Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0210/23.2BELRS
Data do Acordão:03/06/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPTT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
II - Não assumindo a questão decidenda complexidade jurídica ou relevo social de importância fundamental, afigurando-se igualmente o decidido como plenamente plausível e conforme à jurisprudência deste STA, não se justifica a admissão da revista.
Nº Convencional:JSTA000P32004
Nº do Documento:SA2202403060210/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 210/23.2BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Central Administrativo Sul, inconformada com o acórdão proferido naquele tribunal em 16 de Novembro de 2023 (e complementado pelo acórdão de 11 de Janeiro de 2024) – que, concedendo provimento ao recurso interposto pela sociedade ora Recorrida da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a reclamação judicial apresentada pela sociedade ora Recorrida nos termos do art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) contra a decisão da Directora Adjunta da Unidade dos Grandes Contribuintes, que indeferiu o pedido de manutenção do efeito suspensivo dos processos de execução fiscal, revogou essa sentença, julgou procedente a reclamação e anulou a referida decisão –, dele recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do CPPT, apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A) O presente Recurso de Revista, vem interposto, nos termos do n.º 1 do art. 285.º do CPPT, do Acórdão proferido em 16.11.2023, nos autos supra referenciados, que de provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Reclamante, da sentença do TT, que julgou improcedente a reclamação de actos do OEF.

B) Quanto à admissibilidade de recurso de revista, a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao STA – que deve estar bem delimitada – assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito [cfr. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis].

C) A questão presente nos autos prende-se com saber se o contribuinte [in casu, o Recorrido] poderá lançar mão do direito consagrado no n.º 1 do art. 169.º do CPPT, com vista à suspensão da cobrança da dívida que resultou da primitiva liquidação da CESE de 2016 [in casu, PEF ...60], tendo por base não o contencioso que apresentou contra aquela concreta liquidação, mas antes o contencioso apresentado na sequência da emissão da liquidação resultante da apresentação de uma declaração de substituição àquele concreto ano [in casu, a impugnação judicial que corre termos a coberto do processo n.º 2024/22.8BELRS].

D) Quando, tal está vedado nos termos do n.º 6 do art. 59.º do CPPT.

E) Ou seja, considerando que, no momento em que o contribuinte entrega a declaração de substituição, este já não está legitimado a discutir a legalidade da liquidação resultante da primitiva liquidação, o OEF poderá [ou não] indeferir o pedido de suspensão do PEF, nos termos do art. 169.º do CPPT, atenta tal realidade.

F) Se se entender que no caso do contencioso não ter o condão de beliscar a legalidade da quantia exequenda, por impossibilidade jurídica e que o OEF pode lançar mão dessa realidade para indeferir o pedido de suspensão, então a decisão recorrida viola o n.º 1 do art. 169.º do CPPT, aferindo-se os requisitos de admissão do presente recurso, nos termos do n.º 1 do art. 285.º do CPPT, primeira parte.

G) Exigindo a intervenção do tribunal superior para pacificar a discórdia que gera a decisão recorrida, evitando que transite em julgado e que se forme na jurisprudência um entendimento que será desconforme ao direito.

H) A FP entende que não existe ainda jurisprudência consolidada desse Tribunal quanto a esta matéria, pois que, sobre esta concreta realidade, que tenha conhecimento, só se pronunciou esse Douto Tribunal no âmbito dos processos 807/22.8BEAVR e 433.22.1BEBJA.

I) Considerando a matéria de facto estabilizada pelo Tribunal Tributário, a decisão recorrida, ao contrário do que decidiu o Tribunal de 1.ª instância, considerou que, tendo o contribuinte indicado na petição da impugnação da liquidação emitida na sequência da 2.ª autoliquidação [2024/22.8BELRS] que impugnava toda a liquidação da CESE de 2016, e estando a dívida garantida, o contribuinte tem direito a beneficiar da suspensão do processo, nos termos do n.º 1 do art. 169.º do CPPT.

J) Ora, quanto a esta matéria, a FP socorre-se do teor do voto de vencido proferido pelo Juiz Conselheiro Lino Ribeiro no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0566/13, em 5 de Junho de 2013, onde este defende que para saber se existe ou não meio processual que ponha em causa a “legalidade da dívida exequenda”, nos termos no n.º 1 do art. 169º do CPPT, o OEF pode e deve apreciar se tais processos têm virtualidade para tocar na legalidade da quantia exequenda, sem que isso represente qualquer interferência na apreciação do seu mérito [realce nosso].

K) Ou seja, “se ele sabe que, em virtude da inopugnabilidade, a dívida exequenda já não está ao alcance de um expediente extintivo, porquê dar relevo ao uso abusivo de formas procedimentais e processuais que tenham esse fim?

L) in casu, consentir na possibilidade do contribuinte poder beneficiar da suspensão do processo de execução fiscal por via do simples facto da Reclamante [ora Recorrida] peticionar na impugnação a anulação de toda liquidação [e não somente a o imposto que resultou da liquidação adicional], em clara violação do n.º 6 do art. 59.º do CPPT e da autoridade do caso julgado da decisão que julgou a primitiva liquidação legal, constitui uma aplicação cega do regime constante nos art. 52.º da LGT e 169.º do CPPT.

M) Baixando ao caso concreto, se o OEF sabe que, considerando que a liquidação que está em causa nos PEF´s ...60 e ...11, foi julgada válida por decisão transitada em julgado e sindicada pelas mais altas instâncias superiores [incluindo o Tribunal Central Administrativo Sul e o Tribunal Constitucional] e que, por via disso, a mesma já não é sindicável [sob pena de violação quer da autoridade do caso julgado e do n.º 6 do art.º 59.º do CPPT] e em nenhuma circunstâncias poderá ser anulada qual o sentido de dar àquele contencioso para efeitos de suspensão do PEF instaurado para cobrança do imposto liquidado em primeiro lugar.

N) Nem sempre o facto de existir contencioso associado à liquidação permite obter a suspensão do processo de execução fiscal nos termos do art. 169.º do CPPT, como acontece no caso do pedido de revisão do acto tributário, nos termos da última parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT [para lá do prazo de reclamação administrativo], o que reforça o entendimento da FP que o direito à suspensão ínsito no n.º 1 do art.º 169.º do CPPT não configura um direito absoluto.

O) Ou mesmo, no caso da impugnação judicial apresentada na sequência do indeferimento daquela revisão oficiosa.

P) Ou seja, ainda que a impugnação seja um dos meios de reacção constantes do n.º 1 do art.º 169.º do CPPT para obter a suspensão do processo de execução fiscal, a jurisprudência tem entendido que, tal não se verificará quando a mesma tiver sido deduzida após o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado para lá do prazo de reclamação administrativo.

Q) E fá-lo a coberto da ponderação dos interesses em causa [e não, pela aplicação cega da norma, como parece ter feito o Tribunal a quo].

R) Não se coloca em causa que o ora Recorrido pretende, aparentemente, discutir a totalidade da liquidação da CESE de 2016, o que se pretende discutir é, atento a impossibilidade legal de tal suceder [que é inegável, nos termos do já referido n.º 6 do art. 59.º do CPPT], o OEF pode i) aferir dessa impossibilidade e ii) indeferir o pedido de suspensão do processo de execução fiscal com base em tal constatação!

S) Acompanhar o entendimento do Tribunal a quo, abre a porta aos contribuintes poderem obter a suspensão do processo de execução fiscal ad eternum, pois, na sequência das decisões proferidas pelos tribunais judiciais, basta aos mesmos proceder à entrega de declarações de substituição para voltar a discutir a legalidade de toda a dívida e, por via disso, pedirem a suspensão do PEF!

T) A FP pública tem conhecimento do teor do acórdão deste Douto Tribunal proferido no âmbito do processo 807/22.8BEAVR onde se defendeu que não cabe ao OEF resolver qualquer conflito de interesses.

U) O que pretendeu a FP demonstrar, é que o OEF não pode deixar de ter em conta tais interesses na interpretação do regime da suspensão ínsito do n.º 169.º do CPPT, pois, se ele sabe que a liquidação já não é atacável [como sucede, in casu], este poderá concluir que, sem entrar na apreciação do mérito da impugnação, que não se verificam os pressupostos para a suspensão do processo de execução fiscal.

V) Defendeu o Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 807/22.8BEAVR, que existem mecanismos jurídicos para resolver a utilização abusiva do direito à suspensão.

W) Ora, ainda que não sejam claros quais mecanismos jurídicos ao dispor do OEF, a FP equaciona o accionamento do instituto do abuso de direito consagrado no art. 334.º do CC, no entanto, entende que o recurso a este instituto pode não se revelar eficaz para evitar tal situação.

X) De todo o exposto, não poderá manter-se na ordem jurídica decisão que afronte a lei, nomeadamente, o n.º 6 do art. 59.º e n.º 1 do art. 169.º do CPPT, ambos do CPPT.

Y) A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais [RCP].

Nestes termos e nos mais de Direito que V.ªs Exªs, Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, muito doutamente suprirão, se requer que seja julgado procedente o presente recurso de decisão jurisdicional, em sede de reclamação dos actos do OEF, revogando-se o douto acórdão recorrido».

1.2 A Recorrida contra-alegou o recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A. A presente situação não cumpre os requisitos para ser apreciada no âmbito de um recurso de revista, que, longe de ser um expediente de recurso ordinário, é antes um recurso excepcional previsto para as situações limite em que a decisão recorrida é de tal forma implausível, insólita e extravagante, desde logo na sua interpretação do direito aplicável, que torna indispensável, a título extraordinário, uma intervenção correctiva do Supremo Tribunal Administrativo.

B. Concordando ou discordando do Acórdão recorrido, o que não é possível refutar é que ele assenta em interpretações perfeitamente plausíveis dos regimes jurídicos em torno dos quais se constrói a discussão dos autos, designadamente o regime do caso julgado, o regime dos actos de liquidação de substituição e o regime da suspensão dos processos de execução fiscal do artigo 169.º do CPPT.

C. O despacho reclamado é ilegal, tendo sido bem anulado, porque só uma decisão final proferida nos autos de impugnação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa do segundo acto de liquidação (de substituição), nos quais se contesta integralmente a CESE de 2016 da A... – por reporte à invalidade total do seu regime e, portanto, à totalidade do montante liquidado –, é que pode originar a obrigatoriedade de a Reclamante pagar esse montante.

D. É isso que resulta do regime do artigo 169.º do CPPT (ao abrigo do qual estes autos executivos têm estado suspensos), em cujo n.º 1 se estabelece que, verificadas todas as demais condições de tal regime (designadamente a prestação de garantia), as execuções permanecem suspensas até que, por decisão final do processo administrativo ou judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda, ocorra uma declaração definitiva da validade ou invalidade dessa dívida.

E. No nosso caso, é certo que não só a AT está na posse de duas garantias que salvaguardam inteiramente o seu crédito relativo à CESE de 2016 da A... como está em curso um processo de contestação da legalidade desse crédito.

F. Caso vingasse aqui qualquer interpretação do regime do artigo 169.º do CPPT da qual derivasse que a Reclamante estava obrigada a pagar o montante da CESE de 2016 (ou parte dela) enquanto a totalidade da dívida está subjacente a um processo de contestação da sua legalidade, então o regime teria de ser considerado inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição.

G. Nesta sequência, não tem qualquer sentido a alusão ao regime do caso julgado. O que interessa fundamentalmente para os presentes efeitos é que neste momento há um contencioso pendente sobre a legalidade da dívida da CESE de 2016 da A..., contencioso esse que diz respeito a um acto de liquidação do montante total desse tributo, apurado quanto a esse ano, e em que a ora Reclamante utiliza argumentos para anular o tributo desse ano in totum, e não simplesmente quanto a qualquer valor residual.

H. Portanto, deferir o requerimento da A... não equivalerá a violar o efeito de caso julgado da sentença incidente sobre a impugnação do acto de autoliquidação originário. Recusar a anulação da decisão reclamada com base nesse argumento redundaria numa usurpação por parte da AT do poder de livre decisão que cabe ao juiz do processo de impugnação da autoliquidação de substituição. Não cabe à AT (nem, em boa verdade, ao juiz dos presentes autos de reclamação) antecipar qual deverá ou deveria ser a decisão naquela impugnação; isso cabe, apenas, ao juiz que decidir esse outro processo, no âmbito desse outro processo.

Termos em que deve ser rejeitado ou improceder o presente recurso, confirmando-se a sentença e o acórdão recorridos».

1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que «não compete ao Ministério Público, nesta fase, pronunciar-se quanto à admissibilidade ou não do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito e só no caso de este ser admitido».

1.5 Cumpre apreciar e decidir, preliminar e sumariamente, da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental, ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. art. 285.º, n.º 1, do CPPT).
Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar naqueles precisos termos.

2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo – que deve estar bem delimitada – assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista [cfr. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis].

2.1.3 Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1853/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

2.1.4 Referidos que ficaram os pressupostos da admissibilidade da revista excepcional e o seu âmbito abstracto, passemos a verificar, preliminar e sumariamente (cfr. art. 285.º, n.º 6, do CPPT), se o recurso pode ser admitido.

2.2 O CASO SUB JUDICE

A formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT pronunciou-se, através do recente acórdão de 7 de Fevereiro p.p., proferido no processo com o n. 451/23.2BELRS (Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/0d4ad201402dabdb80258abd00454e9c.), sobre a admissibilidade de revista excepcional em tudo idêntica à ora sob apreciação: as partes são as mesmas, as alegações de recurso são em tudo idênticas e apenas diferem quanto ao ano a que se refere a CESE, o que no caso em nada releva.
Assim, vamos limitar-nos a reproduzir o que nesse acórdão ficou dito, permitindo-nos apenas alterar os elementos que se referem à situação concreta:

«O acórdão do TCA Sul sob escrutínio negou provimento ao recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedente a reclamação judicial deduzida do indeferimento do pedido de manutenção de suspensão de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de dívida proveniente da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) do ano de 2016 e correspondentes juros, por entender que os pressupostos da suspensão da execução continuam a verificar-se visto que continua em discussão a legalidade da dívida exequenda – CESE relativa a 2016 –, em virtude da impugnação da liquidação originada pela entrega de declaração de substituição ao abrigo do artigo 7.º n.º 6 do Regime CESE.
Fundamenta-se o decidido, além do mais, na jurisprudência do TCA Sul sobre a matéria bem como no Acórdão deste STA de 7 de Junho de 2023, proc. n.º 0807/22.8BEAVR.
Do decidido pretende a AT revista relativamente à questão de saber se o contribuinte poderá lançar mão do direito consagrado no n.º 1 do art. 169.º do CPPT, com vista à suspensão da cobrança da dívida que resultou da primitiva liquidação da CESE de 2016 [in casu, PEF …], tendo por base não o contencioso que apresentou contra aquela concreta liquidação, mas antes o contencioso apresentado na sequência da emissão da liquidação resultante da apresentação de uma declaração de substituição àquele concreto ano [in casu, a impugnação judicial que corre termos a coberto do processo n.º 2024/22.8BELRS] (cf. conclusão B) das alegações de recurso), alegando estar em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, exigindo a intervenção do tribunal superior para pacificar a discórdia que gera a decisão recorrida, evitando que transite em julgado e que se forme na jurisprudência um entendimento que será desconforme ao direito.
Contrariamente ao alegado, não nos parece que a questão assuma complexidade ou relevo social de importância fundamental que justifique a admissão da revista, sendo a “discórdia” a que se refere a recorrente resultante, não de decisões contraditórias dos Tribunais superiores sobre a questão, mas do inconformismo da recorrente com as decisões que estes têm tomado nesta matéria.
Saliente-se, aliás, que como bem sabe a recorrente, este Supremo Tribunal tomou ainda recentemente posição sobre a controvérsia – cf. o Acórdão da Secção de 7 de Junho de 2023, no processo n.º 807/22.8BEAVR –, e a posição assumida pelo TCA Sul é plenamente conforme ao entendimento sufragado pelo STA, que se afigura, no mínimo, como plenamente plausível.
Assim, contrariamente ao alegado, não se vê como justificada a admissão da revista, que não será admitida».

2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, também decalcada do citado acórdão:

Não assumindo a questão decidenda complexidade jurídica ou relevo social de importância fundamental, afigurando-se igualmente o decidido como plenamente plausível e conforme à jurisprudência deste STA, não se justifica a admissão da revista.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT e art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais), uma vez que o recurso não ultrapassou a fase de admissão e o acórdão é remissivo.


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Lisboa, 6 de Março de 2024. - Francisco Rothes (relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia.