Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01123/15.7BEPRT 0504/18
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
MAIS VALIAS
INSOLVÊNCIA
NATUREZA
QUANTIFICAÇÃO
RENDIMENTO
LEI INTERPRETATIVA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I - A inclusão de rendimentos empresariais na categoria B do IRS exige o afastamento da possibilidade de englobamento noutras categorias de rendimentos, sendo que os rendimentos empresariais, para existirem, nos termos do disposto no art. 4º nº 1 CIRS respeitam ao exercício de verdadeiras actividades pelo que não podem constituir rendimentos de natureza comercial ou industrial os actos de gestão de um património privado, pois que o CIRS não permite ficcionar o exercício de uma actividade empresarial onde ela não existe. Os rendimentos das actividades empresariais serão tributados como tal e os rendimentos que se não enquadrem aqui, por inexistir actividade empresarial serão tributados na sede própria, aqui, como mais-valias.
II - Como a própria Recorrente reconhece, a AT não tem que aferir custos de construção e a interessada não fez qualquer prova dos custos de construção, pelo que, de acordo com o probatório, nada se apreende no sentido de viabilizar outra leitura da situação.
III - Os bens apreendidos e vendidos em processo de insolvência continuam a ser propriedade do insolvente até à venda.
IV - A diferença entre o valor de aquisição e de venda dos bens imóveis, ainda que esta se faça em processo de insolvência e o respectivo produto fique afecto à satisfação dos credores da insolvência, não deixa de ser um rendimento obtido pelo insolvente.
V - Na redacção anterior à que resulta da Lei do OE para 2018, o n.º 1 do art. 268.º do CIRE apenas previa a isenção das mais-valias resultantes da dação em cumprimento ou cessão de bens do insolvente aos credores no âmbito do processo de insolvência, e não também no caso da venda, nada fazendo crer (designadamente para efeitos da aplicação extensiva da norma a esta última situação) que o legislador tenha dito menos que pretendia.
VI - O legislador pretendeu consagrar uma norma inovadora e, qua tale, não interpretativa do regime legal vigente, até porque, como já se deixou consignado, mais do que uma vez, a redacção da norma até à alteração legislativa não comportava, sem que fossem ultrapassados os limites de uma interpretação válida, a extensão da letra ao ponto de contemplar no âmbito do sentido jurídico-normativo da norma os casos de venda de imóveis, o que significa que não pode reconhecer-se natureza interpretativa ao artigo 287º nº 1 da Lei nº 114/2017, de 29-12, que conferiu nova redacção ao artigo 268º nº 1 do CIRE.
VII - No caso dos autos, a venda dos imóveis gerou um acréscimo patrimonial na esfera jurídica da Recorrente e o facto de o produto da venda ter sido afecto ao pagamento das dívidas da massa insolvente, não constitui fundamento para considerar anulados os ganhos assim obtidos, pois que, embora o valor em apreço não tenha entrado material e fisicamente na posse da Recorrente, não deixou de entrar na sua esfera jurídica, o qual foi destinado à diminuição do respectivo passivo, o que quer dizer que não está em causa qualquer rendimento ficcionado, mas uma vantagem patrimonial efectiva, directamente subsumível na previsão do identificado art. 10º nº 1 al. a), do C.I.R.S.
Nº Convencional:JSTA000P27325
Nº do Documento:SA22021031001123/15
Data de Entrada:05/23/2018
Recorrente:A...........
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A……….., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30-11-2017, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado a liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2010, no montante de € 65.712,71.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais e prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens de património particular a actividade empresarial ou profissional exercida em nome individual pelo seu profissional.

2. A própria Sentença em causa refere como certo que a actividade profissional do marido da ora Recorrente era a construção e venda de imóveis.

3. Não há aqui qualquer acto fortuito ou ocasional, como também não há a retirada de algo particular para a esfera profissional. Nem tal faria sentido, não se fala da venda de um ou outro imóvel que estivesse na esfera jurídica dos insolventes, como por exemplo, uma casa de morada de família.

4. Assim sendo, quaisquer rendimentos que porventura houvesse a cobrar, sempre o seriam por força da categoria B e nunca tributáveis como uma mais-valia.

5. Tal sempre configuraria uma desvirtuação do princípio da proporcionalidade ínsito ao sistema fiscal.

6. A tal vem acrescer que as mais-valias que a Autoridade Tributária pretende cobrar, reportam-se somente à venda judicial dos prédios à entidade que financiou a construção em causa, sendo certo que, tanto quanto a Recorrente sabe, não resultou qualquer lucro da sua venda, às quais, do que resulta claro do Código do IRS deveriam ainda ser abatidos os custos da construção entre outros gastos que não foram tidos em conta aquando da liquidação.

7. Assim, nunca o Tribunal a quo poderia ter considerado a liquidação em causa válida, porquanto a mesma tributa erroneamente rendimentos de mais-valias e não rendimentos profissionais, ou seja, rendimentos da categoria B.

8. Por muito que a Autoridade Tributária não tenha que aferir custos de construção, não poderia tributá-los conforme os tributou. Por essa via, a liquidação em causa padece de erro e a impugnação em causa deveria, salvo melhor opinião, ter sido julgada procedente.

9. Se a Autoridade Tributária não tem que aferir custos de construção, a Autoridade Tributária, sendo até parte no processo de insolvência em causa não pode, de boa-fé, considerar que havia lucro e, muito menos, considerar que seriam rendimentos de mais-valias.

10. Todo o raciocínio seguido pela douta Sentença omite este simples facto.

11. Não só vai inquinada a qualificação, como o próprio valor da liquidação.

12. Certamente o Credor Adquirente há-de ter cumprido as inerentes obrigações fiscais, pelo que claramente a causa de transmissão não pode ser do desconhecimento da Fazenda Nacional.

13. Mais, em 16 de Outubro de 2014, foi elaborado projecto de despacho do qual resultava que não havia sido cumprido pela Recorrida o ónus da prova relativamente aos factos geradores do tributo.

14. Se é verdade que a quem alega incumbe o ónus da prova, nos termos do Artigo 342º do Código Civil e do Artigo 74º da LGT, também é verdade que existem factos de conhecimento pessoal cuja existência não pode a contraparte, no caso a Autoridade Tributária negar.

15. A prova dos factos extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a alegação é feita.

16. No caso em apreço, o direito será o de liquidação e o facto extintivo, o de não terem sido auferidos quaisquer rendimentos.

17. Compete à Autoridade Tributária provar que tais rendimentos existiram.

18. Mais, nos termos da LGT, quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta densificação junto da administração tributária.

19. A Autoridade Tributária dispõe de todos os elementos referentes à venda dos imóveis em causa.

20. A Sentença em causa foi notificada às partes em Janeiro de 2018, posteriormente à entrada em vigor do Orçamento de Estado do corrente ano de 2018.

21. O Artigo 268º/1º do CIRE prevê agora conforme se segue: “Os rendimentos e ganhos apurados e as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido, verificadas por efeito da dação em cumprimento de bens e direitos do devedor, da cessão de bens e direitos dos credores e da venda de bens e direitos, em processo de insolvência que prossiga para liquidação, estão isentos de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e coletivas, não concorrendo para a determinação da matéria coletável do devedor.”

22. Verifica-se que o Legislador directamente prevê que os rendimentos e as variações patrimoniais positivas estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor.

23. Estabelece-se um benefício de isenção, não concorrendo os valores obtidos para a determinação da matéria colectável do devedor.

24. De facto, o que existia era uma verdadeira lacuna da Lei, integrada pelo Supremo Tribunal Administrativo do modo que acima transcrevemos, com o fundamento também transcrito - Cfr. Artigo 10º do Código Civil.

25. Tal lacuna, deixou de existir a 1 de Janeiro do corrente ano de 2018, pelo que, sempre salvo todo o devido respeito, mal andou a Sentença a quo quando integra a lacuna em causa como se o Legislador não tivesse deixado claro o seu pensamento.

26. Se é certo que, nos termos do Artigo 9º do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei”, não menos verdade é que não pode “ser considerada pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da Lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

27. À altura em que é proferido o Acórdão em causa, não havia ainda um pensamento expresso. O mesmo não se verifica no momento em que a Sentença é notificada.

28. Assim sendo, a liquidação em causa não poderia ter sido considerada senão uma liquidação que, ao abrigo do disposto no Artigo 103º/3º da CRP, não foi efectuada nos termos dispostos em Lei.

29. Se já a situação de tributar rendimentos aos quais os insolventes não têm acesso e dos quais não beneficiam se nos afigura violar o princípio constitucional de proporcionalidade, ínsito no Artigo 268º/1º da CRP, sempre cremos que a não aplicação do Artigo 268º do CIRE, com uma redacção que já se encontra em vigor à data da notificação da Sentença a quo, aplicando-a somente para futuro, colocará os Contribuintes numa situação de verdadeira desigualdade, violadora do Artigo 13º da CRP.

30. Mesmo que assim não se entenda, o que não concedemos que o Legislador estabeleceu um benefício fiscal ex novo, a verdade é que o princípio ínsito no Artigo 103º/3º da CRP, é estatuído em benefício do Contribuinte fiscal, por forma a proteger a confiança no sistema fiscal e a segurança do Contribuinte.

31. Nesta senda, julgando-se provado e procedente o presente recurso far-se-á, inteira e costumada

JUSTIÇA!”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar a natureza (qualificação e quantificação) e imputação dos rendimentos em causa bem como analisar a relevância da alteração legislativa introduzida pelo artigo 287º nº 1 da Lei nº 114/2017, de 29-12, que conferiu nova redacção ao artigo 268º nº 1 do CIRE, a qual ampliou o âmbito da isenção para incluir também a “venda de bens e direitos” na norma de isenção fiscal, sem olvidar a matéria da violação dos princípios constitucionais apontados pela Recorrente.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. No âmbito do processo que correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal da Comarca do Porto sob o n.º 1283/07.0TJPRT, foi declarada em 12.09.2007 a insolvência de A………… - cfr. fls. 16 e 17 dos autos.
2. Os prédios urbanos descritos na matriz predial urbana do concelho do Porto sob os artigos 1404, 1405, 1510, 1408, 1407, 1401 e 1392 registados na Administração Tributária em nome de A………..e de B………. foram vendidos em 2010 - cfr, fls. 14 a 17 do processo administrativo (PA) junto aos autos.

3. A………… não entregou a declaração de IRS do ano de 2010.

4. Em 26.02.2014 foi emitida declaração oficiosa, Modelo 3 de IRS, do ano de 2010, com anexo G (mais valias e outros incrementos patrimoniais) e identificados bens imóveis alienados no ano de 2010 - cfr. fls. 18 a 22 do PA junto aos autos.

5. Em 9.04.2014 foi emitida a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2010 em nome de A………… no montante de €65.293,44 - cfr. fls. 23 do PA junto aos autos.

6. Em 16.09.2014 foi deduzida reclamação graciosa - cfr. fls. 2 a 5 do processo de reclamação graciosa (RG) junto aos autos.

7. Sob a reclamação a que se alude em 6. recaiu despacho de indeferimento em 5.12.2014 - cfr. fls. 20 do processo de RG junto aos autos.

8. Do indeferimento descrito em 7. foi apresentado recurso hierárquico - cfr. fls. 2 a 6 do processo de recurso hierárquico (RH) junto aos autos.

**
Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.

**
Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, cfr. predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil e ainda na prova testemunhal produzida.”

«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar de apreciar a natureza (qualificação e quantificação) e imputação dos rendimentos em causa bem como analisar a relevância da alteração legislativa introduzida pelo artigo 287º nº 1 da Lei nº 114/2017, de 29-12, que conferiu nova redacção ao artigo 268º nº 1 do CIRE, a qual ampliou o âmbito da isenção para incluir também a “venda de bens e direitos” na norma de isenção fiscal, sem olvidar a matéria da violação dos princípios constitucionais apontados pela Recorrente.

No caso dos autos, a sentença recorrida desatendeu a pretensão da Recorrente, invocando a jurisprudência deste STA no sentido de que, sem prejuízo de à data da venda dos imóveis a Impugnante já ter sido declarada insolvente, aquele rendimento encontra-se sujeito a IRS e perante a falta de entrega de declaração de rendimento e como decorre do disposto na alínea b) do artigo 76.º do CIRS, a liquidação é emitida com base nos elementos que a AT conheça e disponha, não lhe incumbindo aferir de eventuais custos de construção ou outros e independentemente da actividade prosseguida pelo marido da Impugnante, os sobreditos imóveis encontravam-se registados na AT em nome da Impugnante e do marido, como resulta coligido na factualidade assente, ponto 2).

Que dizer?

Desde logo, a Recorrente pretende deslocar a discussão sobre a matéria apontada nos autos para montante, defendendo que os rendimentos obtidos com a venda dos imóveis não constituem mais-valias, nos termos e para os efeitos do artigo 10º nº 1 al. a) do CIRS, antes se enquadram nos Rendimentos da categoria B, contemplados no artigo 3º do CIRS, na redacção então em vigor, preceito que enuncia os rendimentos empresariais e profissionais que nele estão abrangidos.

Neste domínio, diga-se que “os rendimentos empresariais serão, normalmente obtidos no quadro do exercício com carácter de habitualidade de actividades de natureza comercial, industrial, agrícola ou de prestação de serviços. Mas não é necessariamente assim: existem actos que, embora isolados, são objectivamente comerciais. Serão, p. ex., os casos de compra para revenda e os de transformação (física ou jurídica) de um bem com o intuito de o vender por melhor preço." (Rui Duarte Morais, “Sobre o IRS”, 2016, 3ª Edição, Almedina, págs. 74 e 75).

Na mesma linha, diga-se que ao conceito do exercício de uma actividade empresarial, não definido na legislação tributária, está necessariamente ligada a ideia de exercício estável ou habitual de uma actividade comercial como meio de vida, ainda que sem continuidade perfeita, como sucede com as actividades que, por sua própria natureza, só podem ser exercidas em épocas determinadas ou de tempos a tempos não deixando, por isso, de constituírem, ainda, um desempenho normal e regular de uma ou mais actividades comerciais ou industriais.

Nesta sequência, temos por adquirido que a inclusão de rendimentos empresariais na categoria B do IRS exige o afastamento da possibilidade de englobamento noutras categorias de rendimentos, sendo que os rendimentos empresariais, para existirem, nos termos do disposto no art. 4º nº 1 CIRS respeitam ao exercício de verdadeiras actividades pelo que não podem constituir rendimentos de natureza comercial ou industrial os actos de gestão de um património privado, pois que o CIRS não permite ficcionar o exercício de uma actividade empresarial onde ela não existe. Os rendimentos das actividades empresariais serão tributados como tal e os rendimentos que se não enquadrem aqui, por inexistir actividade empresarial serão tributados na sede própria, aqui, como mais-valias (neste sentido, Ac. deste Tribunal de 11-01-2017, Proc. nº 1622/15, www.dgsi.pt).

Ora, no caso dos autos, perante a realidade que emerge do probatório, resulta apenas que os prédios urbanos descritos na matriz predial urbana do concelho do Porto sob os artigos 1404, 1405, 1510, 1408, 1407, 1401 e 1392 registados na Administração Tributária em nome de A………. e de B………. foram vendidos em 2010, ou seja, ao contrário do que refere a Recorrente, não foi considerado provado que o marido da Impugnante exercesse a actividade profissional de construção e venda de imóveis (sendo que o penúltimo parágrafo da decisão recorrida onde se refere que “Por último, independentemente da actividade prosseguida pelo marido da Impugnante, os sobreditos imóveis encontravam-se registados na AT em nome da Impugnante e do marido, como resulta coligido na factualidade assente, ponto 2).” traduz a total desvalorização desse elemento, ainda que a prova tivesse tido porventura outro desfecho), o que retira qualquer virtualidade ao exposto pela Recorrente neste âmbito, com a consequente improcedência do recurso nesta sede, até porque não se vislumbra qualquer situação susceptível de configurar uma desvirtuação do princípio da proporcionalidade ínsito ao sistema fiscal.

Quanto à quantificação, a Recorrente assinala que, de acordo com o Código do IRS, deveriam ainda ser abatidos os custos da construção entre outros gastos que não foram tidos em conta aquando da liquidação, mais referindo que por muito que a Autoridade Tributária não tenha que aferir custos de construção, não poderia tributá-los conforme os tributou.

Neste ponto, como a própria Recorrente reconhece, a AT não tem que aferir custos de construção e a interessada não fez qualquer prova dos custos de construção, pelo que, de acordo com o probatório, nada se apreende no sentido de viabilizar outra leitura da situação.

Aliás, o raciocínio da Recorrente parece, por vezes, algo vago (alude a custos de construção como uma espécie de dado adquirido que a AT não poderia deixar de ter em consideração, quando é sabido que a tributação pelo rendimento real e de acordo com a capacidade contributiva faz-se justamente pela desconsideração de custos não comprovados associados à construção e a Recorrente não fez qualquer esforço para concretizar a sua alegação em relação a cada um dos imóveis em causa) e abstracto no sentido de ter como referência a situação patrimonial global que redundou na declaração da insolvência e que justifica a afirmação de que não podia haver lucros, retirando do contexto a matéria que interessa aos autos e que se reconduz à alienação dos prédios descritos nos autos, o que significa que, na prática, a Recorrente nada trouxe aos autos para evidenciar que a AT possuía elementos que lhe permitiam ter agido de forma diferença com referência ao teor e alcance da liquidação impugnada nos autos.

No mais, importa ter presente a jurisprudência reiterada deste STA no sentido de que as mais-valias apuradas com a venda de imóveis que fazem parte de uma massa insolvente estão sujeitas a tributação, sendo sujeito passivo o insolvente.

Com efeito, como se aponta no Ac. deste Tribunal de 06-06-2018, Proc. nº 01136/17, www.dgsi.pt, “… «O art. 268.º do CIRE, que tem como epígrafe «Benefícios relativos a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas», prevê no seu n.º 1 uma isenção relativamente aos impostos sobre o rendimento nos seguintes termos: «As mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor».

Como resulta da letra da lei apenas estão abrangidas pela isenção de IRS, as mais-valias resultantes da dação em cumprimento de bens do insolvente e da cessão desses bens aos credores e já não as resultantes da venda desses bens - figuras jurídicas inequivocamente distintas e tratadas autonomamente no Código Civil (CC) -, ainda que o seu produto seja aplicado no pagamento aos credores.

Antes do mais, cumpre ter presente que, em matéria de isenções, há que observar o princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, que veda a integração analógica de normas de isenção de imposto, embora consinta na sua interpretação extensiva, como, aliás, reconhece o legislador ordinário (cfr. art. 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais). A interpretação extensiva pressupõe que, por via interpretativa, se conclua que o legislador minus dixit quam voluit, que o legislador disse menos do que aquilo que se pretendia dizer (Sobre a questão, vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 23 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 592/11, disponível em (http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/276fb5605d95722d8025795d00445be9.), ou seja, que quando isentou de IRS as mais-valias resultantes da dação em cumprimento de bens do devedor aos credores ou da cessão de bens aos credores pretendia igualmente abranger no âmbito da isenção as mais-valias realizadas com a venda a terceiros desses bens, pelo menos na parte em que o produto dessa venda fosse utilizado no pagamento aos credores. Mas, salvo o devido respeito, qualquer que seja o juízo sobre a bondade da opção legislativa, não pode é sustentar-se que o legislador pretendia também abranger na isenção prevista no n.º 1 do art. 268.º do CIRE as mais-valias resultantes da venda de bens do devedor. Na verdade, a ser assim, por certo o teria dito expressamente (cfr. art. 9.º, n.º 3, do CC), tanto mais que as situações de venda serão mais vulgares que as de dação em pagamento ou cessão de bens aos credores. Por outro lado, nada permite concluir, designadamente a ratio legis, que o legislador quisesse aplicar às situações em que há venda de bens (transferência de bens do insolvente para terceiros) tratamento idêntico àquele em que há uma transferência directa de bens da esfera patrimonial do insolvente para a dos credores, sendo legítimo concluir que pretendeu estimular este modo de extinção das dívidas do insolvente.




Concluímos, pois, que as mais-valias resultantes da venda de bens do insolvente não estão abrangidas pela isenção prevista no n.º 1 do art. 268.º do CIRE. Mas será que, como sustentou o Juiz do Tribunal a quo, que o insolvente não obteve qualquer rendimento com a alienação do imóvel?

Atento o disposto nos arts. 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e, designadamente, a repartição do produto obtido pelos credores, podendo ser objecto de tal processo quaisquer pessoas singulares ou colectivas, sendo que, no caso, apenas nos interessa considerar a insolvência de pessoa singular.

Quando uma pessoa singular é objecto de uma declaração de insolvência, os seus bens susceptíveis de penhora são apreendidos, de acordo com a alínea g) do n.º 1 do art. 36.º do CIRE, e passam a integrar um património autónomo e de afectação, uma vez se destina à satisfação dos interesses dos credores da insolvência, denominada massa insolvente.

A massa insolvente, de acordo com o conceito do n.º 1 do art. 46.º do CIRE, «destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo».

Esses bens são entregues ao administrador da insolvência (O administrador da insolvência é um órgão da insolvência sem poderes de representação do insolvente que seja pessoa singular, contrariamente ao que sucede relativamente às pessoas colectivas (cfr. art. 81.º, n.º 4, do CIRE).), que é quem pode exercer poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE).

Daqui decorre que a massa insolvente tem autonomia patrimonial, que existe quando se está perante uma «certa massa de bens afectada ao pagamento de um conjunto próprio de dívidas» (Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, anotação 4 ao art. 601.º, pág. 586.

No mesmo sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido, Revista da Ordem dos Advogados, Dezembro de 1995, págs. 652/653; MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Os efeitos substantivos da falência, PUC 2000, pág. 127; PAULA COSTA E SILVA, A liquidação da massa insolvente, Revista da Ordem dos Advogados, 2005, volume III, págs. 717 a 719, onde fala de «património de afectação» (também disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=44561&ida=44625).), mas não constitui uma pessoa (singular ou colectiva), um novo ente, distinto daquele a quem o património autónomo continua a pertencer (() Não passam a existir duas pessoas, tal como não existem três entes em resultado de um casamento, apesar de existirem dois patrimónios próprios e um comum.). Dito de outro modo, «A constituição de um património autónomo não acarreta o aparecimento de uma nova subjectividade jurídica, distinta do devedor insolvente que lhe deu origem» (Cfr. BRUNO SANTIAGO e BEATRIZ CAPELOA GIL, A responsabilidade pelo imposto devido na liquidação dos bens que integram a massa insolvente, Cadernos de Justiça Tributária, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, n.º 13, págs. 3 a 15.).

A massa insolvente constitui apenas uma parte separada do património da pessoa singular a quem os bens pertencem e a quem não deixam de pertencer por força da declaração de insolvência; o que acontece, quando há uma declaração de insolvência, é apenas a transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, da pessoa insolvente para o administrador da insolvência (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE). Os bens não deixam de ser propriedade do insolvente; apenas se dá uma transferência daqueles poderes sobre eles.

Assim, praticando o administrador actos de liquidação da massa insolvente, designadamente vendendo (Segundo o art. 158.º, n.º 1, do CIRE, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente.) bem imóvel integrante dessa massa (venda efectuada na qualidade de fiel depositário dos bens do devedor, como representante da massa insolvente, e não em nome próprio), se a venda for efectuada por um valor superior àquele pelo qual o imóvel foi adquirido, gera um acréscimo do património do insolvente, constituindo assim um rendimento sujeito a IRS, nos termos do art. 10.º, n.º 1, alínea a), do Código daquele imposto. Como deixou já dito este Supremo Tribunal Administrativo, para a qualificação como mais-valia sujeita a tributação releva unicamente a diferença positiva entre o valor pelo qual um imóvel foi alienado e o valor da sua aquisição, corrigido e acrescido nos termos legais, sendo irrelevante o destino dado ao produto da venda, uma vez que o ganho tributado é o que decorre da diferença entre os valores de aquisição e de realização, ou seja, entre o valor por que o bem ingressou no património do sujeito passivo e o valor por que dele saiu (Cfr. o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 21 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 582/15, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b601a4ed1e38d3eb80258037004cbb31.). Aliás, nem sequer pode dizer-se que não haja benefício para o insolvente, pois esse acréscimo patrimonial beneficiou o insolvente embora na parte do seu património separada para a massa, traduzindo-se numa diminuição do seu passivo.

Neste sentido, aponta também, a contrario, o disposto no art. 268.º do CIRE, ao prever uma isenção de IRS para as mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento (realização de uma prestação, diferente da que é devida, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação) de bens do devedor e da cessão de bens aos credores (em que o devedor encarrega os credores de liquidar o seu património ou parte dele e de repartirem entre si o respectivo produto para satisfação dos seus créditos); o que significa que, se as mais-valias não resultarem de um desses negócios previstos nesta norma de isenção, designadamente se resultarem da venda de bens da massa insolvente, e a menos que gerem rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais (Ou seja, pressupomos que os imóveis pertencem ao património particular do sujeito passivo, isto é, que não estavam afectos a qualquer actividade empresarial e/ou profissional.), estão abrangidas pelo IRS, concorrendo para a determinação da matéria colectável em sede deste imposto [art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS]. Neste sentido também se pronunciam a AT, na informação vinculativa emitida no processo 5957/2010 da Direcção-Geral dos Impostos, com despacho concordante da Subdirectora-Geral de 1 de Outubro de 2010 (() Disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/B88EB745-5794-49A6-8C8C-00AFC4C8030F/0/ProcN%C2%BA5957_2010IRS.pdf.), e a doutrina (Designadamente: - CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3.ª edição, Quid Juris, 2015, págs. 916/917;

- LIMA GUERREIRO, Os créditos fiscais no novo CPERF, Fisco, ano V, n.º 54, pág. 118;

- SARA LUÍS DA SILVA VEIGA DIAS, O crédito tributário e as obrigações fiscais no processo de insolvência, págs. 98/99, dissertação de mestrado, no repositorium da Universidade do Minho, disponível em http://hdl.handle.net/1822/21395; - ANA PRATA, JORGE MORAIS DE CARVALHO e RUI SIMÕES, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Almedina, 2013, pág. 716, em anotação ao art. 268.º.). …”.

A Recorrente aponta também que a Sentença em causa foi notificada às partes em Janeiro de 2018, posteriormente à entrada em vigor do Orçamento de Estado do corrente ano de 2018, sendo que o Artigo 268º/1º do CIRE prevê agora conforme se segue: “Os rendimentos e ganhos apurados e as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido, verificadas por efeito da dação em cumprimento de bens e direitos do devedor, da cessão de bens e direitos dos credores e da venda de bens e direitos, em processo de insolvência que prossiga para liquidação, estão isentos de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e coletivas, não concorrendo para a determinação da matéria coletável do devedor.”, o que significa que o Legislador directamente prevê que os rendimentos e as variações patrimoniais positivas estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor.

Naturalmente, como já ficou dito, no momento em que o facto tributário ocorreu, a mesma norma dispunha que “As mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor”.

Neste ponto, como se assinalou no aresto acima transcrito, em matéria de isenções, há que observar o princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, que veda a integração analógica de normas de isenção de imposto, embora consinta na sua interpretação extensiva, como, aliás, reconhece o legislador ordinário (cfr. art. 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais). A interpretação extensiva pressupõe que, por via interpretativa, se conclua que o legislador minus dixit quam voluit, que o legislador disse menos do que aquilo que se pretendia dizer, ou seja, que quando isentou de IRS as mais-valias resultantes da dação em cumprimento de bens do devedor aos credores ou da cessão de bens aos credores pretendia igualmente abranger no âmbito da isenção as mais-valias realizadas com a venda a terceiros desses bens, pelo menos na parte em que o produto dessa venda fosse utilizado no pagamento aos credores. Mas, salvo o devido respeito, qualquer que seja o juízo sobre a bondade da opção legislativa, não pode é sustentar-se que o legislador pretendia também abranger na isenção prevista no n.º 1 do art. 268.º do CIRE as mais-valias resultantes da venda de bens do devedor. Na verdade, a ser assim, por certo o teria dito expressamente (cfr. art. 9.º, n.º 3, do CC), tanto mais que as situações de venda serão mais vulgares que as de dação em pagamento ou cessão de bens aos credores. Por outro lado, nada permite concluir, designadamente a ratio legis, que o legislador quisesse aplicar às situações em que há venda de bens (transferência de bens do insolvente para terceiros) tratamento idêntico àquele em que há uma transferência directa de bens da esfera patrimonial do insolvente para a dos credores, sendo legítimo concluir que pretendeu estimular este modo de extinção das dívidas do insolvente.

Com este pano de fundo, não existe qualquer espaço para contemplar a tese da Recorrente no sentido de que havia uma lacuna da lei integrada pelo STA, lacuna esse colmatada a partir da Lei nº 114/2017, de 29-12, que conferiu a tal nova redacção ao art. 268º nº 1 do CIRE, dado que, como se disse, o que estava em causa era uma opção do legislador no sentido de estimular a transferência directa de bens da esfera patrimonial do insolvente para a dos credores como modo de extinção das dívidas do insolvente.

Tal significa que, de acordo com a nova redacção dada pela Lei nº 114/2017, de 29-12, o legislador, agora sim, ampliou o âmbito da isenção para incluir também a “venda de bens e direitos” na norma de isenção fiscal.

Mas poderá entender-se que tal alteração legislativa tem por base uma norma de natureza interpretativa?

Num primeiro momento, tem de dizer-se que a simples introdução da nova redacção não constituiu uma interpretação autêntica do regime anterior, porquanto só é autêntica a que é efetuada mediante lei que o artigo 13º do Código Civil denomina interpretativa, realizada pelo próprio legislador, mediante uma lei igual ou de valor superior à lei interpretada, e que, como o próprio nome inculca, se destina a interpretar uma lei anterior.

Acresce que a interpretação autêntica assume carácter vinculativo e retroactivo, contrariando, assim, o princípio basilar segundo o qual a lei só dispõe para o futuro, proclamado no artigo 12º nº 1 do Código Civil.

Depois, como aponta o Prof. Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, págs. 246-247, deve reconhecer-se que para que uma lei possa considerar-se realmente interpretativa é necessário que, para além da existência de uma solução jurídica incerta ou controvertida, a “nova” solução seja admissível sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação jurídica, sendo que, se o intérprete não estivesse autorizado a adoptar a solução consagrada pela lei nova, esta deve considerar-se decisivamente inovadora.

Assim, a lei interpretativa não pode extravasar, restritiva ou extensivamente, o teor literal da norma interpretanda, sob pena de se criar, a coberto de uma pseudo-interpretação, uma norma com carácter retroactivo (Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, 2012, pág. 132).

Perante o que ficou exposto, temos por adquirido que o legislador pretendeu consagrar uma norma inovadora e, qua tale, não interpretativa do regime legal vigente, até porque, como já se deixou consignado, mais do que uma vez, a redacção da norma até à alteração legislativa não comportava, sem que fossem ultrapassados os limites de uma interpretação válida, a extensão da letra ao ponto de contemplar no âmbito do sentido jurídico-normativo da norma os casos de venda de imóveis, o que significa que não pode reconhecer-se natureza interpretativa ao artigo 287º nº 1 da Lei nº 114/2017, de 29-12, que conferiu nova redacção ao artigo 268º nº 1 do CIRE.

Finalmente, cabe notar que não existe qualquer violação do princípio da igualdade tributária, o qual pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, o que significa que tendo a situação sofrido uma alteração nos termos apontados, aquilo que colocaria em causa o princípio referido seria a situação reclamada pela Recorrente, verificando-se que, no caso dos autos, a venda dos imóveis gerou um acréscimo patrimonial na esfera jurídica da Recorrente e o facto de o produto da venda ter sido afecto ao pagamento das dívidas da massa insolvente, não constitui fundamento para considerar anulados os ganhos assim obtidos, pois que, embora o valor em apreço não tenha entrado material e fisicamente na posse da Recorrente, não deixou de entrar na sua esfera jurídica, o qual foi destinado à diminuição do respectivo passivo, o que quer dizer que não está em causa qualquer rendimento ficcionado, mas uma vantagem patrimonial efectiva, directamente subsumível na previsão do identificado art. 10º nº 1 al. a), do C.I.R.S., situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 10 de Março de 2021. – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.