Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0621/19.8BELLE
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
REFORMA DE ACÓRDÃO
REFORMA QUANTO A CUSTAS
Sumário:I - Como decorre do artº 614º, nºs 1 e 2 do CPC, conquanto com a prolação do Acórdão ficasse esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, pode ter lugar a rectificação de erros materiais, o suprimento de nulidades, o esclarecimento de dúvidas naquele existente e/ou a sua reforma quanto a custas.
II - Dá-se o erro material quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real.
III - E o erro material ou lapso cometido é manifesto quando a inexactidão ou omissão foi verificada em circunstâncias tais que é patente através de outros elementos do processo (o termo de julgamento) a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir, por isso, uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito.
Nº Convencional:JSTA000P31964
Nº do Documento:SA2202402280621/19
Recorrente:AA
Recorrido 1:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

AA, recorrente nos autos em epígrafe, onde se mostra melhor id., vem deduzir PEDIDO DE RECTIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO o que faz ao abrigo do artigo 614.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável via artigo 2.º, alínea e) do Código do Procedimento e do Processo Tributário (“CPPT”) e nos termos e com os fundamentos seguintes:
“1. O acórdão proferido nos presentes autos declarou totalmente procedente a oposição à execução do recorrente;
2. Por conseguinte concedendo provimento integral ao recurso.
Porém,
3. Condenou o recorrente em custas quando, atento o provimento do recurso, devia ter sido a parte recorrida a ser condenada em custas.
4. Estando em crer que se terá tratado de mero lapso.
Face ao exposto requer a V. Exas. se dignem a admitir a presente, e, em conformidade, se dignem a proceder à retificação do acórdão proferido nos autos quanto a custas, sendo estas a suportar pela parte recorrida.”

Ouvida a parte contrária e o Ministério Público, nada aduziram.
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O processo é submetido à conferência com dispensa dos vistos legais.
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2. - Como decorre do artº 614º, nºs 1 e 2 do CPC, conquanto com a prolação do Acórdão ficasse esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, se contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
No caso vertente, evidenciam os autos que, acolhendo as razões apresentadas pelo reclamante é configurável o cometimento de genuíno erro material (manifesto) cometido no acórdão em apreço.
Com efeito, como explica J. A. Reis, CPC Anotado, 5º-130, dá-se o erro material quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real.
E o erro material ou lapso cometido é manifesto porquanto, a inexactidão ou omissão foi verificada em circunstâncias tais que é patente através de outros elementos do processo (o termo de julgamento) a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir, por isso, uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito – cfr. Castro Mendes, Lições de Processo Civil, 1967/68, 2º-307). – vide Acórdão de 14/10/2020, proferido no Proc. n.º 0927/16.8BEPRT.
Vejamos.
Existindo erros destes que sejam manifestos – revelados no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que ela é feita (art. 249º do Código Civil) – e que são detectáveis por um qualquer destinatário (normal) do acto, pode o autor do acto proceder, sem limites temporais, à sua rectificação, corrigindo o erro cometido, dando-se assim aproveitamento ao princípio da economia processual e concretização ao princípio da tutela judicial efectiva atrás referido.
O carácter manifesto destes erros revela-se não só na sua evidência, mas também, como se dispõe no art.249º do Código Civil, pelo facto de a discrepância ser perceptível “ no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que é feita “ - ou seja, aqui, no próprio acto ou no procedimento que o antecedeu.
Ora, evidenciam os autos que, o acórdão em causa julgou procedente o recurso e, não obstante, ao pronunciar-se sobre as custas processuais devidas, julgou serem devidas pelo mesmo recorrente que obteve ganho de causa, o que é manifesto, se trata de um mero lapso de escrita e colide com o princípio da causalidade vigorante nesta matéria (cfr.artº.527, do C. P. Civil).
Por assim ser, a parte recorrida é responsável pelo pagamento das custas.
Do que vem dito, resulta que se impõe reformar o acórdão quanto a custas levando em conta os critérios legais de fixação acima referidos.
3.- Destarte, reforma-se o acórdão em termos de ficar a sua parte decisória, com a seguinte redacção:

3. Decisão
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando procedente a oposição decretando-se a prescrição dos créditos tributários peticionados no PEF nº ...49 com a inerente extinção da execução quanto ao recorrente.
Custas pela Recorrida, que não paga taxa de justiça porque não contra-alegou no recurso".

Incidente sem tributação.
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Lisboa, 28 de fevereiro de 2024. - José Gomes Correia (relator) - Fernanda de Fátima Esteves - Joaquim Manuel Charneca Condesso.