Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0390/17 |
Data do Acordão: | 10/18/2017 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | BENEFÍCIOS FISCAIS INCENTIVOS FISCAIS À INTERIORIDADE |
Sumário: | I - O Dec. Lei nº 55/2008, de 26 de Março, estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo natureza de regulamento complementar ou de execução. II - Não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta, ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008. |
Nº Convencional: | JSTA000P22388 |
Nº do Documento: | SA2201710180390 |
Data de Entrada: | 03/30/2017 |
Recorrente: | A......., LDA |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1- A…………, LDA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 23 de Dezembro de 2016, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2012 e 2013, no montante global de 185 388,09€, mantendo as liquidações sindicadas, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1 – A douta sentença recorrida ao fazer depender a fruição do benefício fiscal da interioridade à recorrente da demonstração de que esta teve, nesse ano, massa salarial igual ou superior a 75% na zona beneficiária, está a criar um novo pressuposto de acesso a esse benefício; 2 – Que o art. 43.º do EBF não enuncia e que as regras de interpretação e de hierarquia das normas não consentem. 3 – Violando o disposto no art. 11.º da LGT e 10.º do EBF e ainda o princípio constitucional da reserva de lei – alínea i), do Art. 165.º da CRP – pois está a criar ou limitar imposto na forma de um benefício fiscal para além do escopo da autorização legislativa conferida pelo Art. 43.º, n.º 7 do EBF. 4 – A interpretação que deve assim ser dada a essa norma é a defendida na jurisprudência citada do CAAD no sentido de que esse benefício deve ser concedido a quem exerceu a sua atividade, em exclusivo, em zona beneficiária. 5 – Que é o caso da recorrente. 6 – Por outro lado, resulta que a correção efetuada à coleta pela AT não está devidamente fundamentado, de modo claro e suficiente, pois a AT não fundamentou os motivos válidos para que seja impedida de usufruir da redução de taxa, quando a Recorrente exerce exclusivamente a atividade principal, mesmo sem dispor de pessoal e consequentemente sem remunerações contabilizadas, pelo que a liquidação recorrida não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser anulada por vício de violação de lei, cf. Art.º 268º da CRP, Art.ºs 124.º e 125.º, do CPA e Art. 77.º da LGT. NESTES TERMOS, Deve a decisão apreciar os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação das liquidações recorridas de IRC, para que assim se faça JUSTIÇA. 2 - Não foram apresentadas contra-alegações. 3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o douto parecer de fls. 86 a 89 dos autos, notificado à recorrente, que sobre ele se pronunciou 8fls. 94 dos autos). Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. - Fundamentação - 4 – Questões a decidir São as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao fazer depender a fruição do benefício fiscal da interioridade à recorrente da demonstração de que esta teve, nesse ano, massa salarial igual ou superior a 75% na zona beneficiária e ao julgar fundamentada a correcção que está na origem das liquidações adicionais sindicadas. Não haverá que conhecer da questão prévia de incompetência do STA suscitada no parecer do Ministério Público junto do STA, pois que esta se funda em premissa não verificada, a saber, Alegação, na conclusão 10.ª das alegações de recurso, de facto não contemplado no probatório, quando o probatório termina com a conclusão 6.ª e não há nas conclusões referência a novos factos. 5– Matéria de facto É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida: A) A Impugnante tem como objeto social a mediação de seguros, cfr. ponto II.3.2. constante de fls. 7 do relatório de inspeção que constitui fls. 10 verso do processo administrativo (PA) apenso; B) A Impugnante, nos exercícios de 2012 e 2013, tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento no Distrito de Viseu, facto não controvertido; C) Nos anos de 2012 e 2013 a Impugnante, nas declarações fiscais enviadas, não inscreveu qualquer gasto a título de gastos com o pessoal, nem declarou remunerações pagas a trabalhadores, vide ponto III do já aludido relatório, fls. 11 e ainda fls. 26 a 32, todas do PA: D) Em resultado das Ordens de Serviço n.ºs OI201500569 e OI201500570, a Impugnante foi objeto de ação de fiscalização realizada pela Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Viseu, cfr. fls. 10 do PA; E) Através do ofício n.º 2015 7562 R 005638, de 30/06/2015, foi a Impugnante notificada do projeto de conclusões do Relatório de Inspeção e respetivos anexos para, querendo, exercer o direito de audição, vide fls. 14 e 15 do PA; F) A Impugnante não exerceu o direito de audição, vide fls. 14 e 15 do PA; G) Em 05.08.2015, foi elaborado o relatório de inspeção tributária, cfr. fls. 16 a 20 do PA; H) As conclusões do relatório de inspeção tributária foram sancionadas superiormente, vide fls. 15 e 16 do PA; I) No seguimento das correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo, a Administração Tributária emitiu as liquidações adicionais de IRC n.ºs 2015 8310037572 e 2015 8310037641, referentes ao exercícios de 2012 e 2013, no montante global de 185 388,09€, cfr. docs. n.º 1 e 2 que instruíram a PI e fls. 36 a 49 do PA. Discorda do decidido a recorrente, alegando, em síntese, que o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 não pode ser interpretado no sentido de que a existência de uma massa salarial é condição para usufruir do benefício previsto no art.º 43º do EBF, seja porque essa interpretação não resulta da letra da lei, seja porque esse art.º 43º não impõe essa condição. Discorda, ainda, da sentença na parte em que julgou suficientemente fundamentado o relatório de inspecção. E tem razão a recorrente quanto à sua alegação primeira, não havendo que conhecer da segunda em razão da procedência daquela. Como recentemente decidido por este STA em Acórdão do passado dia 11 de Outubro, proferido no recurso n.º 1361/16, que, com a devida vénia, passamos a transcrever, assiste razão à recorrente. «(…) Com efeito, o benefício contemplado nas alíneas a) e b) do art.º 43º, nº 1, do EBF, consubstanciado numa redução da taxa de IRC, tem como destinatárias «As empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias». E o nº 2 da mesma norma, que define as condições necessárias para que essas empresas possam usufruir do benefício, apenas impõe que a determinação do lucro tributável seja efectuada com recurso a métodos directos de avaliação [alínea a)], que a situação tributária esteja regularizada [alínea b)], que não haja salários em atraso [alínea c)] e que a empresa não resulte de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios [alínea d)]. A existência de uma massa salarial não constitui, por conseguinte, condição de acesso ao benefício em causa, embora no caso de efectiva existência de massa salarial esta tenha de ser concentrar, em mais de 75%, na área beneficiária. Com efeito, o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 estabelece que «Considera-se que a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.». Todavia, este diploma apenas estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo a natureza de regulamento complementar ou de execução. Ora, como se deixou explicitado no acórdão do STA proferido em 1/10/2014 no processo nº 01548/13 «Os regulamentos complementares ou de execução consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo… são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário. Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo. Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99». Torna-se, pois, claro que a disciplina contida no Dec. Lei nº 55/2008 não pode contrariar, ou, por qualquer forma, ultrapassar ou alterar a própria lei que regulamenta, sob pena de ilegalidade. De resto, como bem se salienta no acórdão proferido pelo STA em 9/09/2015, no processo nº 0115/15, os benefícios fiscais constituem matéria sujeita à reserva de lei, e que, por conseguinte, não pode ser alterada por decreto-lei que não haja sido precedido de autorização legislativa – cfr. artºs 165º, nº 1, alínea i), e 103º, nº 2, da CRP. Ora, não tendo a lei, no citado art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício que contempla, não pode tal condição ser legalmente imposta com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008. Deste modo, a liquidação impugnada, que teve por fundamento a inexistência de massa salarial para efeitos de exclusão do benefício fiscal, é ilegal. E, por consequência, a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, pelo que se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que julgue procedente a impugnação (…).» É este julgamento que aqui se reitera, pois também no caso dos presentes autos é incontroverso que, no exercício a que se reporta a liquidação, a recorrente tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento em área definida como beneficiária para efeitos do benefício fiscal à interioridade, previsto no art.º 43º, nº 1, do EBF, que, nesse exercício, não incorreu em custos de natureza salarial e que foi por inexistir massa salarial que, com base na disciplina contida no art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008, de 26.03, a Administração Tributária procedeu à liquidação adicional de IRC sindicada, numa interpretação de que este preceito impõe, como condição para o aludido benefício, a existência de massa salarial. Daí que, no provimento do recurso, seja de revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial deduzida pela recorrente, anulando os actos de liquidação sindicados. Prejudicado fica o conhecimento da alegada falta de fundamentação. - Decisão - Custas pela recorrida, em ambas as instâncias, salvo quanto à taxa de justiça neste recurso uma vez que não contra-alegou. Lisboa, 18 de Outubro de 2017. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Dulce Neto. |