Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01053/23.9BEPRT |
Data do Acordão: | 04/04/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | PEDRO MACHETE |
Descritores: | CONTRATAÇÃO PÚBLICA CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL CAUSAS DE EXCLUSÃO CONCORRÊNCIA INDÍCIOS SÉRIOS PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ACTO DE ADJUDICAÇÃO |
Sumário: | I - As entidades jurídicas especialmente relacionadas entre si, mesmo que constituam uma única empresa para efeitos do regime jurídico da concorrência, não estão impedidas de apresentar propostas no âmbito de procedimentos pré-contratuais. II - Contudo, caso a atuação dessas entidades no procedimento ou a análise das propostas que tenham apresentado justifiquem suspeitas quanto à existência de interações relativas à respetiva participação, devem as entidades adjudicantes (ou os júris do procedimento), com base no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP e prevenindo o risco de concertação ou coordenação das propostas e do consequente falseamento da concorrência no procedimento em causa por via da criação de vantagens relativamente aos demais concorrentes: (i) avaliar, na sequência de audição dos visado, se existem fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações referentes a uma influência concreta da relação especial entre esses concorrentes no conteúdo das propostas que apresentaram; e (ii) em caso afirmativo, excluir tais propostas. III - Assim, os referidos indícios de que as propostas de concorrentes especialmente relacionados entre si não foram elaboradas com total autonomia e independência, mesmo que as interações em causa não possam corresponder a práticas proibidas pelo regime jurídico da concorrência nem respeitem a aspetos do contrato submetidos à concorrência, são condição suficiente para que tais propostas não devam ser consideradas pela entidade adjudicante, uma vez que a distorção da concorrência que o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, visa prevenir é justamente a de alguns concorrentes coordenarem ou concertarem as respetivas propostas de modo a aumentarem as possibilidades de adjudicação, em prejuízo dos demais e da própria entidade adjudicante. IV - Para efeito das suspeitas iniciais e da avaliação dos referidos indícios, serão de considerar, entre outros, os sinais de alerta referidos na “Comunicação sobre ferramentas para lutar contra a colusão na contratação pública e sobre orientações relativas à forma de aplicar o respetivo motivo de exclusão” (2021/C 91/01). V - A avaliação dos “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência”, remete para uma prova objetiva, real, concordante e circunstanciada, mas que não tem de ser feita através de prova direta, firme e irrefutável, pois pode basear-se num conjunto de elementos factuais a partir dos quais se retirem factos presumidos, competindo ao júri do procedimento e à entidade adjudicante também apenas comprovar a existência daqueles “fortes indícios” e não a prática efetiva de uma conduta anticoncorrencial. VI - A avaliação feita pelo júri do procedimento ou entidade adjudicante quanto aos “fortes indícios” pode ser infirmada pelo tribunal em caso de erro manifesto. VII - Anulada judicialmente a adjudicação feita ao concorrente cuja proposta foi ordenada em primeiro lugar, e não podendo a mesma ser considerada em virtude da existência de fortes indícios de ter sido coordenada com outra falseando a concorrência no procedimento, a adjudicação, enquanto ato legalmente devido, tem de ser feita à proposta ordenada em segundo lugar, uma vez que a possibilidade de não adjudicação ficou precludida pela anterior decisão de adjudicar e, por conseguinte, só desse modo se pode reconstituir a situação que existiria no caso de não ter sido cometida a ilegalidade de não excluir as propostas não autónomas nem independentes. |
Nº Convencional: | JSTA000P32069 |
Nº do Documento: | SA12024040401053/23 |
Recorrente: | MUNICÍPIO DO PORTO E OUTROS |
Recorrido 1: | A..., S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |