Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0372/10.9BECBR
Data do Acordão:06/22/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, cumprindo ao recorrente alegar e demonstrar a factualidade necessária para integrar a verificação dos referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).
II - Atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 285.º do CPPT, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC.
III - O recurso também não pode ser admitido se o recorrente não se desincumbiu do ónus de alegar e demonstrar a verificação dos requisitos de admissibilidade da revista.
Nº Convencional:JSTA000P29616
Nº do Documento:SA2202206220372/10
Data de Entrada:06/01/2022
Recorrente:A....., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 372/10.9BECBR
Recorrente: “A……, Lda.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 17 de Fevereiro de 2022 – que, apreciando o recurso por ela interposto da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999, e considerando, por um lado, que não era possível conhecer da questão da prescrição das obrigações tributárias, e por outro lado, que a Recorrente «se limitou […] a reproduzir no essencial os fundamentos invocados em sede de petição inicial de impugnação judicial, abstendo-se de atacar a concreta decisão do Tribunal “a quo”, deixando incólume toda a fundamentação aí aduzida», pelo que «há que concluir que não ataca a sentença recorrida», decidiu «não conhecer do presente recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida» –, dele recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A) O conhecimento oficioso da prescrição no processo de execução fiscal resulta frontal e directamente da lei, e embora não se manifeste expresso quanto à sua aplicação ao processo de impugnação judicial, de forma directa, o Supremo Tribunal Administrativo de forma unânime tem vindo a admitir o conhecimento da prescrição da dívida tributária em sede de impugnação judicial.

B) A questão da prescrição não pode ser tida como uma questão nova, porque ela deverá estar presente na análise de qualquer processo tributário em que se discuta uma dívida tributária, para garantir a utilidade do prosseguimento da lide, antes assumindo as vestes de uma questão cujo conhecimento foi omitido, e se impõe suprir.

C) É necessário que a prescrição da dívida seja verosímil, ou que, pelo menos teoricamente, possa ter ocorrido. Se a prescrição tiver uma possibilidade mínima de ter ocorrido o tribunal tem o dever de examinar oficiosamente, se em concreto se verifica ou não.

D) Se, para além dos restantes requisitos, houver a mínima hipótese de ter ocorrido, desde logo porque decorreu o prazo mínimo necessário para o efeito, de 8 anos, contados nos termos do artigo 48.º LGT, o tribunal tem que conhecer oficiosamente, da questão porque o problema existe, e tem que ter uma decisão expressa.

E) Respeitando as liquidações adicionais de IVA aos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999 e tendo a petição inicial de impugnação sido apresentada em 25.05.2010, é evidente, que decorreram mais de oito anos até à apresentação da impugnação, basta fazer um simples cálculo aritmético. Quando foi apresentada a petição da impugnação, que interrompe a prescrição em curso, já a dívida estava extinta pelo decurso do prazo de oito anos.

F) Verifica-se que as execuções n.º 0787 2001 01003020, n.º 0787 2001 01003453 e n.º 0787 2002 01000845 estiveram paradas mais de um ano por facto não imputável à recorrente, pois que, tal como ficou parada no Serviço de Finanças pese embora nada obstar à sua tramitação e prosseguimento.

G) Daí que o efeito interruptivo originado pela instauração das execuções em 2001 e 2002 tenha cessado na altura em que decorreu um ano sobre a paragem da instância, importando somar o tempo que decorreu a partir daí (até ao presente) com aquele que havia decorrido até à autuação da execução.

H) Considerando o somatório de tempo que até à apresentação da impugnação judicial e também o somatório do tempo que decorreu até hoje, conclui-se que se encontra excedido o prazo de prescrição de 8 anos, ocorrendo, assim, a extinção do direito à cobrança por via executiva.

I) Nas questões de conhecimento oficioso a liberdade de actuação do juiz mostra-se condicionada pelos dados disponíveis no processo. Porém, em casos, em que a questão é suscitada perante o Tribunal Central Administrativo, não constando da matéria provada elementos de facto suficientes para decidir tal questão, haverá o tribunal recorrido de a apreciar, solicitando a remessa ao órgão local tributário do processo de execução fiscal, a título devolutivo.

J) Deve o processo baixar à primeira instância, para o Tribunal recorrido emitir pronúncia sobre a questão da prescrição, solicitando oficiosamente ao Serviço de Finanças informações sobre a data da instauração da execução e das paragens do processo por causa não imputável à impugnante, concluindo, a final que considerando o somatório de tempo que decorreu até hoje se encontra excedido o prazo de prescrição de 8 anos, ocorrendo, assim, a extinção do direito do Estado à cobrança das liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios por via executiva.

L) Sendo, assim, manifesto que a prescrição das liquidações impugnadas já ocorreu, tinha o tribunal que se debruçar sobre a questão, oficiosamente, em sede de recurso ou determinando a baixa à primeira instância, pelo que se mostra violado o disposto no artigo 49.º, n.º 1 LGT. A preterição do dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso, suscitada pela parte, constitui nulidade por omissão de pronúncia.

M) Deverá, assim, ser dado provimento à arguição de nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, determinando-se a baixa do processo para que seja emitida pronúncia sobre a questão, solicitando a remessa ao órgão local tributário do processo de execução fiscal, a título devolutivo ou determinando a baixa do processo à primeira instância, para esse fim.

N) Não existem elementos que comprovem a ocorrência de facturação adicional geradora de proveitos por parte da impugnante, não podendo servir como tal a presunção de rendimento elaborada pela AT em relação aos exercícios, como se fez na sentença de primeira instância, sob pena de se fazer repousar a tributação em presunção sobre presunção, o que colide com os princípios da legalidade e da verdade material.

O) Não resulta dos factos provados que tenha ocorrido qualquer actividade de vendas adicional por parte da impugnante, não servindo como prova do facto contrário, a apresentação de liquidações de substituição, dado que não existe qualquer registo de proveitos efectivos gerados pela impugnante nesses anos e períodos de imposto.

P) Pelo que são fundadas as dúvidas sobre a existência e quantificação dos factos tributários, as quais não tendo sido superadas pela administração tributária, a quem compete o ónus da demonstração do direito que se arroga, face ao disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, tem os actos de liquidação que ser anulados, nos termos do disposto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, ao contrário do que foi decidido na sentença de primeira instância.

Q) Resulta dos autos a inexistência de proveitos na esfera da impugnante, nos exercícios e períodos em causa, pelo que a ocorrência dos factos tributários não se comprova, nem essa demonstração resulta da sentença de primeira instância, o que implica a anulação dos actos tributários, por erro nos pressupostos de facto.

R) Ao contrário do que se afirma no acórdão recorrido, a recorrente nas alegações de recurso justificou claramente os motivos pelos quais deveriam ser anuladas as liquidações de imposto e juros. Lendo as alegações de recurso não se pode afirmar que a recorrente não demonstrou a sua discordância com a sentença quando esta julga improcedente a impugnação, nem se pode afirmar que a recorrente não atacou nenhum dos fundamentos que determinaram a absolvição da instância da Fazenda Pública.

S) Lido o acórdão recorrido, limita-se a afirmar de forma vaga e genérica que a recorrente não ataca a sentença recorrida, não justificando os pontos em que a sentença se pronunciou em sentido diferente da recorrente e esta aceitou essa pronúncia sem a atacar.

T) O acórdão recorrido limita-se a transcrever os textos dos artigos 639.º e 640.º e a reproduzir a motivação aduzida pela Sra. Juíza Desembargadora Paula Moura Teixeira, no Acórdão n.º 02746/09.9BRPRT da 2.ª Secção de Contencioso Tributário de 08-03-2018 do Tribunal Central Administrativo Norte, sem se pronunciar sobre as questões enunciadas quanto à existência ou não de duplicação de colecta e ao pagamento das liquidações de imposto e juros invocadas pela recorrente. O Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

U) Por conseguinte, a nulidade por omissão de pronúncia, verifica-se quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as questões pelas partes submetidas ao seu escrutínio. No caso em apreço, as questões em análise no âmbito do recurso consistiam em saber se existem ou não liquidações de imposto e juros em duplicação e se as liquidações de imposto desses períodos se mostram ou não pagas pela recorrente.

V) Ora, como bem evidencia o teor do acórdão estas questões não foram apreciadas e fundamentadas à luz dos normativos aplicáveis, pelo que se verifica a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia e assim o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, e incorreu na nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do art. 615.º do CPC.

Deverá conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e determinando-se a baixa do processo à segunda instância para emitir pronúncia sobre as questões omitidas.

Assim, decidindo, far-se-á, JUSTIÇA».

1.2 A Fazenda Pública não contra-alegou o recurso.

1.3 Tendo verificado a tempestividade do recurso e a legitimidade do Recorrente, a Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Norte ordenou a sua remessa ao Supremo Tribunal Administrativo

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que «ao Ministério Público não compete emitir parecer sobre a admissão ou não admissão do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito e só no caso de o Recurso de Revista ser admitido».

1.5 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental, ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. art. 285.º, n.º 1, do CPPT).
Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar naqueles precisos termos.

2.2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista [cfr. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).

2.2.1.3 A jurisprudência tem também vindo a afirmar, uniforme e repetidamente, que, atento que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 285.º do CPPT (e no art. 150.º do CPTA), não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC (Vide, a título de exemplo, os seguintes acórdãos da formação do n.º 6 do art. 285.º do CPPT:
- de 3 de Junho de 2020, proferido no processo com o n.º 343/14.6BEPRT-B, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/eb157c30c16c267d802585810030f0f8;
- de 1 de Julho de 2020, proferido no processo com o n.º 1460/10.7BELRA, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/de1cbacc46f1fa58802585a0004d2a45;
- de 16 de Fevereiro de 2022, proferido no processo com o n.º 39/11.0BEALM, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/9ec1ef94cc133cc1802587ec00449c1a.).

2.2.2 O CASO SUB JUDICE

Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, o Recorrente pretende que o acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que o Tribunal Central Administrativo Norte teria deixado por apreciar quer a questão da prescrição das obrigações tributárias geradas pelas liquidações adicionais impugnadas – questão expressamente invocada pela Recorrente nas alegações de recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra – [cfr. conclusões A) a M)] quer as questões de saber «se existem ou não liquidações de imposto e juros em duplicação e se as liquidações de imposto desses períodos se mostram ou não pagas pela recorrente» [cfr. conclusões N) a V)].
Limitando-se a Recorrente a arguir nulidades do acórdão recorrido, é manifesto que não pode admitir-se o recurso de revista, que, como deixámos já dito, tem natureza excepcional e como escopo reapreciar questões que assumem uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou a melhoria da aplicação do direito.
Mas também existem outros motivos por que a revista nunca poderia ser admitida. Vejamos:
Primeiro, a Recorrente parece não interpretar correctamente o acórdão recorrido. Senão vejamos o que nele se decidiu:

i) que não havia que conhecer da prescrição das obrigações tributárias geradas pelas liquidações adicionais impugnadas por duas ordens de razões: primeira, a questão não podia ser conhecida como objecto do recurso porque não foi suscitada na petição inicial nem conhecida pela sentença; segunda, a questão também não podia ser conhecida a título incidental pelo Tribunal Central Administrativo Norte, como causa de inutilidade superveniente da lide, questão de conhecimento oficioso, porque o processo não fornece todos os elementos imprescindíveis para que se possa formular um juízo sobre a prescrição, sem prejuízo de a Recorrente sempre poder suscitar a questão em sede de execução fiscal; e

ii) que não havia que conhecer do recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra porque «a Recorrente não ataca a sentença recorrida, não submetendo expressamente à consideração do Tribunal superior as razões da sua discordância com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que a Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o Tribunal tome conhecimento delas e as aprecie» e, ao invés, «se limitou […] a reproduzir no essencial os fundamentos invocados em sede de petição inicial de impugnação judicial, abstendo-se de atacar a concreta decisão do Tribunal “a quo”, deixando incólume toda a fundamentação aí aduzida», pelo que «há que concluir que não ataca a sentença recorrida.

Sendo esta a fundamentação aduzida pelo Tribunal Central Administrativo Norte e o sentido da sua decisão, para que pudesse ser admitida a revista impunha-se que a Recorrente, não só atacasse esses fundamentos, alegando onde reside o erro de julgamento que assaca ao acórdão, mas também que alegasse em que medida a reapreciação das questões decididas – ambas no sentido do não conhecimento – preenche os requisitos de admissibilidade do recurso de revista.
Ora, a Recorrente ficou-se pela alegação das nulidades por omissão de pronúncia – parecendo ignorar que essa nulidade não se verifica quando a decisão judicial à qual é assacada deixa expressos, como deixou o acórdão recorrido, os motivos por que não conhecia as questões – e dos motivos por que considera que as questões cujo conhecimento considera que foi omitido deveriam ser julgadas procedentes.
Segundo, a Recorrente não alega factualidade que possa subsumir-se aos requisitos de admissibilidade da revista. As únicas referências – vagas e não concretizadas – que encontramos a esses requisitos são as efectuadas no requerimento de interposição do recurso, de que, quanto à questão da prescrição e da possibilidade do seu conhecimento em sede de impugnação judicial, «a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, na medida em que a solução a que chegou o Tribunal Central não se mostra alicerçada em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, traduzindo-se numa transcrição de outra decisão do Tribunal Central e na medida em que a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo aponta precisamente no sentido oposto ao da decisão tomada» e de que, quanto à questão da legalidade das liquidações adicionais impugnadas, «o Tribunal Central quanto ao outro ponto objecto do recurso também proferiu decisão, sem conhecer do mérito do recurso e, por conseguinte, a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
Porque o presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no art. 285.º do CPPT, para que o mesmo seja admitido não basta que a Recorrente indique os motivos por que discorda do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte; impõe-se-lhe também que alegue e demonstre a verificação dos requisitos de admissibilidade da revista.
Lida a motivação do recurso, concluímos que a Recorrente nada alega no sentido da demonstração desses requisitos e, com excepção das aludidas menções no requerimento de interposição do recurso, nem sequer se lhes refere, ignorando em absoluto o carácter excepcional da revista e, ao invés, actuando como se houvesse mais um grau de recurso que lhe permitisse recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo de uma decisão proferida em segundo grau de jurisdição pelo Tribunal Central Administrativo Norte.
Recordamos que a revista não constitui um modo de impugnar qualquer decisão proferida por um Tribunal Central Administrativo, mais um grau de jurisdição que o legislador tenha facultado irrestritamente às partes, mas, ao invés, um modo de trazer à apreciação do Supremo Tribunal Administrativo, enquanto órgão de cúpula da jurisdição tributária, uma concreta questão relativamente à qual estejam verificados os requisitos acima enunciados, que incumbe ao recorrente alegar e demonstrar.
Pelo que deixámos dito, não pode ser admitido o presente recurso.

2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, cumprindo ao recorrente alegar e demonstrar a factualidade necessária para integrar a verificação dos referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).

II - Atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 285.º do CPPT, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC.

III - O recurso também não pode ser admitido se o recorrente não se desincumbiu do ónus de alegar e demonstrar a verificação dos requisitos de admissibilidade da revista.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 22 de Junho de 2022. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Aragão Seia.