Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:099/17
Data do Acordão:01/31/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:INSPECÇÃO
ENCERRAMENTO
ACTO LESIVO
Sumário:I - Os procedimentos inspectivos têm uma duração legal prevista não podendo, por opção do legislador, eternizar-se.
II - São procedimentos que interferem com o normal funcionamento das empresas porque o seu objecto social nunca é ser alvo de inspecções, exigem colaboração do contribuinte, que, sendo dever de colaboração com a Administração Tributária, imposto por lei, não é actividade comercial ou industrial, e geram naturalmente constrangimentos, perturbações, exigem a recolha e fornecimento de dados, a afectação de funcionários a funções diversas das que lhe competem, e, mantêm, enquanto perduram, uma incerteza sobre a situação tributária das empresas e dos contribuintes que não pode protelar-se indefinidamente.
III - Estas, algumas das possíveis facetas de lesividade do prolongamento das acções inspectivas, para além do estritamente necessário ao fim legal que lhes é conferido por lei.
Nº Convencional:JSTA000P22857
Nº do Documento:SA220180131099
Data de Entrada:01/30/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria
. de 08 de Junho de 2016

Absolve a Fazenda Pública da instância.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no processo n.º 1292/15.6BELRA de impugnação si instaurado contra o despacho de 09.07.2015, proferido pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Leiria, que concluiu pela legalidade da actuação da inspecção tributária tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
1. No dia 09 de Fevereiro de 2012, foi iniciado o procedimento de inspecção, ao qual foi atribuído o número de Ordem de Inspecção OI201200269 - doc. 1. Procedimento de inspecção parcial, cingido ao IVA de 2010 e 2011.

2. No dia 10 de Fevereiro de 2012, no âmbito deste procedimento de inspecção, foi recebida uma carta, fixando o prazo de 30 dias para exibição de escrita comercial - doc. 2. O que teve lugar.

3. No dia 23 de Março de 2012, e após analise pelos Serviços de Finanças do ano de 2010, foi solicitado um conjunto de esclarecimentos e apresentação de documentos - doc. 3. O que teve lugar - doc. 4.

4. No dia 24 de agosto de 2012, foi recepcionada uma notificação dos serviços de inspecção de finanças a prorrogar o prazo da inspecção por mais 3 meses e onde informavam que se previa terminar a inspecção em 09/11/2012 - doc. 5.

5. Em 31 de Outubro de 2012, foi recepcionada nova prorrogação por mais 3 meses e nova informação que se previa terminar a inspecção em causa em 09/02/2013 - doc. 6.

6. No dia 06 Junho de 2014, foi a B………… visitada pela Polícia Judiciária, com o fundamento, falso, na "recusa de apresentação de escrita".

7. E, com base neste falso fundamento, procederam a buscas e apreenderam toda a documentação dessa sociedade.

8. Isto, após um ano e 4 meses sem qualquer contacto ou qualquer solicitação do departamento de inspecção tributária de Leiria.

9. E, sempre mais de dois anos após o início da inspecção.

10. Sendo que, depois disso, nada mais se soube e, entretanto, já decorreram mais de doze meses. Assim,

11. Este Departamento, de forma ilegal, "arrasta" um procedimento de inspecção que, há muito, caducou, sendo que atento o disposto no RCPIT, esta inspecção teria de ser concluída no prazo máximo de um ano, e não foi.

12. Este Departamento, de forma ilegal, e infundada, determinou a apreensão dos documentos, uma vez que nunca foi negada a apresentação de quaisquer documentos, nem nunca foi negada qualquer colaboração por parte da empresa.

13. Este Departamento, nunca notificou aos intervenientes o "relatório preliminar", sendo certo que, este, tem de ser notificado ao contribuinte para se pronunciar (Direito de Audição Prévia).

14. Este Departamento, nunca notificou aos intervenientes o "relatório final",

15. Este Departamento violou todos os formalismos, prazos e exigências legais e processuais.

16. Assim, porque o comportamento ora denunciado, está a causar prejuízos e danos, nomeadamente, no que à apreensão da documentação, infundada e ilegal, diz respeito, sendo que há muito, decorreu o prazo admissível para a sua "retenção",

17. Requereu-se, fosse conhecida e declarada a nulidade de todo o processado, que expressamente se argui, dar por finda a "inspecção em curso" e, imediatamente, devolver toda a documentação que, ilegalmente retêm.

18. Foi então proferido o despacho que se impugna, pelo presente.

19. Termos em que, por errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários, que apenas foram dados a conhecer ao sujeito passivo, no âmbito do processo-crime, incompetência da entidade decisora, ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida, preterição de outras formalidades legais, acima referidas, e consequente nulidade e, sempre, por falta de verificação dos requisitos legais que permitam o despacho impugnando, deve a impugnação ser julgada procedente por provada e, consequentemente, porque o despacho impugnando, está a causar prejuízos e danos, nomeadamente, no que à apreensão da documentação, infundada e ilegal, diz respeito, sendo que há muito, decorreu o prazo admissível para a sua "retenção", ser o despacho impugnando revogado e substituído por outro que conheça e declare a nulidade de todo o processado, que expressamente se argui, dar por finda a "inspecção em curso" e, imediatamente, devolver toda a documentação que, ilegalmente retêm.

20. Nos autos, está em causa a impugnação do despacho proferido que conclui, erradamente, assim se entende, pela legalidade da actuação da inspecção.

21. De facto, ao contrário do vertido na sentença recorrida, o acto impugnado afecta, de forma directa e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do Impugnante.

22. Este acto é, por isso, à luz das citadas disposições legais, susceptível de impugnação directa e autónoma.

23. Não sendo exigível ao Impugnante que tenha "de esperar pelo acto final de liquidação para o impugnar"

24. Sob pena de o processo se "arrastar" por tempo infinito.

25. Não sendo, nunca, atacável esta realidade.

26. Sendo que, quanto mais não seja, e é, sempre se trata de um despacho/"acto de liquidação, ainda que de forma mediata".

27. Há-de entender-se, no mínimo, este acto, aqui impugnando, como acto de liquidação, enquanto "acto administrativo pelo qual se determinará o quantitativo do imposto a pagar pelo contribuinte por aplicação da taxa à matéria colectável, susceptível, por isso, de impugnação a interpor para os tribunais administrativos e fiscais."

28. Seguir o raciocínio, agora pugnando pela decisão recorrida, seria permitir, como se verifica que os prazos legalmente fixados, referidos na petição inicial, nenhum efeito tivessem.

29. Seria permitir que o procedimento se arrastasse durante anos, décadas, sem mais.

30. Com manifestos prejuízos, directos e indirectos, para o impugnante.

31. Que, a entender-se de rejeitar a impugnação, nada poderia fazer para defender os seus direitos.

Requereu que seja concedido provimento ao presente recurso, se reconheça da impugnabilidade do acto, objecto destes autos e, consequentemente, se aprecie a impugnação e se conclua pela procedência da mesma.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso, alertando para diversas questões de ordem formal que adiante mencionaremos.
Não foram apresentadas contra-alegações.

A decisão recorrida suportou-se nos seguintes factos que enunciou:
a) Com base na OI201200269, de 26.01.2012, foi iniciada uma acção de inspecção externa à “B…………, S.A.” (cfr. doc. 1, junto a fls. 12 dos autos);

b) Em 03.07.2015, o Impugnante dirigiu uma exposição ao Director de Finanças de Leiria alegando que a inspecção tributária violou todos os formalismos prazos e exigências legais e processuais e apreendeu os documentos da contabilidade de forma infundada e ilegal (cfr. informação, a fls. 71 dos autos);

c) Através do ofício n.º 4001, datado de 09.07.2015, o Impugnante foi notificado do despacho, da mesma data, do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças (DF) de Leiria que, com os fundamentos constantes da informação n.º 9/2015, concluiu pela legalidade da actuação da inspecção tributária, tendo em consideração a suspensão do procedimento de inspecção, por força da instauração do processo de inquérito n.º 1454/11.6IDLRA, e que o acto de liquidação será realizado naqueles autos (cfr. ofício, a fls. 70 e 71 autos).

***
O objecto do presente recurso cinge-se à definição de estarmos, ou não perante um acto interlocutório autonomamente impugnável, como entende o impugnante ou, como entendeu a decisão recorrida perante um acto que só poderá ser contenciosamente atacado com a impugnação do acto de liquidação que venha a ser praticado na sequência da acção inspectiva aqui em questão.
Antes, porém, e porque um diverso entendimento teria que conduzir ao não conhecimento do presente recurso atentemos que o recurso e a impugnação diz-se intentada pelo recorrente mas todo o discurso argumentativo se refere à sociedade B…………, S.A. de que o recorrente será o representante legal. A decisão recorrida também se refere indistintamente à acção inspectiva de que foi, ou está a ser alvo a sociedade e o impugnante, no que se poderia dizer um entendimento e reforço do que eventualmente será um lapso, mais que erro conceptual do mandatário que elaborou as peças processuais.
Para clarificação da situação foi determinada a notificação do mandatário e do impugnante para que indicassem em que qualidade se apresenta o impugnante nestes autos, se em representação da sociedade ou se em seu nome pessoal.
A resposta, constante de fls. 139 e 140 indica que o impugnante pretende intervir nestes autos como pessoa singular e em representação da sociedade B…………, S.A. invocando que é objecto da acção inspectiva aberta contra a dita sociedade, quer como seu representante, quer em seu nome pessoal.
Há, como referimos, uma pluralidade de documentos da acção inspectiva que se dirigem directamente ao impugnante sem invocar a sua qualidade de representante da sociedade inspeccionada. Daí que, contrariamente ao que parece entender o Magistrado do Ministério Público consideramos que o impugnante se apresenta com legitimidade bastante para intervir nos autos seja como pessoa singular, seja em representação da sociedade por ser manifestamente o titular da relação material controvertida, nas duas vestes, tal como esta se mostra configurada na petição inicial.
Passando ao conhecimento do objecto do recurso, atinente à impugnabilidade do acto de indeferimento do pedido de encerramento da acção inspectiva, com base em não ser lesivo dos legítimos direitos e interesses seja da sociedade impugnante seja do impugnante, e poder só ser impugnado depois de a Administração Tributária emitir um acto de liquidação, com base nos dados que recolha nessa acção inspectiva, não pode deixar de constatar-se que estamos perante um erro de julgamento.
Os procedimentos inspectivos têm uma duração legal prevista não podendo, por opção do legislador, eternizar-se. São procedimentos que interferem com o normal funcionamento das empresas porque o seu objecto social nunca é ser alvo de inspecções, exigem colaboração do contribuinte, que, sendo dever de colaboração com a Administração Tributária, imposto por lei, não é actividade comercial ou industrial, e geram naturalmente constrangimentos, perturbações, exigem a recolha e fornecimento de dados, a afectação de funcionários a funções diversas das que lhe competem, e, mantêm, enquanto perduram, uma incerteza sobre a situação tributária das empresas e dos contribuintes que não pode protelar-se indefinidamente. Estas, algumas das possíveis facetas de lesividade do prolongamento das acções inspectivas, para além do estritamente necessário ao fim legal que lhes é conferido por lei, que também absorvem recursos públicos em meios materiais e humanos da Administração Tributária que nelas se encontram envolvidos. Lesivo é também estar desapossado da sua documentação.
Ter que aguardar, no caso concreto, que seja produzido um acto de liquidação para poder judicialmente reagir contra uma acção inspectiva que seja desnecessária ou mesmo abusivamente prolongada é insuficiente para a salvaguarda dos direitos dos contribuintes, tanto mais que, em teoria sempre seria possível que nenhum acto de liquidação venha a ser produzido, num futuro incerto, com base nos dados recolhidos na acção inspectiva.
Naturalmente que a situação é algo perturbadora, como sempre são as reacções contra omissões. A omissão do encerramento da acção inspectiva, contra a qual se pretende defender o recorrente parece não revelar de modo suficientemente concreto que haja um dano, que é sempre muito mais visível quando se verifica uma acção. Mas a omissão do cumprimento de um dever tem em si a susceptibilidade de causar dano e, importa que o tribunal recorrido afira sobre se estamos perante uma omissão do cumprimento de um dever legal, e, caso tal ocorra em que medida é ele lesivo dos direitos e interesses do recorrente e como podem os danos ser reparados.
Além disso o tribunal recorrido terá que reanalisar todo o processo e, partindo do pedido e correspondente causa de pedir verificar se a impugnação judicial, preferencialmente concebida para atacar actos de liquidação é o meio próprio para fazer valer em juízo a pretensão formulada, convolando o processo para o meio adequado, no caso negativo.
O processo não reúne as condições para que este Supremo Tribunal Administrativo possa, em substituição do tribunal recorrido decidir todas as questões acabadas de enunciar, sendo certo que ao recorrente confere a lei o direito de ver apreciada em primeira instância as suas pretensões, com direito a recurso, caso aquele Tribunal não as analise nos termos que o recorrente entenda satisfatórios.
Assim, não decorrendo da lei qualquer insusceptibilidade de impugnação/recurso da omissão de encerramento da acção inspectiva, nem podendo considerar-se que a manutenção da acção inspectiva indefinidamente não seja lesiva dos direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente, deverá o Tribunal recorrido verificar a adequação do meio processual utilizado, proceder à sua convolação se necessário e, legalmente possível, e desenvolver os demais trâmites processuais conducentes à análise e decisão da pretensão formulada em juízo.

Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e, determinar que os autos voltem ao Tribunal de 1.ª instância para serem processados e julgados nos termos antes indicados.
Custas pela recorrida que não suportará taxa de justiça face à ausência de contra-alegações.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 31 de Janeiro de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) – Casimiro Gonçalves – Ascensão Lopes.