Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02860/18.0BEBRG
Data do Acordão:03/06/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
INSTAURAÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
GARANTIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
CITAÇÃO
Sumário:I - A dedução de reclamação graciosa e consequente impugnação judicial, com prestação de garantia, antes do decurso do prazo de pagamento voluntário do tributo, não obsta à instauração de execução fiscal, mas nada mais pode ser feito e, sendo a execução instaurada pode o interessado deduzir oposição judicial com fundamento na inexigibilidade da dívida, nos termos do artigo 204º/1/ i) do CPPT, tendo em vista a suspensão da execução, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados.
II - Padece de ilegalidade a citação efectuada na execução fiscal na pendência de reclamação graciosa com pedido de fixação da garantia a prestar para suspender a execução, designadamente porque a citação do executado tem efeitos interruptivos duradouros sobre a contagem do prazo de prescrição.
Nº Convencional:JSTA000P32003
Nº do Documento:SA22024030602860/18
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
A..., S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 30 de março de 2023 que julgou improcedente a oposição ao processo de execução fiscal n.º ...80, instaurado pelo Serviço de Finanças de Felgueiras, para cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA referente ao período 2018/06, cuja quantia exequenda ascende ao valor global de € 48.288,72.
A recorrente conclui a sua alegação formulando as seguintes conclusões:
I.
A decisão em mérito labora em manifesto erro de julgamento, traduzido na deficiente interpretação que é feita do artigo 69.º, alínea f) do CPPT por considerar que a apresentação da reclamação graciosa, acompanhada da prestação de garantia ou manifestado esse propósito, no decurso do prazo de pagamento voluntário, não gera de per si, a suspensão imediata de todos os atos em curso nem, tão pouco, obsta à instauração do processo de execução fiscal.
II.
O que, salvo o devido respeito, não só é destituído de fundamento, como desde logo, contraria diretamente a letra da Lei.
III.
Embora a alínea f) do art° 69° do CPPT comporte, logo no seu início, a regra da inexistência de efeito suspensivo sobre a cobrança do tributo como consequência da apresentação da reclamação graciosa, (…) significa que a Administração Tributária pode dar execução ao acto que é objecto de reclamação; logo de seguida comporta a seguinte excepção: “salvo quando for prestada garantia adequada nos termos deste Código...” o que leva a que o mesmo autor expresse no mesmo local e obra citada que “Se a execução não estiver ainda instaurada quando for prestada garantia o efeito suspensivo desta obsta à instauração da execução” e cite os acs. deste STA de 11/10/2006 no rec. 513/06, e de 09/09/2009 no rec. 347/09, como admitindo esta mesma possibilidade.
IV.
Assim, uma vez apresentado meio de reação (reclamação graciosa) na pendência do prazo de pagamento voluntário acompanhado da prestação de garantia ou da manifestação do propósito de constituir garantia nos termos do artigo 69º, alínea f) do CPPT na redação em vigor à data, a execução fiscal nem sequer chegará a ser instaurada enquanto não transitar em julgado a decisão que vier a ser proferida sobre a reclamação graciosa apresentada.
V.
Ou seja, tal factualidade, obsta à cobrança coerciva do tributo.
VI.
Pelo que fica exposto - impõe-se concluir que a decisão em mérito, ao decidir como decidiu, violou o disposto no artigo 266º da CRP e 69º, alínea f) do CPPT, porquanto, a instauração do processo de execução fiscal subjacente à oposição apresentada pela Recorrente, na data e nas circunstâncias em que ocorreu, revela-se absolutamente ilegal, impondo-se, a sua remoção do ordenamento jurídico – com a subsequente extinção do processo de execução fiscal nº ...80.


2. Não foram apresentadas contra-alegações pela Autoridade Autoritária e Aduaneira.

3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser dado provimento parcial ao recurso, julgando-se parcialmente procedente a oposição, determinando-se a anulação do ato de citação, e no demais confirmar-se o julgado.

Observado o disposto no artigo 92.º, n.º 2 do CPTA, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4. Matéria de facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 02.08.2018, a ora oponente apresentou via internet a declaração periódica de IVA n.º ...26, referente ao período 2018/06, com a importância a pagar de 47.288,72 €. - cfr. fls. 22 do SITAF.
2. Da declaração a que alude o ponto antecede resultou a liquidação de IVA no montante de 47.288,72 €, com 24.08.2018 como data limite de pagamento voluntário. - cfr. fls. 2 do processo de execução fiscal apenso ao suporte físico dos autos.
3. Em 08.08.2018, a oponente remeteu para o Serviço de Finanças de Lisboa, por correio sob registo, reclamação graciosa relativa à liquidação resultante da declaração a que alude o ponto 1. - cfr. fls. 12/23 do SITAF.
4. No requerimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior, a aí reclamante, aqui oponente, requer a suspensão da cobrança da dívida manifestando a intenção de proceder à constituição de garantia idónea. - cfr. fls. 12/21 do SITAF.
5. Em 25.08.2018, com vista à cobrança coerciva de dívida respeitante a IVA, referente ao período de 2018/06, no valor de 48.288,72 €, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Felgueiras, o processo de execução fiscal n.º ...80. - cfr. fls. 1 do processo de execução fiscal apenso ao suporte físico dos autos.
6. Serve de base à execução referida no ponto anterior a certidão de dívida n.º ...81, emitida em ../../2018, da qual consta data limite de pagamento 24.08.2018, como cujo teor se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 2 do processo de execução fiscal apenso ao suporte físico dos autos.
7. O ora oponente foi citado para o processo de execução fiscal em 01.09.2018. – cfr. fls. 49 e 12 do SITAF.
8. Em 03.10.2018, deu entrada no Serviço de Finanças a petição inicial que deu origem aos presentes autos. - cfr. informação do órgão de execução fiscal a fls. 28/30 do SITAF.
Mais se provou que:
9. Por despacho de 28.11.2018 do Chefe de Finanças de Lisboa-2, foi indeferida a reclamação graciosa referida no ponto 3. que antecede. - cfr. informação do órgão de execução fiscal a fls. 28/30 do SITAF.

5. Do recurso
Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 30 de março de 2023, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal instaurada pelo Serviço de Finanças de Felgueiras, para cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA do período de 2018/6, no montante de € 48.288,72, fundamentando o decidido no Acórdão deste STA de 27 de outubro de 2021, processo n.º 2906/18.1BEBRG, que cita e transcreve e ao qual adere.
A recorrente não se conforma com o assim decidido, invocando erro de julgamento da matéria de direito, violando o disposto no artigo 266º da CRP e 69º, alínea f) do CPPT, porquanto, a instauração do processo de execução fiscal subjacente à oposição apresentada pela Recorrente, na data e nas circunstâncias em que ocorreu, revela-se absolutamente ilegal, impondo-se, a sua remoção do ordenamento jurídico – com a subsequente extinção do processo de execução fiscal.
Vejamos.
A questão que a recorrente coloca a este Supremo Tribunal tem sido decidida em sentido similar ao adoptado na sentença recorrida, com a qual a recorrente não se conforma.
A sentença recorrida considerou, e bem, aderindo à mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a questão, com raiz no voto de vencido aposto no Acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de fevereiro de 2017, processo n.º 177/15, que a dedução de reclamação graciosa e consequente impugnação judicial, com prestação de garantia, antes do decurso do prazo de pagamento voluntário do tributo, não obsta à instauração de execução fiscal, mas nada mais pode ser feito e, sendo a execução instaurada pode o interessado deduzir oposição judicial com fundamento na inexigibilidade da dívida, nos termos do artigo 204º/1/ i) do CPPT, tendo em vista a suspensão da execução, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados – cf. os Acórdãos do STA de 17 de maio de 2017, rec. n.º 1015/16, de 6 de outubro de 2021, processo n.º 185/18.0BELRA, de 27 de outubro de 2021, processo n.º 2906/18.1BEBRG e de 28 de fevereiro de 2024, processo n.º 172/19.0BELRS).
É este julgado que também aqui se acolhe, porquanto, além do mais, nele nos revemos e o que melhor compatibiliza os interesses do credor com a tutela do devedor a que não sejam praticados actos executivos ofensivos da sua esfera patrimonial enquanto a reclamação graciosa acompanhada de garantia para suspender a execução não for decidida.
É que, como lembrava Dulce Neto em voto de vencida aposto em Acórdão deste STA de 2017, a apresentação dessa reclamação não impede a emissão de título executivo logo que decorrido o prazo para pagamento voluntário (ainda que esteja no início ou em pleno curso o prazo para impugnar administrativamente ou contenciosamente esse ato tributário), nem impede a remessa do título executivo para o serviço de finanças e instauração da execução fiscal.// Todavia, no caso, tendo o devedor apresentado reclamação graciosa contra o acto de liquidação e pedido para prestar garantia, estando a aguardar que os serviços da AT lhe fixem o montante a garantir, o processo de execução, ainda que possa ser instaurado, não pode prosseguir até que seja apreciado esse pedido. (…) Todavia, considerando que a oposição à execução pode ter por finalidade não só a extinção como a suspensão da execução fiscal, entendo que, neste caso, a decisão de procedência da oposição determina apenas a suspensão da execução fiscal a partir do momento da sua instauração, com a anulação de todas as diligências e atos processuais que indevidamente foram praticados.
Sucede, porém, que no caso dos autos, não apenas a execução fiscal foi instaurada, como o executado dela foi citado (em 1/09/2018 – cf. o n.º 7 do probatório fixado) na pendência da reclamação deduzida e sem que houvesse resposta ao pedido de prestação de garantia.
Ora, entende-se que, contrariamente à instauração da execução, a citação do executado não podia ter lugar no circunstancialismo dos presentes autos (pendência de reclamação graciosa com pedido de fixação da garantia a prestar para suspender a execução), designadamente porque a citação do executado tem efeitos interruptivos duradouros sobre a contagem do prazo de prescrição (artigo 49.º n.º 1 e n.º 3 da LGT), não sendo indiferente que a interrupção da prescrição ocorra por efeito da citação ou da reclamação.
Assim sendo, como bem salienta o Exmo Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, impõe-se conceder parcial provimento ao recurso, porquanto após a instauração da execução esta não devia ter prosseguido para citação do executado, antes devia ter sido sustada até ser decidido o procedimento de prestação de garantia, motivo pelo qual o acto de citação é ilegal.

Assim, a sentença recorrida terá de ser parcialmente revogada, dando-se provimento parcial ao recurso e julgando parcialmente procedente a oposição.


Em conclusão:
I - A dedução de reclamação graciosa e consequente impugnação judicial, com prestação de garantia, antes do decurso do prazo de pagamento voluntário do tributo, não obsta à instauração de execução fiscal, mas nada mais pode ser feito e, sendo a execução instaurada pode o interessado deduzir oposição judicial com fundamento na inexigibilidade da dívida, nos termos do artigo 204º/1/ i) do CPPT, tendo em vista a suspensão da execução, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados.
II - Padece de ilegalidade a citação efectuada na execução fiscal na pendência de reclamação graciosa com pedido de fixação da garantia a prestar para suspender a execução, designadamente porque a citação do executado tem efeitos interruptivos duradouros sobre a contagem do prazo de prescrição.

Pelo exposto, o recurso merece parcial provimento.
- Decisão -
6. Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que abrange igualmente a citação do executado, nessa parte julgando parcialmente procedente a oposição.

Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, que se fixa em 50%, mais se dispensando a entidade recorrida do pagamento da taxa de justiça, desta instância de recurso, dado não ter produzido contra-alegações.

Lisboa, 6 de março de 2024 – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.