Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0368/21.5BESNT
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
INVIABILIDADE DA MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO FUNCIONAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
ERRO MANIFESTO
DEMISSÃO
Sumário:I - O conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional concretiza-se através de juízos de prognose, na fixação dos quais a Administração goza de grande liberdade de apreciação.
II - Margem de liberdade administrativa que não é sindicável pelo tribunal, salvo caso de erro grosseiro ou palmar, ou seja, em que a pena fixada se revele, em concreto, manifestamente injusta ou desproporcionada.
III - O que traduz que a Administração dispõe de liberdade quanto à apreciação dos factos, mas não pode incorrer em erro grave, grosseiro ou evidente na operação de qualificação jurídica dos factos, a qual tem por objeto a relação entre os pressupostos de facto do ato e o conteúdo da norma jurídica.
IV - Não se encontra o juiz impedido de sindicar a legalidade da decisão punitiva que ofenda os critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que ultrapasse os limites normativos correspondentes, aferindo se foram ou não ponderadas as circunstâncias concretas, que, pela sua gravidade, indiciariam a concreta pena aplicada e, no caso, a inviabilização da manutenção da relação funcional.
V - Estabelece o legislador, de forma geral e abstrata, cláusulas abertas e conceitos indeterminados, mas não se dispensa a Administração de demonstrar a sua respetiva verificação em concreto, por lhe caber o ónus da demonstração dos pressupostos punitivos.
VI - Pertence à Administração justificar e demonstrar, como é seu ónus, atenta a natureza sancionatória do processo disciplinar, que as infrações cometidas inviabilizam a manutenção da relação funcional, tendo essa demonstração de ser realizada em concreto, que o comportamento do arguido é suscetível de comprometer a continuidade do vínculo e daí justificar a escolha da pena disciplinar.
VII - Qualquer decisão administrativa pode ser controlada judicialmente quanto aos seus respetivos pressupostos de facto e de direito, por nessa parte, consistir em aspetos vinculados do ato, assim como, quanto à densificação do preenchimento do conceito indeterminado de inviabilidade da manutenção da relação funcional, necessário e instrumental à aplicação da pena disciplinar mais gravosa de demissão.
VIII - O controlo do erro manifesto de apreciação na qualificação dos factos corresponde a um exame de proporcionalidade da prognose levada a cabo pela Administração sobre conceitos indeterminados que referem pressupostos do ato.
IX - O princípio da proporcionalidade constitui um instrumento que permite ao juiz apreciar o valor dos motivos de facto do ato administrativo, com vista a determinar se justificam o seu conteúdo à luz da norma legal, designadamente, aferir se a medida é conforme ou adaptada à gravidade dos motivos, ou se é excessiva, tanto intervindo no controlo do poder vinculado, quer no controlo do poder discricionário.
X - O princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso dirige-se, por isso, a toda a atividade dos poderes públicos, sob a imposição de que, na prossecução dos fins de interesse público que lhe estão, constitucional e legalmente atribuídos, devem adotar as medidas idóneas à realização daqueles fins (de acordo com o subprincípio da adequação), além de, entre as medidas suscetíveis de alcançar os fins pretendidos, devem ser escolhidos os que consubstanciem um menor sacrifício dos direitos dos particulares (de acordo com o subprincípio da necessidade) e sem que a medida possa ser excessiva ou desrazoável, atendendo aos fins de interesse público prosseguidos e aos direitos dos particulares (de acordo com o subprincípio da proporcionalidade stricto sensu).
XI - No presente caso a pena de demissão aplicada afigura-se excessiva, não se mostrando nem adequada, nem necessária, para sancionar as condutas ilícitas apuradas, considerado que durante mais de uma década a própria Administração nunca entendeu que o exercício de funções do agente da PSP e a continuidade desse exercício, se mostravam contrárias aos interesses e prestígio da instituição e reconheceu, a diversos títulos (com a atribuição das classificações de serviço de mérito, de Bom e Muito bom, a atribuição de um Louvor e as funções de Graduado de serviço), após a prática dos factos ilícitos, o mérito do polícia, ora Recorrido.
XII - O juízo de inviabilidade de manutenção do vínculo laboral tem de assentar em pressupostos como a gravidade objetiva do facto cometido, o reflexo no exercício das funções e a personalidade do agente se revelar inadequada para o exercício de funções.
Nº Convencional:JSTA00071823
Nº do Documento:SA1202402210368/21
Recorrente:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:FUNÇÃO PUBL
Área Temática 2:DISCIPLINAR
Legislação Nacional:ESTATUTO DISCIPLINAR PSP
L 37/2019, DE 30/05 ARTS 3.º, 6.º, N.º 6, 23.º, N.º 1 E 61.º
Referência a Pareceres:PARECER DA PGR N.º 24/95, DE 07/12/1995
Referência a Doutrina:- C. EISENMANN, COURS DE DROIT ADMINISTRATIF, TOME II, LGDJ, PARIS, 1983, PÁG. 641
- EDUARDO CORREIA, DIREITO CRIMINAL II, COIMBRA 1992, PÁG. 5
- TIAGO MACIEIRINHA, “ERRO MANIFESTO DE APRECIAÇÃO – UMA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE?”, ESTUDOS EM HOMENAGEM A RUI MACHETE, ALMEDINA/FUNDAÇÃO LUSO AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO, 2015, PÁGS. 1071-107
- SÉRVULO CORREIA, “LEGALIDADE E AUTONOMIA CONTRATUAL NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS”, COLEÇÃO TESES, ALMEDINA, 2003, REIMP. DA ED. DE 1987, PÁG. 498
Aditamento: