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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01480/15.5BELRS
Data do Acordão:03/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
SEGURO
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO IN DUBIO CONTRA FISCUM
Sumário:I - Com a Lei 150/99, de 11/09, o Imposto de Selo mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro tributo incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza. Nalguns casos incide sobre a despesa, noutros sobre o rendimento, e noutros ainda sobre o património, situação que, inevitavelmente, introduz um elemento perturbador da coerência do imposto e, por isso, um desafio acrescido para o intérprete. Na sua actual modelação, o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abarcadas pelas regras de incidência de quaisquer outros tributos, assim tendendo a assumir uma função residual.
II - As comissões cobradas pelos bancos no exercício da actividade de mediação de seguros realizada em 2012 não se encontravam abrangidas pela isenção a que aludia o artº.7, nº.1, al.e), do C.I.Selo, antes estando sujeitas a tributação ao abrigo da verba 22.2 da T.G.I.S.
III - O que pode e deve ser objecto de fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa).
IV - O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no citado artº.13, da C.R.Portuguesa. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2, do diploma fundamental. As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.
V - O artº.100, nº.1, do C.P.P.T., constitui uma afloração do princípio "in dubio contra fiscum", vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio "in dubio pro reo" no que respeita à apreciação da prova em processo penal. Tal princípio leva a que o interesse substancial da justiça domine o actual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado. Este princípio consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial do cânone geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artº.74, nº.1, da L.G.T., em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Cânone este também aplicável ao processo judicial tributário. Saber se, perante a prova produzida, há dúvidas sobre a existência ou quantificação de um facto tributário é uma questão essencialmente de facto. Assim, se o Tribunal decidiu dar como provada a existência ou inexistência de um facto tributário não haverá lugar à aplicação desta norma. Só em situações em que não houver a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se aplicação desta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus, matéria que não é da competência dos tribunais de revista como o S.T.A.
VI - A qualificação do facto tributário não tem enquadramento na norma constante do artº.100, nº.1, do C.P.P.T., assim não podendo fazer operar o citado princípio "in dubio contra fiscum".
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P30701
Nº do Documento:SA22023030801480/15
Data de Entrada:06/14/2022
Recorrente:COMPANHIA DE SEGUROS A..., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"COMPANHIA DE SEGUROS A..., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.165 a 182 do processo físico, a qual julgou improcedente a presente impugnação pela sociedade recorrente intentada e tendo por objecto actos de liquidação de Imposto de Selo e juros compensatórios, relativos ao ano fiscal de 2012 e no montante total de € 246.928,46.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.184 a 202 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra o ato tributário de Imposto do Selo do ano de 2012;
2-Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito na interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na interpretação do princípio da igualdade e, bem assim, na interpretação da alegada inexistência de incidência ou dúvida sobre o facto tributário;
3-A Recorrente entende que as comissões pagas por si ao Banco 1..., S.A., no âmbito da atividade de mediação de seguros, estão isentas nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo;
4-Não é efetuada qualquer ressalva na referida norma quanto à eventualidade da sua aplicação restritiva somente ao que a sentença recorrida designa por “operações financeiras em sentido estrito”, pelo contrário, se o legislador incluiu a referência a “(…) instituições financeiras” na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo foi, precisamente, porque não pretendeu restringir o conceito de operações previstas naquela norma às operações efetuadas por instituições de crédito e por sociedades financeiras no âmbito da atividade bancária e da intermediação financeira, pelo que, em algumas circunstâncias, mesmo as comissões previstas na verba 22.2 da TGIS deverão também beneficiar desta isenção de Imposto do Selo;
5-Não se pode ignorar o elemento literal de interpretação das normas jurídicas, uma vez que de acordo com o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal(…)”, razão pela qual, inexistindo qualquer correspondência da expressão “operações financeiras em sentido estrito” na letra da lei, a interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida não pode ser invocada para sustentar que as comissões pagas pela Recorrente ao Banco 1..., SA pertencem àquela espécie de comissões e não se encontram isentas;
6-O entendimento da Recorrente é ainda plenamente validado pelo elemento histórico da interpretação da lei, segundo o qual a regra de isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo não impõe quaisquer requisitos adicionais para as comissões nela previstas, nomeadamente, em função da atividade das entidades envolvidas, conforme parece decorrer (erroneamente) da sentença recorrida;
7-Apesar, no passado, o legislador ter incluído um elemento objetivo específico como pressuposto da isenção (através da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de setembro), tal elemento foi expressamente excluído com a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, a partir de 1 de janeiro de 2003, só voltando a ser introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, a partir de 31 de março de 2016, sendo que essa limitação nem sequer é aplicável às comissões ora em apreço sob pena de violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal;
8-Em toda a evolução na redação da norma de isenção atualmente prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo há que destacar que a alteração promovida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, enuncia de forma clara e inequívoca a intenção do legislador em alargar o âmbito de aplicação da norma;
9-Em momento algum o legislador limitou a referida isenção ao tipo de atividade das entidades envolvidas na operação, i.e., não se identifica na atuação do legislador qualquer indício de que os juros ou comissões isentos deverão ser somente os que têm subjacente “operações financeiras em sentido estrito”. Pelo contrário, o legislador sempre procurou alargar o âmbito de aplicação daquela isenção;
10-A alteração promovida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aditou um n.º 7 ao artigo 7.º do Código do Imposto do Selo veio introduzir, novamente, uma restrição do âmbito de aplicação daquela norma. Todavia, importa salientar que aquela limitação cinge-se, apenas, às garantias e operações financeiras tal como previstas nas verbas 10 e 17 da TGIS, não abrangendo as comissões pela atividade de mediação de seguros como as que estão a ser discutidas nos presentes autos;
11-A questão da aplicabilidade da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo às comissões pagas a instituições de crédito no âmbito da atividade de mediação de seguros já era discutida aquando da alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e, ainda assim, o legislador não a clarificou, o que significa inequivocamente que as comissões em apreço têm pleno cabimento naquela isenção. Nesse momento, o legislador poderia – e se a sua intenção era a de que as comissões pela atividade de mediação de seguros não se enquadram no âmbito da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, deveria! – ter introduzido uma norma expressa quanto a essa limitação;
12-Como o legislador nada fez quanto a esta questão, mantendo-se a regra jurídica nos mesmos moldes anteriores, não pode o intérprete distinguir onde o legislador não o fez e, para além disso, considerando o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, “(…) o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, pelo que a interpretação segundo a qual a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo será ilegal por manifesta violação das normas jurídicas aplicáveis na data dos factos tributários em presença;
13-O n.º 3 do artigo 103.º da CRP proíbe a retroatividade da lei fiscal, e que o caráter interpretativo de determinada norma implica a sua aplicação retroativa, pelo que só poderá ser conferido caráter interpretativo à lei fiscal em situações em que era notório e inquestionável que a interpretação a conferir à norma era o entendimento que o legislador apenas expressamente consagrou mais tarde. Caso contrário o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal ínsito no n.º 3 do artigo 103.º da CRP será manifestamente violado, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais na eventualidade de se equacionar a aplicação deste n.º 7 ao caso em apreço;
14-Independentemente de o artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, estabelecer que a redação dada ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo tem “caráter interpretativo”, só poderá concluir-se pelo caráter inovador e não interpretativo daquele preceito, pelo que não obstante a redação conferida ao artigo 7.º do Código do Imposto do Selo pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, sempre se aplica ao caso vertente a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do aludido normativo, sob pena de violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal plasmado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, bem como do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, que decorre do artigo 2.º da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
15-De facto, em face da anterior redação da norma nunca poderiam os tribunais ter adotado uma interpretação que conduzisse à restrição da isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo às garantias e operações destinadas à concessão de crédito, porquanto tal interpretação não tinha o mínimo suporte na letra da lei, pelo que o artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, qualificando como interpretativo o n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo com o propósito da sua aplicação a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, consubstancia uma norma retroativa, em violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal plasmado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, bem como do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, que decorre do artigo 2.º da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
16-O que significa que a interpretação das normas constantes da alínea e) do n.º 1 e do n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, no sentido de que as comissões subjacentes à atividade seguradora, somente pelo facto de serem enquadráveis na verba 22 da TGIS, não beneficiam daquela isenção e de ser reconhecido o caráter interpretativo da limitação introduzida pelo artigo 152.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, somente para as referidas comissões subjacentes à atividade seguradora consubstanciariam uma violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e coerência sistemática, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais;
17-Não existe o mínimo suporte na letra da lei para o entendimento de que o legislador teria pretendido sujeitar a Imposto do Selo comissões pagas por e a instituições de crédito e financeiras, somente pelo facto de corresponderem a comissões pela atividade de mediação de seguros, devendo entender-se que a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo abarca toda e qualquer comissão, cobrada entre instituições de crédito, sociedades financeiras e quaisquer outras instituições financeiras, independentemente de se qualificar como operação financeira em sentido estrito ou em sentido lato;
18-Deve, pois, concluir-se que o facto de o legislador ter simplesmente enumerado na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo um conjunto de realidades, entre as quais as “comissões” – sem qualquer espécie de ressalva quanto ao seu tipo –, que pretendeu isentar sempre que estas se realizem entre determinadas entidades financeiras, não permite de modo algum restringir o escopo de aplicação da isenção às comissões relacionadas com “operações financeiras em sentido estrito”, pois nem sequer está determinado o que abarcará este conceito;
19-E nem se invoque a Circular n.º 7/2009 para suportar a interpretação restritiva da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, pois, as circulares da administração tributária são orientações administrativas que vinculam a administração tributária, mas não são dotadas de juridicidade, nem vinculam os contribuintes, ou os tribunais, pelo que, também com este fundamento, resulta evidenciada a ilegalidade do entendimento dos serviços de inspeção tributária;
20-Conclui-se, pois, que a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na versão em vigor à data dos factos tributáveis, não tinha em conta quaisquer limitações visando os elementos objetivos que prevê – bastando que se tratem de garantias, juros e comissões –, pelo que para a sua aplicação importava apenas aferir a natureza das entidades envolvidas, devendo concluir-se pela sua aplicação na situação sub judice;
21-Sendo a intenção do legislador isentar de tributação operações realizadas por instituições financeiras, visando desonerar os clientes das instituições financeiras e favorecer o acesso destes a todos os serviços financeiros, e sendo certo que o legislador isenta de Imposto do Selo os atos ou as operações e não determinada atividade, no caso sub judice, a subsunção de uma determinada operação à isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo exige apenas o cumprimento de dois requisitos: (i) por um lado, que se esteja perante juros e comissões cobrados, garantias prestadas ou utilização de crédito; e, (ii) por outro lado, que essas operações sejam realizadas entre instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras. Estes requisitos estão inequivocamente verificados;
22-Não subsiste qualquer dúvida de que no caso sub judice se trata de uma operação realizada entre uma instituição de crédito (o Banco 1..., S.A.) e uma instituição financeira (a Recorrente);
23-O Banco 1..., S.A. é uma instituição de crédito, nos termos do artigo 3.º, alínea a), do RGICSF, devendo ter-se presente que, nos termos da alínea n) do n.º 1 do artigo 4.º do RGICSF, os Bancos podem efetuar operações de mediação de seguros e que desenvolverem aquela atividade não perdem a qualificação de instituição de crédito;
24-Não se pode limitar aquela isenção ao âmbito de atividades bancárias – “operações financeiras em sentido estrito” –, pelo que não é pelo simples facto de o Banco 1..., SA atuar neste contexto como mediador de seguros que perde a natureza de instituição de crédito;
25-A qualificação da Recorrente como instituição financeira é também uma conclusão inequívoca à luz do artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 94-B/98, de 17 de abril, que estabelece que as empresas de seguros são “(…) instituições financeiras que têm por objecto exclusivo o exercício da actividade de seguro directo e resseguro”. A nova redação do regime jurídico de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora introduzido pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro, manteve a definição de empresas de seguros, pois dispõe o n.º 1 do artigo 47.º da referida lei que “As empresas de seguros são empresas financeiras que têm por objeto exclusivo o exercício da atividade seguradora, bem como as operações dela diretamente decorrente, com exclusão de qualquer outra atividade comercial”;
26-O princípio que resulta do artigo 101.º da CRP dissipa quaisquer dúvidas que pudessem ainda existir de que as pessoas coletivas do setor segurador configuram verdadeiras instituições financeiras;
27-Para além disso, também é inquestionável que se está perante comissões cobradas e que as mesmas se enquadram nas operações previstas naquela alínea para efeitos de isenção. Com efeito, é inegável que os montantes pagos pela Recorrente assumem a natureza de comissões;
28-Assim, verificam-se, no caso sub judice, os pressupostos de aplicabilidade da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, pelo que as comissões em apreço se encontram isentas de Imposto do Selo, sendo evidente o erro de julgamento de direito em que incorre a sentença recorrida, devendo ser revogada, com as demais consequências legais;
29-É de salientar que o eventual impacto de uma determinada isenção no funcionamento do mercado não serve de critério de interpretação de uma determinada norma;
30-A possibilidade de ocorrência de uma desvantagem concorrencial entre mediadores convencionais e as instituições de crédito que celebram operações de intermediação ou mediação de seguros – que, aliás, não surge sequer evidenciada nos presentes autos – não é fundamento para interpretar restritivamente uma determinada norma, quando todos os elementos apontam claramente no sentido de que se pretendeu abranger pela isenção as instituições de crédito que celebram operações de intermediação ou mediação de seguros;
31-A Recorrente entende ainda, contrariamente ao decorre da sentença recorrida, que a interpretação de que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo não pode ser aplicável às instituições de crédito que efetuem a atividade de mediação de seguros é que encerra uma perversa violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP;
32-Para que se equacione devidamente a aplicação do princípio da igualdade deverá ter-se muito bem definidas, a priori, as situações-base que se pretende comparar, pois só desse modo é que se poderá efetuar uma análise correta do princípio da igualdade, garantindo que perante duas situações idênticas o tratamento é – ou deverá ser – idêntico e que perante duas situações distintas o tratamento é – ou deverá ser distinto;
33-Na situação sub judice, as condições em que as instituições de crédito que celebram operações de intermediação ou mediação de seguros realizam as aludidas operações não são idênticas às condições em que os mediadores convencionais de seguros as exercem, logo o ponto de partida para cada uma das situações que se pretende comparar não é o mesmo!
34-A desigualdade de condições, imposta pelas circunstâncias e contexto em que uns e outros exercem a sua atividade, justifica, precisamente, que os mediadores convencionais e as instituições de crédito que celebram operações de intermediação ou mediação de seguros não sejam comparáveis para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo;
35-Embora sujeitos às mesmas condições de acesso e exercício das operações e, como tal, aos mesmos direitos e deveres, é manifesto que as operações geradoras das comissões sub judice são, em larga maioria, acessórias e indissociáveis dos serviços fornecidos na atividade principal das instituições de crédito, na sua maioria num quadro de adesão a cláusulas contratuais gerais, e numa ótica de proteção das operações a que estão associados (vide, exemplificativamente, seguros relativos a financiamento para aquisição de habitação). Trata-se, aliás, de uma conclusão que é evidenciada pelo próprio Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de julho que, apesar de sujeitar a instituição de crédito que realiza operações de intermediação ou mediação de seguros às mesmas condições de acesso e exercício das operações que os mediadores convencionais de seguros, culmina por diferenciá-la daqueles mediadores de seguros, evidenciando que não se encontram em situação comparável;
36-O conceito de mediador de seguros ligado previsto no artigo 8.º daquele diploma distingue entre aqueles que exercem a atividade de mediação de seguros em nome e por conta de uma empresa de seguros [cf. subalínea i) da alínea a)] e aqueles que a exercem em complemento da sua atividade profissional, sempre que o seguro seja acessório do bem ou serviço fornecido no âmbito dessa atividade principal [cf. subalínea ii) da alínea a)], sendo que esta distinção é, pois, claramente enunciadora de que o legislador entendeu que aquelas duas situações não são comparáveis e que uns e outros mediadores não se encontram na mesma situação;
37-Tendo obviamente presente que a isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, na sua última ratio, visa desonerar o cliente final das instituições financeiras, é inquestionável que também as operações, como a sub judice, conexas com as operações próprias da atividade principal teriam de seguir o mesmo regime. Diferentemente, no caso dos mediadores convencionais, há o exercício de uma atividade a título principal, com capacidade de negociação e independência e relativamente a uma carteira de clientes afeta aos aludidos mediadores;
38-Não estando os mediadores convencionais e as instituições de crédito que celebram operações de intermediação ou mediação de seguros na mesma situação, é justificada a diferença de tratamento em sede de tributação de Imposto do Selo, sob pena de violação do princípio da igualdade tributária ínsito nos artigos 13.º e 103.º da CRP, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais;
39-Quanto ao erro de julgamento de direito na interpretação da alegada inexistência de incidência ou dúvida sobre o facto tributário, por um lado, como resulta dos presentes autos, salvo melhor opinião, a verba 22.2 da TGIS não seria a verba aplicável na situação sub judice, o que determinaria a ilegalidade da liquidação impugnada, pois de acordo com a fundamentação expendida pela administração tributária a mesma assenta na aplicação daquela verba 22.2 da TGIS;
40-Por outro lado, ainda que se admita que tal ilegalidade não procede, mantém-se válida a afirmação de que da fundamentação do ato de liquidação sub judice também não são identificados os pressupostos que justifiquem a eleição daquela verba como norma de incidência, o que gera uma situação de dúvida sobre a existência de facto tributário e constitui fundamento para a anulação da liquidação nos termos do artigo 100.º do CPPT;
41-Deste modo, não pode a decisão recorrida manter-se, devendo ser revogada e substituída por decisão de procedência integral da impugnação, com o consequente reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.207 a 209 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.214 e 215 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.167-verso a 173 do processo físico):
1-A Impugnante dedica-se à exploração das atividades de seguro e resseguro dos ramos “Vida” e “Não Vida” (cfr. pág. 5 do RIT a fls. 36 a 79 dos autos);
2-O Banco 1..., S.A., está autorizado, pelo Instituto de Seguros de Portugal, a exercer a atividade de mediador de seguros ligado, Vida/Não Vida, desde 31 de outubro de 2007 (cfr. pág. 20 do RIT a fls. 36 a 79 dos autos e documentos a fls. 141 e 142 do PAT);
3-Em 10-10-2007, a Impugnante celebrou com o Banco 1..., S.A., um contrato de prestação de serviços de mediação de seguros, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)

(Partes)
1-A Seguradora é uma Companhia de Seguros, acima devidamente identificada, autorizada a operar em todos os ramos de actividade em Portugal.
2- O Mediador Ligado é um mediador de seguros inscrito, com o número de registo no Instituto de Seguros de Portugal atribuído no quadro do respectivo processo de inscrição, na categoria de Mediador Ligado, e dispõe de meios próprios de trabalho.

(Objecto)
1- O presente contrato tem por objeto a prestação pelo Mediador Ligado à Seguradora dos seus serviços no campo da Mediação de Seguros.
2- O Mediador Ligado compromete-se a proceder à comercialização dos produtos da Seguradora, no âmbito dos Ramos para os quais se encontre autorizado a exercer a actividade de mediação.
(…)

(Remuneração)
A Seguradora atribuirá ao Mediador Ligado, pelos seus serviços, as verbas previstas nas Tabelas constantes dos Protocolos Anexos a este contrato, que dele fazem parte integrante e que apenas poderão ser alteradas por acordo escrito entre as Partes.
(…)”
(cfr. documento a fls. 31 a 33 dos autos);
4-Em 2014, a Impugnante foi objeto de ação inspetiva interna, de âmbito parcial, com referência ao exercício de 2012, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201400250, pela Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes (cfr. RIT a fls. 36 a 79 dos autos);
5-Em 10-12-2014, foi elaborado Relatório de Inspeção Tributária relativo à inspeção mencionada no ponto antecedente, no qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)

[IMAGEM]

6-Em 10-12-2014, foram emitidos os atos de liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 6430001183, no montante de 225.453,61 EUR, e de juros compensatórios, no montante de 21.474,85 EUR (cfr. documento a fls. 81 dos autos);
7-Em 05-01-2015, a Impugnante pagou os montantes de imposto e juros compensatórios apurados nas liquidações mencionadas no ponto antecedente (cfr. documento a fls. 83 dos autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve os actos de liquidação de Imposto de Selo e juros compensatórios objecto do processo (cfr.nº.6 do probatório supra).
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em sinopse, que se verificam os pressupostos de aplicabilidade da isenção prevista no artº.7, nº.1, al.e), do Código do Imposto do Selo, pelo que as comissões fundamento da liquidação impugnada se encontram isentas de Imposto do Selo, sendo evidente o erro de julgamento de direito em que incorre a sentença recorrida. Que a redacção conferida ao artº.7, nº.7, do Código do Imposto do Selo, pela Lei 7-A/2016, de 30/03, não se aplica ao caso vertente, sob pena de violação do princípio da proibição da retroactividade fiscal plasmado no artº.103, nº.3, da C.R.P., bem como do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, que decorre do artº.2, do diploma fundamental (cfr.conclusões 3 a 30 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O Imposto do Selo foi introduzido no sistema tributário português moderno pelo dec.lei 12700, de 20/11/1926, o qual aprovou o respectivo Regulamento, sendo a Tabela Geral do Imposto de Selo aprovada pelo decreto 21916, de 28/11/1932, ambos os diplomas tendo sofrido muitas alterações posteriores. Este tributo podia definir-se como um imposto que incide sobre a formalização de actos jurídicos ou sobre outras situações tributárias, qualquer que seja a forma do respectivo pagamento. Sendo, em regra, um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, podia configurar-se, em certos casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. O Prof. Teixeira Ribeiro defendia que este imposto constituía uma amálgama de tributação directa e indirecta. O mesmo incidia, nos termos do artº.1, do respectivo Regulamento, sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos especificados na Tabela Geral do Imposto de Selo. Por último, refira-se que em muitos casos, o imposto de selo se configurava, conforme mencionado, como uma verdadeira taxa, como era o caso do selo devido pela emissão de certidões ou pela prática de actos notariais e registrais (cfr.Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.272 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Livraria Almedina, 1996, pág.595 e seg.).
Com a Lei 150/99, de 11/09, o Imposto de Selo mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro tributo incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza. Nalguns casos incide sobre a despesa, noutros sobre o rendimento, e noutros ainda sobre o património, situação que, inevitavelmente, introduz um elemento perturbador da coerência do imposto e, por isso, um desafio acrescido para o intérprete. Na sua actual modelação, o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abarcadas pelas regras de incidência de quaisquer outros tributos, assim tendendo a assumir uma função residual (cfr.José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.447 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.615 e seg.; J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo, Anotados e Comentados, 1ª. Edição, Engifisco, 2005, pág.534).
Na vertente de imposto incidente sobre a despesa, as operações financeiras e de garantia constituem uma das áreas mais importantes em sede de regime do Imposto de Selo, desde logo, pela complexidade técnica que apresentam (cfr.Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, Imposto do Selo, Operações Financeiras e de Garantia, Almedina, 2020, pág.13).
"In casu", atento o probatório supra (cfr.nºs.5 e 6 da matéria de facto supra), se dirá que as liquidações objecto do presente processo se fundamentaram em correcções meramente aritméticas à matéria colectável declarada pela sociedade impugnante e ora recorrente, do ano fiscal de 2012 e da cédula de Imposto de Selo, sendo relativas a comissões de mediação de seguros do ramo não vida e determinando a emissão de liquidação adicional de I.Selo (€ 225.453,61) e de liquidações de juros compensatórios, perfazendo o total a pagar de € 246.928,46, resultante da aplicação da taxa de 2%, prevista na verba 22.2, da Tabela Geral do Imposto do Selo ("TGIS"), à identificada base tributável de comissões de mediação de seguros do ramo não vida cobradas pelo "Banco 1..., S.A." (€ 11.498.134,70 - cfr.relatório da inspecção tributária identificado no nº.5 do probatório supra e anexo 6 ao mesmo constante do processo administrativo apenso).
O Tribunal "a quo" decidiu que a liquidação de Imposto de Selo que constitui o objecto do presente processo foi estruturada de acordo com a lei, dado que a mesma se enquadra na previsão da citada verba 22.2, da TGIS, visto constituir uma "comissão cobrada pela actividade de mediação de seguros do ramo não vida", assim estando sujeita a I.Selo.
Por sua vez, a sociedade recorrente defende que se verificam os pressupostos de aplicabilidade da isenção prevista no artº.7, nº.1, al.e), do Código do Imposto do Selo, pelo que as comissões fundamento da liquidação impugnada se encontram isentas de Imposto do Selo, sendo evidente o erro de julgamento de direito em que incorre a sentença recorrida.
Vejamos quem tem razão.
Antes de mais, relembre-se que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
A questão fundamental a decidir é a de saber se a isenção prevista no artº.7, nº.1, al.e), do C.I.S., incluía na sua previsão, ao tempo, as comissões cobradas a instituições de seguros por entidades bancárias no exercício da actividade de mediação de seguros.
As identificadas comissões estão sujeitas a tributação ao abrigo da verba 22.2, da T.G.I.S., de acordo com a doutrina (cfr.J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, ob.cit., pág.755 e seg., em anotação à verba 22 da T.G.I.S.; António Santos Rocha e Outro, ob.cit., pág.831, em anotação à verba 22 da T.G.I.S.; Carlos Gomes Sebastião, O Imposto de Selo e as comissões de mediação de seguros cobradas por Instituições de Crédito, in Bússola Fiscal 1, Editora Encontro da Escrita, 2014, Coordenação de Luís Filipe Viana e Luís Pedro Ramos, pág.87 e seg.).
Também este Supremo Tribunal já se pronunciou quanto a esta questão, por diversas vezes e sempre no mesmo sentido: o de que as comissões cobradas pelos Bancos no exercício da actividade de mediação de seguros não se encontravam abrangidas pela isenção a que alude a citada al.e), do nº.1, do artº.7, do C.I.S., na redacção então em vigor, anterior à Lei 7-A/2016, de 30/03, antes estando sujeitas a tributação ao abrigo da verba 22.2 da T.G.I.S. (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/06/2016, rec.770/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/11/2016, rec.976/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/01/2017, rec.835/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/04/2017, rec.1391/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2021, rec.1789/16.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/03/2022, rec.1192/14.7BELRS).
Sendo esta jurisprudência reiterada e uniforme, e devendo o julgador levar em conta todo este labor jurisprudencial em todos os casos que mereçam tratamento análogo, neles reflectindo a obtenção de uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artº.8, nº.3, do C. Civil), pelo que, igualmente aqui se defende em sede de exame do presente fundamento da apelação.
Apesar do acabado de exarar, defende o recorrente que a redacção conferida ao artº.7, nº.7, do C.I.S., pela Lei 7-A/2016, de 30/03, não se aplica ao caso vertente, sob pena de violação do princípio da proibição da retroactividade fiscal plasmado no artº.103, nº.3, da C.R.P., bem como do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, que decorre do artº.2, do diploma fundamental.
Antes de mais, se dirá que os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/05/2021, rec.2747/17.3BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2021, rec.732/19.0BEPRT; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
Recorde-se que em recente acórdão do Tribunal Constitucional (acórdão 751/2020, de 16/12/2020) foi decidido em plenário declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artº.154, da citada Lei 7-A/2016, de 30/03, na parte em que - ao atribuir carácter meramente interpretativo ao nº.7, do artº.7, do C.I.S., aditado pelo artº.152, da mesma Lei, e em conjugação com o artº.7, nº.1, al.e), do C.I.S. - determinou a aplicabilidade nos anos fiscais anteriores a 2016 da norma segundo a qual a isenção ali prevista não abrangia as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos, devido a violação do princípio da proibição da retroactividade fiscal plasmado no artº.103, nº.3, da C.R.P.
No entanto, a declaração de inconstitucionalidade acabada de identificar somente se reconduziu às situações examinadas no citado acórdão do T.Constitucional 751/2020, de 16/12/2020, ou seja, às de convocação do artº.7, nº.7, do C.I.S., para efeitos de tributação em imposto de selo das comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos em exercícios fiscais anteriores a 2016. Mais tendo o Tribunal Constitucional o cuidado de ressalvar que a questão se apresenta de modo "significativamente diferente" quando estejam em causa operações de seguro entre instituições de crédito e instituições financeiras como as seguradoras. Precisamente porque aquelas devem ser consideradas operações financeiras para os efeitos do C.I.S. e estas não.
O que significa que, ao contrário do que alega o recorrente, não foi notório nem inquestionável para o Tribunal Constitucional que o sentido interpretativo adoptado nos processos em que estava em causa a actividade de mediação e seguros correspondesse a um entendimento que o legislador só tivesse perfilhado mais tarde. E que, por isso, pudesse estar em causa, também neste caso, a violação da proibição da criação de impostos com natureza retroactiva.
De resto, este Supremo Tribunal já concluiu, em acórdãos muito recentes, que a dimensão específica em causa nestes processos não está abrangida pela declaração de inconstitucionalidade identificada supra (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/02/2022, rec. 1789/16.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/10/2022, rec.987/13.3BELRS), assim não se encontrando violado o mencionado princípio da proibição da retroactividade fiscal plasmado no artº.103, nº.3, da C.R.P.
Idênticos argumentos se devem utilizar quanto à alegada violação do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, que decorre do artº.2, da C.R.Portuguesa, a que haverá a acrescentar que o recorrente não densificou, no recurso que veio dirigido a este Supremo Tribunal, a defendida violação do dito princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica. Nem este Tribunal conseguiria, se o pretendesse fazer "ex officio", conhecer de tal vício uma vez que o mesmo não resulta imediatamente apreensível face aos argumentos utilizados.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente esteio do recurso.
O apelante dissente do julgado alegando, igualmente e em síntese, que a interpretação de que a isenção prevista no artº.7, nº.1, al.e), do C.I.S., não pode ser aplicável às instituições de crédito que tenham por objecto a actividade de mediação de seguros, encerra uma violação do principio da igualdade previsto no artº.13, da C.R.Portuguesa. Que não estando os mediadores convencionais e as instituições de crédito que celebram operações de intermediação ou mediação de seguros na mesma situação, é justificada a diferença de tratamento em sede de tributação de Imposto do Selo, sob pena de violação do dito princípio da igualdade tributária (cfr.conclusões 31 a 38 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no citado artº.13, da C.R.Portuguesa. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2, do diploma fundamental.
As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.336 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.I, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2017, pág.164 e seg.; ac.Tribunal Constitucional 232/2003, de 13/05/2003; ac.Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/02/2010).
Revertendo ao caso concreto, desde logo, se dirá que, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/06/2021, rec.2796/12.8BELRS; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.).
Apesar do acabado de aludir, pretende o recorrente, em apoio da sua tese sobre a isenção das comissões cobradas, concluir que o diferente enquadramento legal das mesmas em sede de imposto de selo viola o princípio da igualdade (em contraposição, pensamos nós, ao defendido pela Fazenda Pública na contestação apresentada em 1ª. Instância), mas este Tribunal não alcança, nem o apelante esclarece, em que termos é que esse princípio é beliscado pela tributação de todas as comissões cobradas pela actividade de mediação de seguros ao abrigo da verba 22.2, da TGIS, tudo conforme supra já se deixou exarado. Tal como não se alcança em que termos o tributo possa originar um efeito discriminatório relevante face à lei, em resultado das eventuais diferentes posições no mercado dos agentes económicos envolvidos na actividade de mediação de seguros.
Sem mais, nega-se provimento ao presente esteio do recurso.
Por último, aduz o recorrente que não são identificados os pressupostos que justifiquem a eleição da verba 22.2, da TGIS, como norma de incidência, o que gera uma situação de dúvida sobre a existência de facto tributário e constitui fundamento para a anulação da liquidação nos termos do artº.100, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 39 e 40 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um derradeiro erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
O artº.100, nº.1, do C.P.P.T., constitui uma afloração do princípio "in dubio contra fiscum", vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio "in dubio pro reo" no que respeita à apreciação da prova em processo penal. Tal princípio leva a que o interesse substancial da justiça domine o actual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.158; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª. edição, 1996, pág.133 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.267; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/11/95, rec.19247, Apêndice ao D.R., 14/11/97, pág.2800 e seg.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 13/12/95, B.M.J. 452, pág.315 e seg.).
Este princípio consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial do cânone geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artº.74, nº.1, da L.G.T., em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Cânone este também aplicável ao processo judicial tributário.
Saber se, perante a prova produzida, há dúvidas sobre a existência ou quantificação de um facto tributário é uma questão essencialmente de facto. Assim, se o Tribunal decidiu dar como provada a existência ou inexistência de um facto tributário não haverá lugar à aplicação desta norma. Só em situações em que não houver a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se aplicação desta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus, matéria que não é da competência dos tribunais de revista como o S.T.A. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 8/10/2003, rec.453/03; ac.S.T.A-2ª.Secção, 14/01/2004, rec.1480/03; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/02/2009, rec.873/08; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.133 e seg.).
No caso concreto, o apelante o que questiona é o enquadramento jurídico do facto tributário e designadamente as diferentes interpretações das normas jurídicas, ou seja, a qualificação do facto tributário, e não a existência ou quantificação do facto tributário derivada da realização das operações de mediação de seguros. Ora, a qualificação do facto tributário não tem enquadramento na norma constante do artº.100, nº.1, do C.P.P.T., assim não podendo fazer operar o citado princípio "in dubio contra fiscum" (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 8/10/2003, rec.453/03; Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., II volume, pág.135 e seg.).
Com estes pressupostos, improcede, igualmente, este fundamento do recurso.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas nesta instância de recurso (cfr.artº.527, do C.P.Civil).
X
Registe.
Notifique.

Lisboa, 8 de Março de 2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.