Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0337/22.8BEVIS
Data do Acordão:03/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30709
Nº do Documento:SA2202303080337/22
Data de Entrada:02/13/2023
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


“A..., Lda.”, recorrente nos autos de processo à margem referenciados tendo sido notificada do Acórdão, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, e com o mesmo não se conformando vem, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 285º e ss. do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante CPPT), interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

Alegou, tendo concluído:
1. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que não concedeu provimento ao recurso interposto pela ora recorrente, em resultado de sentença que julgou improcedente a intimação convolada, porém, não pode, a ora recorrente, conformar-se com os termos de tal decisão, porquanto, face aos factos e ao direito aplicável, deveria a pretensão da ora recorrente ter sido julgada procedente, por provada, pelo que, como infra se demonstrará, deve o presente recurso proceder totalmente, tudo com as demais consequências legais daí decorrentes.
2. De acordo com o previsto no art.º 285º do CPPT e, em conformidade com a jurisprudência desse Supremo Tribunal, estamos perante uma questão jurídica de especial complexidade, quando a sua solução envolve a aplicação e ligação a diversos regimes legais e institutos jurídicos e, igualmente, na circunstância de o seu tratamento ter suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
3. Sendo que, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental, quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando tenha repercussão de grande impacto na comunidade.
4. O caso em apreço, configura uma “facti species” que, como se demonstrará, constitui uma manifesta violação das garantias dos contribuintes, pois verifica-se de forma clara que, não obstante as várias solicitações efetuadas por parte da ora recorrente, a notificação dos documentos por ela requerida, nunca lhe foi efetuada pela AT, eximindo-se a mesma, assim, do dever legal e constitucionalmente estabelecido que sobre si impende de informação e colaboração para com os particulares, bem como da notificação ao contribuinte dos autos por si praticados que produzem efeitos na sua esfera jurídica.
5. Finalmente, em relação ao pressuposto da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, tem-se entendido que este se justifica quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias, de forma pouco consistente ou contraditória, o que no entendimento do ora recorrente em manifesto ter ocorrido nos presentes autos, pelo que só com a intervenção do STA, e com a admissão do presente recurso, estarão reunidas as condições necessárias para se dissiparem dúvidas sobre o quadro legal que regula a situação em causa, e assim lograr uma melhor aplicação do Direito, razão pela qual, e atento o supra exposto, o presente recurso preenche os pressupostos contidos no nº 1 do art.º 285º do CPTT, devendo, em consequência, ser admitido.
6. A ora recorrente dá por integralmente reproduzido o por si aduzido em sede de petição inicial, bem como, em sede recursória.
7. Com efeito, no âmbito dos presentes autos, a ora recorrente apresentou reclamação, nos termos e ao abrigo do art.º 276º e ss. do CPPT, contra o Ofício n.º 979, de 16/05/2022, relativo a um pedido de reembolso DP 112007909020 – Período 2012/06T, tendo a mesma, após sentença datada de 02/08/2022, ter sido convolada em ação para prestação de informações e passagem de certidão, a qual, posteriormente, veio a ser julgada improcedente.
8. Atenta a correspondência trocada entre recorrente e recorrida, facilmente se extrai dos autos que, nunca a ora recorrente havia sido notificada dos elementos agora requeridos, sendo-lhe imposto o pagamento de uma quantia, por um direito que se encontra constitucionalmente plasmado, nos n.ºs 1 e 2 do art.º 268º da Constituição da República Portuguesa.
9. Tanto mais que, nem sequer existe prova nos autos do seu efetivo recebimento, pelo que, carece, em absoluto, de sentido, que a contribuinte tenha de pagar por informação que lhe diz diretamente respeito e relativamente à qual nunca lhe foi notificada.
10. Sendo certo que, os requerimentos apresentados após a primeira informação prestada pela AT foram-no ao abrigo do n.º 1, do art.º 37º do CPPT, com os efeitos previsto no seu n.º 2, pelo que, insurge-se a ora recorrente contra o facto de não ter sido notificada da decisão sobre o pedido de reembolso por si apresentado, nem antes, nem agora, porquanto, tal como alegado em sede de reclamação nunca foi notificada daquele, pese embora seja um direito seu, ser notificada das decisões que lhe digam diretamente respeito, como, aliás, consagra irrefragavelmente o art.º 56º da LGT.
11. As notificações em matéria tributária têm natureza recepticia, só se considerando validamente efetuadas quando contiverem os elementos previstos no n.º 2, do art.º 36º do CPPT, podendo, assim, produzir efeitos na esfera jurídica do contribuinte, sendo que está na disponibilidade do sujeito passivo, requerer ao abrigo do artigo 37° do CPPT, os elementos que necessitava, tendo, para esse efeito, formulado, em vão, diversos requerimentos subsequentes com o objetivo de ser notificado da decisão proferida no âmbito do pedido de reembolso apresentado perante a AT, o que, nunca aconteceu.
12. E, para além de não procederam ao envio dos documentos solicitados, como legalmente a ora recorrente tem direito, imputaram a tal prestação de informações do requerente o pagamento prévio de emolumentos para obter uma certidão de algo que nunca lhe fora anteriormente notificado o que, de per si, radica na violação do princípio da colaboração e da informação a que a AT se encontra vinculada.
13. Para que os atos em matéria tributária que afetem direitos e interesses legítimos dos contribuintes, possam ter efeitos na esfera jurídica dos contribuintes é necessária a sua notificação, legalmente efetuada, tal como prevê o artigo 36.º do CPPT, sendo que, para garantir a tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses dos contribuintes, o legislador português instituiu um conjunto de princípios fundamentais e meios de defesa nas diversas fases do procedimento e processo tributário.
14. De entre os vários princípios fundamentais em matéria tributária destacam-se o princípio da legalidade, o princípio da colaboração, o princípio da participação, o dever de decisão, o acesso à justiça tributária. Em matéria de defesa dos direitos subjetivos, foram consagrados, nomeadamente, o direito à informação, o direito à fundamentação e notificação.
15. A recusa da notificação por parte do SF dos elementos diversas vezes requeridos pelo contribuinte é reveladora de uma manifesta falta de colaboração entre a Administração Fiscal e a ora recorrente.
16. Desde já, se adianta, que a ora recorrente não teria de pagar algo que nunca lhe fora notificado, pelo que, sempre se impunha à Administração Tributária o envio dos documentos solicitados, nesta senda, e como, aliás, supra se deixou referido, "Os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíprocos" (art. 59.°, n.º 1 da LGT), presumindo-se sempre a boa fé das suas atuações (idem, n.° 2).
17. Tal dever de colaboração implica, por parte da administração tributária, o dever de esclarecer "os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros atos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem" (art. 48.°, n.° 1 do CPPT e art. 59.°, n.° 3 da LGT), e, por parte do contribuinte, o dever de cooperar " de boa-fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso" (art. 48.°, n.° 2 do CPPT), nomeadamente mediante "o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros" (art. 59.°, n.° 4 da LGT).
18. Acresce igualmente que o pedido de colaboração diz respeito a ambas as partes, devendo ser respeitada a igualdade processual entre as partes o que, manifestamente, não logrou ocorrer no caso vertente; ilegalidade essa que, desde já, se deixa invocada para todos os devidos e legais efeitos.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exªs doutamente suprirão, deverá o presente recurso de revista ser admitido e julgado como procedente, atentos os fundamentos aduzidos, com as demais consequências legais.

Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 - Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

A questão resolvida no acórdão recorrido consubstanciou-se na admissibilidade ou não, face às concretas circunstâncias do caso, saber se a recorrente poderia lançar mão da faculdade prevista no artigo 37º, n.º 2 do CPPT para ter acesso a documentos com mais de 10 anos e que ao tempo lhe foram devidamente notificados.
Concluiu-se que não, precisamente face aos contornos fácticos que servem de desenho à situação concreta.
Assim, e não se detectando um erro manifesto e evidente na decisão recorrida, não se trata de questão que se possa qualificar como de importância fundamental, tal como legalmente previsto.
Não pode, pois, este recurso ser admitido.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em não admitir o presente recurso de revista.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 8 de março de 2023. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.