Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0171/22.5BECBR
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32103
Nº do Documento:SA2202404100171/22
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A..., Recorrente nos autos à margem referenciados, vem interpor recurso de revista excecional do acórdão proferido nestes autos, por não se conformar com o mesmo.
O recurso é de revista excecional, nos termos do disposto nos artigos 285.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante CPPT) e 672.º, n.º 1, alíneas a), do Código de Processo Civil (doravante CPC) ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
O recurso sobe nos próprios autos, nos termos do preceituado no artigo e 675.º, n.º 1 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, com efeito devolutivo, por força do estatuído no artigo 286.º do CPPT.

Alegou, tendo concluído:
1. O presente recurso de revista excecional deve ser admitido, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 285.º do CPPT, porquanto estão em causa questões, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, entre as quais, as que se enunciam nas conclusões seguintes;
2. Efetivamente, no caso dos autos, acórdão de que ora se recorre fez uma incorreta interpretação da alínea b) do artigo 9.º do CIRC ao caso em apreço, o que consubstancia um erro de julgamento em matéria de direito;
3. A Recorrente tem como objeto social proceder ao desenvolvimento e implementação de soluções em vista ao tratamento automático da informação dos municípios associados, promover a introdução de novos métodos de gestão correspondentes às atribuições dos seus membros e prestar-lhes o apoio técnico necessário ao fomento da utilização da informática;
4. Enquanto pessoa coletiva pública, a Recorrente é um sujeito passivo de IRC, nos termos do artigo 2.° do CIRC, reunindo, no entanto, os pressupostos para poder beneficiar de isenção prevista no artigo 9.° do mesmo código;
5. A natureza da atividade comercial, industrial ou agrícola é aferida pela realização de operações económicas de caráter empresarial, cuja finalidade é o lucro e a existência de uma organização empresarial estruturada para o efeito;
6. Embora possam ser desenvolvidos serviços lucrativos, a atividade principal da ora Recorrente assenta numa estrutura administrativa de interesse geral e público;
7. A Recorrente sempre enquadrou a sua atuação e a sua dinâmica organizativa como uma pessoa coletiva de direito e interesse público, isenta de IRC, porquanto tem apenas como objetivo a prossecução dos interesses específicos, de interesse público dos seus associados, não tendo como finalidade o desenvolvimento de uma atividade comercial ou empresarial, e muito menos o lucro dos seus associados ou da associação;
8. A contabilidade da Recorrente é efetuada segundo as regras contabilísticas do POCAL e as contas são aditadas pelo Tribunal de Contas, que nunca emitiu parecer negativo em relação ao enquadramento na isenção de IRC, bem como pela Inspeção Geral de Finanças e certificadas por Revisor Oficial de Contas;
9. A Recorrente é uma associação de municípios de fins específicos, pessoa coletiva de direito pública, não tendo qualquer finalidade lucrativa;
10. É consabido que as isenções fiscais são de natureza-excecional, relativamente à tributação regra;
11. Ora, na isenção fiscal é produzido o facto tributário, mas o cumprimento da obrigação tributária é dispensado pela norma de isenção de limitação negativa da incidência;
12. Estabelece a alínea b) do artigo 9.º do CIRC que estão isentos de IRC, “As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas.”;
13. A Recorrente discente do douto Acórdão quando este aduz que a mesma exerce uma atividade empresarial;
14. Nenhuma das atividades praticadas pela Recorrente têm cunho empresarial;
15. A noção de atividade prosseguida tem de ser interpretada por remissão para os conceitos de fim associativa ou, ainda, subsidiariamente, de objeto social, bem como, mais concretamente, ao entendimento que possamos fazer do que é que são fins ou objetos principais e acessórios;
16. Mediante análise do estatuto da Recorrente, é patente que a mesma não exerce uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, sendo a partir deste facto que se deve interpretar a situação tributária;
17. O objeto de uma uma associação há-de ser aferido mediante o que constar expressamente no ato constitutivo, in casu, os estatutos;
18. Estas associações não têm por fim o lucro dos sócios, podendo mesmo ser praticados atos de comércio ou desenvolver atuações lucrativas, sob pena de serem improdutivas e viverem de donativos;
19. A Associação necessita de verbas para a prossecução dos fins previstos nos estatutos, sendo que o exercício de tais atividades apenas visam a obtenção de meios patrimoniais necessários à prossecução dos fins estatutários;
20. A atividade exercida pela Recorrente tem a natureza de serviço público;
21. De acordo com o n.º 2 do artigo 2º da Lei 11/2003, as associações de municípios de fins específicos são pessoas coletivas de direito público criadas para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que as integram, isto é, interesses exclusivamente de serviço público, não lucrativo ou empresarial;
22. Cabe à Recorrente a prossecução das atribuições dos municípios nela integrados, assumindo esta uma condição de entidade de atuação de serviço público, que visa satisfazer as necessidades daqueles municípios;
23. Ademais, a alínea b) do artigo 9.º deve ser interpretado de acordo com a lógica do diploma, no qual a referência àquelas atividades diz respeito ao seu exercício a título principal;
24. Assim, a AT só poderia tributar a Recorrente com base no seu (alegado) lucro tributável se este prosseguisse uma atividade comercial a título principal (e nunca a título acessório, marginal, residual ou isolado) o que, no caso sub judice, não acontece;
25. Como tal, ao decidir pela não aplicação da isenção do imposto prevista na alínea b), no n.º 1, do artigo 9.º do CIRC, o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, o que determina a revogação do acórdão;
26. No caso sub judice, para além da verificação dos pressupostos que determinam a revista excecional, verificam-se ainda os fundamentos legais para a revista “normal”, previstos nos artigos 285.º do CPPT e 674.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT; 27. Verifica-se a violação de lei substantiva e erro na interpretação no direito, nomeadamente da alínea b), do n.º 1 do artigo 9.º do CIRC;
28. Em suma, o acórdão recorrido, ao decidir como decidiu (pela não aplicação da isenção de imposto prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 9.º do CIRC), incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, erro que é fundamento de revista e que determina a revogação do acórdão.
Termos em que deve ser admitida a revista excecional, sendo julgada procedente e, consequentemente, ser revogado o acórdão recorrido.

Foram produzidas contra-alegações em que se pugnou pela não admissão do recurso.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

Lidas atentamente as conclusões do recurso, bem como o acórdão recorrido, pretende-se com o presente recurso que se aprecie se a referência a actividades que se faz na alínea b) do n.º 1, do artigo 9º do CIRC deve ser interpretada como se tratando exclusivamente de actividades exercidas a título principal ou também aí se encontram abrangidas as actividades exercidas a título acessório.
O acórdão recorrido, louvando-se na fundamentação da sentença recorrida, perfilhou o entendimento de que a norma em questão abrangia também as actividades exercidas ainda que a título meramente acessório, independentemente da natureza da pessoa colectiva concreta, bem como das vicissitudes legais e factuais a ela inerentes.
Mais apoiou tal entendimento em jurisprudência deste Supremo Tribunal no mesmo sentido.
Assim, porque não se vislumbra que ocorra um erro de julgamento claro e evidente no decidido, antes sendo uma das soluções interpretativas possíveis a fazer da referida norma, não se mostra o presente recurso em condições de ser admitido.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em não admitir o presente recurso de revista.
Custas do incidente pela recorrente.

Lisboa, 10 de abril de 2024. – Aragão Seia (relator) – Francisco Rothes - Isabel Marques da Silva.