Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0333/21.2BESNT
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
Sumário:Não se justifica admitir revista se o acórdão recorrido parece ter decidido com acerto as questões atinentes ao requisito do periculum in mora, no caso concreto, encontrando-se fundamentado de forma consiste, coerente e plausível não se vislumbrando que possa padecer de erro muito menos ostensivo, na apreciação a que procedeu, pelo que nada indica a necessidade da admissão da revista para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P31932
Nº do Documento:SA1202402210333/21
Recorrente:AA E OUTROS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE SINTRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
AA e BB intentaram no TAF de Sintra, providência cautelar contra o Município de Sintra e A..., Lda [identificada como contra-interessada (CI) e segunda requerida], peticionando: i) a suspensão de eficácia do acto de deferimento do pedido de licenciamento de obras de alteração e ampliação da morada sita na Rua ..., ..., em ... (Alvará nº ...19, de 11.11.2018, e a intimação do Município Requerido a abster-se de emitir a respectiva licença de utilização, antes do trânsito em julgado da decisão a proferir na acção principal; ii) a intimação da CI e segunda requerida a parar de imediato a obra e a abster-se de utilizar a moradia como lar de terceira idade, até trânsito em julgado da decisão a proferir na acção principal.

Por sentença de 08.06.2021 o TAF, além do mais, deferiu a providência cautelar, intimando a entidade requerida «a abster-se de emitir a licença de utilização para equipamento social – Lar de Terceira Idade».

O Requerido Município e a CI interpuseram recursos desta decisão para o TCA Sul que por acórdão de 23.11.2023 concedeu provimento aos recursos, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente o pedido de adopção de providências cautelares.

Os Requerentes/Recorrentes não se conformam com esta decisão, interpondo a presente revista, invocando os requisitos do art. 150º do CPTA.

A CI contra-alegou defendendo, além do mais, a inadmissibilidade da revista.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

O TAF julgou verificados os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris do nº 1 do art. 120º do CPTA. Bem como, sobre o requisito negativo do nº 2 do mesmo preceito, ou seja, na realização da ponderação de interesses, que os interesses defendidos pelos requerentes [a saber, a “iminente violação do direito ao sossego, à tranquilidade e à saúde dos requerentes e dos seus agregados familiares, direitos fundamentais que importa observar e que se violados acarretam prejuízos difícil reparação”], se sobrepunham aos direitos de índole económica ou lucrativa da contra-interessada ou ao interesse público.
Assim, julgou procedente o processo cautelar nos termos sobreditos.

O acórdão recorrido começou por apreciar as questões suscitadas nas apelações quanto à matéria de facto, tendo alterado a alínea q) dos factos provados.
Quanto à decisão de procedência do presente processo cautelar, o acórdão revogou a sentença de 1ª instância considerando que havia decidido incorrectamente sobre a verificação do requisito do periculum in mora, previsto no nº 1 do art. 120º do CPTA.
Afirmou, em síntese, que: “Resulta da matéria de facto provada que estará em causa a instalação e entrada em funcionamento de um «equipamento Social – Lar de 3.ª idade», em edificação resultante de obras licenciadas pelo Município de Sintra de alteração e ampliação de edifício pré-existente (alíneas b) a d) e k) da matéria de facto) e que esta edificação se encontra inserida em área cujo uso predominante das edificações existentes é o uso habitacional, como é o caso das edificações confinantes, propriedade dos Requerentes (alíneas a), b) e h) da matéria de facto provada).
Resulta, também, da matéria de facto provada que o «Lar/Residência para idosos» terá capacidade para 31 pessoas (alínea h) da matéria de facto provada).
Assim sendo, atenta a utilização e a dimensão deste equipamento, não se vislumbra que exista o fundado receio de afetação imediata do direito ao sono, do direito ao repouso, dos «demais direitos intimamente relacionados com o direito ao descanso e sossego», do direito ao ambiente e do direito à qualidade de vida dos Requerentes.
Mesmo que se considerem as características típicas inerentes a tais equipamentos – o «funcionamento permanente», a «necessidade de confeção de alimentação, ou pelo menos de tratamento de alimentação, funcionamento de lavandarias para tratamento de roupas e afins, bem como as entradas e saídas de funcionários, fornecedores, familiares de utentes e outros – e a proximidade do edifício em causa às residências dos requerentes, não pode conclui-se pela afetação dos referidos direitos dos Requerentes em termos tais que justificassem a adoção da providência cautelar de intimação do «Município a abster-se de emitir a licença de utilização para equipamento social – Lar de Terceira Idade».
Ao contrário de outros tipos de estabelecimentos, como os de diversão noturna, o ruído não é, em geral, uma característica típica de um estabelecimento destinado a lar de terceira idade e a dimensão e capacidade deste concreto lar não permite concluir pela probabilidade de emissões em termos tais que ponham em crise os apontados direitos dos Requerentes.
É certo que, em geral, um lar de idosos, ainda que com capacidade para apenas 31 utentes, produzirá mais ruído, mais emissões, e gerará mais trânsito do que uma moradia unifamiliar, mas essa circunstância não é suficiente para se julgar verificado o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal. Para tanto, seria necessário demonstrar que esse acréscimo de ruído, emissões e trânsito é suficiente para perturbar o sono, o repouso, o descanso, e o sossego dos Requerentes, o que não se verifica no presente caso.
Não pode, pois, julgar-se verificado, também na sua vertente de fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os Requerentes pretendem assegurar no processo principal, o requisito relativo ao periculum in mora.
Termos em que, será de conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida quanto ao juízo relativo ao periculum in mora.
Sendo o periculum in mora um dos requisitos cumulativos exigidos para o deferimento do pedido cautelar, a sua não verificação determina o indeferimento do pedido de adoção da providência cautelar por falta do aludido requisito cumulativo, tornando-se inútil a apreciação do erro de julgamento apontado à sentença recorrida quanto aos demais requisitos legais de que depende a adoção da providência cautelar.

Alegaram, em síntese, os Recorrentes que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao não ter considerado verificado o periculum in mora, defendendo que o Tribunal recorrido não fez correcta aplicação e interpretação do Direito, “porquanto é notório e resulta da experiência comum que um lar de idosos que alberga mais de 30 utentes, que carece obviamente de uma cozinha não habitacional/doméstica, qualificável como industrial, e com aparelhos de ar condicionado e ventilação natureza [sic] instalados, pela sua dimensão irão provocar o ruído e cheiros alegados, afetando os direitos de personalidade alegados sem que se verifique qualquer situação de exagero ou se sensibilidade, subjetiva”.
A argumentação dos Recorrente não é, porém, convincente.

Como se viu as instâncias discordaram no entendimento de que se verificava o requisito do periculum in mora, um dos requisitos de que o nº 1 do art. 120º do CPTA faz depender o deferimento das providências cautelares (conjuntamente com o fumus boni iuris, e o requisito negativo do nº 2 do referido preceito), tendo a 1ª instância julgado verificado esse requisito e o TCA que o dito requisito não se verificava.
Ora, não se afigura que o acórdão recorrido tenha incorrido em erro de julgamento, muito menos ostensivo, quanto à apreciação que fez sobre a não verificação do periculum in mora, sendo certo que a conclusão 11ª do recurso respeitante à matéria de facto (atinente à prova dos prejuízos de difícil reparação), não se retira minimamente dos factos levados ao probatório, não estando indiciariamente provado nenhum dos pretensos factos constantes dessa conclusão, a qual apenas contém meras conjecturas e/ou matéria conclusiva. Ou seja, nada foi levado ao probatório que pudesse ser útil para a apreciação do requisito do periculum in mora, na vertente de prejuízos de difícil reparação (a única que estaria em causa nos autos).
O acórdão recorrido considerou que a sentença do TAF analisara com erro de julgamento o periculum in mora concluindo, erradamente, que o mesmo se verificava, sendo certo que a não verificação deste requisito acarretou por parte do acórdão recorrido o não conhecimentos do fumus boni iuris e da ponderação de interesses prevista no nº 2 do art. 120º do CPTA, visto serem de verificação cumulativa, conforme bem realça o acórdão e é jurisprudência pacífica.
Ora, o acórdão recorrido parece ter decidido com acerto as questões atinentes ao requisito do periculum in mora, no caso concreto, encontrando-se fundamentado de forma consiste, coerente e plausível não se vislumbrando que possa padecer de erro muito menos ostensivo, na apreciação a que procedeu, pelo que nada indica a necessidade da admissão da revista para uma melhor aplicação do direito.
Acresce que, não se vê que haja razões com relevância jurídica ou social de importância excepcional no caso dos autos, pelo que não se justifica o afastamento da regra da excepcionalidade do recurso de revista.
Até por o recurso estar circunscrito ao caso concreto, tanto mais que se trata de uma providência cautelar, na qual as questões são analisadas de forma sumária, circunstância menos propensa ao cumprimento do papel esperado das decisões dos tribunais supremos (cfr. neste sentido o ac. de 08.09.2017, Proc. nº 0910/16).

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.