Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01966/07.5BELSB
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA ESTEVES
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO
FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÃO NOVA
PODERES DE COGNIÇÃO
Sumário:I - É à face da fundamentação contextual integrante do próprio acto que é aferida a sua legalidade, sendo irrelevantes para esse efeito outras possíveis razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação.
II - Não pode a Administração Tributária, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade do acto impugnado à luz de fundamentos que não integraram a sua motivação e que, por isso, a sentença recorrida deles não conheceu.
Nº Convencional:JSTA000P31969
Nº do Documento:SA22024022801966/07
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
A Fazenda Pública, inconformada, interpôs recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por AA contra a liquidação adicional (n.º ...03) de IRS relativo ao ano de 2001, no valor de € 12.770,63.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
4.1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a Impugnação judicial, intentada pelo ora recorrido contra o indeferimento da reclamação graciosa n.º ...67, que teve por objecto a liquidação adicional de IRS n.º ...03, relativa ao ano de 2001, no montante de 12.770,63 €.
4.2. Como fundamentos da impugnação invocou o impugnante a ilegalidade da liquidação de IRS em questão alegando para tanto, e em suma:
- Que no ano em causa deteve uma participação na Sociedade A..., Lda., abrangida, à data, pelo regime de transparência fiscal, tendo declarado na declaração periódica de IRS do ano de 2001 o valor resultante da imputação efectuada nos termos e condições constantes do artigo 6.º do CIRC, e bem assim o valor da Contribuição Autárquica devida pela sociedade no referido exercício, no montante imputado ao impugnante (12.770,63 €), dedutível nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 83.º do CIRC, em vigor até 31-12-2001;
- Que a decisão proferida no âmbito da reclamação graciosa por si deduzida considerou que da consulta feita ao sistema informático resulta que a pessoa colectiva distribuidora dos rendimentos declarados, a “Sociedade A..., Lda.”, não se encontra ao abrigo do regime de transparência fiscal, circunstância esta que constitui erro incorrido por parte da Administração Tributária e, consequentemente, constitui o objecto da decisão ora impugnada.
4.3. Conclui peticionando a procedência da impugnação, por provada e, em consequência, a anulação da liquidação de IRS impugnada, com a consequente restituição do IRS liquidado adicionalmente.
4.4. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, declarando a ilegalidade do acto tributário impugnado, anulando, por conseguinte, a liquidação em questão, e determinando a restituição ao impugnante da quantia indevidamente paga, com as demais consequências daí decorrentes.
4.5. Entendeu o Tribunal “a quo”, em síntese, que “Na situação sub judice a questão que se coloca decorre da correcção à matéria colectável declarada pelo Impugnante em sede de IRS, já que este indicou o montante referente à parte correspondente da contribuição autárquica correspondente ao rendimento que lhe foi imputado (12.770,63 €) pela sociedade de simples administração de bens de que é sócio, no campo 21 do quadro 7 do anexo D da declaração mod 3 do IRS, quando este campo foi, na declaração utilizada, tecnicamente reservado aos montantes referentes a crédito de imposto (al. d) do n.º 2 do art. 83.º do CIRC).
4.6. Mais considerou o Ilustre Tribunal recorrido que “…não se contesta a incorrecção no preenchimento da declaração, situação que vem assumida pelo Impugnante, o que vem invocado é o direito que lhe assiste de ver deduzido em sede de tributação de IRS o montante referente à contribuição autárquica e com razão já que, conforme supra se deixou claro, à data dos factos, essa dedução encontrava-se legalmente prevista.”.
4.7. Para alcançar esta conclusão, o Ilustre Tribunal recorrido considerou que, “por seu lado o n.º 2 do art. 83.º do CIRC referia à data que, cito:
“Ao montante apurado nos termos do número anterior, são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
c) A relativa à dupla tributação económica de lucros distribuídos;
d) A correspondente à dupla tributação internacional;
D) A correspondente à colecta da contribuição autárquica;
g) A relativa a benefícios fiscais;
h) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 98.º;
i) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou de reembolso nos termos da legislação aplicável.””.
No entanto,
4.8. se é verdade que a supra citada redacção do n.º 2 do referido artigo 83.º do CIRC era a vigente à data do facto tributário em questão, não menos verdade é a Lei n.º 30-G/2000, de 29de Dezembro, que procedeu à reforma da tributação do rendimento, e que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001, ter alterado a redacção do artigo 71.º do CIRC (correspondente ao artigo 83.º do mesmo código, na sua posterior redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho), ao dar uma nova redacção ao n.º 3 do referido artigo 71.º e ao referir que “Nos casos em que seja aplicável o regime simplificado de determinação do lucro tributável não há lugar às deduções previstas nas alíneas a), b) e c) do número anterior.”.
4.9. De acordo com a redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro (com vigência a partir de 1 de Janeiro de 2001) ao n.º 3 do artigo 71.º do CIRC, sempre que um sujeito passivo de IRC se encontrasse sujeito ao regime simplificado de determinação do lucro tributável, não poderia deduzir as importâncias decorrentes dos factos constantes das als. a), b), e c) do n.º 2 desse mesmo artigo, nomeadamente, não poderia deduzir as importâncias suportadas com a colecta de contribuição autárquica.
Por outro lado,
4.10. a sociedade declarante dos rendimentos imputados ao impugnante, enquanto sociedade de simples administração de bens, entidade, por isso, enquadrada no regime de transparência fiscal, nos termos do disposto do artigo 5.º do então vigente código do IRC (actual artigo 6.º do mesmo código), é uma entidade sujeita ao regime simplificado de determinação do lucro tributável, conforme o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. b), 3.º, n.º 1, al. b), e 47.º, n.º 1, do CIRC, na sua redacção à data vigente).
4.11. Pelo que a sociedade declarante dos rendimentos imputados ao impugnante não poderia deduzir as importâncias decorrentes dos factos constantes das als. a), b), e c) do n.º 2 desse mesmo artigo, nomeadamente, não poderia deduzir as importâncias suportadas com a colecta de contribuição autárquica.
4.12. Conclui-se assim que o ora impugnante não poderia deduzir à sua matéria colectável de IRS do ano de 2001 o montante de 12.770,63 €, referente à contribuição autárquica paga pela sociedade de simples administração de bens, a “Sociedade A..., Lda.”.
4.13. Assim, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, considera a Fazenda Pública que andou mal o Ilustre Tribunal recorrido ao decidir conforme decidiu, incorrendo em erro de julgamento da matéria de direito, ao considerar que assistia ao impugnante, ora recorrido, o direito “… de ver deduzido em sede de tributação de IRS o montante referente à contribuição autárquica…”, desconsiderando o disposto no n.º 3 do artigo 71.º do CIRC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, violando, assim, o disposto neste citado n.º 3 do artigo 71.º do CIRC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30 - G/2000, de 29 de Dezembro.
Razão pela qual,
4.14. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.

Foram apresentadas contra-alegações, com as seguintes conclusões:
A) A Recorrente invoca como fundamento do recurso o erro de julgamento da matéria de direito, nomeadamente, nomeadamente por a sentença recorrida ter considerado que o Recorrido tinha o direito de ver deduzido, em sede tributação de IRS, o montante referente à contribuição autárquica.
B) Fundamenta tal posição com o disposto no n.º 3, do artigo 71, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na redação que lhe foi dada pela Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
C) O Recorrido apresentou a presente impugnação judicial na sequência de reclamação graciosa que havia previamente apresentado, tendo como objeto a liquidação adicional de IRS n,º ...03, relativa ao ano de 2001, no montante de 12.770,63, do qual requereu a sua anulação e, consequentemente, a restituição do IRS liquidado adicionalmente.
D) No ano em causa, o Recorrido detinha uma participação na Sociedade A..., Lda., a qual à data se encontrava abrangida pelo regime da transparência fiscal.
E) Tal sociedade encontrava-se abrangida pelo regime da transparência fiscal;
F) O Recorrido na sua declaração de IRS desse ano declarou não só o valor dos lucros que lhe eram imputados e devidos, nos termos do artigo 6, do Código do Imposto sobre Pessoas Coletivas, como o valor da contribuição autárquica devida pela sociedade nesse exercício imputado ao mesmo, no montante de 12.770,63 €, e dedutível nos termos da alínea c) do n.º 2, do artigo 83.º, do citado Código, na versão vigente a 31 de Dezembro de 2001.
G) A Recorrente, logo em sede de contestação à impugnação, assumiu que a Sociedade A... Lda., da qual o Recorrido era sócio, é sociedade de simples administração de bens, pelo que reunia as condições para inclusão no regime de transparência fiscal, pelo que considerou correto o Impugnante ter entregue o anexo “D” da declaração de IRS, com a imputação no montante global de € 69.894,73 e a dedução de retenções na fonte no montante de € 24.156,51.
H) O regime de transparência fiscal encontra-se previsto no artigo 6º do Código de Imposto sobre Rendimentos de Pessoas Coletivas (CIRC), e caracteriza-se pela imputação aos sócios ou membros das sociedades elencadas nas alíneas do seu n.º 11, da matéria colectável da sociedade distribuidora determinada nos termos do CIRC, de acordo com o ato constitutivo daquelas entidades ou, na falta de elementos, em partes iguais.
I) Em 2001, ano a que se reportam os rendimentos, este regime era aplicado às empresas com sede ou direção efetiva em território português, independentemente de ter, ou não, havido distribuição de lucros, aí se incluindo as sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não inferior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público, conforme resultava do artigo 6.º n.º 1, alíneas a), b) e c), do CIRC.
J) O n.º 5 do artigo 83.º do CIRC referia que as deduções previstas no seu n.º 2 seriam igualmente imputadas aos respetivos sócios ou membros, nos termos estabelecidos no n.º 3 do art 6.º do CIRC, e efetuadas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
K) A alínea c) do n.º 2 do artigo 83.º do CIRC referia que ao montante apurado é deduzida a coleta correspondente à contribuição autárquica.
L) O artigo 71 n.º 3, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na redação vigente à data dos factos e que lhe foi dada pela Lei n.º 30- G/2000, de 29 de Dezembro, não impedia a imputação de tal custo.
M) O Recorrido entende, tal como se decidiu na sentença do tribunal a quo, que tem direito a ver deduzido, em sede de tributação de ÎRS, o montante referente à contribuição autárquica, pois à data dos factos, tal dedução encontrava-se legalmente prevista.
N) Acolher a argumentação da Recorrente significaria que nem a Sociedade A..., Lda., nem o Recorrido poderiam imputar/aproveitar tal despesa.
O) Andou bem o Tribunal a quo ao julgar procedente a impugnação e a declarar a ilegalidade do ato tributário impugnado, tal como ao anular a liquidação, ordenando a devolução ao Impugnante, aqui recorrido, da quantia indevidamente paga, não existindo qualquer erro de julgamento.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, concluindo que “a pretensão do impugnante de dedução do valor liquidado a título de Contribuição Autárquica era permitida nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 83.º do CIRC”.

Cumpre decidir.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto:
2.1.1. A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. A “Sociedade A... Lda.”, com o NIF ...40 é uma Sociedade de Simples Administração de Bens - conforme doc. 4 junto à p.i e ponto 10 da inf. da Divisão de Justiça Contenciosa anexa à contestação.
2. A sociedade supra identificada emitiu a declaração que a seguir parcialmente se transcreve:
“(…)
Ao abrigo do regime de transparência fiscal, declara-se que durante o ano de 2001, a empresa na sua globalidade registou os seguintes valores:
Matéria Colectável: 349 473,67 €
Retenções na Fonte: 120 782,55 €
Contribuição Autárquica dedutível: 63 853,17 €
Sendo imputado ao Sr. AA, portador do NIF n.º ...03, os seguintes valores:
Matéria Colectável: 69 894,73 €
Retenções na Fonte: 24 156,51 €
Contribuição Autárquica dedutível: 12 770,63 €
(…)
Tudo conforme doc. 3 junto à p.i., não contestado
3. Em 29/04/2002 o Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8 a declaração mod. 3 de IRS do ano de 2001, juntamente com os anexos F, E e D – cfr. consta do PA aqui em anexo
4. No anexo D da declaração supra mencionada, declarou:
a) No quadro 5 campo 8, ter auferido rendimentos “De Sociedades nos termos do art.º 6.º do CIRC (Regime de transparência Fiscal) na importância de € 69 894,73;
b) No quadro 7 campo 19 (Retenções na Fonte) o montante de € 24.156,51 e campo 21 (Crédito de Imposto) o montante de 12.770,63;
Tudo conforme consta o PA, não contestado
5. Em 07/02/2003 foi remetida carta assinada pelo Diretor de Finanças Adjunto da Divisão de Liquidação do Imposto sobre o Rendimento e sobre a Despesa da Direção de Finanças de Lisboa, dirigida ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, nos termos que a seguir parcialmente se transcrevem:
“(…)
Assunto: IRS /2001 – A1-2002 Análise de Listagens. Devolução de Processos – Falta de documentos – Oficio circulado ...00 da DSIRS / DAPI e outos.
Contribuinte: AA
Junto se devolve a V. Ex.ª, o processo do contribuinte supra, para cumprimento do disposto no Ofício Circulado ...00 da DSIRS / DAPI, por falta de documentos, e /ou fundamentação dos valores declarados tais como:
(…)
X - O SP no anexo D, coloca no campo 21 (crédito de imposto) o valor de € 12770,63, que corresponde a contribuição autárquica.
(…)”
Tudo conforme consta o PA, não contestado
6. Por despacho proferido em 03/06/2003 pelo Adjunto do Chefe de Finanças de Lisboa 8, por delegação, obtiveram concordância as correcções propostas no sentido de que:
“(…)
M3 - Anexo D - Quadro 7 - Campo 21- Deverá ser € 0 (zero Euros)
(…)”
Tudo conforme consta o PA, não contestado
7. Por despacho de 25/06/2003 do Diretor de Finanças Adjunto da Divisão de Liquidação do Imposto sobre o Rendimento e sobre a Despesa da Direção de Finanças de Lisboa, foram alterados os elementos constantes da declaração de rendimentos do Sujeito passivo AA respeitante ao ano de 2001 - cfr. consta do PA aqui em anexo (fls. 36)
8. O Impugnante tomou conhecimento por carta registada com aviso de por decisão de 25/06/2003 a Administração Fiscal decidiu proceder à alteração dos elementos declarados na declaração de rendimentos que apresentou com referência ao ano de 2001 - cfr. consta do PA aqui em anexo (fls. 34).
9. Em 10/07/2003 os Serviços do Imposto sobre o rendimento procederam à liquidação com base nas correcções a que nos vimos referindo (liquidação n.º ...03) no montante de € 12.770,63, com data limite de pagamento em 27/08/2003 - cfr. consta do PA aqui em anexo e Doc. 1 junto à petição inicial,
10. O imposto foi pago em 25/08/2003 - cfr. consta do PA aqui em anexo e Doc. 1 junto à petição inicial,
11. O aqui Impugnante deduziu Reclamação graciosa em 24/11/2003 que foi indeferida por despacho do Diretor de Finanças de Lisboa, por delegação, proferido em 08/06/2007- cfr. consta dos respectivos autos de reclamação aqui em anexo.
12. A presente Impugnação foi deduzida em 06/07/2007 - cfr. fls. 3 dos autos.

2.2. O direito
A questão que vem colocada pela Recorrente consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que o Impugnante tinha direito a ver deduzido em sede de IRS o montante referente a contribuição autárquica, desconsiderando assim o disposto no n.º 3 do artigo 71.º do CIRC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Vejamos.
A liquidação de IRS aqui em causa tem na sua origem a não aceitação, por parte Administração Tributária, da dedução do valor da contribuição autárquica da sociedade A..., Lda., inserido pelo Impugnante na declaração de IRS/2001, no montante de € 12.770,63, em virtude da sua participação nessa sociedade e invocando o artigo 6.º do CIRC (regime de transparência fiscal).
Na decisão de indeferimento da reclamação graciosa dessa liquidação, junta com a petição inicial e para a qual se remete no ponto 11) dos factos provados, consta que “(…) da consulta feita ao sistema informático, constante de fls. 57, resultou que a pessoa colectiva “SOCIEDADE A..., LDA.” não se encontra ao abrigo do regime de transparência fiscal…” e ainda que “(…) só ficam sujeitas ao regime de transparência fiscal, as sociedades de simples administração de bens cuja maioria do capital pertença, directa ou indirectamente, durante mais de 183 dias do exercício, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício, a um número de sócios não inferior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público”, pressupostos que o Impugnante, sobre quem recaia o ónus da alegação e da prova, não teria logrado provar.
Na impugnação judicial deduzida na sequência desse indeferimento da reclamação graciosa, pugna o ora Recorrido pela ilegalidade da liquidação, sustentando que o erro da Administração Tributária reside precisamente nesse facto, por à data a que se reportavam os rendimentos em questão (ano de 2001) a aludida sociedade (sociedade de simples administração de bens) se encontrar sujeita ao regime de transparência fiscal.
Por sua vez, a Fazenda Pública, não obstante admitir que “efectivamente a sociedade A..., Lda. é uma sociedade abrangida pelo regime geral de tributação, reunindo as condições para inclusão no regime de transparência fiscal, regime este pelo qual foi devidamente tributada” (artigo 10.º da contestação), veio alegar que “houve uma alteração legislativa, produzida pelo artigo 141.º da Lei 30-G/2000, de 29/12, que alterou a situação da contribuição autárquica, que a partir precisamente do exercício de 2001, apenas passou a poder ser considerada como custo na referida sociedade, impedindo-se assim, a sua dedução na esfera dos sócios imputados, no caso, o ora Impugnante”(artigo 11.º da contestação).
Ou seja, apenas em sede judicial a Administração Tributária invocou uma alteração legislativa que obstaria à dedução da contribuição autárquica na esfera dos sócios. Mas, mesmo assim sem fazer qualquer alusão a que a sociedade em causa se encontrava sujeita ao regime simplificado de determinação do lucro tributável.
E o tribunal a quo concluiu pela ilegalidade da liquidação, aduzindo a seguinte fundamentação: “A questão que se nos apresenta em conflito reconduz-nos ao âmbito de aplicação do regime de transparência fiscal aos montantes postos à disposição dos sócios de uma sociedade de simples administração de bens no ano de 2001 e respectivas deduções.
Ora, o regime de transparência fiscal encontrava-se previsto no artigo 6º do CIRC, caracteriza-se pela imputação aos sócios ou membros das sociedades elencadas nas alíneas do seu n.º 1(No ano a que se reportam os rendimentos este regime era aplicado às sociedades com sede ou direcção efectiva em território português, independentemente de ter, ou não, havido distribuição de lucros:
 Às sociedades civis não constituídas sob a forma comercial;
 Às sociedades de profissionais e
 Às sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, direta ou indirectamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não inferior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público.
Artigo 6.º n.º 1 alíneas a), b) e c) do CIRC), da matéria colectável da sociedade distribuidora determinada nos termos do CIRC, de acordo com o ato constitutivo daquelas entidades ou, na falta de elementos, em partes iguais.
O valor assim calculado é integrado no rendimento tributável dos respectivos sócios ou membros e tributado em sede de IRS ou IRC, consoante os casos.
No que se refere ao procedimento e forma de liquidação referia o então n.º 5 do artigo 83.º do CIRC (Hoje o regime mantém-se com diferenças no tipo de deduções a considerar, vide art. 90.º n.º 2 e 5 do CIRC) que as deduções previstas no seu n.º 2 seriam igualmente imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 do art 6.º do CIRC e efectuadas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
Por seu lado o n.º 2 do art. 83.º do CIRC referia à data que, cito:
“Ao montante apurado nos termos do número anterior, são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A relativa a dupla tributação económica de lucros distribuídos;
b) A correspondente à dupla tributação internacional;
c) A correspondente à colecta da contribuição autárquica;
d) A relativa a benefícios fiscais (Pelo art. 11.º da lei 30-G/2000 de 29/12, foi criado um crédito fiscal ao investimento aqui dedutível) ;
e) A relativa a pagamento especial por conta a que se refere o artigo 98.º;
f) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou de reembolso nos termos da legislação aplicável.”
(..)
Na situação sub judice a questão que se coloca decorre da correcção à matéria colectável declarada pelo Impugnante em sede de IRS (Pontos 3., 4. b), 5., 6. e 7. do probatório) , já que este indicou o montante referente à parte correspondente da contribuição autárquica correspondente ao rendimento que lhe foi imputado (Ponto 2. do probatório) (12.770,63) pela sociedade de simples administração de bens de que é socio, no campo 21 do quadro 7 do anexo D da declaração mod 3 do IRS Ponto 4. b) do probatório , quando este campo foi, na declaração utilizada, tecnicamente reservado aos montantes referentes a crédito de imposto (al. d) do n.º 2 do art. 83.º do CIRC).
Ora não se contesta a incorrecção no preenchimento da declaração, situação que vem assumida pelo Impugnante, o que vem invocado é o direito que lhe assiste de ver deduzido em sede de tributação de IRS o montante referente à contribuição autárquica e com razão já que, conforme supra se deixou claro, à data dos factos, essa dedução encontrava-se legalmente prevista Não obstante constitua um benefício revogado no ano seguinte com a eliminação da al. c) do n.º 2 do art. 83.º do CIRC pela Lei n.º 109-B/2001, de 27/12 (OE2002) .
Aqui chegados, forçoso se torna concluir pela procedência do pedido.”
Ao assim decidido contrapõe a Recorrente, no essencial, que a sociedade declarante dos rendimentos imputados ao Impugnante, enquanto sociedade de simples administração de bens, entidade, por isso, enquadrada no regime de transparência fiscal, é uma entidade sujeita ao regime simplificado de determinação do lucro tributável, pelo que não poderia deduzir as importâncias decorrentes dos factos constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 71.º do CIRC, nomeadamente não poderia deduzir as importâncias com a colecta de contribuição autárquica, concluindo que a sentença recorrida violou, assim, o disposto no n.º 3 do referido artigo 71.º do CIRC, na redacção então em vigor.
É certo que de acordo com o artigo 71.º (correspondente ao 83.º) do CIRC, na redacção dada pela Lei 30-G/2000, de 29/12, “[N]os casos em que seja aplicável o regime simplificado de determinação do lucro tributável não há lugar às deduções previstas nas alíneas a), b), e c) do número anterior”, onde se incluía a dedução correspondente à colecta da contribuição autárquica.
Sucede que esta questão agora avançada pela Recorrente - de que a sociedade declarante dos rendimentos imputados ao Impugnante é uma entidade sujeita ao regime simplificado de determinação do lucro tributável, o que seria impeditivo da dedução do valor correspondente à contribuição autárquica - está subtraída aos poderes de cognição deste Tribunal, porquanto só agora, em sede de recurso, vem invocada pela Fazenda Pública, sendo certo que, não tendo essa razão integrado a fundamentação da liquidação (nem a decisão de indeferimento da reclamação graciosa), cuja legalidade foi objecto de apreciação na sentença recorrida, não foi objecto de pronúncia pelo tribunal a quo. Nem, aliás, poderia ser porque o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto, pelo que a motivação a posteriori, não contextual, não cumpre as exigências do dever legal de fundamentar e não pode, por isso, relevar (cf., entre muitos, acórdão STA 7/10/2009, Processo 0192/09).
Como se disse no acórdão STA de 6/7/2016, Processo 01436/15, “a AT não pode aditar fundamentação a posteriori relativamente às liquidações a que procedeu, nem pode legalmente apelar a fundamentos que antes não foram avocados”.
Na verdade, depois de reconhecer que a Sociedade A..., Lda. foi devidamente tributada pelo regime da transparência fiscal (cf. vem referido na contestação), abandonando assim o fundamento em que se estribou a liquidação e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, vem agora a Recorrente, só em sede de recurso e a posteriori, invocar que afinal não era dedutível o valor da contribuição autárquica por aquela sociedade estar sujeita ao regime simplificado de determinação do lucro tributável.
E, como também é sabido, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais, pelo que o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, exceptuadas aquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida, sendo que a questão em apreço não reveste nenhuma dessas características.
E sendo este o único fundamento do recurso, o mesmo terá de improceder.


3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2024 - Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - Anabela Ferreira Alves e Russo - José Gomes Correia.