisitos prescritos pela lei, mas não o mérito das decisões administrativas que lhe subjazem, sendo essa a razão que conduziu a Recorrente a apresentar a reclamação judicial em apreço.

M. No presente caso, dúvidas não subsistem que não está apenas em causa a violação das formalidades da citação, mas antes a execução de uma decisão da AT tomada em função da natureza e características da dívida, decisão essa que não pode deixar de ser escrutinada pelo Tribunal.

N. Na verdade, ou a AT considera que está a executar um imposto e tem de o fazer nos termos das normas de processo tributário aplicáveis in totum,

O. ou entende que a dívida em execução não tem a natureza de imposto e aplica as regras que se mostrem apropriadas a esse efeito e que legitimam a sua actuação, identificando-as para que o contribuinte possa exercer, de forma efectiva, os seus direitos.

P. O que a AT não pode fazer é aplicar parcialmente um regime processual, que foi concebido como um conjunto coerente de direitos e deveres, com base em critérios que não se conhecem e sem indicação de qualquer base legal.

Q. Deste modo, a Recorrente não pode concordar com tal decisão administrativa, pois – tal como mais bem explicitado na reclamação judicial deduzida –, a mesma padece de (i) vício de falta de fundamentação, não sendo inteligível qual a motivação e base legal para considerar derrogadas as disposições legais constantes dos artigos 163.º, 169.º, 189.º, 190.º, 196.º, 200.º do CPPT e artigo 52.º da LGT, e, ainda, de (ii) ilegalidade por violação de lei, em concreto, dos mencionados artigos.

R. Ora, esta decisão de desaplicação de parte da legislação processual tributária não se confunde com a citação, sendo antes a citação, nos termos em que foi efectuada, o mero acto informativo que atesta a existência de uma decisão administrativa previamente tomada e não notificada ou fundamentada.

S. Assim sendo, estamos perante uma decisão da AT, proferida no âmbito de um processo de execução fiscal, que é contestável por meio da reclamação judicial prevista no artigo 276.º e seguintes do CPPT.

T. Nos termos do artigo 276.º do CPPT, as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que, no processo, afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, são susceptíveis de reclamação para o Tribunal Tributário de primeira instância.

U. No presente caso, sendo o acto sob reclamação a decisão de aplicação das regras de processo tributário à recuperação de auxílios de Estado com recusa do direito a realizar pagamento em prestações da alegada dívida e, bem assim, de apresentar garantia idónea para suspensão do processo, dúvidas não subsistem de que a decisão em causa afecta legítimos direitos e interesses da Recorrente, circunstância que lhe confere legitimidade processual para reclamar da mesma.

V. No caso sub judice, o entendimento do Tribunal a quo de que as questões invocadas pela Recorrente na reclamação judicial aqui em causa não são questões próprias desse meio processual mas sim de um requerimento de arguição de nulidade e que só depois de ser proferida decisão quanto a este requerimento pode ser apresentada reclamação judicial, viola não só o disposto no artigo 276.º do CPPT, como o princípio da economia e da celeridade processual, decorrente do artigo 130.º do CPC e, como também o princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 268.º, n.º 4 da CRP.

W. Em face de tudo quanto se vem expondo, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a procedência da reclamação.

Nestes termos e nos mais de Direito requer-se a V. Exa. se digne admitir o presente recurso e julgá-lo procedente, por provado, revogar a Sentença recorrida e substituí-la por outra que determine a procedência da reclamação».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal admitiu o recurso, para subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.5 Recebido o processo neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto suscitou a questão da incompetência em razão da hierarquia, considerando que esta é do Tribunal Central Administrativo Sul. Isto, com fundamentação da qual nos permitimos salientar o seguinte trecho:

«A sentença recorrida concluiu pela improcedência da reclamação porque “(…) tendo sido formulado um pedido próprio deste meio, a alegação de questões ou causas de pedir que não se enquadrem neste meio processual, não conduz ao erro na forma do processo (o qual como já se disse supra, se afere em função do concreto pedido formulado), e ponderação de uma eventual convolação em requerimento de arguição de ilegalidades junto do Órgão de Execução Fiscal (o que também não faria grande sentido em função de a Reclamante já ter apresentado um requerimento com esse propósito), mas sim à improcedência da reclamação nessa parte e com esse fundamento de desadequação, uma vez que o que está em causa é a viabilidade do pedido correctamente formulado pela Reclamante, relativo à anulação do acto reclamado”.
A sentença recorrida não conheceu do mérito da causa, pois que, apesar de entender que o pedido de anulação formulado ser o próprio deste meio processual, entendeu que foram alegadas causas de pedir desadequadas, não enquadráveis neste meio processual.
Tratando-se de uma decisão que não conheceu do mérito da causa, o Supremo Tribunal Administrativo é incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso (arts. 26.º, al. b), do ETAF e 28.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT).
A competência, em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso pertence, não a este Supremo Tribunal Administrativo, mas ao Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos dos normativos constantes da al. a), do n.º 1, do art. 38.º do ETAF e 280.º n.º 1, do CPPT».

1.6 Notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a questão suscitada pelo Ministério Público, apenas a Recorrente o veio fazer. Defende, em síntese, que é de considerar que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal conheceu do mérito, na medida em que julgou a reclamação judicial improcedente.

1.7 Cumpre apreciar e decidir. As questões a dirimir, são as seguintes: primeira, a da incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia, que foi suscitada pelo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal; segunda, caso a primeira seja respondida negativamente, a do erro de julgamento da sentença recorrida por ter considerado que o acto reclamado era a citação e que eventuais nulidades deste acto não podem ser arguidas directamente perante o Tribunal, mas apenas depois de a Executada as ter arguido junto do órgão da execução fiscal.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal deu como provada a seguinte factualidade:

«1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal - 1 foi instaurado contra A... UNIPESSOAL, LDA., o processo de execução fiscal n.º ...66, por dívida de IRC do exercício de 2015 – recuperação de auxílios, no valor global de € 57 771,44 (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual);

2. Aquele Serviço de Finanças enviou então a citação do processo de execução fiscal à aqui Reclamante (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual e documento n.º 1 junto à p.i.);

3. Recebida a citação pela aqui Reclamante, veio a mesma apresentar a presente reclamação, formulando como pedido o de anulação do acto reclamado, e como causas de pedir que a citação é ilegal por impossibilidade de a Reclamante beneficiar da possibilidade de suspender a dívida em cobrança coerciva através da prestação de garantia idónea, da concessão da dispensa da sua prestação ou da possibilidade de realizar o pagamento em prestações da dívida, padecendo ainda de falta de fundamentação (cfr. teor da p.i. de reclamação e processo de execução fiscal em suporte virtual);

4. A aqui Reclamante apresentou também um requerimento de arguição de nulidade da citação, requerimento esse que não se mostra decidido pelo Órgão de Execução Fiscal (cfr. teor da p.i. de reclamação e ofício enviado pelo Serviço de Finanças com a referência Ofício (...92) Ofício (...45) de 03/01/2024 15:42:33).


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O presente recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a reclamação judicial que a sociedade ora Recorrente deduziu, ao abrigo dos arts. 276.º e seguintes do CPPT, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal.
Entendeu o Juiz daquele Tribunal, em síntese, que não ocorre o erro na forma do processo invocado na contestação – uma vez que este se afere pelo pedido formulado, que foi o de anulação do acto reclamado, que é ajustado à forma processual escolhida – e que a reclamação improcede porque a ilegalidade assacada à citação deveria ter sido invocada, em primeira linha, junto do órgão da execução fiscal (como, aliás, foi, mediante requerimento ainda não decidido) e só da decisão que este vier a proferir poderá caber reclamação judicial. Mais considerou que «não obstante a Reclamante defender que o objecto da presente acção não é a citação por si recebida, na verdade, os vícios por si assacados, reconduzem-se todos eles ao teor da citação» e que a alegação aduzida pela Executada, da «existência de um pretenso acto administrativo prévio à citação (ou como apontou a Reclamante na sua p.i., uma “decisão administrativa prévia, depois corporizada na citação”)», mais não é do que «uma ficção que, diga-se, não encontra o menor respaldo no processo de execução fiscal», motivo por que o que a Reclamante «sindica é o teor da citação, designadamente por a mesma não conter alguns elementos, relativos à suspensão do processo de execução fiscal e pagamento em prestações, e por não explicitar devidamente, no entender da Reclamante, o porquê da ausência desses elementos».
A Reclamante discorda da sentença porque entende que a sentença identificou erradamente quer o objecto do processo quer as causas de pedir invocadas.
Segundo a Recorrente o acto cuja sindicância judicial pediu na presente reclamação não é a citação, mas o «acto administrativo prévio que determinou a elaboração dos actos de citação nos termos em que o foram».
Por outro lado, «os vícios formais da citação mais não são do que a decorrência da execução da decisão administrativa que lhes serve de base: a não concessão de possibilidade de suspensão da execução não decorre de um lapso ou incorrecção da citação, que, pela sua incompletude ponha em causa o direito à informação do contribuinte sobre os seus direitos e garantias processuais, mas sim o resultado da convicção da AT de que as regras do processo tributário são aplicáveis à recuperação do auxílio mas apenas na medida em que, na sua interpretação, não ponham em causa o principio da efectividade da decisão de recuperação do auxilio, revelando assim todo um esforço hermenêutico que necessita ser escrutinado».
Assim, cumpre apreciar em sede de recurso se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que o acto reclamado não pode ser senão a citação – uma vez que este acto não foi antecedido por qualquer decisão administrativa susceptível de poder ser erigida em objecto da reclamação judicial – e que os vícios de que enferme este acto não podem ser invocados directamente perante o tribunal, antes devendo ser arguidos perante o órgão da execução fiscal e só na eventualidade de este indeferir a arguição do executado, poderá este então reclamar judicialmente dessa decisão.
Antes, atenta a posição assumida pelo Procurador-Geral-Adjunto no parecer acima referido, cumpre aferir a competência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia, questão que, aliás, é de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra [cfr. art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro], do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. art. 16.º do CPPT). Se for declarada a incompetência, o processo deve ser remetido ao tribunal declarado competente, oficiosamente e por via electrónica, no prazo de 48 horas (cfr. art. 18.º, n.º 1, do CPPT).
Daí termos enunciado como questões a dirimir i) a da incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia suscitada pelo Procurador-Geral-Adjunto junto deste Supremo Tribunal e, se concluirmos pela competência, ii) a do erro de julgamento da sentença recorrida por ter considerado que o acto reclamado era a citação e que eventuais nulidades deste acto não podem ser arguidas directamente perante o Tribunal, mas apenas depois de a Executada as ter arguido junto do órgão da execução fiscal.

2.2.2 DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA

Como deixámos dito, o Procurador-Geral-Adjunto sustenta que o Supremo Tribunal Administrativo carece de competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso porque a sentença recorrida não conheceu do mérito.
Nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões de mérito dos tribunais é da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» [art. 38.º, alínea a), do ETAF].
No mesmo sentido, resulta do art. 280.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT, que o recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância apenas pode ser interposto para este Supremo Tribunal Administrativo se a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamentar exclusivamente em matéria de direito
Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, há antes do mais, que verificar se a decisão do tribunal tributário de que vem interposto recurso é de mérito e, depois, se o recurso se fundamenta exclusivamente em matéria de direito. Se assim não for, ou seja, se não estiverem verificados aqueles dois pressupostos, é competente para conhecer do recurso a Secção de Contencioso Tributário do tribunal central administrativo com jurisdição na área do tribunal tributário.
Atenta a posição sustentada pelo Procurador-Geral-Adjunto, que sustentou que «a sentença recorrida não conheceu do mérito da causa, pois que, apesar de entender que o pedido formulado de anulação de acto reclamado ser o próprio deste meio processual, entendeu que foram alegadas causas de pedir desadequadas, não enquadráveis neste mesmo meio processual», cumpre verificar se a sentença pode considerar-se como decisão de mérito.
Salvo o devido respeito, a sentença recorrida é uma decisão sobre o mérito da causa, pois a reclamação foi julgada improcedente e foi-o com o fundamento de que as causas de pedir alegadas pela Reclamante não podem conduzir à procedência do pedido. Ora, a resposta à questão de saber se na petição inicial foram alegados fundamentos válidos do meio processual escolhido, susceptíveis de determinar a procedência do pedido, situa-se no âmbito da viabilidade do pedido, ou seja, do mérito da pretensão deduzida em juízo. A circunstância de as causas de pedir gizadas não constituírem fundamentos válidos para a reclamação judicial prevista nos arts. 276.º e segs. do CPPT constitui motivo para a improcedência do pedido.
Assim, e porque não se nos afigura ser de ponderar oficiosamente qualquer outro motivo que obste à competência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia, passaremos a conhecer do presente recurso.

2.2.3 DO ERRO QUANTO AO OBJECTO DA RECLAMAÇÃO

A Recorrente discorda do entendimento adoptado na sentença, de que não pode considerar-se que o acto reclamado seja outro que não a citação. Como deixámos dito, continua a sustentar que «[o] objecto da reclamação judicial em causa é a decisão administrativa em matéria fiscal – de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal».
Na verdade, na petição inicial a Executada identificou o acto reclamado como «a decisão proferida pela Ex.ma Sr.ª Directora de Finanças do Funchal de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução»
Mas, como bem salientou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, essa decisão administrativa não existe – ou, pelo menos, não há motivo para a autonomizar do acto de citação –, sendo que a alegação da ora Recorrente «não encontra o menor respaldo no processo de execução fiscal», na medida em que não foi proferida pelo órgão da execução fiscal decisão autónoma alguma, designadamente quanto à «aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda». Poder-se-á, eventualmente, considerar que essa inexistência deveria ter sido registada na sentença em sede de julgamento da matéria de facto e não na fundamentação de direito; mas essa imprecisão técnica, a existir, não contende com o julgamento que foi efectivamente feito relativamente à existência dessa decisão: o Juiz considerou expressamente que a mesma não existe.
Tanto basta para que se considere que a sentença não enferma de erro de julgamento e que o recurso não pode proceder, uma vez que toda a sua motivação assenta no entendimento de que o acto reclamado é uma putativa decisão administrativa.
Mas a sentença não se ficou por considerar inexistente o acto reclamado tal como o configurou a Reclamante; considerou que esse acto não poderia ser senão a citação e, aferindo da possibilidade de as causas de pedir invocadas poderem conduzir à procedência do pedido de anulação da citação, concluiu pela negativa.
Também esse julgamento não nos merece censura.
Lidas as alegações constantes da petição inicial, concluímos, com a sentença, que o acto que a Executada considera enfermar de algumas ilegalidades – designadamente, as referências, insuficientemente fundamentadas, à impossibilidade de prestação de garantia em ordem à suspensão da execução fiscal por dedução de oposição à execução fiscal e à impossibilidade de pagamento em prestações – não pode ser senão o acto de citação.
Ora, como também bem referiu a sentença, com referência à jurisprudência pertinente (A sentença refere o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Setembro de 2012, proferido no processo com o n.º 1075/11, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/94a5eb6a7d13630180257a8700375a1a.
No mesmo sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo com o n.º 923/08, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/6603a143389bd257802576dd00504304 e de 5 de Julho de 2012, proferido no processo com o n.º 873/11, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/4bb3a5d51765e00680257a3a00584450.) , «da arguição de invalidades, cabe em primeira linha decisão do próprio Órgão de Execução, mediante requerimento para o efeito do Executado (no caso de invalidades da citação, a apresentar no prazo de oposição – 30 dias –, nos termos do n.º 2 do art. 191.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), e, não concordando com a decisão o seu destinatário, poderá então recorrer dessa decisão para o Juiz da execução, nos termos consignados nos arts. 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que constituirá, como já se apontou, um processo judicial de matriz urgente, incidental da execução fiscal».
Aliás, é de realçar que a ora Recorrente apresentou junto do órgão da execução fiscal o pertinente requerimento de arguição das referidas invalidades da citação.
Por tudo isto, o recurso não pode proceder, como decidiremos a final.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A competência em razão da hierarquia para conhecer de recurso da sentença proferida por um tribunal tributário de 1.ª instância só é do Supremo Tribunal Administrativo se o recurso for de decisão de mérito, tiver por exclusivo fundamento matéria de direito, o valor da causa for superior à alçada dos tribunais centrais administrativos e o valor da sucumbência exceda metade da alçada do tribunal de que se recorre [arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, e art. 280.º, n.ºs 1 a 3, do CPPT].
II - A sentença recorrida que julgou improcedente a reclamação judicial deduzida ao abrigo do disposto nos artigos 276.º e segs. do CPPT, por não terem sido alegadas causas de pedir susceptíveis de determinar a procedência do pedido, é uma decisão de mérito.
III - Inexistindo qualquer decisão do órgão da execução fiscal quanto aos termos em que deve ser efectuada a citação, eventuais irregularidades deste acto não podem ser assacadas a uma putativa decisão, que não pode ser erigida em objecto de reclamação judicial deduzida ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs. do CPPT.
IV - Eventuais invalidades do acto de citação não podem ser invocadas como fundamento autónomo da reclamação judicial prevista nos arts. 276.º e segs. do CPPT, antes devendo ser suscitadas junto do órgão da execução fiscal, com reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, negamos provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente, que ficou vencida no recurso (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).

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Lisboa, 10 de Abril de 2024. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.