Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0916/08
Data do Acordão:02/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:IRC
BENEFÍCIOS FISCAIS
CRIAÇÃO DE EMPREGO
CRIAÇÃO LÍQUIDA DE POSTOS DE TRABALHO
Sumário:I – O benefício fiscal, de majoração de custos dedutíveis ao lucro tributável em IRC, por “criação de empregos para jovens”, previsto no artigo 48.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho), na redacção introduzida pela Lei n.º 72/98, de 3 de Novembro (a que corresponde o artigo 17.º na redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho), é atribuído quando houver no exercício «criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos».
II – A condição legalmente prescrita, de “criação líquida de postos de trabalho”, não pode dar-se por cumprida, unicamente e sem mais, pela celebração de contratos sem termo com trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto.
III – O cumprimento daquela condição legal exige a verificação de acréscimo efectivo do número global de trabalhadores jovens admitidos na empresa em determinado exercício, por contrato sem termo.
Nº Convencional:JSTA00065580
Nº do Documento:SA2200902250916
Data de Entrada:10/21/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:EBFISC89 ART48-A.
L 72/98 DE 1998/11/03.
L 3-B/2000 DE 2000/04/04.
DL 198/2001 DE 2001/07/03.
EBFISC01 ART17.
DL 34/96 DE 1996/04/18 ART7.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC723/06 DE 2006/10/11.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 “A…” recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em que «julga-se improcedente a presente impugnação judicial».
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
1. A ora recorrente é parte legítima enquanto sociedade incorporante da B…, sociedade incorporada, por força de fusão operada e registada na competente Conservatória do Registo comercial de Cascais em 12 de Janeiro de 2006, do que resultou a transferência para a Recorrente de todos os direitos e obrigações existentes na esfera jurídica da B….
2. A questão fundamental que aqui se discute é a do conceito aplicável de criação líquida de emprego, nos termos e para os efeitos de elegibilidade para aplicação do benefício fiscal previsto do art. 17° do EBF.
3. Não se encontra na lei tributária qualquer noção legal do que se entende por criação líquida de emprego, mas conforme resulta, nomeadamente, do Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 05.03.99 (Informação n° 176/99 da Direcção de Serviço do IRC), considera-se criação líquida de postos de trabalho, a diferença positiva entre o numero de contratações e o número de saídas ocorridas no mesmo exercício, relativamente a trabalhadores com idade não superior a 30 anos.
4. Diversamente na, aliás douta sentença sob recurso o Mmº. Juiz a quo deitou mão do que na legislação de incentivos financeiros e de segurança social, fazendo uma interpretação sistemática dos Decretos-Lei n°s 89/95, de 6 de Maio, e 34/96, de 18 de Abril, no entender da Recorrente mal. De facto, estamos perante diplomas que procuram resolver questões muito diversas daquelas que o benefício fiscal em causa procura resolver. São realidades distintas que não se confundem e que mereceram do legislador tratamentos dissemelhantes porque diferentes.
5. A tónica do n.° 2 do artigo 7.° do DL 34/96 é colocada, efectivamente, no aumento do n.° de trabalhadores da empresa independentemente do vínculo legal do posto de trabalho e para a generalidade dos trabalhadores, enquanto que o artigo 17.° do EBF apenas exige a aferição do aumento dos postos de trabalhos exclusivamente em função dos requisitos de elegibilidade, isto é, para trabalhadores admitidos através de contratos sem termo, com idade até 30 anos, e saídas de trabalhadores nas mesmas condições.
6. O regime previsto no artigo 17° EBF não é um benefício de natureza financeira destinado ao fomento de projectos de investimento produtivo das empresas, mas sim de natureza fiscal, cujo objectivo se prende com a abolição da precariedade dos vínculos laborais, reforçando, deste modo, a estabilidade do emprego, ficando por saber, e a Recorrente não entende as razões que levaram os doutos juízes a concluir que deverá aplicar-se, em matéria de incentivos fiscais, o conceito de criação líquida de posto de trabalho, previsto no artigo 7° do DL 34/96, quando o legislador fiscal elaborou especificamente um preceito (artigo 48°-A do EBF), destinado a criar um incentivo fiscal, com precisamente outro âmbito e redacção, através da Lei n° 72/98, de 3 de Novembro, dois anos e meio depois.
7. A redacção do artigo 17° do EBF não exige o aumento efectivo do número de trabalhadores vinculados à entidade empregadora, mediante contrato sem termo, contrariamente ao expressamente exigido pelo artigo 7° do DL 34/96, limitando-se apenas a exigir a existência de contrato sem termo e a idade até 30 anos, sendo a comparação, para efeitos de aferição da criação líquida de postos de trabalho, todos os demais trabalhadores nas mesmas condições, isto, é com idade até 30 anos e com contrato sem termo. Como intérpretes devemos entender que o legislador expressou convenientemente a sua intenção, pelo que se não utilizou a redacção do artigo 7° do DL 34/96, nem para ela fez qual remissão ou referência foi porque não quis, não devendo o intérprete fazê-lo também.
8. Na douta sentença sob recurso foi decidido à luz do conceito, errado do ponto de vista da recorrente, que nela foi adoptado de criação líquida de postos de trabalho, que não preenchem os requisitos de elegibilidade para efeitos do benefício fiscal em causa os trabalhadores, com menos de 30 anos, que tenham no exercício ficado vinculados à B… por contrato de trabalho sem termo quando tal resulte da conversão de contratos de trabalho a termo ou a termo incerto em contrato de trabalho sem termo.
9. Conforme resulta do acima exposto, o legislador só pode ter tido por objectivo conceder incentivos fiscais à criação de emprego estável - artigo 17° do EBF - através da celebração de contratos de trabalho sem termo, independentemente da natureza do vínculo inicial.
10. Assim, desde logo, devem ser considerados elegíveis para o Benefício fiscal em discussão todos os contratados sem termo no exercício de 2000 e que reúnem as demais condições de exigibilidade, transferidos para a Recorrente, sociedade incorporante, por força da fusão operada.
11. Por outro lado, é inquestionável que através do benefício fiscal em apreço o legislador pretendeu fomentar o estabelecimento de relações laborais estáveis, através da celebração de contratos de trabalho sem termo. É convicção da Recorrente que a mencionada disposição do EBF não poderá ser interpretada de forma a tratar distintamente a situação de colaboradores inicialmente contratados a termo, mas cujos contratos se convertem em contratos sem termo (discriminando-os negativamente), e a situação de colaboradores contratados sem termo ab initio.
12. O que deverá relevar para efeitos de verificação dos requisitos previstos no supra citado preceito - artigo 17° do EBF - não será a natureza do contrato inicialmente celebrado com os colaboradores, mas sim o vigorar à data de aferição dos requisitos para a elegibilidade do benefício fiscal.
13. O artigo 17° do EBF apenas exige a aferição do aumento dos postos de trabalhos exclusivamente em função dos requisitos de elegibilidade, isto é, para trabalhadores admitidos através de contratos sem termo, com idade até 30 anos, e saídas de trabalhadores nas mesmas condições. Aferição essa que a Recorrente provou ter efectuado, concluindo pela existência de criação líquida de postos de trabalho. Acresce que, o entendimento da Recorrente é, aliás, o perfilhado pelas autoridades fiscais, conforme resulta expresso de diversas orientações administrativas.
14. Aliás, em substância, a celebração de um contrato de trabalho a termo por um período de 6 meses, seguida da sua conversão a sem termo, em nada pode diferir da celebração de um contrato de trabalho sem termo que preveja um período experimental que, nos termos da lei, tem um prazo máximo de exactamente 180 dias, isto é, 6 meses para trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como para os que desempenhem funções de confiança.
15. Em conclusão, o benefício fiscal previsto no artigo 17° do EBF pretende, sem dúvida, fomentar o aumento do n.° de postos de trabalho (criação líquida), mas para o universo de trabalhadores exacta e exclusivamente nas mesmas situações - isto é, celebração de contratos de trabalho sem termo com trabalhadores de idade não superior a 30 anos.
16. Razão pela qual os trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto, com menos de 30 anos, relativamente aos quais os respectivos contratos se converteram em contratos sem termo devem ser considerados elegíveis para efeitos do Benefício Fiscal a que se refere o art. 17° de EBF.
17. Ao decidir como decidiu na sentença recorrida o Mmo. Juiz a quo aplicou erradamente o disposto no art. 17° do EBF e os Decretos-Lei n°s 89/95, de 6 de Maio, e 34/96, de 18 de Abril.
Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente recurso ser declarado procedente, com todas as consequências legais, quanto ao reconhecimento da dedução do valor de € 91.527,49, a título de benefício fiscal pela criação líquida de postos de trabalho a considerar pela B… no exercício de 2001, a qual deverá em conformidade, ser inscrita no campo 234 do Quadro 07 da sua Modelo 22 de IRC de 2001, nomeadamente, mandando proceder ao reembolso devido.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer de que o recurso não merece provimento, apresentando a seguinte fundamentação.
A consideração da unidade do sistema jurídico e das circunstâncias de elaboração da lei apontam no sentido de que o conceito de criação líquida de postos de trabalho, constante do art. 17º n° 1 EBF (distinto do conceito de criação líquida de emprego, constante do DL n° 89/95, 6 Maio), enquanto requisito da concessão de benefício fiscal, deve acolher a definição de idêntico conceito, enquanto requisito da concessão de beneficio financeiro, expressa no art. 7° n° 1 DL n° 34/96, 18 Abril (aumento efectivo do número de trabalhadores vinculados à entidade empregadora mediante contrato sem termo).
Este aumento efectivo corresponde à diferença positiva entre o número global de trabalhadores ao serviço da entidade empregadora, independentemente da natureza do vínculo contratual, no mês de Janeiro do ano civil anterior e no mês precedente ao da apresentação da candidatura aos apoios financeiros (art. 7° n° 2 DL n° 34/9, 18 Abril); para a concessão do benefício fiscal deve atender-se à diferença verificada no início e no termo do exercício económico.
A conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo não consubstancia um aumento efectivo do número de trabalhadores.
A concessão do benefício fiscal exige o aumento global do número de trabalhadores, independentemente do vínculo contratual (contratos a termo certo ou por tempo indeterminado, qualquer que seja a idade do trabalhador).
Para a quantificação do benefício fiscal (majoração de custos) atende-se apenas aos encargos correspondentes aos trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade inferior a 30 anos (art. 17° n° 1 EBF).
No sentido propugnado cf. acórdão STA-SCT 11.10.2006 processo n° 723/06
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face da parte final das conclusões da alegação deste recurso, poder-se-ia ser conduzido a considerar que a questão essencial a resolver seria de saber do direito da ora recorrente à dedução ao lucro tributável de IRC do exercício do ano de 2001 do valor de € 91.527,49 a título de benefício fiscal pela criação líquida de postos de trabalho – o que envolveria a averiguação da existência, ou não, em concreto, da “criação líquida de postos de trabalho”, isto é, implicaria apurar se os trabalhadores admitidos pela ora recorrente, com idade não superior a 30 anos, superavam os despedidos, no exercício do ano de 2001.
Todavia, especialmente perante o teor das conclusões 15. e 16., bem como da posição do Ministério Público, a única questão que aqui se coloca é a de saber se «os trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto, com menos de 30 anos, relativamente aos quais os respectivos contratos se converteram em contratos sem termo, devem ser considerados elegíveis para efeitos do benefício fiscal a que se refere o art.º 17.º do EBF».
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
A) Em 1 de Abril de 2000, entre a C… e …, foi celebrado um contrato de trabalho a termo incerto destinando-se a vigorar pelo tempo necessário à conclusão da actividade, tarefa ou obra relacionada com o Projecto “Lote 2”. (Doc. n.° 14 junto à p.i.)
B) Em 17 de Abril de 2000, entre a C… e … foi celebrado um contrato de trabalho a termo incerto destinando-se a vigorar pelo tempo necessário à conclusão da actividade, tarefa ou obra relacionada com o Projecto “ Lote 2”. (Doc. n.° 15 junto à p.i.)
C) Em 11 de Setembro de 2000, entre a C… e Guida Maria Madeira Ramalho, foi celebrado um contrato de trabalho a termo incerto destinando-se a vigorar pelo tempo necessário à conclusão da actividade, tarefa ou obra relacionada com o Projecto “ Lote 2”. (Doc. n.° 16 junto à p.i.)
D) Em 13 de Novembro de 2000 entre a C… e …, à data de 24 anos de idade, foi celebrado um contrato de trabalho termo certo. (Doc. n.° 8 junto à p.i.)
E) Em 21 de Dezembro de 2000 entre a B… e C… e …. foi celebrado um contrato de trespasse nos termos exarados no doc. n.° 12 junto à p.i.
F) Em 1 de Julho de 2001 entre a B… e …, à data de 26 anos de idade foi celebrado um contrato de trabalho. (Doc. n.° 9 junto à p.i.)
G) Em 2 de Julho de 2001 entre a B… e …, à data de 26 anos de idade foi celebrado um contrato de trabalho sem termo. (Doc. n.° 10 junto à p.i.)
H) Em 3 de Setembro de 2001 entre a B… e …, à data de 25 anos de idade foi celebrado um contrato de trabalho sem termo. (Doc. n.° 11 junto à p.i.)
I) Em 27 de Fevereiro de 2003, a B… entregou a Declaração Periódica Modelo 22, para efeitos de IRC referente ao exercício de 2001, correspondendo ao período compreendido entre 1.10.2001 e 30.09.2002. (Doc. n.° 3 junto à p.i.)
J) No campo 234 do Quadro 07 da declaração referida na al. E) do probatório a B… inscreveu o montante de € 89.712,71, do qual o valor de € 85.165,72 respeitava a encargos que considerou elegíveis para efeitos do beneficio fiscal de criação de empregos para jovens. (Doc. n.° 3 junto à p.i.)
L) Em 25 de Fevereiro de 2005, a B… apresentou uma Reclamação Graciosa da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2001 (Doc. a fls. 393 a 397 do p.a. em apenso)
M) Em 12 de Janeiro de 2006 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais a fusão por incorporação da B… na Impugnante. (Doc. n.° 2 junto à p.i.)
N) Em 19 de Abril de 2006, a impugnante foi notificada através do oficio n.° 027756 da Divisão de Justiça Administrativa de Lisboa do indeferimento da Reclamação Graciosa referida na al. L) do probatório. (Doc. a fls. 662 do p.a. em apenso)
2.2 O Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, no seu artigo 48.º-A (introduzido pela Lei n.º 72/98, de 3 de Novembro), sob a epígrafe “Criação de empregos para jovens”, dispõe do modo que segue, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril.
1. Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o ordenado mínimo nacional.
3. A majoração referida no n.º 1 terá lugar num período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.
Pela revisão do articulado operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001 de 3 de Julho, o Estatuto dos Benefícios Fiscais apresenta, correspondentemente ao artigo 48.º-A, o artigo 17.º, sob a mesma epígrafe “Criação de empregos para jovens”, com a seguinte redacção.
1. Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%. [redacção sem alteração].
2. Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
3. A majoração referida no n.º 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.
Concernentemente ao conceito de “criação líquida de postos de trabalho”, utilizado pela lei, no acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 11-10-2006, proferido no recurso n.º 723/06, escreve-se como segue, em termos que aqui, data venia, inteiramente subscrevemos.
De harmonia com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 11.º da LGT, «na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» e «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que ai têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».
O conceito de «criação líquida de postos de trabalho» não é próprio de qualquer ramo do direito e, por isso, não pode aplicar-se em matéria fiscal, ao abrigo do n.º 2 daquele art. 11.º, a definição de tal conceito dada noutro diploma, para efeitos não fiscais, pelo mero facto de aí ser fornecida.
Assim, a expressão «criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos» tem de ser interpretada, por força do disposto no n.º 1 daquele art. 11.º, à luz dos critérios gerais de interpretação das leis, enunciados no art. 9.º do Código Civil.
Entre os elementos interpretativos a ter em conta na interpretação, incluem-se a consideração da unidade do sistema jurídico e das circunstâncias em que a lei foi elaborada, referidos no n.º 1 daquele art. 9.º.
O princípio da unidade do sistema jurídico reclama a consagração legislativa de soluções coerentes e a consideração das circunstâncias em que a lei foi elaborada impõe que se atenda à evolução legislativa que antecedeu a norma interpretanda.
O referido art. 48.º-A criou incentivo à criação de emprego para jovens, pelo que deverá ter-se em conta a política legislativa de incentivos com esse fim, que vinha sendo seguida.
O Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/96, de 18 de Abril (…) elucida a evolução legislativa que foi seguida em matéria de incentivos à «criação de emprego para jovens» (expressão utilizada na epígrafe do referido art. 48.º-A). Refere-se nesse Preâmbulo o seguinte: O Decreto-Lei n.º 445/80, de 4 de Outubro (lei quadro da política de emprego), estabelece, como uma das orientações fundamentais das medidas activas de emprego, que os apoios financeiros contemplem apenas a criação líquida de postos de trabalho, resultante da realização de um projecto de investimento gerador de novos empregos. O Decreto-Lei n.º 89/95, de 6 de Maio, que instituiu um regime específico de incentivos à contratação de jovens à procura de primeiro emprego e de desempregados de longa duração, veio alterar, em desconformidade com aquele princípio fundamental, toda a prática seguida no que concerne à concessão de incentivos à contratação, assente no requisito essencial da criação líquida de emprego. Essa alteração traduziu-se num desvirtuamento dos objectivos da política de emprego. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 89/95, ao desligar a criação líquida de postos de trabalho da existência de um projecto de investimento e ao não exigir a criação de novos postos de trabalho, mas apenas a admissão de trabalhadores, conduziu, em muitas situações concretas, não à redução efectiva do desemprego, mas apenas à substituição, porventura até fictícia, de trabalhadores afastados antes da apresentação das candidaturas ao apoio financeiro oferecido pela lei. Daí a ineficiência do sistema, envolvendo desperdícios financeiros avultados e consequências significativas na promoção da precariedade do emprego. Mostra-se assim indispensável fazer cessar a vigência do regime desses apoios financeiros, constante do Decreto-Lei n.º 89/95. Tendo, no entanto, em conta que os jovens candidatos ao primeiro emprego e os desempregados de longa duração são grupos específicos da sociedade particularmente afectados pelo desemprego e com maiores dificuldades de inserção ou reinserção na vida activa, por razões de idade, inexperiência ou falta de qualificação, impõe-se a instituição, em moldes eficientes, de uma medida activa de emprego a favor desses grupos, desde que a contratação pelas empresas se insira num projecto de investimento gerador de novos postos de trabalho. O presente diploma tem o objectivo de regular os apoios financeiros à contratação de candidatos ao emprego pertencentes aos referidos grupos, sob a condição de que, com ela, se esteja realmente a criar novos postos de trabalho.
Concretizando o desígnio legislativo anunciado neste Preâmbulo, o art. 7.º deste Decreto-Lei n.º 34/96 veio esclarecer
Artigo 7.º
Criação líquida de postos de trabalho
1 - Considera-se criação líquida de postos de trabalho o aumento efectivo do número de trabalhadores vinculados à entidade empregadora mediante contrato sem termo, resultante, designadamente, de um novo projecto de investimento.
2 - A aferição da criação de postos de trabalho faz-se tendo em conta o número global de trabalhadores ao serviço da entidade empregadora, independentemente da natureza do vínculo contratual, no mês de Janeiro do ano civil anterior e no mês precedente ao da apresentação da candidatura.
Por este n.º 2 vê-se, assim, que o legislador do Decreto-Lei n.º 34/96 entendeu só ser de conceder incentivos quando aumentou o número global de trabalhadores (contratados a prazo ou por tempo indeterminado e qualquer que seja a sua idade) entre o mês de Janeiro do ano civil anterior e o mês precedente ao da apresentação da candidatura.
Por outro lado, como se declara no referido Preâmbulo, quis afastar o regime de «criação líquida de emprego» que foi adoptado no Decreto-Lei n.º 89/95, em que os incentivos eram concedidos quando «a admissão de trabalhadores com contrato sem termo que exceda, em percentagem igual ou superior a 10%, o número de trabalhadores em igual condição existentes no quadro de pessoal da empresa no último mês do ano imediatamente anterior» (art. 17.º, n.º 2, deste diploma), independentemente de ter ou não aumentado, no mesmo período, o número global de trabalhadores da empresa.
Perante esta evolução legislativa e do juízo legislativo expressamente formulado no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/96 sobre a inconveniência da solução adaptada no Decreto-Lei n.º 89/95, o conceito de «criação líquida de postos de trabalho» utilizado no art. 48.º-A do E.B.F. surge com evidência como sendo semelhante ao utilizado naquele primeiro diploma e não ao usado no segundo.
Na verdade, desde logo, o teor literal da expressão «criação líquida de postos de trabalho» utilizada no art. 48.º-A é exactamente o mesmo que tinha sido utilizado no Decreto-Lei n.º 34/96, e é diferente do utilizado no Decreto-Lei n.º 89/95, que foi «criação líquida de emprego». A utilização da expressão utilizada no Decreto-Lei n.º 34/86, em vez da utilizada no Decreto-Lei n.º 89/95 inculca que se pretendeu, em matéria de incentivos fiscais, aplicar um regime semelhante ao adoptado para os incentivos financeiros, designadamente num ponto em que ele divergiu deliberadamente do regime do Decreto-Lei n.º 89/95 que foi, como se refere no citado preâmbulo daquele diploma, o de este «não exigir a criação de novos postos de trabalho, mas apenas a admissão de trabalhadores».
Por outro lado, seria incongruente que, depois de o legislador ter chegado à conclusão de que era inapropriado o regime de incentivos fiscais previsto no Decreto-Lei n.º 89/95, por dar relevo à admissão de trabalhadores com contrato sem termo independentemente do aumento global do número de trabalhadores ao serviço da empresa, viesse a consagrá-lo em matéria de incentivos fiscais, quando se está perante matéria com manifesta afinidade.
Por isso, apontando o teor literal do art. 48.º-A no sentido de se ter pretendido adoptar um regime idêntico ao previsto no Decreto-Lei n.º 34/96, quanto ao conceito de «criação líquida de postos de trabalho» e sendo a adopção de um regime semelhante, no que concerne aos pressupostos da concessão de incentivos, o único regime que assegura a coerência valorativa do sistema jurídico, postulada pelo princípio da unidade do sistema jurídico, tem de se concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que apenas quando houver aumento do número global de trabalhadores da empresa num exercício fiscal há lugar à aplicação do benefício fiscal nele previsto.
2.3 No caso sub judicio, a ora recorrente conclui essencialmente que «A questão fundamental que aqui se discute é a do conceito aplicável de criação líquida de emprego, nos termos e para os efeitos de elegibilidade para aplicação do benefício fiscal previsto do art.º 17.º do EBF». E que «Ao decidir como decidiu na sentença recorrida o Mmo. Juiz a quo aplicou erradamente o disposto no art.º 17.º do EBF e os Decretos-Lei n.ºs 89/95, de 6 de Maio, e 34/96, de 18 de Abril» – cf. suas 2.ª e 17.ª conclusões. Para assim concluir, a ora recorrente sustenta que «o benefício fiscal previsto no artigo 17.º do EBF pretende, sem dúvida, fomentar o aumento do n.º de postos de trabalho (criação líquida)»; mas «os trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto, com menos de 30 anos, relativamente aos quais os respectivos contratos se converteram em contratos sem termo devem ser considerados elegíveis para efeitos do Benefício Fiscal a que se refere o art.º 17.º do EBF» – cf. suas conclusões 15. e 16..
Mas sem razão, ao que julgamos.
Com efeito, acompanhamos a sentença recorrida, especialmente na parte em que nela se escreve que, da norma que prevê o benefício fiscal em foco, «resulta que os encargos inerentes à criação de empregos para jovens, para que fiquem abrangidos pelo benefício fiscal ali referido, é necessário a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) Resultem da criação líquida de postos de trabalho, o que se traduz num saldo positivo entre o número de admissões (contratações efectuadas) e o número de saídas (despedimentos ou rescisões de contrato ocorridos) em determinado exercício; b) Se reportem a contratos efectuados sem termo; c) E a trabalhadores com menos de 30 anos». E a sentença recorrida decididamente labora ainda com acerto quando conclui que, em face da factualidade provada, «no caso em juízo não ocorreu a criação líquida de postos de trabalho, nem tão pouco a impugnante logrou provar, como lhe competia, que a diferença entre o número de trabalhadores com idade não superior a 30 anos contratados sem termo e o número de saídas do mesmo exercício seja positivo».
Realmente, para que os encargos inerentes à criação de empregos para jovens fiquem abrangidos pelo benefício fiscal referido, é necessária a criação líquida de postos de trabalho em determinado exercício, sendo que «a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, de trabalhadores já vinculados à impugnante, não consubstancia um aumento efectivo de número de trabalhadores, nem tão pouco de postos de trabalho» – ainda nas palavras da sentença recorrida.
Na verdade, julgamos que a lei, ao prever muito claramente a «criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo», induz determinadamente a interpretação de que o benefício fiscal do artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, de majoração de custos, suportados com os trabalhadores admitidos, dedutíveis ao lucro tributável em IRC, obedece à condição sine qua non de um aumento efectivo do número de trabalhadores jovens admitidos ao serviço da entidade empregadora no respectivo período, o que quer dizer que só haverá aquele benefício fiscal no exercício em que houver um real aumento do número global de trabalhadores jovens admitidos na empresa (para o que evidentemente não concorre, por si só, a simples transmutação em “definitivos” de trabalhadores provisórios).
Efectivamente, a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo concretiza tão-somente uma alteração do estatuto jurídico dos trabalhadores, não criando, logo por definição, novos postos de trabalho, por consequência não operando a criação, líquida ou ilíquida, de quaisquer postos de trabalho.
Portanto: o conceito legal de criação líquida de postos de trabalho, aplicável à situação presente, corresponde à diferença positiva, em determinado exercício, entre o número de contratações efectuadas, de trabalhadores com idade não superior a 30 anos, e o número de saídas de trabalhadores da mesma faixa etária, fazendo-se a aferição dessa diferença no final de cada exercício.
Estamos, deste modo, a dizer – e em resposta ao thema decidendum – que os trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto, com não mais de 30 anos, relativamente aos quais os respectivos contratos se converteram em contratos sem termo, não devem ser considerados elegíveis para efeitos do benefício fiscal a que se refere o artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
E, então, havemos de convir, a finalizar, que o benefício fiscal, de majoração de custos dedutíveis ao lucro tributável em IRC, por “criação de empregos para jovens”, previsto no artigo 48.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho), na redacção introduzida pela Lei n.º 72/98, de 3 de Novembro (a que corresponde o artigo 17.º na redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho), é atribuído quando houver no exercício «criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos».
A condição legalmente prescrita, de “criação líquida de postos de trabalho”, não pode dar-se por cumprida, unicamente e sem mais, pela celebração de contratos sem termo com trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto.
O cumprimento daquela condição legal exige a verificação de acréscimo efectivo do número global de trabalhadores jovens admitidos na empresa em determinado exercício, por contrato sem termo.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2009. – Jorge Lino (relator) – Lúcio Barbosa – António Calhau.