Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02208/13.0BEPRT
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Sumário:I - Das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando respeitem a matéria exclusivamente de Direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
II - A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
II - O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação.
Nº Convencional:JSTA000P27603
Nº do Documento:SA22021042802208/13
Data de Entrada:11/19/2019
Recorrente:A........................
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A……………….., melhor identificada nos autos vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 04 de julho de 2019, a qual julgou improcedente a impugnação por ele deduzida contra o ato de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2009 4001987959, no valor de 62.939,60 € e liquidação de juros compensatórios no valor de 2.338,24 €, referentes ao exercício de 2007.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. Como resulta dos presentes autos, o ora Recorrente solicitou junto do Tribunal a quo a anulação da liquidação oficiosa efetuada em sede de IRS para o ano de 2007, com os seguintes fundamentos, não ter recebido os valores que servem de base ao apuramento do imposto; do vício de violação de lei, no que respeita à substituição tributária.
B. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) por liquidação oficiosa de IRS identificada com o n.º 2009 4001987959 peticiona o pagamento € 62.939,60 (sessenta e dois mil novecentos e trinta e nove euros e sessenta cêntimos) a título de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativos ao ano de 2007, alegadamente devidos e não pagos, montante esse acrescido de juros compensatórios no valor de € 2.338,24 (dois mil trezentos e trinta e oito mil e vinte e quatro cêntimos), peticionados no âmbito da liquidação oficiosa identificada com o n.º 2009 82072622.
C. Entende o Recorrente estar perante uma errónea qualificação e quantificação do facto tributário, pois que, o Tribunal a quo não valorou – nem tão pouco terá equacionado - a prova documental junta aos autos com a petição inicial, mormente os documentos identificados como doc. 5 a 13 que, per si, são bastantes para se concluir que o rendimento auferido pelo Recorrente não corresponde ao constante da liquidação em crise e objeto da presente liquidação.
D. Resulta dos documentos juntos a fls. que, em 22 de junho de 2006, o Recorrente celebrou com o Boavista Futebol Clube SAD um contrato de trabalho desportivo por várias épocas (v. doc.5 da p.i.), sendo que, no mesmo dia o Recorrente e o Boavista assinaram um aditamento ao mencionado contrato de trabalho desportivo, fazendo-o apenas na língua inglesa, onde se explicitava e estendiam algumas obrigações contratuais estabelecidas no acordo principal (v. doc. 6 da p.i.)
E. Do clausulado conjugado desses dois documentos (em especial, a "Cláusula Quarta" do Aditamento) resulta que o Boavista obrigava-se a pagar ao Recorrente a quantia líquida de 25.000,00 euros por mês, acrescido do prémio de assinatura no valor líquido de € 80.000,00 em duas prestações.
F. Ficava ainda a cargo do Boavista o pagamento de todos os montantes necessários à liquidação total do imposto (e não apenas das retenções!), bem assim, o pagamento de outras obrigações alheias ao caso subjudice.
G. No que se refere ao ano de 2007, tendo o Boavista e o Recorrente mantido o contrato em vigor pelo período exato de 7 meses (1/1/2007 a 31/07/2007), o Boavista teria de ter processado os seguintes vencimentos:

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]



[segue imagem, aqui dada por reproduzida]


H. Teriam de ser estes os valores que o Recorrente tinha de receber, e teriam de ser estes os valores que a entidade pagadora deveria incluir na declaração Modelo 10 e que deveria ter remetido ao Serviço competente.
I. Com efeito, resulta que o Boavista tinha a obrigação de entregar mensalmente ao Estado Português, a título de retenção na fonte, pelo menos o equivalente a 32,5% dos valores brutos devidos ao Recorrente, correspondente à quantia de € 98.060,35. e, no caso do prémio de assinatura atrasado a quantia de € 22.413,79, totalizando, assim, o montante de € 120.474,13 a título de retenções, o que não fez.
J. Apenas entregou ao Estado a quantia de € 73.270,00, e, não obstante ter mencionado que pagou ao Recorrente a quantia de €295.231,00, o que efetivamente não sucedeu, e aplicou erradamente uma taxa de 24,82% para calcular as retenções que entregou ao Estado, quando a obrigação de retenção ascendia, no mínimo, a 32,5%.
K. O Recorrente não recebeu tais quantias por parte do Boavista, nem o Boavista comunicou às Autoridades Fiscais os aludidos processamentos, ou seja, o Boavista não poderia ter comunicado à AT que o valor ilíquido do salário pago ao Impugnante ascendeu a 295.230,75, nem tão pouco poderia ter processado retenções na fonte à taxa de 24,82%, pois que a aludida taxa não tem acolhimento legal in casu.

L. Não obstante a obviedade dos factos supra e, bem assim, a evidência espelhada pela prova documental carreada para os autos, entendeu o tribunal a quo, concluir que o Recorrente não logrou fazer prova de que não havia recebido as quantias comunicadas pelo Boavista FC.
M. Sustentando para o efeito que: (…) “não foram apresentados documentos de quitação daquele a quem a prestações é feita, conforme previsto no art.º 787.º n.º 1 do Código Civil, nem, são sequer juntos extractos bancários ou outros elementos que constituam prova bastante de que o impugnante recebeu uma quantia inferior aquela que a entidade empregadora declarou ter pago(…)”.
N. Não pode tal alegação merecer acolhimento por parte Tribunal ad quem, pois que – recorde-se - foram juntos aos autos outros elementos que, apreciados, facilmente se concluiria pela concretização da prova a que o tribunal a quo alude, nomeadamente, que o Impugnante, aqui Recorrente, recebeu quantia inferior aquela que a entidade empregadora declarou ter pago.
O. A este propósito, vejamos pois que, para além de ter o Impugnante alegado que efetivamente recebeu uma quantia inferior aquela que a entidade empregadora declarou ter pago, procedeu à junção aos autos de documento datado de 17 de agosto de 2007, nos termos do qual o Boavista se confessava devedor ao Recorrente da quantia ilíquida de € 26.652,00,
P. Sendo que, à referida quantia foi deduzida a retenção na fonte à razão de 32,5%, ao que correspondia o valor líquido de € 18.000,00 (v. doc.7 da p.i.), quantia essa que o Recorrente nunca chegou a receber, e cuja ação judicial corre os seus termos no Tribunal de Trabalho do Porto com o n.º 1000/08.8TTPRT, 3ª secção (v. doc. 8 da p.i.), situação que se mantém até aos dias de hoje.
Q. Os factos supra expostos, teriam, sem mais, que determinar diferente decisão, i.e., a procedência da impugnação apresentada, o que urge nesta sede reparar.
R. O facto de estar pendente ação executiva contra o Boavista FC, a qual tem como título o acordo de revogação onde se fixou o valor não pago ao Recorrente, é, per si, bem demonstrativo do não recebimento da alegada quantia, o que, desde logo, coloca em causa o valor apurado pela Autoridade Tributária.
S. Para além de não ter recebido aquela quantia, por facto imputável ao Boavista – como acima se explana - certo é que, de igual forma, o Recorrente também não auferiu os valores líquidos comunicados por ambos clubes.
T. O Recorrente nunca recebeu por parte do Boavista a quantia ilíquida de 295.231,00 €, valor que consta do relatório inspetivo e que serviu de base para o cálculo ou apuramento do alegado imposto a liquidar resultante da liquidação oficiosa, o Recorrente comprovadamente recebeu a quantia ilíquida de € 291.851,87.
U. O mesmo se diga em relação ao Sporting Clube de Braga - SAD, com quem, em 17 de agosto de 2007, o Impugnante celebrou contrato de trabalho desportivo e um documento complementar (v. Docs. 9 e 10 junto p.i).
V. Assim, de acordo com o estabelecido contratualmente, entre 17 de agosto de 2007 e 31 de dezembro de 2007 auferiu dessa entidade um rendimento total ilíquido € 221.387,00 e líquido de € 149.436,00.
W. Assim, tal como havia sido acordado com o Boavista, o Recorrente acordou com o Braga que o seu salário seria líquido de impostos e outras deduções, e não apenas de retenções (v. doc. 10 e 11 juntos com a pi), o Braga apenas entregou ao Estado Português a título de retenção na fonte, o montante de € 71.951,00, correspondente a 32,5% do valor ilíquido processado.
X. Não tendo o Braga, dado cumprimento à obrigação de retenção nos termos em que acordara por via do contrato que celebrou com o Recorrente,
Y. Era pois sobre o pagador que recaía a responsabilidade tributária, sendo que, em vez dos 32,5% que, no mínimo, deveria entregar, era 40% do valor que efetivamente deveria ter entregue, o que não fez,
Z. Pelo que, tendo a Administração Tributária efetuado o cálculo de apuramento do imposto com base na informação constante nas declarações (Modelo 10 / Anexo J), e mencionadas no relatório, torna-se, pois, evidente que, o apuramento do imposto efetuado está ferido de erro na quantificação dos rendimentos.
AA. Neste sentido, resulta que o montante de imposto liquidado oficiosamente é claramente superior ao montante de imposto devido, motivo pelo qual, não poderia o tribunal a quo concluir nos termos em que o fez, o que se requer a esse Venerando Tribunal se digne reparar.
BB. Sustenta a decisão a quo que a substituição tributária verifica-se, por imposição da lei, e nos termos do previsto no n.º 1 do art.º 99.º do CIRS tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, não sendo válidos em termos fiscais, quaisquer acordos de substituição tributária.
CC. No entanto, constatamos que, e indo ao encontro do alegado supra, não tendo as entidades em causa procedido às retenções de 40% contratualmente fixadas, não poderá ser imputado ao Recorrente o pagamento de quaisquer juros compensatórios,
DD. Pois que, nos termos do previsto nos arts. 20.º, 28.º e 35.º da LGT e 21.º e 91.º do CIRS, se a entidade obrigada a reter e a entregar nos Cofres do Estado o IRS incidente sobre rendimentos do trabalho (substituto) não fez essa retenção, apenas responde diretamente pelos juros compensatórios resultantes desse incumprimento; valor esse que, ao arrepio do que havia sido contratualizado pelas partes, não foi, como deveria ter sido suportado pelos respetivos clubes,
EE. Por força da cláusula de substituição tributária constante nos respetivos contratos, e admissível legalmente, por força dos artigos 18.º e 28.º da LGT - Artigo 7.º, n.º 2 do D.L. 42/91 de 22 de janeiro.
FF. Ademais, e contrariamente ao sufragado na decisão em crise, a substituição tributária encontra-se igualmente prevista nos artigos 21.º e 103.º ambos do CIRS.
GG. Assim, o eventual imposto a pagar, conforme erradamente liquidou a Administração fiscal - prejudicando seriamente o Recorrente - seria sempre da responsabilidade dos clubes e não do Recorrente.
HH. Por conseguinte, a decisão proferida quanto a esta questão deveria ter sido outra, nomeadamente, a procedência da impugnação objeto dos presentes autos, no que respeita à liquidação de juros compensatórios n.º 2009 82072622.
II. Atento tudo quanto resulta exposto, mal andou o Tribunal a quo ao concluir nos exatos termos em que o fez, sendo certo que analisada e ponderada a prova carreada para os presentes autos e, bem assim, atendendo-se aos esclarecimentos fatuais que supra se reiteram.
JJ. Assim, decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida, fez uma valoração errónea da prova carreada para os autos, e bem assim como um erro na interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço.


I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.

I.3 – Parecer do Ministério Público
Neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
«I. Objecto do recurso.
O presente recurso vem interposto da sentença do TAF do Porto, que julgou improcedente a ação intentada contra o ato de liquidação oficiosa de IRS relativo ao ano de 2007, no valor de € 65.277,84 euros e que compreende imposto e juros compensatórios (€ 62.939,60 + 2.338,24).
Considera o Recorrente que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, por errónea quantificação e qualificação do facto tributário.
Para tanto alega que os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo e aqui Recorrente são inferiores aos considerados pela Administração Tributária, pois as entidades desportivas empregadoras não lhe pagaram os montantes constantes das declarações comunicadas à ATA e que serviram de base às correções que deram origem à liquidação impugnada.
Mais alega que os montantes dos salários contratados não correspondem aos valores comunicados por essas entidades à Administração Tributaria, conforme documentação que juntou aos autos, elementos probatórios que no seu entendimento não foram devidamente valorados pelo tribunal “a quo”.
II. QUESTÃO PRÉVIA: Exceção de incompetência hierárquica.
Nos termos do artigo 282º, nº1, do CPPT, das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância é admissível recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que o mesmo é admissível para a secção de contencioso tributário do STA. Resulta assim da lei e designadamente do disposto igualmente no artigo 26º, alínea b) do ETAF, que a competência do STA se circunscreve aos recursos que tenham exclusivamente por fundamento matéria de direito.
Como se deixou exarado no acórdão do STA de 11/05/2011, tirado no recurso nº 0324/11, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas conclusões do respectivo recurso se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (v., entre outros, os acórdãos do STA de 16/12/2009 e de 21/04/2010, proferidos nos recursos n.ºs 738/09 e 189/10, respectivamente).
No caso concreto dos autos pese embora o Recorrente suscite questão no âmbito da substituição tributária (art. 28º da LGT) para concluir pela responsabilidade das entidades empregadoras pela falta de retenção na fonte, certo é que no essencial questiona a matéria de facto fixada na sentença recorrida, uma vez que nas alíneas G), L), O), T), U) e V) alega terem sido contratados e pagos montantes diversos daqueles que foram comunicados pela entidades empregadoras ao Fisco.
Ora, não só o tribunal “a quo” não levou ao probatório quaisquer desses factos1, como de forma tabelar concluiu que “inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa”.
Assim sendo é manifesto que a Recorrente não só questiona a interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto que foram feitas na sentença recorrida, como questiona a própria matéria de facto dada como assente, uma vez que contesta os montantes dos rendimentos tidos em consideração na liquidação oficiosa.
Afigura-se-nos, assim, que o S.T.A. é incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, sendo competente para o efeito o TCA Norte, para o qual a recorrente poderá requerer a remessa do processo, nos termos do estatuído no artigo 18.°, nº 2, do CPPT.
Em face do exposto, entendemos que deve ser julgada verificada a excepção de incompetência deste STA, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, e ser fixada a competência para a sua apreciação no TCA Norte.»

I.5 - Por despacho do Exmº Relator a fls. 513 do SITAF foram as partes notificadas da questão suscitada pelo MP no seu parecer, quanto à incompetência do STA para o conhecimento do recurso em razão da hierarquia, sobre mesmo veio o recorrente requerer a remessa do processo, ao Tribunal Central Administrativo do Norte, por ser competente para conhecer do recurso.

I.6 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 436 e seguintes do SITAF:
1. Em 06-11-2006 o aqui Impugnante foi inscrito para efeitos de atribuição do número de identificação fiscal com o NIF nº …………., na qualidade de residente em Portugal, na Rua …………., nº …., …. …., no Porto – cfr fls 111 do PA apenso relativo ao pedido de revisão oficiosa;
2. Na declaração de pagamento de rendimentos Mod. 10 , do ano de 2007, da entidade NIPC 504 205 498 – Sporting Clube de Braga SAD, foi comunicado à Administração Tributária, o pagamento de rendimentos da categoria A do IRS (trabalho por conta de outrem), no valor de € 221.386,72, sobre o qual incidiu a retenção na fonte de IRS de € 71.950,68, bem como os descontos para a segurança social no valor de € 4.236,04- – cfr fls 111 do PA apenso relativo ao pedido de revisão oficiosa;
3. A declaração de pagamentos de rendimentos Mod 10, do ano de 2007 da entidade NIPC 505 111 780 – Boavista Futebol Clube Futebol SAD, foi comunicado à Administração Tributária, o pagamento de rendimentos da Categoria A do IRS (trabalho por conta de outrem), no valor de €295.230,75, sobre o qual incidiu a retenção na fonte de IRS, de € 73.270,48 - cfr fls 111 do PA apenso relativo ao pedido de revisão oficiosa;
4. Em 31-12-2007 e, pelo menos, até 17-11-2009 o impugnante tinha domicílio fiscal na Rua ……………, nº …., 5º ….., no Porto - cfr. informação retirada do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, de fls. 83 a 92 dos autos;
5. Pela ordem de serviço nº OI 200901152, foi determinada a inspeção tributária do sujeito passivo, A……………., de âmbito parcial, em sede de IRS, ao exercício de 2007 - cfr. relatório de inspeção tributária (RIT) de fls. 22 a 25 do processo administrativo apenso (PA);
6. Em 06-01-2009 foi remetido ofício nº 587/0054 dirigido ao impugnante, por correio registado sob o nº RY474467564PT, o qual foi devolvido com a indicação “Mudou-se” - cfr. ofício, talão de aceitação dos CTT e envelope, de fls. 341 a 343 dos autos;
7. Em 02-03-2009 foi remetido ofício nº 15394/0054 dirigido ao impugnante, por correio registado sob o nº RY474467893PT, o qual foi devolvido com a indicação “Não Reclamado” - cfr. ofício, talão de aceitação dos CTT e envelope, de fls. 342 a 346 dos autos;
8. Em 20-03-2009 foi elaborado Relatório de Inspeção Tributária, no âmbito da ação de inspeção referida na alínea anterior, pelo qual foram propostas correções à matéria coletável, de natureza meramente aritmética, no montante de 516.618,00 €, com os fundamentos que se passam a transcrever, com interesse para a presente decisão – cfr. RIT, de fls. 22 a 25 do PA:
“(…)
Contrariando o disposto no art. 57º do Código do IRS, o contribuinte não apresentou a declaração de rendimentos mod. 3 de IRS para o ano 2007, não obstante ter auferido rendimentos provenientes de trabalho dependente (categoria A) que lhe foram pagos, como foi constatado através da consulta ao sistema informático da DGCI, conforme se passa a evidenciar:

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

Perante este facto foi o contribuinte notificado nos termos do nº 3 do art. 76º do Código do IRS, para, no prazo de 30 dias, efectuar a entrega da declaração de IRS para 2007, procedendo à indicação dos rendimentos referidos. A notificação, concretizada através do ofício registado nº 587/0504, de 2009.01.06, veio devolvida com a menção “Mudou-se”.
Consultado o sistema informático da DGCI, designadamente a “Visão do Contribuinte”, verifica-se que a notificação foi enviada para a morada constante no cadastro e que esta não foi alterada pelo que, nos termos do art. 39º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) se considera validamente notificado.
Assim, para o ano 2007, propõe-se a tributação do contribuinte em IRS, baseada nos rendimentos mencionados supra.
IV) INFRACÇÕES VERIFICADAS
A falta de entrega da declaração mod. 3 de IRS para o ano 2007, viola o disposto no art. 57º do Código do IRS, punível como crime de fraude fiscal, pelo art. 103º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, uma vez que a vantagem patrimonial ilegítima ultrapassa os € 15.000,00 (nº 2 do art. 103º do RGIT).
V) DIREITO DE AUDIÇÃO
Em cumprimento do disposto nos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT, foi expedida, através do ofício 15394/0504, de 2009/03/02, uma notificação, convocando o sujeito passivo inspeccionado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o projecto de relatório produzido no âmbito da acção em curso.
O ofício foi devolvido com a menção “Não Reclamado”. Consultada a “Visão do contribuinte” verifica-se não ter havido alteração de morada, pelo que, nos termos do art. 39º do CPPT, se considera validamente notificado. (…)”;
9. Em 25-03-2009 foi proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças do Porto, por subdelegação, despacho, aposto no RIT indicado no ponto antecedente, do seguinte teor:
“Concordo. Notifique-se o contribuinte.”
- cfr. RIT, de fls. 22 a 25 do PA;
10. Na sequência das correções efetuadas, em 22-05-2009 foram emitidas as liquidações de IRS nº 2009 4001987959, no valor de 62.939,60 € e liquidação de juros compensatórios nº 2009 820726, no valor de 2.338,24 €, referentes ao exercício de 2007, no montante global de 65.277,84 € - cfr. nota de cobrança a fls. 28 do PA;
11. Em 08-11-2012 o ora impugnante apresentou, via telecópia, pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo da liquidação de IRS de 2007, com os fundamentos constantes da petição inicial de fls. 1 a 14 do PA - cfr. petição indicada e “relatório de chamadas de fax” a fls. 79 do PA;
12. Em 06-05-2013 foi proferido pela Diretora de Serviços do IRS, no âmbito do pedido de revisão indicado no ponto antecedente, despacho do seguinte teor:
“Concordo, pelo que com base nos fundamentos expressos convolo em definitivo o projecto de despacho de indeferimento do pedido de revisão”
- cfr. despacho a fls. 87 do PA;
13. Em 27-05-2013 foi emitido ofício nº 34330 com o assunto “notificação da decisão do pedido de revisão artº 78º LGT”, remetido à mandatária do ora impugnante, por correio registado sob o nº RM747467157PT, sob aviso de receção assinado em 04-06-2013 - cfr. ofício, talão de registo e aviso de receção, respetivamente, a fls. 92, 86 e 85 do PA;
14. A presente impugnação foi remetida por via postal registada à Direção de Finanças do Porto em 03-09-2013 - cfr. envelope e etiqueta nele aposta, a fls. 183 dos autos.

II.2 – De Direito
I. Antes de qualquer questão de fundo, impõe-se a este Tribunal decidir acerca da sua própria competência, quer dizer, resolver a questão da competência em razão da hierarquia, por força do disposto no artigo 13.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c) do CPPT, exceção esta aduzida pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal.

II. Ora, quanto à competência deste Supremo Tribunal para decidir o presente Recurso, já adiantamos que julgamos que não assiste razão à Recorrente, como aliás surge bem sublinhado no Parecer do Ministério Público junto aos presentes autos.
Nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do CPPT, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando respeite a questão exclusivamente de Direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artigo 16.º, n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do Tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso, sendo ainda certo que, como decorre do artigo 641.º, n.º 5 do CPC, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT), o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida a exceção suscitada, a qual se consubstancia na incompetência da Secção de Contencioso Tributário do STA em razão da hierarquia.
A competência do Tribunal deve, para tal efeito, aferir-se pelo quid disputatum ou quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum; por outras palavras, a competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 91; Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, I volume, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pág. 223 e ss.).
Ora, atentando a que, nos termos do artigo 26.º, alínea b) do ETAF, se atribui competência à Secção do Contencioso Tributário do STA para conhecer dos recursos interpostos das decisões que versem exclusivamente sobre questões de Direito dos Tribunais Tributários, e que, por sua vez, o artigo 38.º, alínea a) do mesmo diploma atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se precisamente o disposto no citado artigo 26.º, alínea b), deve concluir-se que, para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância, a competência deste Supremo Tribunal está circunscrita a decisões exclusivamente sobre questões de Direito – cfr., entre muitos outros, os recentes Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal proferidos no processo n.º 0762/16, de 1 de Julho de 2020, no processo n.º 054/16, de 17 de Junho de 2020, e processo n.º 02501/15, de 9 de Outubro de 2019 (disponíveis em www.dgsi.pt).

III. No que ao presente caso interesse, referir-se-á que, para tal delimitação, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que, nas conclusões das respectivas alegações - as quais fixam o objecto do recurso artigo 635.º, n.º 4 do CPC -, o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa.
Por outras palavras, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados e não provados, face às ilações retiradas pelo Tribunal "a quo" (cfr., entre muitos outros, Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal proferidos no processo n.º 738/09, de 16 de Dezembro de 2009, e no processo n.º 189/10, de 21 de Abril de 2010, disponíveis em www.dgsi.pt).
O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.

IV. Ora, da leitura das conclusões do presente recurso jurisdicional, resulta que o Recorrente afirma factualidade que, ou não foi dada como assente pela sentença e da qual pretende extrair consequência relevante, ou pretende que se retirem ilações de facto distintas daquelas a que chegou o Tribunal a quo.
É o que se denota nas Conclusões G), L), O), R), S) T), U) e V) das Alegações, de onde (em suma) resulta que o Recorrente pretende extrair as seguintes ilações:
1.ª) que não recebeu efectivamente certas quantias a título de remuneração enquanto jogador profissional de futebol, contrariamente ao que se concluiu na decisão recorrida;
2.ª) que celebrou contrato de trabalho e assinou documento complementar com dois clubes de futebol, de onde se extrai que os valores devidos, em termos brutos e líquidos, não são aqueles identificados pela Recorrida AT;
3.ª) que os valores por si acordados naqueles contratos eram sempre devidos “líquidos de imposto”.
Tal significa, portanto, que existe uma efetiva controvérsia factual – e não mera argumentação jurídica – a dirimir e que a matéria controvertida no presente recurso não se resolve, por isso, mediante uma exclusiva aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados pelo Recorrente.
Pelo que, nesta perspectiva, é notório que o presente recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de Direito, não cumprindo sequer averiguar da relevância dos factos impugnados para a decisão a proferir, tarefa de que só poderá ocupar-se o tribunal declarado competente.
Assim, a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso pertence, não a este Supremo Tribunal Administrativo, mas ao Tribunal Central Administrativo Norte, para o qual os autos devem ser remetidos nos termos do artigo 18.º, n.º 1 do CPPT.

V. Fica, por conseguinte, prejudicado o conhecimento de quaisquer outras questões.


III. Conclusões
I – Das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando respeitem a matéria exclusivamente de Direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
II – A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
II - O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação.

IV. Decisão
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da hierarquia, sendo competente para tanto a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte.

Custas pelo Recorrente, com taxa de justiça em 1 UC.


Lisboa, 28 de Abril de 2021. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.