Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01985/17.3BEPRT
Data do Acordão:03/06/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA ESTEVES
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32001
Nº do Documento:SA22024030601985/17
Recorrente:A..., SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
A..., SGPS, S.A, devidamente identificada nos autos, inconformada, interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por ela deduzida na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa apresentada da liquidação de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º ...22, do exercício de 2011.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1.O presente recurso visa obter a revogação da douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP) no processo de impugnação judicial nº 1985/17.3BEPRT, da Unidade Orgânica 4, na parte em que julgou a impugnação improcedente.
Sobre a impugnação que lhe foi apresentada, a Meritíssima Juiz do TFP proferiu, a final, a seguinte “Decisão”:
“Termos em que, pelos fundamentos supra expostos, julgo:
a) Improcedente a impugnação, mantendo-se a liquidação impugnada na parte influenciada pela correcção relativa à tributação do RETGS;
b) Procedente a impugnação quanto à desconsideração dos encargos financeiros, anulando-se nessa parte a liquidação controvertida.”
3. Ora, é relativamente à parte julgada improcedente que versa o presente recurso.
4.Com efeito, na petição da impugnação judicial a ora recorrente alegou vícios cometidos pela AT na aplicação que pela mesma AT foi feita do disposto na alínea c) do nº 4 do art. 69º do Código do IRC, traduzidos na violação, quer de princípios e normas de Direito da União Europeia quer de princípios constitucionais, uma vez que, na opinião da impugnante, de tais princípios e normas resulta que a referida norma do Código do IRC não é aplicável às sociedades dominantes do RETGS. O mesmo é dizer, não é aplicável ao caso dos autos.
5.Todavia, a sentença recorrida, não acolhendo o defendido pela impugnante, julgou a impugnação improcedente, e porque com ela não se conforma, apresenta-se o presente recurso, o qual, portanto, visa a revogação daquela sentença.
Vejamos.
6.A questão que se coloca é a de saber se deve ou não considerar-se admissível que relativamente ao mesmo regime - RETGS - o legislador crie distinções entre sociedades dominantes residentes em Portugal e as sociedades dominantes residentes em outro Estado-Membro da União Europeia (UE) ou no Espaço Económico Europeu (EEE), exigindo que, para poderem revestir a natureza de sociedades dominante do RETGS, as primeiras não fossem portadoras de prejuízos nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, mas já permitindo que as segundas sejam portadores desses prejuízos.
7. A nosso ver uma tal distinção constituiria uma violação dos princípios e normas de Direito Comunitário, nomeadamente do princípio da liberdade de estabelecimento, consagrado nos arts. 49º e 54º do Tratado de Funcionamento sobre a União Europeia (TFUE), na medida em que trataria as sociedades dominantes residentes em Portugal de forma diferente das sociedades residentes noutros Estados-Membros da UE ou do EEE.
8. Afigura-se-nos ser jurisprudência consolidada do TJUE que o princípio da liberdade de estabelecimento “compreende, para as sociedades constituídas nos termos da legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede estatutária, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal na Comunidade Europeia, o direito de exercer a sua atividade noutros Estados-Membros através de uma filial, de uma sucursal ou de uma agência” (v. Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 23 de Fevereiro de 2006, Keller Holding, C-471/04, n.° 29, e de 15 de Maio de 2008, Lidl Belgium, C-414/06, n.° 18).
9. De acordo com o seu teor literal as disposições do TFUE relativas à liberdade de estabelecimento são as que “visem assegurar o direito a um tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento, opõem-se igualmente a que o Estado-Membro de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado-Membro de um dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação” (Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 16 de julho de 1998, ICI, C-264/96, n.° 21; de 6 de dezembro de 2007, Columbus Container Services, C-298/05, n.° 33, e Lidl Belgium, já referido, n.º 19).
10. Assim, é entendimento do TJUE que “admitir que um Estado-Membro possa aplicar livremente um tratamento diferente unicamente pelo facto de a sede de uma sociedade estar situada noutro Estado-Membro esvaziaria as regras relativas à liberdade de estabelecimento da sua substância” (v., neste sentido, Acórdão do TJUE, de 27 de novembro de 2008, Papillon, C- 418/07, nº 26; Acórdão do TJUE de 28 de janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, n.° 18, e Acórdãos do TJUE de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft, C-397/98 e C-410/98, n.° 42).
11. Deste modo e salvo melhor opinião, se acolhêssemos a tese da sentença recorrida o que teríamos era que o requisito referente aos prejuízos a que alude a al. c), do nº 4 do art.º 69.º do CIRC é aplicável, tanto a sociedades dominantes como a dominadas, estaríamos a reforçar uma desigualdade de tratamento em função do lugar em que se encontra instalada a sociedade dominante (em Portugal ou noutro Estado-membro da UE), o que seria inadmissível no plano comunitário (cfr., entre outros, nºs. 31 e 32, Acórdão Papillon, C-418/07 de 27 de novembro de 2008), o que se traduzia numa discriminação em face do direito comunitário, uma vez que impor-se-ia um tratamento diferenciado em relação a dois grupos empresariais que se encontrem numa posição substancialmente idêntica, exceto no que diz respeito ao fator que dá origem à distinção e que, neste caso, se traduz no local onde está estabelecida a sociedade dominante (neste sentido veja-se, nomeadamente, o Acórdão Schumacker, C-279/93, o Acórdão Asscher, C-107/94 e o Acórdão Royal Bank of Scotland, C-311/97).
12. A alínea c) do nº 4 do art.º 69º do CIRC pretende acautelar a fraude e a evasão fiscais relacionadas com a aquisição de sociedades com prejuízos; tal objetivo é concretizado, tanto no caso em que a sociedade dominante tem a sua sede ou direção efetiva em Portugal como no caso em que a sociedade dominante tem a sua sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia.
13. E não se vislumbra que as justificações tipicamente apresentadas pelo TJUE permitam justificar a discriminação que é patente no caso destes autos, visto que de nenhuma delas se consegue descortinar uma razão para o legislador manter o normativo em causa, ou seja, tratar diferentemente as sociedades dominantes UE ou no EEE (v., entre outros, Acórdão proferido pelo TJUE, em 12 de junho de 2014, nos Processos apensos nºs C-39/13, C-40/13, da análise a normas semelhantes às aqui em causa, o TJUE entendeu que elas traduzem um tratamento fiscal diferente e discriminatório em razão da localização da sociedade dominante).
14. Vejam-se as Diretivas Comunitárias que regulam vários aspetos relativos à tributação dos grupos de sociedades, nomeadamente a Diretiva 2011/96/UE, de 30 de novembro de 2011, com as várias alterações que sofreu (Diretiva 2014/86/UE do Conselho, de 8 de julho de 2014), e a Diretiva 2015/121 do Conselho, de 27 de janeiro de 2015, sendo que foi a Diretiva de 2014 que levou à introdução do art.º 69º-A pela Lei 82-C/2014, de 31 de dezembro, pelo que se mantêm e reforçam os objetivos que esta prossegue, nomeadamente da aproximação dos regimes vigentes no direito interno e no plano comunitário.
15. Além do exposto, reforçam o que foi dito, a Diretiva 2009/133/CE, de 19 de outubro de 2009, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes e à transferência da sede de uma sociedade europeia (SE) ou de uma sociedade cooperativa europeia (SCE) de um Estado-Membro para outro, e a Diretiva do Conselho 2003/49/CE, de 3 de junho de 2003, relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efetuados entre sociedades associadas de Estados-Membros diferentes.
16. E todos estes mecanismos têm como objetivo não sujeitar a condições menos favoráveis os grupos constituídos pelo direito interno em face do direito comunitário, pelo que se reforça uma violação do direito comunitário, nomeadamente do art.º 26º do TFUE, violação que, desde já, se invoca, visto que as disposições fiscais aqui em causa, fundamentalmente o já referido art.º 69º, nº 4, c), do CIRC, se interpretado no sentido que lhe é dado pela douta sentença, criam uma restrição ao mercado interno e dificultam a criação de grupos de sociedades em face dos grupos constituídos de acordo com o Direito da União Europeia.
17. E nem se diga que à data dos factos, isto é, nos períodos de tributação de 2012 e 2013, o ordenamento português estava conforme o Direito Comunitário, na medida em que a Lei nº 82-C/2014, de 31 de dezembro, apenas se aplica a períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2015.
18.Com efeito, o facto de o legislador nacional não adequar atempadamente o ordenamento jurídico interno ao Direito Comunitário não impede que o contribuinte invoque uma norma comunitária com vista a obter uma interpretação das normas internas conforme ou compatível com o Direito Comunitário (cfr. Acórdãos do Tribunal de Justiça, processos C- 221/88, C-80/86).
19. O Direito da União Europeia constitui um primado em face de todo o Direito interno, sendo, portanto oponível a todo o Direito estadual.
20.E no que diz respeito às Diretivas atrás mencionadas há que reconhecer-lhe efeito direto (cfr. Acórdão do TJUE, processo C-555/07), efeito direto este reconhecido no art.º 288.º do TFUE (ex-artigo 249.º do TCE).
21.Do exposto resulta que, sem prejuízo de eventual responsabilidade do Estado por não adequar atempadamente o direito nacional, deve o direito interno ser interpretado em conformidade com o Direito da União Europeia, não restando quaisquer dúvidas de que não pode ser exigível à sociedade dominante do RETGS, estabelecida em território português, para que possa ser qualificada dominante, não registe prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início de aplicação do regime.
22.Assim, o disposto na al. c), nº 4, art.º 69º do CIRC deve ser interpretado como não sendo aplicável às sociedades dominantes do RETGS
23.Como não foi assim que decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro na interpretação que faz da al. c), nº 4, art.º 69º, CIRC.
24.Acresce que, como refere a sentença sob recurso, a impugnante, ora recorrente, também alegou vícios consistentes na violação de princípios e normas constitucionais.
25.A recorrente não se conforma com o expendido pela sentença de 1ª instância defendendo que nenhum daqueles vícios foi violado.
26. Na verdade, a Constituição da República Portuguesa consagra os princípios da liberdade de iniciativa e de organização empresarial nos artigos 61.º e art.º 80.º, al. c).
27. Estes princípios podem ser vistos em sentido positivo, impondo ao legislador promover a liberdade de empresa, e em sentido negativo, na medida em que o legislador não deve introduzir restrições que sejam desproporcionadas ou injustificadas face ao direito de livre organização empresarial, sendo que, no âmbito fiscal, não deve criar tais restrições à liberdade das empresas se organizarem adotando a estrutura de grupos de sociedades - cfr. douto Acórdão nº 199/2005, processo n.º 117/04, 2ª secção, do Tribunal Constitucional.
28. Face ao exposto neste douto Acórdão, a recorrente entende que a norma da alínea. c), do nº 4, do art.º 69.º, do CIRC, viola o princípio da liberdade de iniciativa económica e de organização empresarial, previstos nos arts. 61.º e 80.º, al. c) da CRP, na medida em que impõe uma restrição às sociedades que compõem o perímetro do grupo, sendo tal restrição desproporcionada e injustificada se não estiver em causa o risco de evasão e fraude fiscais, o que no caso dos autos não sucedeu, uma vez que a existência desse risco não consta como provada no elenco dos factos constantes do probatório.
29.E ainda quanto ao princípio da neutralidade a recorrente mais acrescenta que o princípio da neutralidade, consagrado no art. 81º, f), da Constituição da República Portuguesa (CRP) significa que, independentemente da forma escolhida para organizar a atividade societária, o sistema fiscal não deve criar obstáculos que interfiram nessa escolha. Dito de outra forma: a escolha do modo de organização das sociedades não deve ser determinada por motivos fiscais, mas por razões relacionadas com a maior eficiência e maximização dos lucros obtidos pelo grupo (v. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2015, 8ª edição, Almedina, pág. 175).
30. Ou seja, a escolha do modo de organização das sociedades não deve ser determinada por motivos fiscais, mas por razões relacionadas com a maior eficiência e maximização dos lucros obtidos pelo grupo.
31.E, portanto, o regime especial de tributação de grupos deve prever uma carga tributária incidente sobre o grupo que se aproxime daquela a que estariam sujeitas cada uma das empresas integrantes do perímetro do RETGS se individualmente consideradas (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional no nº 430/2016, processo nº 367/13, 3ª secção).
32.Do exposto conclui-se que a norma prevista na al. c), do nº 4 do art. 69º é inconstitucional, constitui um entrave à escolha do grupo da forma jurídica que pretende adotar para desenvolver a sua atividade, isto porque, ao limitar que sejam incluídas no grupo sociedade que registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, torna menos atrativo o desenvolvimento de atividades através desta forma de organização empresarial e não prevê uma carga fiscal incidente sobre o grupo semelhante à que estaria sujeita cada empresa se tributada individualmente.
33.Como não foi assim que considerou, a sentença recorrida enferma de erro na interpretação daquela norma do CIRC.
34.Outro princípio decisivo e que fundamenta o RETGS é o princípio constitucional da capacidade contributiva, sendo este uma condição e parâmetro de tributação.
35.E no RETGS prevê-se o grupo como uma unidade jurídica para efeitos fiscais, pelo que é ao nível do grupo que a capacidade contributiva é quantificada, sendo este objeto de uma tributação única em sede de IRC.
36.Assim, o RETGS surge como uma técnica de tributação de um grupo alternativa à tributação pelo regime normal, estimulando o desenvolvimento de atividades económicas num determinado país.
37.Cabe também referir que o princípio da capacidade contributiva surge como uma expressão do princípio da igualdade em matéria de impostos, traduzindo a ideia que cada pessoa deve ser tributada em função da sua capacidade contributiva e, por outro lado, que “os contribuintes com a mesma capacidade pagarão o(s) mesmo(s) imposto(s) (igualdade horizontal) e os contribuintes com diferente capacidade pagarão diferentes impostos, seja em termos qualitativos, seja em termos quantitativos (igualdade vertical)”.5
38.Ora, a capacidade contributiva de um grupo económico é severamente afetada através da exclusão de sociedades que preencham o requisito previsto na al. c), do nº 4, do art.º 69.º, CIRC.
39.E tal é reforçado pela violação do princípio da igualdade, uma vez que, nesta situação, dois contribuintes com a mesma capacidade contributiva são tributados de forma diferente apenas pela impossibilidade de uma sociedade que registe prejuízos fiscais anteriores ao início da aplicação do regime, conforme definido na al. c), do nº4, do art.º 69.º, CIRC, pertencer ao RETGS.
40.Assim, sendo interpretada no sentido que lhe é dado pela AT, é inconstitucional a al. c), do nº 4, do art.º 69.º, do CIRC, por violação do princípio da igualdade material previsto no art.º 13.º da CRP como expressão do princípio da capacidade contributiva concretizado no nº 2, do art.º 104.º, da CRP.
41.Considerando todo o anteriormente exposto, a sentença recorrida devia ter julgado a impugnação totalmente procedente.
42.Como não foi assim que decidiu, a referida sentença violou, nomeadamente, os princípios e normas atrás apontados.
SEM PRESCINDIR,
43.Considerando que a decisão da questão suscitada pela Recorrente na impugnação por si apresentada - saber se o disposto na alínea c) do nº 4 do art. 69º do CIRC - é a questão central dos presentes autos, nos termos previstos no artigo 267º do TFUE, formula agora a recorrente pedido de reenvio, com o seguinte objeto:
a. A questão que se suscita é a de saber se:
i - considerando o princípio da liberdade de estabelecimento, previsto nos artigos 49º e 54º do TFUE, e o princípio geral do primado do Direito Comunitário, bem assim como o que decorre da Diretiva 90/435/CEE, de 23 de Julho de 1990, com as várias alterações que sofreu da Diretiva 2011/96/EU do Conselho de 30 de Novembro de 2011, e da Diretiva 2014/86/UE do Conselho de 8 de julho de 2014, relativas ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes, o disposto no alínea c) do no 4 do artigo 69º do CIRC deve ou não ser interpretado no sentido de que a não existência de prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do RETGS, constitui requisito a que deve obedecer a sociedade dominante do RETGS?
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a impugnação apresentada totalmente procedente.
SEM PRESCINDIR,
Deve ser formulado ao TJUE o pedido de reenvio prejudicial, atrás referido, nos termos previsto no artigo 267º do TFUE.

Não houve contra-alegações.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento recurso, concluindo que “Conforme refere a sentença recorrida, o STA já se pronunciou sobre questão equivalente e até relativamente ao mesmo grupo de sociedade em causa nos presentes autos.
Neste contexto e no sentido deste entendimento, consideramos que o nº 4 do art. 69º do CIRC, na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei nº 82-C/2014, de 31/12, é uma norma que consagra um requisito comum a todas as empresas do grupo, pelo que não poderão integrar o grupo as sociedades (sejam dominantes ou dominadas) que registem prejuízos fiscais nos três períodos anteriores ao do início da aplicação do regime.
Pelo exposto, consideramos que a douta sentença, que assim interpretou o disposto na al. c) do nº 4 do art. 69º do CIRC, não enferma de erro na sua interpretação nem esta mesma interpretação viola qualquer princípio constitucional ou normas de Direito Comunitário.
Como tal, entendemos não se justificar o requerido pedido de reenvio prejudicial.”

Cumpre decidir.

2. Fundamentação
2.1. Remete-se para a matéria de facto que consta da decisão recorrida, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida (cf. artigo 663.º, n.º 6, do CPC, aplicável ex vi do artigo 679.º do mesmo Código).

2.2. O direito
Está em causa no presente recurso a sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC relativa ao ano de 2011.
Para assim decidir, o tribunal a quo, para além do mais e estribando-se na mais recente jurisprudência deste STA, considerou que o n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 82-C/2014, de 31/12, se aplica quer às sociedades dominadas, quer às sociedades dominantes, e julgou improcedentes os invocados vícios de violação do Direito Comunitário e de violação dos princípios constitucionais da neutralidade fiscal e da capacidade contributiva, da liberdade de iniciativa económica e de organização empresarial e da igualdade.
Face às conclusões de recurso, as questões que vêm colocadas pela Recorrente e que aqui cumpre apreciar e decidir reconduzem-se a saber se deve ou não considerar-se admissível que relativamente ao mesmo regime - Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) - o legislador crie distinções entre sociedades dominantes residentes em Portugal e as sociedades dominantes residentes em outro Estado-Membro da União Europeia (UE) ou no Espaço Económico Europeu (EEE), exigindo que, para poderem revestir a natureza de sociedades dominante do RETGS, as primeiras não sejam portadoras de prejuízos nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, mas já permitindo que as segundas sejam portadoras desses prejuízos, que coloca em crise a aplicação do artigo 69.º, nº 4, al. c) do CIRC, por violação do Direito Comunitário, em função da sua não conformidade com o disposto no artigo 26.º do TFUE bem como analisar a invocada violação de princípios constitucionais, como sejam os princípios da liberdade de iniciativa económica, da neutralidade, da capacidade contributiva e da igualdade e ainda saber se deve ou não ser efectuado reenvio prejudicial ao TJUE.
Sucede que, como aliás resulta da sentença recorrida, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre todas as questões aqui em causa no acórdão de 12/10/2022, no Processo 1126/18.0 BEPRT, sendo que as alegações ali produzidas são praticamente idênticas às do presente recurso.
Aliás, o entendimento ali vertido no sentido de que o legislador utiliza no corpo da norma constante do artº. 69.º, nº.4, do C.I.R.C., a expressão "sociedades", com tal expressão abarcando tanto as dominantes como as dominadas, dado que a identificada norma consagra os requisitos comuns a todas as sociedades do grupo” foi posteriormente reiterado, designadamente, nos acórdãos de 26/10/2022, Processo 501/18.4BEPRT, de 7/12/2022, Processo 494/18.8BEPRT e de 29/3/2023, Processo 540/18.5BEPRT.
Neste contexto, e porque se trata de jurisprudência cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação no caso vertente, e que se subscreve integralmente, e também com vista a promover uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3 do CC), remetemos, nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 5, 2.ª parte, e 679.º, ambos do CPC, aplicável ex vi do artigo 281.º do CPPT, para a fundamentação jurídica adoptada no referido acórdão de 12/10/2022, no Processo 1126/18.0 BEPRT, cuja junção aos autos nos dispensamos de fazer por se encontrar integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Deste modo, é de concluir, também aqui, que o recurso não merece provimento, sendo de manter a sentença recorrida.

3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 6 de março de 2024. – Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Isabel Cristina Mota Marques da Silva.