Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:058/10.4BEPRT
Data do Acordão:01/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
IRC
ISENÇÃO
Sumário:I - As isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, previstas no artigo 9º do CIRC não abrangem as entidades públicas com natureza empresarial nem as associações e federações de municípios que exerçam actividades de natureza comercial, industrial e agrícola.
II - Tendo o legislador, na Lei n.º 45/2008, e para efeitos de aplicação do regime legal, efectuado uma distinção clara entre associações de municípios de fins múltiplos, denominadas comunidades intermunicipais (artigos 2.º e seguintes) e associações de fins específicos (artigos 34.º e seguintes), e apenas prevendo para as primeiras a aplicação de isenções fiscais (artigo 30.º), não pode esta isenção ser reconhecida a uma associação que deva ser qualificada do segundo tipo, tal normativo ter natureza excepcional, porque há uma nítida relação da norma de isenção com as autarquias locais e porque não resulta inequívoco que o legislador quis abranger na isenção as associações anteriormente constituídas que tenham mantido a sua qualificação como pessoa colectiva de direito público.
III - A isenção vertida na alínea b) do nº 1 do artigo 9º do CIRC pressupõe o não exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, pelo que, desenvolvendo a Recorrente uma actividade de natureza comercial, ainda que com carácter acessório, não lhe deve ser reconhecido o direito à referida isenção.
Nº Convencional:JSTA000P28748
Nº do Documento:SA220220112058/10
Data de Entrada:10/07/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:LIPOR – SERVIÇO INTERMUNICIPALIZADO DE GESTÃO DE RESÍDUOS DO GRANDE PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 21-05-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação intentada por Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, melhor sinalizada nos autos, relativa ao indeferimento da reclamação graciosa que apresentara contra a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2006, que resultou no valor a pagar de € 68.552,92.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

A. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito quanto à interpretação e aplicação do artigo 9º alínea a) e alínea b) do Código do IRC.
B. A Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, ora impugnante, é uma pessoa colectiva de direito público, constituída como Associação de Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde, através de escritura pública outorgada em 12.11.1982, cfr. estatutos da LIPOR publicados no D.R. n.º 284 de 10.12.1982, III Série, fls. 17216 a 17221 e republicados no D.R. n.º 130 de 05.06.2001, III Série, fls. 12158 – (24) a 12158- (29), que constam de fls….
C. De acordo com o artigo 2º dos Estatutos da Impugnante republicados no D.R. n.º 130 de 05.06.2001, III Série
“1. A associação tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito.
2. A associação pode ver ampliado aquele seu objecto imediato e vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos directamente por eles.
3. Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se:
a) Ao tratamento de resíduos sólidos;
b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares;
c) À exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.(…)
D. No que concerne ao enquadramento da impugnante em sede de sujeição e isenção ou não a IRC, a Fazenda Pública propugna, salvo o devido respeito, que a sentença recorrida não pondera devidamente os regimes legais aplicáveis nem as razões atendíveis para afastar a impugnante das normas de isenção al. a) e al. b) do artigo 9º do Código do IRC.
E. A Lei n.º 11/2003, de 13/ 05, invocada pela impugnante, designadamente o seu artigo 36º, dispunha assim: “As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.”
F. A Fazenda Pública rejeita a afirmação que admite que a remissão do artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13/05, é realizada para os termos previstos na al. a) do art. 9º, n.º 1, do CIRC, ““– por mais discutível que seja opção legislativa ou a redacção da norma remissiva e da norma de isenção. (…)”.
G. Esta conclusão não apresenta qualquer raciocínio que torne congruente a norma daquele artigo com o CIRC.
H. Valem aqui as razões adiantadas no parecer n.º 85/2006 emitido pelo Centro de Estudos Fiscais, referido na informação n.º 1399/2006 da Direcção de Serviços do IRC, segundo o qual a interpretação daquele artigo 36, como uma remissão para a alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do CIRC, subtrai todo o efeito útil à alínea b) desse mesmo artigo.
I. Até porque, se o legislador pretendesse que as associações de municípios beneficiassem da isenção prevista para as autarquias locais a que se refere a al. a), mesmo quando exercessem actividades comerciais, industriais ou agrícolas e delas obtivessem rendimentos,
J. Não só não restaria espaço para a aplicação da alínea b), como teria até que considerar-se a mesma implicitamente revogada, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 11/2003.
K. Tal como refere o supra citado parecer, não existem razões para pensar que o legislador tenha pretendido, com a Lei n.º 11/2003, proceder à revogação implícita de todas as normas que se referissem, de modo especial às associações de municípios,
L. Mas sim que tenha querido salvaguardar a aplicação das normas especiais que fixem tratamento especial para essas associações preservando o efeito útil destas – assim a remissão genérica do artigo 36º da Lei n.º 11/2003, não prejudica a aplicação de normas especiais, como seja alínea b, do n.º 1, do artigo 9º, do CIRC, tributando e não isentando os rendimentos empresariais destes entes.
M. O inciso decisório entende ainda que "(..) se se entender que a remissão da Lei nº 11/2003, de 13 de Maio é realizada para os termos previstos na alínea b) do artigo 9º, nº 1 do CIRC, a mesma encontra-se abrangida pela tal isenção uma vez que, na opinião deste Tribunal, não se pode concluir que a impugnante exerce uma actividade comercial, industrial ou agrícola."
N. Com o devido respeito por diferente opinião não pode a Fazenda Pública, conformar-se com o doutamente decidido.
O. De acordo com o artigo 9º, alínea b) do Código do IRC, ficam isentos de IRC “As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas.”
P. Esclarece o artigo 3º, n.º 4, que para efeito de Código de IRC, “são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços.”
Q. A isenção de IRC das associações de municípios está condicionada ao caracter não comercial, industrial ou agrícola de quaisquer actividades por elas desenvolvidas, independentemente de serem desenvolvidas a título principal ou acessório.
R. O artigo 9º alínea b) do Código do IRC, refere o exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, sem distinguir se se trata de uma actividade exercida a título principal ou a título acessório.
S. É a própria recorrida que admite que e passamos a citar “(…) que a actividade empresarial da LIPOR se resume à recolha e tratamento de resíduos hospitalares(…)”
T. Sustentando que o desenvolvimento desta actividade empresarial, que qualifica como acessória, surge como meio de financiamento da actividade principal, sem distribuição de lucros.
U. Decorre, implicitamente, da alínea b) do artigo 9º do CIRC, que basta o exercício de uma qualquer daquelas actividades, seja a título principal, seja a título acessório para que a associação de municípios não se mantenha abrangida pela isenção aqui prevista.
V. Para efeitos de enquadramento na isenção de IRC prevista no artigo 9º, do Código de IRC, releva o não exercício das actividades ali discriminadas e não o destino (distribuição de lucros /investimento na actividade principal) ao resultado obtido pelo exercício dessas actividades.
W. Nestes termos, contrariamente ao doutamente decidido, concluindo e acompanhando o parecer do Digno Magistrado do Ministério, Público datado de 22.04.2015,"(…) de acordo com os elementos recolhidos em sede inspectiva, parece-nos evidente que a impugnante exerce efectivamente uma actividade de natureza comercial e industrial, aliás, ela própria o refere, donde, atento os normativos supra indicados, está excluída do âmbito de aplicação da isenção de IRC."
X. Assim, decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito quanto à interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço, designadamente, enquadrando a recorrida nas isenções previstas nas alíneas a) e b) do artigo 9º do Código do IRC.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

A recorrida Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto apresentou contra-alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:

A. Inconformada com a decisão a Fazenda Pública interpôs o presente recurso, a cujas alegações se apresenta agora resposta.
B. Entende a recorrida que a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de direito, por a mesma se encontrar em conformidade com as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123º do CPPT e pelos nº 2 e 3 do artigo 659º do CPC, ou, bem assim, qualquer nulidade das previstas no artigo 125º do CPPT e no artigo 668º do CPC..
C. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a uma vez mais reiterar aquele que é o seu posicionamento originário – impugnado – face às questões jurídicas suscitadas.
D. A Fazenda Pública limitou-se, enfim, a repetir nesta sede, os mesmos dogmas ou preconceitos que já tinha tornado públicos no relatório que fundamenta o acto tributário impugnado, basicamente assentes em falsos pressupostos, num incompreensível desconhecimento da matéria de facto e numa profunda ignorância do alcance das funções e do serviço públicos.
E. O regime que se deve aplicar à situação ora em análise é o do artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, o qual estabelece que as associações de municípios beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, entre as quais se conta a isenção de IRC, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do respectivo Código.
F. A respeito da questão central dos presentes autos, a de saber se a LIPOR exerce ou não, a título principal, uma actividade comercial e industrial, o Tribunal a quo não hesita em responder negativamente. E falo com a consciência de que, como consta dos estatutos da Impugnante publicados em Diário da República e não colocado em causa pela AT, o objecto imediato da LIPOR é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infraestruturas necessárias para o efeito; assim sendo, a actividade exercida pela LIPOR tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos reveste natureza eminentemente dum serviço público — vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano — pois, a circunstância de tal actividade poder ser exercida por privados (o que não é o caso), não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública).
G. Ora, assim não pensa a recorrente, que coloca a noção de “actividade exercida a título principal” no centro das soluções que propõe: todo o Direito a que a recorrente recorre – uma vez estabelecida a sua posição de não aplicação à LIPOR da isenção de IRC – para apurar o lucro tributável e as tributações autónomas da empresa tem esse conceito como pressuposto.
H. A tese prosseguida pela recorrente merece, no entanto, alguns esclarecimentos: pela actividade comercial ou industrial (ou, ainda, agrícola) que consubstancia o objecto de uma sociedade comercial entende-se, nos termos do n.º 4 do artigo 3º do Código do IRC, uma actividade que consista na realização de operações económicas. Depois, de acordo com a Doutrina unânime, por actividade económica entende-se uma actividade que em regra gera lucros distribuíveis pelos sócios (cfr., por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II – Das Sociedades –, págs. 8 e seguintes). De resto, é o que se recolhe da lei: segundo o artigo 980º do Código Civil, o “[c]ontrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”.
I. Sublinhe-se, neste momento, que, nem nas associações do regime geral (cfr. o artigo 157º do Código Civil), nem nas associações municipais, o lucro pode ser repartido pelos associados.
J. Ora, a noção de “actividade exercida a título principal” tem de ser interpretada por remissão para os conceitos de fim associativo ou ainda, subsidiariamente, de objecto social, e atendendo, mais concretamente, ao entendimento que possamos fazer do que é que são fins ou objectos principais e acessórios.
K. Neste ponto, a sentença recorrida é exímia: subjacente ao sentido da decisão do Tribunal está, pois, a caracterização de um determinado fim de uma associação ou objecto de uma sociedade como “principal” dever-se-á fazer por apelo ao critério que melhor conjugue, por uma lado, a teleologia – isto é, o propósito, quanto a essa matéria, de quem constituiu a associação ou a sociedade – com, por outro lado, a formalidade – ou seja, a percepção que a comunidade jurídica pode ter de qual é esse objecto a partir dos documentos públicos que garantem a transparência e a segurança do tráfego jurídico. Assim sendo, melhor meio não há para averiguar qual o objecto principal de uma associação ou sociedade do que indagá-lo a nível estatutário.
L. E esta tese é, de resto, bem apoiada na Doutrina societária, que vem definindo o objecto da sociedade como a actividade económica de não mera fruição que o sócio ou os sócios se propõem exercer através da sociedade ou propõem que a sociedade exerça (cfr., de novo por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Ob. Cit., págs. 8 e seguintes). Pelo que, então, o objecto principal dessa sociedade (ou o fim principal de uma associação) há-de sempre ser aquele que os sócios (ou os associados) fizeram, em primeira linha, constar expressamente do acto constituinte ou negócio jurídico por excelência expressivo da sua vontade – isto é, os estatutos.
M. Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 2º da Lei 11/2003, as associações de municípios de fins específicos (como a LIPOR) são pessoas colectivas de direito público criadas para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que as integram, isto é, interesses exclusivamente de serviço público, não lucrativo ou empresarial. Aliás, do artigo 5º do mesmo diploma extrai-se a confirmação de que as mesmas não podem exercer (pelo menos a título principal) uma actividade que gere lucros para os associados (os municípios que as integram). As atribuições aí elencadas, enquadradas até pela referência do corpo do n.º 1 a “fins públicos”, nada têm a ver com um qualquer carácter empresarial, constituindo simplesmente atribuições dos próprios municípios, agora levadas a cabo de forma delegada pelas associações.
N. É o que acontece no caso concreto, como bem preconiza a sentença de que se recorre: é ao Estado e, mais especificamente, aos municípios – como todos reconhecem – que compete promover e garantir a realização dos serviços básicos de recolha e tratamento dos lixos: não é este um compromisso ou responsabilidade do Estado – dos municípios – nos resultados da actividade, mas um verdadeiro “dever que visa garantir sua existência”, o que, aplicado ao caso e à questão sub judice, transforma a actuação de uma associação com aquela natureza numa decorrência daquela responsabilidade de execução, não focalizada num interesse de cariz lucrativo, e já não numa responsabilidade de execução privada (embora de interesse público) de carácter empresarial.
O. Por outro lado, qualquer outro critério (de cariz material) para qualificação como principal de um determinado fim associativo ou objecto social seria imprestável.
P. Referimo-nos a um critério relativo, por exemplo, à contribuição das receitas respectivas para a globalidade dos resultados da associação ou da empresa ou aos níveis de afectação a esse fim dos recursos da entidade em causa – segundo o qual apenas poderíamos concluir que uma actividade não-lucrativa é a actividade exercida a título principal se as receitas e/ou os níveis de afectação de recursos superassem as receitas e os níveis de afectação às restantes. Um tal critério seria imprestável, desde logo, em abstracto, porque, de novo, não podemos esquecer a natureza das associações de municípios.
Q. É que, como também se defende na decisão recorrida, uma associação deste tipo dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização, fora da lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da actividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercício de outras actividades, a esta acessórias, como meio de financiamento da actividade principal – é o que acontece no caso concreto! –.
R. Nestes termos, o Tribunal a quo compreendeu (bem) que uma qualquer actividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma actuação no mercado, facilmente represente a fatia maioritária dos rendimentos da associação, por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afectos. Mas o mesmo critério seria imprestável igualmente em concreto.
S. Tendo em conta que a atividade acessória da LIPOR se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe também, como já dissemos, que os respetivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a LIPOR aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objetivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria.
T. Ademais, como bem reconhece o Tribunal a quo, os proveitos resultantes daquela atividade acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a atividade principal, muitas vezes até por imposições de Diretivas comunitárias e regulamentos do sector. Aqueles proveitos eventuais, não servem, assim, os fins que servem os lucros nas sociedades que prosseguem atividades comerciais, industriais e agrícolas, antes são integralmente alocados à prossecução dos interesses públicos que definem o seu objeto e a sua vocação.
U. De resto, se fosse aquela – a atividade de recolha e tratamento de resíduos – a atividade pretendida, por definição e vocação, pela LIPOR, a forma jurídica que adotaria nunca seria, no seu próprio interesse, o de uma associação de municípios, mas aquela que lhe permitisse atuar como um agente económico livre – fixando livremente os preços dos serviços que presta e concorrendo a concursos públicos – e distribuir os lucros aos sócios.
V. É, pois, partindo do princípio de que a LIPOR não exerce uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola que devemos interpretar a sua situação tributária.
W. No fundo, temos que cabe à LIPOR a assunção direta de responsabilidades que relevam imediatamente da prossecução das atribuições dos municípios nela integrados (recolha e tratamento de resíduos) – é esta a destinação do essencial da sua atividade –, assumindo a Impugnante a condição de um operador dedicado, isto é, de uma entidade cuja atuação de serviço público e, nessa medida, desinteressada e altruísta, visa em derradeira instância alimentar ou satisfazer as necessidades daqueles municípios no sector específico da gestão de resíduos.
X. Assim, de outra forma não se pode concluir senão que, caso se considere em vigor a alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC, a situação da LIPOR cabe, sem dúvida, no seu âmbito.
Y. É verdade que a letra da aludida alínea se refere às associações de municípios “que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas”, isto é, sem distinguir expressamente, na previsão literal da isenção, as que as exercem a título principal.
Z. No entanto, este facto não coloca em causa a linha argumentativa que vimos traçando: o preceito em causa não poderá deixar de ser interpretado de acordo com a lógica sistemática do Código do IRC, no qual a referência àquelas atividades se reporta sempre ao seu exercício a título principal.
AA. Sobre o conceito de exercício, a título principal ou meramente acessório, de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, deve atender-se ainda ao teor do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 29.11.2000, no âmbito do processo nº 025580, de acordo com o qual “I – Podem beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do nº 1 do art. 9º do CIRC, as pessoas coletivas de utilidade pública que tenham fins predominantemente científicos. II – Podem beneficiar desta isenção pessoas coletivas de utilidade pública que tenham por fins primaciais atividades científicas de qualquer natureza, incluindo de divulgação científica, não se restringindo a isenção às que tenham atividades próprias de investigação científica”. Para concluir desta forma, esclarece aquele Tribunal, com interesse essencial para o presente caso, que “O que é relevante para que se conclua que as pessoas coletivas de utilidade pública visam predominantemente fins científicos, para efeitos da norma em apreço, é que as atividades de natureza comercial ou industrial a que respeita a isenção de IRC, sejam meramente acessórias dos fins científicos, designadamente que os proventos obtidos no seu exercício se destinem a ser utilizados na satisfação desses fins científicos” (o sublinhado é nosso).
BB. Nestes termos, a AT só pode tributar a LIPOR com base no seu (alegado) lucro tributável se esta prosseguir uma atividade comercial a título principal (e não a qualquer outro título – acessório, marginal, residual, isolado), algo que, como vimos, não se verifica.
CC. As liquidações são, portanto, também por força deste desajustamento entre a natureza da actividade da Impugnante e o Direito aplicado, ilegais.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO, NESTA PARTE, DA SENTENÇA RECORRIDA.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

A Fazenda Pública, veio recorrer da douta sentença do TAF do Porto que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, do indeferimento da reclamação graciosa que deduzira contra a autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2006, que resultou na liquidação nº 2009 2310006170 que após acerto de contas, resultou no valor a pagar de € 68.552,92.
O Recorrente sintetizou os fundamentos do recurso com a formulação das conclusões que se transcrevem, a seguir:
A. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito quanto à interpretação e aplicação do artigo 9º alínea a) e alínea b) do Código do IRC.
B. A Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, ora impugnante, é uma pessoa colectiva de direito público, constituída como Associação de Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde, através de escritura pública outorgada em 12.11.1982, cfr. estatutos da LIPOR publicados no D.R. n.º 284 de 10.12.1982, III Série, fls. 17216 a 17221 e republicados no D.R. n.º 130 de 05.06.2001, III Série, fls. 12158 – (24) a 12158-(29), que constam de fls….
C. De acordo com o artigo 2º dos Estatutos da Impugnante republicados no D.R. n.º 130 de 05.06.2001, III Série
“1. A associação tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito.
2. A associação pode ver ampliado aquele seu objecto imediato e vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos directamente por eles.
3. Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se:
a) Ao tratamento de resíduos sólidos;
b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares;
c) À exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.(…)
D. No que concerne ao enquadramento da impugnante em sede de sujeição e isenção ou não a IRC, a Fazenda Pública propugna, salvo o devido respeito, que a sentença recorrida não pondera devidamente os regimes legais aplicáveis nem as razões atendíveis para afastar a impugnante das normas de isenção al. a) e al. b) do artigo 9º do Código do IRC.
E. A Lei n.º 11/2003, de 13/ 05, invocada pela impugnante, designadamente o seu artigo 36º, dispunha assim: “As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.”
F. A Fazenda Pública rejeita a afirmação que admite que a remissão do artigo 36º da Lei n.º 11/2003, de 13/05, é realizada para os termos previstos na al. a) do art. 9º, n.º 1, do CIRC, ““– por mais discutível que seja opção legislativa ou a redacção da norma remissiva e da norma de isenção. (…)”.
G. Esta conclusão não apresenta qualquer raciocínio que torne congruente a norma daquele artigo com o CIRC.
H. Valem aqui as razões adiantadas no parecer n.º 85/2006 emitido pelo Centro de Estudos Fiscais, referido na informação n.º 1399/2006 da Direcção de Serviços do IRC, segundo o qual a interpretação daquele artigo 36º, como uma remissão para a alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do CIRC, subtrai todo o efeito útil à alínea b) desse mesmo artigo.
I. Até porque, se o legislador pretendesse que as associações de municípios beneficiassem da isenção prevista para as autarquias locais a que se refere a al. a), mesmo quando exercessem actividades comerciais, industriais ou agrícolas e delas obtivessem rendimentos,
J. Não só não restaria espaço para a aplicação da alínea b), como teria até que considerar-se a mesma implicitamente revogada, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 11/2003.
K. Tal como refere o supra citado parecer, não existem razões para pensar que o legislador tenha pretendido, com a Lei n.º 11/2003, proceder à revogação implícita de todas as normas que se referissem, de modo especial às associações de municípios,
L. Mas sim que tenha querido salvaguardar a aplicação das normas especiais que fixem tratamento especial para essas associações preservando o efeito útil destas – assim a remissão genérica do artigo 36º da Lei n.º 11/2003, não prejudica a aplicação de normas especiais, como seja alínea b, do n.º 1, do artigo 9º, do CIRC, tributando e não isentando os rendimentos empresariais destes entes.
M. O inciso decisório entende ainda que "(..) se se entender que a remissão da Lei nº 11/2003, de 13 de Maio é realizada para os termos previstos na alínea b) do artigo 9º, nº 1 do CIRC, a mesma encontra-se abrangida pela tal isenção uma vez que, na opinião deste Tribunal, não se pode concluir que a impugnante exerce uma actividade comercial, industrial ou agrícola."
N. Com o devido respeito por diferente opinião não pode a Fazenda Pública, conformar-se com o doutamente decidido.
O. De acordo com o artigo 9º, alínea b) do Código do IRC, ficam isentos de IRC “As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas.”
P. Esclarece o artigo 3º, n.º 4, que para efeito de Código de IRC, “são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços.”
Q. A isenção de IRC das associações de municípios está condicionada ao caracter não comercial, industrial ou agrícola de quaisquer actividades por elas desenvolvidas, independentemente de serem desenvolvidas a título principal ou acessório.
R. O artigo 9º alínea b) do Código do IRC, refere o exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, sem distinguir se se trata de uma actividade exercida a título principal ou a título acessório.
S. É a própria recorrida que admite que e passamos a citar “(…) que a actividade empresarial da LIPOR se resume à recolha e tratamento de resíduos hospitalares(…)”
T. Sustentando que o desenvolvimento desta actividade empresarial, que qualifica como acessória, surge como meio de financiamento da actividade principal, sem distribuição de lucros.
U. Decorre, implicitamente, da alínea b) do artigo 9º do CIRC, que basta o exercício de uma qualquer daquelas actividades, seja a título principal, seja a título acessório para que a associação de municípios não se mantenha abrangida pela isenção aqui prevista.
V. Para efeitos de enquadramento na isenção de IRC prevista no artigo 9º, do Código de IRC, releva o não exercício das actividades ali discriminadas e não o destino (distribuição de lucros /investimento na actividade principal) ao resultado obtido pelo exercício dessas actividades.
W. Nestes termos, contrariamente ao doutamente decidido, concluindo e acompanhando o parecer do Digno Magistrado do Ministério, Público datado de 22.04.2015,"(…) de acordo com os elementos recolhidos em sede inspectiva, parece-nos evidente que a impugnante exerce efectivamente uma actividade de natureza comercial e industrial, aliás, ela própria o refere, donde, atento os normativos supra indicados, está excluída do âmbito de aplicação da isenção de IRC."
X. Assim, decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito quanto à interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço, designadamente, enquadrando a recorrida nas isenções previstas nas alíneas a) e b) do artigo 9º do Código do IRC.
O Recorrido apresentou Contra-Alegações, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, defendendo a manutenção do decidido.
A questão apreciar consiste em saber se, perante a factualidade carreada para os autos, a impugnante goza ou não da isenção de IRC ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRC, preceito para onde remete a Lei nº 11/2003 - que estabeleceu o regime de criação das comunidades intermunicipais, equiparando quanto ao regime fiscal as associações de município e as autarquias locais e cujo artigo 36º estabelecia que «As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais».
O artigo 9º Código do IRC dispõe:
“1 - Estão isentos de IRC:
a) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial;
b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas.”
Considerou a douda sentença recorrida que:
“…Atento o quadro legal supra referido, temos como certo que a Lei - Lei 11/2003, de 13 de Maio - estabelece uma equiparação entre a associação de municípios e autarquias locais – em sede de isenção.
Porém, na opinião deste Tribunal, independentemente da situação retratada recair sobre a alínea a) ou b), a mesma encontra-se sempre abrangida pela isenção.
Na verdade, se se considerar que a remissão da Lei nº 11/2003, de 13 de Maio é realizada para os termos previstos na alínea a) do artigo 9º, nº 1 do CIRC, as associações de municípios são equiparados a Autarquias Locais e como tal estão isentas de IRC – por mais discutível que seja opção legislativa ou a redacção da norma remissiva e da norma de isenção. Sendo certo que o artigo 9º, alínea a) do CIRC não menciona qualquer exigência quanto aos meios e organização utilizados para que as autarquias possam prosseguir os seus fins.
Por sua vez, se se entender que a remissão da Lei nº 11/2003, de 13 de Maio é realizada para os termos previstos na alínea b) do artigo 9º, nº 1 do CIRC, a mesma encontra-se abrangida pela tal isenção uma vez que, na opinião deste Tribunal, não se pode concluir que a impugnante exerce uma actividade comercial, industrial ou agrícola. Como consta dos estatutos da impugnante, publicados em Diário da República, o objecto imediato da impugnante é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito.
Assim sendo, a actividade exercida pela impugnante – tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos – reveste natureza eminentemente de um serviço público – vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano – pois, a circunstância de tal actividade poder ser exercida por privados (o que não é o caso), não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública).
Ora, prosseguindo a impugnante eminentemente um serviço público – o de recolha e tratamento de resíduos – e não decorrendo dos factos considerados provados, que não afecte todos os rendimentos que obtém à satisfação desse serviço público, não restam dúvidas de que a impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9º, al. b) do CIRC…”.
Relativamente a entendimento idêntico ao adoptado pela douta sentença recorrida, pronunciou-se o douto Acórdão do STA de 10-03-2021, 0316/16.3BEPRT, passando a transcrever-se as partes que interessam, por aplicáveis ao caso em apreço:
“… Ora, salvo o devido respeito, este raciocínio não se pode fazer com semelhante simplicidade.
É que, por um lado, a alínea a) configura uma isenção subjectiva simples, que atende unicamente à qualidade do sujeito isento (v.g., autarquias locais), contrariamente à isenção vertida na alínea b), que faz depender o tratamento mais favorável de uma condição objectiva adicional, a saber, “associações de municípios… que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas”. Trata-se de uma norma mais complexa, uma isenção subjectiva mista, portanto.(…)
… como vimos, apenas a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC pode aqui ser equacionada – aliás, em bom rigor, só ela o era, mesmo nos termos da legislação anterior, uma vez que a equiparação que o artigo 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio fazia entre associações de municípios e autarquias locais apenas tinha razão de ser nos casos de impostos em que não existisse qualquer referência expressa àquelas; o que não era, notoriamente, o caso do IRC, que distinguia umas e outras entidades.
Assim, e como vimos, a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC não é uma isenção subjectiva simples, mas antes mista (com elemento objectivos, portanto): nem todas as associações de municípios se encontram isentas, mas tão só aquelas “que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas”.
Por outro lado, de acordo com o artigo 3º, n.º 4, do CIRC “são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços.”
Acresce, como refere a Recorrente, “Para efeitos de enquadramento na isenção de IRC prevista no artigo 9º, do Código de IRC, releva o não exercício das actividades ali discriminadas e não o destino (distribuição de lucros /investimento na actividade).”
Da análise da factualidade dada como provada em 5. do probatório, cujo teor aqui se reproduz, resulta que a Impugnante, ora recorrida, exerce actividade de natureza comercial e industrial pelo que se não encontra isenta de IRC.
Em consequência, salvo melhor juízo, assiste razão à Recorrente.
Pelo exposto, emito parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.

Sobre o Parecer supra, a recorrida Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto veio expor o seguinte:

O MP emite parecer em sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, baseando-se, para tal, em duas ideias:
a. Tendo alegadamente resultado do probatório que a impugnante exerce uma atividade de natureza comercial e industrial, ela não se encontra isenta de IRC nos termos da al. b) do artigo 9.º do CIRC;
b. E isto é assim porque, para efeitos do enquadramento na isenção de IRC prevista nesta disposição, releva o não exercício das atividades ali discriminadas e não o destino (distribuição de lucros/investimento na atividade).
Ora, a recorrida não pode aceitar nenhuma delas.
Em primeiro lugar, e este parece ser um ponto absolutamente crucial da presente pronúncia, não é verdade que “da análise da factualidade dada como provada em 5 do probatório … result[e] que a impugnante exerce uma atividade de natureza comercial e industrial”.
Dir-se-á até que, da factualidade dada como provada, resulta exatamente o seu contrário.
Vejamos:
O que se dá como provado no ponto 5. do probatório não é que a impugnante exerce uma atividade de natureza comercial e industrial, mas que do relatório de inspeção resulta que a impugnante exerce uma atividade de natureza comercial e industrial, o que, como facilmente se compreenderá, não é a mesma coisa.
Pelo contrário, consta do ponto 4. do probatório que resulta do artigo 2.º dos estatutos da impugnante, que o seu objeto consiste:
«1. A associação tem por objeto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidas entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito.
2. A associação pode ver ampliado aquele seu objeto imediato e vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos diretamente por eles.
3. Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se:
a) ao tratamento de outros resíduos sólidos;
b) ao tratamento de resíduos hospitalares industriais ou hospitalares;
c) à exploração de atividades de natureza energética conexas com o seu objeto.
4. A associação desenvolverá a sua atividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, através de serviços próprios, como serviço intermunicipalizado ou por qualquer forma legalmente possível».
Do exposto resulta, sem qualquer margem para outras derivações, que a recorrida é efetivamente uma pessoa coletiva de direito público criada para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que a integra, isto é, interesses exclusivamente de serviço público, não lucrativo ou empresarial.
É este o seu escopo, é esta a sua génese, a sua finalidade e a sua vocação.
E, assim sendo, a recorrida, não só não exerce, como, nos termos do artigo 5.º da Lei 11/2003, não pode exercer, uma atividade que gere lucros para os associados (os municípios que as integram), o que é o mesmo que dizer, que à mesma está vedado o exercício de uma atividade regularmente empresarial, exercida em termos comuns e precisamente concorrenciais, em igualdade de circunstâncias face aos operadores ditos privados.
De resto, revisitado o objeto transcrito, facilmente se conclui que as atribuições aí elencadas, precisamente circunstanciadas pela referência a “fins públicos”, nada têm que ver com um qualquer carácter empresarial, constituindo simplesmente atribuições dos próprios municípios, agora levadas a cabo de forma delegada por esta associação.
Repare-se que até mesmo que a referência às atividades de tratamento de outros resíduos sólidos, tratamento de resíduos hospitalares industriais ou hospitalares e exploração de atividades de natureza energética conexas com o seu objeto é feita em termos que a limitam flagrantemente e que, logo aí, a retiram do espectro do exercício concorrencial de uma atividade comercial, nos mesmos termos a que à mesma tem acesso uma entidade privada, não condicionada por um escopo de interesse e serviço públicos.
Compreenda-se claramente aquilo de que estamos aqui a tratar: é ao Estado e, mais especificamente, aos municípios, que compete promover e garantir a realização dos serviços básicos de recolha e tratamento dos lixos; a impugnante, ao exercê-la em substituição daqueles, fá-lo com a mesma responsabilidade de execução que àqueles caberia, ou seja, com uma responsabilidade de execução desfocada de um interesse lucrativo, perfeitamente diferenciada daquela prosseguida por uma entidade privada, em regime livre e puramente concorrencial.
E não se tente desvirtuar este princípio com base na ideia de que à impugnante é permitido o exercício, além daquela, de outras atividades, a que também acedem agentes privados não condicionados por desígnios de interesse público. Com justiça se diga que a impugnante atua, a esse nível, com fortes condicionantes: ela atua de forma verdadeiramente limitada, quer em termos geográficos, quer no destino que atribui necessariamente às receitas daí decorrentes, que não é, nem nunca poderia ser, o da sua distribuição aos sócios ou o da criação de eficiências orientadas para a otimização dos recursos e para o estabelecimento de relações de pura concorrência com os demais operadores – estes livres – do mercado.
Temos, pois, que a impugnante tem como orientação e escopo a realização, fora da lógica concorrencial, de serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da atividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), em complemento dos quais poderão ainda surgir outros, marginais e limitados no seu alcance, desde logo, geográfico, e sempre condicionados ao cumprimento e medida dos primeiros.
Em segundo lugar, também não é aceitável a afirmação do MP, na parte em que refere, sem fundamentar, que “para efeitos de enquadramento na isenção de IRC prevista no artigo 9.º do Código, releva o não exercício das atividades ali discriminadas e não o destino (distribuição de lucros/investimento na atividade)”.
Não é assim, de todo. É que, por atividade comercial ou industrial (ou, ainda, agrícola) que consubstancia o objeto de uma sociedade comercial entende-se, nos termos do n.º 4 do artigo 3º do Código do IRC, uma atividade que consista na realização de operações económicas.
Depois, de acordo com a Doutrina unânime, por atividade económica entende-se uma atividade que em regra gera lucros distribuíveis pelos sócios (cfr., por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II – Das Sociedades –, págs. 8 e seguintes). De resto, é o que se recolhe da lei: segundo o artigo 980º do Código Civil, o “[c]ontrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”.
Sublinhe-se, neste momento, que, quer nas associações do regime geral (cfr. o artigo 157º do Código Civil), quer nas associações municipais, o lucro não pode ser repartido pelos associados, elemento que não pode ser insignificante na hora de avaliar a oportunidade de concessão de uma determinada vantagem de natureza fiscal. É justamente à luz da necessidade de calibrar este desiderato que a isenção de IRC ganha corpo e justificação.
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. A impugnante foi constituída pelos Município de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa do Varzim, Vila do Conde e Valongo, através de escritura pública, a 12 de Novembro de 1982 como associação de municípios, tendo sido publicado o seu estatuto no Diário da República a 10 de Dezembro de 1982, tendo aquele sido alterado a 26 de Março de 2001 (DR III série nº 284 de 10.12.1982 e nº 130 de 5.6.2001).
2. É o seguinte o objecto da impugnante (cfr. art. 2º, dos estatutos referidos em 1.):
1 — A associação tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito.
2 — A associação pode ver ampliado aquele seu objecto imediato a vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos directamente por eles.
3 — Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se:
a) Ao tratamento de outros resíduos sólidos;
b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares;
c) À exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.
4 — A associação desenvolverá a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, através de serviços próprios, como serviço intermunicipalizado ou por qualquer outra forma legalmente possível.
3. A Direcção de Serviços do Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas emitiu a Informação nº 1399/2006, relativa ao enquadramento fiscal da impugnante e defendendo a sua tributação em sede de IRC (doc. nº 3, junto a fls. 116 e ss).
4. A impugnante foi alvo de uma inspecção tributária, que abrangeu os exercícios de 2004 e 2005, no termo da qual foi elaborado relatório de inspecção e emitidas liquidações de IRC (docs. nº 4 e 5 juntos com a p.i.).
5. No relatório de inspecção, mencionado em 3., que se encontra junto à reclamação graciosa, consta o seguinte:
“(…) Assim, a Lipor é a entidade responsável pela gestão, tratamento e valorização dos resíduos produzidos e recolhidos pelos oito municípios municipais associados, tendo vindo a implementar uma gestão integrada de resíduos, recuperando, ampliando e construindo infra-estruturas, complementadas com campanhas de sensibilização junto da população.
Nesse âmbito tem desenvolvido uma estratégia integrada de valorização e tratamento de resíduos sólidos, baseada nos seguintes componentes:
a) valorização energética, que consiste na recuperação da energia calorífica dos resíduos mediante um processo térmico de tratamento controlado e na sua transformação em energia eléctrica que ocorre na central de valorização energética (CVE) designada Lipor II.
(…)
A exploração da CVE é feita pela sociedade A…………., NIPC…………., mediante contrato de administração de concessão.
b) valorização orgânica, processo que consiste na compostagem da fracção orgânica dos RSU assegurada através da Central de Valorização Orgânica, associada à implementação de circuitos de remoção da fracção orgânica, junto de grandes produtores (restauração, grandes superfícies, mercados) nas zonas de recolha selectiva porta a porta, (resíduos domésticos), esquemas de recolha de resíduos verdes e complementada com iniciativas locais de compostagem caseira. A matéria orgânica produzida (composto), designada pela marca B............ é comercializada desde 2006. A CVO foi inaugurada em Setembro de 2005 e a sua exploração está a cargo do consórcio C………… e D…………, NIPC …………
c) valorização multimaterial, processo cuja infra-estrutura fundamental é o Centro de Triagem Lipor, com capacidade de processamento de 35.000 ton/ano, em que é realizada uma separação complementar, com a triagem das matérias provenientes de recolha selectiva, enfardando e acondicionando as mesmas, para posterior venda às indústrias recicladoras (o principal cliente é a Sociedade Ponto Verde – Sociedade Gestora de Resíduos de Embalagens, SA, NIF 503.794.040).
(…)
d) confinamento técnico, é o último estádio do sistema global de gestão, tratamento e valorização de resíduos. Consiste no acolhimento (confinamento) em aterros, dos resíduos que não puderam ser valorizados através da reciclagem multimaterial e orgânica ou da valorização energética. Acolhe, igualmente, as cinzas e escórias provenientes da incineradora. (…)
e) educação ambiental, a LIPOR desenvolve campanhas de sensibilização e educação ambiental, designadamente através do Gabinente de Informação LIPOR (GIL), criado em 1996, que abrange a realização de sessões temáticas nas escolas, a organização de cursos de formação em empresas, visitas de estudo às infra-estruturas da Lipor, campos de férias, organização de exposições temáticas, entre outras actividades de sensibilização.
(…)
Em resultado das operações realizadas no âmbito da sua actividade, a LIPOR aufere diversos proveitos, como se descreve:
a) Venda de Produtos (recicláveis/composto)
Do sistema de reciclagem multimaterial resultam vários produtos (recicláveis) como o cartão, mescla, PEAD, PET, PVC, T-PACK, alumínio, aço, madeira, vidro, esferovite, filme de plástico, sucata de ferro, sucata de folhagem, plásticos, etc. O principal cliente é a Sociedade Ponto Verde SA. Em 2006, a Lipor iniciou a comercialização do composto produzido na CVO (B............).
Com o objectivo de incentivar a separação multimaterial e a valorização orgânica, a LIPOR não debita qualquer prestação de serviços pela recepção e tratamento deste tipo de resíduos (isentos de tarifa ou tarifário “0”).
b) Venda de Produtos (energia eléctrica)
A energia eléctrica produzida na CVO (incineradora é vendida à REN – Rede Eléctrica Nacional SA
c) Prestação de Serviços (cedência de energia eléctrica)
A Lipor debita a cedência de energia eléctrica, que é consumida pela entidade que explora e gere a incineradora, o que constitui uma prestação de serviços.
d) Prestação de Serviços (tratamento de RSU às Câmaras associadas)
Os resíduos recolhidos pelas Câmaras Municipais, são entregues à LIPOR para o seu tratamento na CVE – LIPOR II e no confinamento técnico (aterros, nos casos aplicáveis).
Pela entrega e tratamento dos resíduos a LIPOR factura as respectivas prestações de serviços às Câmaras associadas, de acordo com as quantidades/toneladas recebidas.
Em paralelo, e mensalmente, a LIPOR debita aos municípios associados um valor, a título de “comparticipação para investimentos”, que constitui parte integrante da contraprestação devida pela prestação de serviços às Câmaras, suas clientes.
e) Prestação de Serviços (tratamento de RSU a outros clientes)
A LIPOR também factura prestações de serviços a empresas que procedam à entrega para tratamento de resíduos equiparados a urbanos na CVE – LIPOR II e no confinamento técnico.
f) Outros proveitos
Neste ponto há a referir a obtenção de outros proveitos provenientes do diferimento de subsídios do Fundo de Coesão para financiamento de projectos de investimento, da venda de cadernos de encargos, subsídios obtidos de organismos como o IEFP e juros de depósitos bancários.”
6. Em 24 de Abril de 2009, a impugnante apresentou a declaração de rendimentos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), modelo 22, relativa ao exercício de 2006, tendo autoliquidado IRC, no montante de € 67.208,88 e derrama no valor de € 20.090,01 (doc. nº 1).
7. Contra a autoliquidação referida, a impugnante deduziu reclamação graciosa, a qual, por despacho proferido em 18.12.2009, foi indeferida com os fundamentos constantes de fls. 266 e ss do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8. A impugnante prestou garantia bancária, no valor de € 95.239,65, emitida pelo banco ……., em 21.4.2009, a fim de suspender a execução, junto do Serviço de Finanças de Gondomar 2 (docs. de fls. 201 e 202 do PA).
Factos não Provados:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos conforme se deixou indicado ao longo dos factos provados.
Valorou-se, igualmente, os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas no proc. nº 2694/08.0BEPRT, a cujo aproveitamento se procedeu, nos termos do art. 421º do CPC.
As testemunhas arroladas pela impugnante esclareceram as actividades prosseguidas pela impugnante, confirmando o descrito no facto provado sob o nº 5. Por seu turno, a testemunha da FP confirmou o teor do relatório de inspecção e a tese propugnada pela AT quanto ao enquadramento da impugnante em sede de IRC.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA E 2º, al.de) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação, padece de erro de julgamento em matéria de direito quanto à interpretação e aplicação do artigo 9º alínea a) e alínea b) do Código do IRC, desde logo porque a isenção de IRC das associações de municípios, apesar de equiparadas a autarquias locais, está, no entanto, condicionada ao caracter não comercial, industrial ou agrícola de quaisquer actividades por elas desenvolvidas, independentemente de serem desenvolvidas a título principal ou acessório, o que não é o caso da actividade exercida pela então impugnante.
As questões que se suscitam no presente recurso são precisamente as mesmas que se suscitavam em outros processos, tendo sido sobre as mesmas emitida pronúncia de modo constante e reiterado nos Acórdãos deste STA, de 10/03/2021, Processo nº 03161/16.3BEPRT, de 27/10/2021, Processo nº 04/16.1BEPRT e de 10/11/2021, Processo nº 02857/12.3BEPRT.
O julgamento que aí se fez será também aqui, por integral adesão à douta fundamentação deles constante, para a qual expressamente se remete, pois que se trata de caso análogo, entre as mesmas partes (embora nestes autos a recorrente seja a Fazenda Pública) e, como tal, merecedor do mesmo tratamento.
Assim, sem mais delongas, e pelos fundamentos constantes do Acórdão de 10-11-2021, Processo nº 02857/12.3BEPRT de que se junta cópia – haverá que conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e manter o acto impugnado na ordem jurídica.
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3.- Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento, revogar a sentença recorrida e manter o acto impugnado na ordem jurídica.

Custas pela recorrida.
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Lisboa,12/01/2022

José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.


(O acórdão de 10-11-2021, proferido no Processo nº 2857/12.3BEPRT atrás citado já se encontra publicado nesta Base de Dados)